Ano: 1990 Vol. 56 Ed. 1 - Janeiro - Março - (2º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 09 a 13
Critérios e limites da cirurgia da otosclerose
Otosclerosis surgery: criteria and limits
Autor(es): Roberto Martinho da Rocha
Palavras-chave:
Keywords: otosclerosis; middle ear
Resumo:
A indicação cirúrgica depende da previsão de sucesso, com ganho auditivo e anulação da diferença entre a audição aérea e óssea.
Na otosclerose avançada, um resultado modesto pode ser compensador para o paciente muito surdo. Há contra-indicação quando um dos ouvidos é tão prejudicado que não ouve nem com uso de prótese auditiva. Também é contra-indicado operar ouvido infectado ou com perfuração timpânica. A intervenção pode ser realizada depois de operação anterior com proveito transitório ou sem proveito. Desde que exista reserva coclear, pode haver recuperacão funcional.
Fístula labiríntica após cirurgia é de difícil diagnóstico e deve ser pesquisada em caso de suspeita.
A indicação de cirurgia no tratamento da otosclerose está diretamente relacionada com o diagnóstico de fixação do estribo, responsável pela hipoacusia causada pela doença.
Quando a otosclerose se localiza na articulação estapediovestibular, interfere com a mobilidade do estribo e reduz a transmissão dos sons do ouvido médio para o ouvido interno, causando hipoacusia condutiva e produzindo otosclerose clínica.
A lesão pode iniciar-se fixando o estribo e depois propagar-se à cóclea e ao vestíbulo, provocando hipoacusia mista, isto é, condutiva e neurossensorial. Pode desenvolver-se apenas no ouvido interno, com perda neurossensorial pura, sendo, nestes casos, denominada otosclerose coclear.
Diagnóstico
O diagnóstico nos casos típicos é fácil. A doença possui características que permitem o diagnóstico preciso ao alcance de qualquer especialista, com base na história de hipoacusia, exame otoscópico, audiometria e impedanciometria.
A otosclerose pode surgir em qualquer idade, mas é mais comum no adulto jovem. Pode começar mais tarde; é rara na infância.
A piora é lenta e gradual, alcançando geralmente ambos ouvidos, mas um lado é mais afetado que o outro.
Quando a cóclea é atingida, há dificuldade para discriminar palavras, além da audição estar diminuída.
Zumbidos, de diversos tipos e intensidades acompanham a surdez, geralmente incidindo nos dois ouvidos, referidos como no centro da cabeça.
A otoscopia é normal, revelando membrana timpânica íntegra, com boa mobilidade à manobra de Valsalva e ao exame com o espéculo de Siegle.
Audiometria - A fixação do estribo faz com que a audição aérea seja menos audível que a condução ósseo (Rinne negativo), sobretudo com o diapasões 512 e 1024.
Fig. 1 - Rinne negatico
O audiograma deve incluir a d terminação do limiar da audição rea e óssea, com todos os cuidado técnicos, inclusive com mascaramento do ouvido oposto. Além traçado da audição limiar, a determinação do percentual de discriminação das palavras é essencial, m ainda quando há comprometimento da função coclear 2.
Impedanciometria e prova do reflexo do músculo estapédico.
A timpanometria apresenta a curva denominada "Ar", ou curva rigidez, semelhante à normal, caracterizada por um pico máximo pressão de água igual a zero, por mais achatada. Há ausência ou reação acentuada do reflexo do músculo estapédico.
Fig. 2 - Audiograma pré e pós operatório de caso típico
Fig. 3 - Timpanoplastia com traçado "Ar".
Indicação cirúrgica
A cirurgia está indicada nos casos em que as provas de diagnóstico indicam adequada reserva coclear; quando a remobilização dos líquidos labirínticos pode proporcionar melhor percepção ao nível do órgão de Corti.
O surgimento da estapedectomia 4 permitiu recuperação integral da transmissão sonora, com elevação da capacidade auditiva até níveis normais de audição.
A previsão de resultado modesto não contra-indica a cirurgia e uma pequena melhora da audição pode ser altamente compensadora, sobretudo para pacientes muito surdos.
Sempre deve-se operar o ouvido pior. Está formalmente contra-indicada quando um dos ouvidos está muito comprometido, sem poder ouvir apesar do uso de prótese, seja por efeito da própria doença, seja por complicação decorrente de cirurgia anterior.
Se as condições clínicas, gerais e otológicas permitirem e se houver previsão de boa margem de ganho auditivo, a operação estará indicada, no ouvido pior, sempre que o nível de perda estiver prejudicando o desempenho auditivo do paciente.
É conveniente intervir quando há perda de mais de 40 dB de audição por via aérea para as freqüências básicas da conversação.
Indicação da técnica
Estapedectomia versus Estapedotomia.
Desde a divulgação das técnicas pioneiras, as modificações da estapedectomia guardam suas bases originais e, apesar de sua evolução, com procedimentos cada vez menos traumatizantes para o ouvido interno, a cirurgia consiste na superação do obstáculo mecânico da transmissão sonora. Os objetivos das alterações de técnica são a proteção da cóclea e o maior ganho auditivo.
Estapedectomia - O termo foi assim consagrado. Consiste na retirada do estribo e sua substituição por uma prótese colocada entre a bigorna e o vestíbulo. Depois de retirada a estrutura superior do estribo, composta da cabeça e dos arcos do ossículo, a platina é perfurada e depois removida, deixando aberta a janela oval. Quando a platina é espessa, como na otosclerose obliterante, a ampla abertura é criada com o uso de broca. A janela é coberta com enxerto (veia, fascia , pericôndrio) ou apenas com Gelfoam.
Estapedotomia - Técnica de microfenestra 5.
Neste procedimento, em lugar de remover todo o estribo, é feito apenas um orifício na platina e a colocação de uma prótese de pistão, de calibre proporcional ao orifício criado. A prótese tem que ser maior, em profundidade, que a distância que separa a bigorna da platina.
A estapedotomia pode ser executada sem dano para o ouvido interno e com excelentes resultados na hipóacusia provocada pela otosclerose.
A indicação da remoção total ou parcial do estribo é assunto discutível. A comparação entre estapedectomia e estapedotomia demonstra benefícios com ambas as técnicas, desde que realizadas corretamente. A operação da microfenestra, ou estapedotomia, dá melhores resultados segundo a maioria dos otologistas.
Fig. 4 - Audiograma pré e pós-operatório de otoesclerose avançada.
Fig. 5 - Estapedectomia
Fig. 6 - Estapedotomia
Vantagens da microfenestra
Intervenção com maior índice de sucessos, com melhor audição e menos lesão neurossensorial. Há menos traumatismos com abertura mínima do vestíbulo. Melhor ganho para os sons de tonalidade aguda e melhor capacidade de discriminação das palavras. A prótese de pistão, de calibre proporcional ao orifício na platina, dispensa enxerto. A própria mucosa da base do estribo adere ao pistão, selando o vestíbulo. A adaptação da prótese ao orifício é estável, não permitindo seu deslocamento.
Contra-indicações - Quando não está indicada a cirurgia.
Quando a diferença entre a audição aérea e óssea é reduzida , com prova de Rinnie positiva .
Idade - A idade mínima para operação eletiva do ouvido é de cinco anos, quando o pequeno paciente compreende a atitude do médico e por isso mesmo, colabora com o tratamento.
Também até está idade são comuns as infecções das vias respiratória superiores, com possível comprometimento inflamatório do ouvido médio, podendo interferir negativamente no resultado da cirurgia.
Na idade avançada a indicação depende das condições dos ouvido e das condições de saúde geral.
Saúde geral - Não devem ser operados pacientes com desordem mentais graves, doenças crônica graves e tumores malignos.
Infecção do ouvido - Abrir o vestíbulo de ouvido infectado é perigoso pode levar a labirintite e perda d audição. Se houver perfuração pânica, deve-se primeiro corrigir defeito por miringoplastia, deixando a cirurgia da otosclerose para depois.
Operação do único ouvido funcionante
É contra-indicada a intervenção quando existe risco, ainda que remoto, de que o doente possa perder a audição em conseqüência da operação sem o recurso de ou pelo lado oposto, apesar do emprego de prótese auricular.
Fibrose do ouvido médio - Se caracteriza por hipoacusia semelhar à do otosclerose, observando-se membrana timpânica íntegra, opaca, espessa, imóvel ao uso do espéculo de Siegle e à manobra de Valsalva. Ausência de reflexo do músculo estapédico. Se a cirurgia chega a se realizada, constata-se fibrose cicatricial das estruturas do ouvido médio, com aderências irremovíveis, tornando impossível a melhora fundo al. Geralmente ocorre em um só ouvido, preservando o outro.
Dificuldades técnicas - O paciente (deve ser avisado dos riscos da intervenção e da possibilidade da interrupção do ato cirúrgico se forem encontradas dificuldades anatômicas e outros problemas sérios, nos quais as tentativas de contornar as dificuldades possam arriscar demais as estruturas do ouvido.
Revisão cirúrgica - Quando está indicado re-operar
O paciente que não obtem bom resultado com a cirurgia pode ser candidato à re-operação. Insatisfeito com os benefícios obtidos, inclusive nos exames de controle, pode haver condições para revisão cirúrgica. Há casos em que o doente procura outro médico, não o que o operou, tornando difícil avaliar o que teria ocorrido na primeira cirurgia.
Pode haver grande suspeita do que teria se passado. O ato cirúrgico deverá ser conduzido passa a passo, verificando minuciosamente todas as estruturas em busca da causa de falta de bom êxito da primeira intervenção.
Há casos em que o paciente informa que não mudou nada em sua audição depois da operação. Numa revisão se poderá constatar que o primeiro cirurgião não completou a operação. Pode ter ocorrido algo que não o permitiu realizar totalmente o ato operatório. Por outro lado poderá ser constatado que a falta de bom resultado se deveu a uma prótese muita curta, que não fazia conexão adequada entre a bigorna e o vestíbulo.
Volta ao estado anterior
Há casos em que o paciente sente melhora de audição com a primeira operação, porém por pouco tempo, voltando a ter a mesma perda condutiva anterior. Deve-se pensar nas seguintes possibilidades:
1. Prótese aderente à borda da janela, sem poder transmitir as vibrações sonoras;
2. Proliferação de otosclerose provocando fechamento secundário do orifício na janela oval;
3. Necrose da longa apófise da bigorna, mais observada com a prótese de polietileno e a de fio de aço;
4. Fixação da bigorna e/ou do martelo no ático, secundária a processo inflamatório, independente da otosclerose;
5. Deslocamento da prótese, seja com falta de contato da prótese com a bigorna, seja com fixação da prótese contra a borda da janela oval.
Fig. 7 - Causas de insucesso.
Resultados auditivos pouco satisfatório têm sido relatados em grande número de re-operações. Por isso, nas revisões, é preciso alertar os pacientes sobre a dificuldade de antecipar bom êxito com a intervenção 7.
O problema da fístula labiríntica
Fístula é um problema importante, que pode suceder com qualquer tipo de técnica usada. Pode aparecer como orifício na mucosa que sela o vestíbulo ou pode existir desde a operação, por falta de cicatrização
Fig. 8 - Fístula pós-operatória.
O diagnóstico é difícil. Pode surgir como surdez súbita, provocada por diferença de pressão em viagem de avião, em mergulho de profundidade ou por simples esforço físico.
Geralmente se manifesta por sensação de plenitude no ouvido, vertigem, audição variável, flutuante, com baixa do nível da audição, pouca discriminação das palavras e zumbidos. O paciente poderá informar que os sintomas não são constantes, com fases de aparente normalidade.
A revisão deve ser indicada quando se suspeita de fístula, porque uma intervenção a tempo, além do alívio permanente para o doente, é capaz de preservar ou recuperar a audição.
Granuloma pós-operatório
É um problema relativamente raro. Manifesta-se precocemente, nos primeiros dias depois de intervenção de transcurso normal, no qual houve ganho auditivo evidente. Há penda de audição, inclusive para a transmissão de sons por via óssea, com prejuízo da discriminação e vertigem.
A indicação de revisão é imediata. Em um único caso que observamos, re-operamos com quinze dias, encontrando proliferação de tecido granuloso no ouvido médio. Foi possível salvar a audição, com resultado foral parcial e discreta deficiência da discriminação por moderada perda neurossensorial.
Summary
Surgical indication depends on possible hearing gain and closure of the gap between air and tone conduction.
In advanced otosclerosis pardal hearing improvement can be useful for the patient Mth severe deafness.
Surgery should not be indicated when the patient has only one hearing ear. Also surgery should not be performed when the ear is infected or has tyrnpanic perforation.
If there is good cochlear reserve functional recuperation may be achieved.
Labyrinthine fistula after surgery is dijicult to be diagnosed and should be searched when suspected.
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* Apresentado no XIV Congresso Mundial de Otorrinolaringologia e Patologia Cérvico -Facial - Madrid, Espanha, 10 a 15 de setembro de 1989.
Endereço do Autor: Dr. Roberto Maninho da Rocha - Rua Farme de Amoedo, 751302 - 22420 - Rio de Janeiro, RJ-Brasil