Versão Inglês

Ano:  1977  Vol. 43   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 240 a 247

 

CISTO DE THORNWALDT - apresentação de um caso

Autor(es): Lidio Granato *
Eduardo Klein **
Décio R. Campana ***

Resumo:
Os autores apresentam o caso de uma paciente com 62 anos de idade, portadora de cisto de rinofaringe, cuja história, exame físico e estudo radiológico sugeriram com grande probabilidade, tratar-se de cisto de Thornwaldt. A paciente foi submetida a exesere do cisto por via transpalatina e o exame anatomo-patológico confirmou o diagnóstico. O diagnóstico diferencial foi enfatizado pelos autores.

Os cistos da nasofaringe são raros. Este trabalho refere-se a um caso de cisto de Thornwaldt, que se apresentou clinicamente muito típico e cuja comprovação foi feita pelo exame anátomo - patológico.

O intuito desta apresentação é o de chamar a atenção para as características, da doença ou síndrome de Thomwaldt, como querem alguns autores, e também, enfatizar o diagnóstico diferencial com patologias benignas da rinofaringe.

APRESENTAÇÃO DO CASO

F.F.C. - fem, preta, 62 anos, proc. São Paulo (Capital), doméstica. Q.D. - Catarro na garganta há 2 meses.

HMA - Refere a paciente que há 2 meses, começou apresentar obstrução nasal, catarro na garganta que a obrigava a pigarrear constantemente. Fez uso de gotas nasais, porém sem melhora.

A obstrução nasal piorou progressivamente, principalmente na fossa nasal direita, tornando-se a voz bem anasalada.

A sintomatologia piorava á noite, sempre com a sensação de catarro agarrado à garganta, dificultando o sono.

Antecedentes pessoais: foi amídala ctomizada há 35 anos.

No exame otorrinolaringológico objetivo observou-se o seguinte:

FOSSAS NASAIS:

Rinoscopia Anterior: mucosa pálida, sem secreção.

Rinoscopia Posterior: presença de grande massa, ocupando quase inteiramente a rinofaringe, fixada na sua parede posterior e bloqueando praticamente ambas coanas. A superfície era bastante lisa.



Fig. 1 - Rx de perfil: formação cística preenchimento totalmente a nasofaringe. Não há sinais de comprometimento ósseo.



Fig. 2 - Posição de Hirtz: o mesmo achado radiológico anterior.



O estudo radiográfico revelou nas posições de perfil e Hirtz uma massa tumoral bem delimitada, preenchendo totalmente a rinofaringe. (figs. 1 e 2). Com a hipótese diagnóstíca de cisto da rinofaringe, provavelmente de Thornwaldt foram pedidos os exames pré-operatórios. Neste intervalo, enquanto a paciente aguardava a cirurgia, retornou referindo que repentinamente melhorou da obstrução nasal e da rinolalia.

Pedimos novo estudo radiográfico na posição de perfil, que realmente mostrou uma diminuição no tamanho da massa da rinofaringe, coincidindo com a melhorada sintomatologia. (fig. 3).

ACHADO CIRÚRGICO

A paciente foi submetida a exsêrese do cisto nasofaringeal sob anestesia geral com encubação endotraqueal.

A via de acesso foi a transpalatina incisão de PRECECHTEL e seguindo-se a técnica de WILSON.

O cisto apresentava-se com a superfície lisa e com um pequeno orifício no seu bordo inferior de onde drenava líquido amarelado, muco-purulento. Embora o saco cístico se mostrasse definitivo, não conseguimos descola-lo inteiramente, pois era muito friável e obrigou-nos a removê-lo por partes. A fixação maior do cisto era na parede posterior da nasofaringe, parte alta, do bordo do músculo constrictor superior da faringe.



Fig. 3 - RX de perfil: houve uma diminuição do volume do cisto.



Encaminhamos o conteúdo líquido para exame citológico que se mostrou constituído por numerosos leucócitos, neutrófilos em sua maior parte, isolados ou agrupados, degenerados. Regular quantidade de eritrócitos. Pequeno número de células histiocitárias com fagocitose de pigmento de hemossiderina:

O estudo anátomo- patológico mostrou fragmentos representados por superfície mucosa, revestida por epitélio pavimentoso estratificado sob o qual vêm-se numerosos agrupamentos de linfócitos, muitas vezes assumindo arranjo folicular à maneira do que ocorre no tecido línfo-adenoideo.

Um dos coités mostra uma parede. cística também revestida por epitélio pavimentoso estratificado, junto ao qual existem conglomerados linfóides com folículos no tecido conjuntivo frouxo subjacente.

O diagnóstico foi de cisto de faringe com hiperplasia linfóide (Dr. J. Donato de Próspero - Patologista). (fig. 4).



FIG: 4 - Anátomo-patológico: cisto de faringe com hiperplasia linfóide.



DISCUSSÃO

Os cistos da nasofaringe incluem principalmente:
1° Cistos Branquiogênicos - estão situados na parede lateral e se originam da segunda fenda branquial. Seriam mais propriamente chamados de cistos vestigiais laterais. Eles são forrados por epitélio colunar ciliado.

2° Degeneração cística do cordoma - Os cordomms são tumores disontogenéticos que surgem de remanescentes vestigiais da notocorda.

Eles crescem lentamente, são localmente invasivos e com tendência à recidiva.

Luschka (1) em 1857, descreveu uma prots,são gelatinosa da região do clivus de Blumenbach. Virchow (2) neste mesmo o io descreveu esta mesma massa e a denominou - "ECCHONDROSIS PHYSALiPHORA".

Ribbert (3) em 1895, usou pela primeira vez o termo "CORDOMA" e Linck (4) em 1909, publicou o primeiro caso de cordoma da nasofaringe. Estes tumores geralmente são sólidos e de consistência gelatinosa. Pode-se entretar;J observar áreas císticas cheias com material mucoso semifluido.

3° Bolsa Cística de Rathke - É uma invaginarão do ectoderma do "stomodeum", a qual caminha para cima e para trás e finalmente funde-se com a depressão infundibular, para formar o lobo anterior da glândula pituítária. Anát,. .fcamente é o chamado canal crânio-faringeal, (apud R. Badrawy e colaboradores - 1974) (5).

Esta bolsa ficará totalmente obliterada, podendo entretanto ocorrer anomalias tais como: persistência total do canal crânio - faringeal, persistência de remanescentes deixados ao longo do canal, que formarão os crânio faringeomas, persistência da metade inferior do canal ou d e uma pequena porção final do mesmo.

Em 1839, Rathke descreveu a persistência do canal, observando hérnia cerebral através do osso esfenóide, sendo que esta abertura recebeu então a denominação de Bolsa de Rathke.

Também Suchannek (7) (1887) observou um caso de persistência do canal numa menina de 4 anos de idade.

Também Waldeyer (8) em 1905, encontrou persistência do canal crânio faríngeas atingindo a nasofaringe através do seio esfenoidal.

Podemos também encontrar cistos ao longo deste canal. Na literatura há alguns poucos casos relatados.

São cistos forrados por epitélio escamoso e a ausência de qualquer orifício de drenagem, faz o diagnóstico diferencial com a doença de Thornwaldt.

4° Cistos de glândulas mucosas - São usualmente múltiplos, menores, fora da linha média e contendo mais tecido linfóide quando comparado com o cisto de Thornwaldt.

Deve-se também chamar a atenção como diagnóstico diferencial, com alguns pólipos da nasofaringe, que sofrendo edema intersticial intenso do estroina conjuntívo, com retenção de conteúdo mucóide, deixam a impressão clínica de - CISTO.

5º Doença ou Cisto de Thornwaldt - também chamada de "bursa faringeal" ou "bursa nasofaringeal", foi observada por Mayer apud James (9) em 1840 e ,Luschka em 1868 Apud Hollender (10). Estas observações foram feitas em salas de anatomia e coube a Thornwaldt em 1885 (12) atribuir-lhe sintomas clínicos, tendo publicado na época 25 casos.

Kully (13) apresentou 88 casos de abscesso nasofaringeal, num período de 6 anos, sendo que um grande número eram devidos à bursa de Thornwaldt Em 1929 Yankauer (14) apresentou 155 casos de abscessos de rinofaringe, porém a nenhum deles o autor atribuiu à "bursa faringeal" mas sim à coolescência de tecido adenoideano na região mediana formando um cisto.

Com relação à sua etiologia, é ainda discutível. Parece que a bolsa surge precocemente na vida embrionária e pode persistir após o nascimento. Acham os autores que tal persistência depende da continuidade da união de segmento faringeal da notocorda, com o ecdoderma faringeal, durante o período de degeneração da notocorda. Tal atividade ocorre sobre o processo basilar do osso occiptal.

A "bursa faringeal" foi encontrada em contato com a notocorda em 40% de uma série de 20 embriões segundo Snook (15), porém , menos do que 4% é observada na vida adulta.

Há outras hipóteses para explicar o aparecimento da bursa, sendo que a mais aceita é a de Yankauer em 1929 (14), que propôs tratar-se de uma retenção cística, na fenda medial da adenóide.

A "bursa faringeal" fica debaixo do tecido adenoideano e esvazia-se por um orifício na porção mais baixa deste tecido. O saco estendesse para cima e para baixo do periósteo.

Clinicamente ela pode manifestar-se sob 2 formas: como cisto, quando o ducto está ocluído e formação de crostas quando houver descarga de material.

Aparentemente o cisto não é infectado a não ser quando houver uma contaminação do mesmo por injúria no seu ducto de drenagem, como acontece na adenoidectomia.

SINTOMAS

Obstrução nasal, rinoialia, descargas posteriores e formação de crostas, são os sintomas mais freqüentes. São ainda referidos halitose e gosto ruim na boca.

Cefaléia occiptal que surge quase diariamente e às vezes febre, especialmente após a tentativa de algum tratamento local.

Alguns pacientes quando apresentam crostas na nasofaringe, queixam-.se de dores neste território e mesmo otalgias. As crostas são crônicas e ficam localizadas no bordo inferior das adenóides.

Alguns autores referem que os pacientes podem apresentar agravamento de suas cefaléias quando movimentam a cabeça. Há ainda a possibilidade deste cisto determinar infecção focal provocando manifestações alérgicas e desordens visuais.

COMENTÁRIOS

Como já mencionamos inicialmente, o caso mostrava-se bastante sugestivo de cisto de Thornwaldt, pela história e exame físico. Posteriormente, o estudo radiográfico veio reforçar esta hipótese diagnóstica. O único dado que fugia daqueles mencionados pela literatura era o grupo etário da paciente, pois sabemos que a maior parte destes cistos surgem clinicamente na 2° e 3' décadas da vida. Afetam igualmente homens e mulheres. Apud Paparella e Shumrick (1S).

O aparecimento dos sintomas no caso, não pareceu estar relacionado com traumatismo. A paciente não foi submetida a remoção da adenóide, que freqüentemente determina alguma lesão ou propicia bloqueio do ducte para formar o cisto, segundo muitos autores.

Dado bastante interessante que pudemos observar e registrar radiograficamente foi o esvaziamento parcial, espontâneo do cisto, levando a uma melhora clínica significativa. Provavelmente a paciente passaria mais um período com abrandamento da sua sintomatologia e talvez o problema pudesse ser contemporizado por mais algum tempo, caso o diagnóstico não estivesse sido firmado e conseqüentemente programada a cirurgia.

Deve-se ressaltar que esta paciente não referia problemas otológicos concomitante com o início do seu quadro. Realmente pudemos observar que as paredes laterais da faringe, junto aos óstios tubários estavam livres, e explicando a ausência de sintomas auditivos.

Com relação ao tratamento, já foram utilizados: Cauterização, uso de substância esclerosante,arsupialização das paredes do cisto, etc. Acreditamos que o método mais seguro seja a remoção cirúrgica. Para pequenos cistos, principalmente aqueles de localização lateral, o uso do microscópio cirúrgico poderia ajudar na exerese, utilizando-se a cavidade nasal. Para cistos maiores a via transpalatina, dá boa exposição e possibilidades de exegese total do cisto, evitando-se assim possíveis recidivas.

SUMMARY

The authors presented a case of a pacient, aged 62 year, who had a nasopharyngeal cyst, whose history, physical examination and x-ray film, suggested that there was a great possibility of a Thornwaldt cyst.

The pacient was opereted on by Transpalatal approadh and the anatomopathologycal examination confirmed the diagnosis.

The authors also discussed the differencial diagnosis of this pathology.

BIBLIOGRAIA

1. Luschka, H (1857) Virchows Arch path, Anat, 11,8
2. Virchow, R. (1857) Untersuchunger Uber die entwickelung des schädelgrundes, Berlin.
3. Ribbert, H (1895) zbl alig Path, Anat. 6,268.
4. Linck, A (1909) Bihr, path, 46,573.
5. Badrawy R. Safwat. F. Fahny S. - J. Laryngol. 0tol. 88:571-8 (1974).
6. Rathke, H (1839) Künigsberg, Gehr, Borntrif ger.
7. Suchannek, H. (1887) Anatonisher Anzeiger, 2,520.
8. Waldeyer, W. (1905) Internacionale Monatsshrift für Anatomie und Physiologie, 21,311.
9. James, A.E: Thornwaldt cyst. Br. J. Radiol. 41:902-904,1968 10 Hollender A.R. Nasopharynx. Laringoscope 56:282-304, 1946.
12 Thornwaldt, G.L. apud Hollender A.R.
13 Kully, B.M.: cysts and retention abscesses of the nasopharynz. A report of eight cases, J. Laryng 8 OtoL 50:317-328, 1935.
14. Yankauer, S. (1929) Transactions of the American Academy of Ophthalmology and otalaryngology pg. 364.
15. Snook Apud Badrawy R.
16. Paparella M.M. and Shumrick D.A. - "Otolarynlogy" W.B. Sanders Company - 1973 - vol. III pág. 34142.




ENDEREÇO DOS AUTORES
Disciplina de O. R. L. da F.C. M. S.C. R. Dr. Cesário Motta Jr., 112
São Paulo - São Paulo.

* Prof. Assistente da Clínica de ORL - Fac. de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
** Médico residente da Clínica de ORL - Fac. de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
*** Assistente da Clínica de ORL do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.

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