Versão Inglês

Ano:  1977  Vol. 43   Ed. 2  - Maio - Agosto - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 126 a 131

 

FISTULA ENTRE A ARTÉRIA OCIPITAL E 0 SEIO LATERAL COM SINDROME DE TUBA ABERTA

Autor(es): * Nicanor Letti
** Sergio Raupp
*** Inez Schneider

Resumo:
As fístulas artério-venosas formadas entre os sistemas da carótida externa e os seios da dura-máter são raras. Os zumbidos e outros sintomas que podem decorrer destas malformações devem sempre estar presentes aos especialistas para detectar tais casos. Descrevemos um caso raro, envolvendo uma fístula artério venosa entre a artéria ocipital e o seio lateral, acompanhada de um síndrome de tuba aberta. Foi curada com embolização da artéria com gelfoam através de cateterização superseletiva por via transfemoral.

INTRODUÇÃO

As comunicações artério-venosas entre o sistema da carótida externa e os seios venosos da dura-máter são raros. Pakarinem (1), Ciminello e Sacks (2) relataram uma comunicação fistulosa entre a artéria meningéia, que nascia da ocipital e desembocava no golfo da jugular. Aaron e col (3) mostram imagens, em seu livro sobre o estudo arteriográfico da carótida externa, de fistulas entre a artéria ocipital e o seio lateral. Brooks (4) em 1930 foi o primeiro a realizar o tratamento por embolização de uma fístula carótico - cavernosa. Djindjian (5) aperfeiçoou recentemente este método que está sendo empregado com sucesso.

Este trabalho relata o caso de um paciente, que apresentava zumbido pulsátil e um síndrome de tuba aberta, com fístula entre a artéria ocipital, ramo da carótida externa, e o seio lateral, que foi tratado com embolização.

CASO CLINICO

Um homem de 23 anos de idade, consultou pela primeira vez em setembro de 1973, por um zumbido intenso e pulsátil no ouvido direito, que melhorava quando colocava a cabeça em determinadas posições. Negava qualquer perda auditiva ou tonturas, mas o zumbido piorava na inspiração profunda e quando realizava exercícios físicos. Foi operado em outro serviço de desvio anatõmico do septo nasal, mas não melhorou dos sintomas. No exame otoscópico com microscópio, a membrana timpânica era móvel e sua mobilidade aumentava com a inspiração, que foi confirmado pela impedanciometria, o reflexo estapédico estava presente e era possível identifica-lo apesar dos movimentos da agulha do mostrador. A impedância do ouvido médio variava normalmente com as modificações da pressão. A audiometria realizada com Maico MA - 17 (ANSI 1969) era normal. O paciente não sofria de qualquer outra alteração otorrinolaringológica. Ao ser escutado com estetoscópio ouviu-se um pequeno ruído junto a mastoide direita, mas não apresentava sincronia com os batimentos cardíacos. Após relutar durante dois anos e realizar vários outros tratamentos, consentiu em submeter-se a uma arteriografia seletiva transfemoral da carótida externa e interna e se encontrou uma fístula artério-venosa ocipital que desembocava no seio lateral. As radiografias foram tratadas com técnica de subtração para estudar melhor o sistema venoso. Duas semanas após o paciente acertou realizar nova arteriografia superseletíva da artéria occipital com neuroleptoanalgesia e tentar embolização com gelfoam (Fig. 1,2,3). Na primeira injeção da substância foi obliterado só um dos ramos da artéria, mas na seguinte sentiu melhora imediata do zumbido e a fístula foi fechada, com desenvolvimento da circulação colateral, através da musculatura cervical e o enchimento do sistema vértebro-basilar. Foi revisado 2 e 3 meses após, e, estava sem zumbido, com audição normal e se considerava curado.




Fig. 1 - Arteriografia superseletiva da artéria ocipital com dilatação desta artéria e o ponto da fistula arteriovenosa (flexa cheia) com o enchimento do seio lateral e da jugular (flexa ôca). Téc



Fig. 2 - Após a primeira injeção de gelfoam, através do cateter vemos a embolização de um dos ramos da artéria ocipital, mas permanece a fístula (flexa fechada).



Fig. 3 - Na segunda injeção de gelfoam vemos a oclusão da fistula (flexa cheia) com a dilatação da ocipital. Desenvolvimento das comunicações musculares e enchimento do sistema arterial vértebro basilar e o desaparecimento imediato do zumbido.



DISCUSSÃO

As fístulas artéria -venosas da dura-máter podem ser congênitas, espontâneas e traumáticas, como as descreveu Ramamurthi e Balasubramanian (6). A origem embriológica e seus caminhos anatômicos foram estudados por Rowbotham e Little (7) que demonstraram a possibilidade do desenvolvimento de "shunts" na dura-máter entre artérias meningéias e os seios venosos. Embriologicamente podem se desenvolver malformações vasculares de ramos exclusivos da carótida externa com drenagem direta para os seios venosos. A artéria ocipital é o ramo mais posterior da carótida externa, e se origina na altura da facial. Tem um segmento pequeno, horizontal, do qual nasce o ramo esterno- cleido- mastóideo superior e logo em seguida a cervical posterior. Penetra nos músculos da nuca e com trajeto flexuoso alcança a mastóide dando ramos ascendentes e descendentes e murtas anastomoses diretas com a vertebral. No trajeto craniano fornece uma série de ramificações meníngicas.

O primeiro denominado de petro-mastoídeo, que após penetrar no crânio se destribui na fossa cerebral. Um segundo ramo penetra em um orifício do parietal e se ramifica internamente por este osso. Estes ramos são facilmente distinguíveis dos musculares por seu trajeto retilíneo como afirma Aaron e col (3). Fincher (8) e Markham (9) descreveram casos de comunicação artériovenosa entre a artéria meningéia média e o seio petroso maior. Pakarinen (1) relatou um caso entre a meningéia e o seio esfenoparietal. Em todos estes casos a queixa principal foi cefaléia. Ciminello e Sacks (2) descreveram uma malformação de uma artéria meningéia média que se originava da occipital, atravessa este osso e desembocava na jugular junto ao forame rasgado posterior. Aaron (3) em seu livro, mostra fotografias de comunicações artério-venosas entre a occipital e o seio lateral. Nenhum dos autores relatam pendas auditivas em seus casos.

A queixa principal do paciente, desta comunicação, era um zumbido pulsátil e uma sensação de movimento em seu ouvido. A impedanciometria demonstrou um movimento anormal da membrana timpénica que desapareceu após a embolização. Na tomografia pluridirecional do osso temporal direito a mastoide era bem pneumatizada, não se visualizando erosões ósseas que poeriam transmitir alterações de pressão no meio aéreo da caixa timpilinica até a membrana. Outro mecanismo, seria através da tuba auditiva mas não conseguimos demonstrar esta possibilidade. Dindjian (10 e 11) Manelfe Djindjian (12) utilizam, para tratamento destas fístulas, a embolização com gelfoam das artérias que originam a fístula através da canulização transfemoral superseletiva. Após este tratamento, o movimento da membrana timpânica cessou e os sintomas que sofria desapareceram. A transmissão das diferenças de pressão até a membrana timpânica, que ocorrem no ponto de comunicação de uma fístula artério-venosa no seio lateral só pode se localizar na área mastóidea, mas a tomografia não demonstrou erosões ósseas que deixassem deiscente o seio lateral.

O zumbido pulsátil que era apanágio do glomus jugular ou timpânico deve ser lembrado que pode também ser ocasionado por fístulas arteriovenosas do tipo descrito neste caso. A discussão sobre a eleição de um tratamento cirúrgico de ligadura da artéria ocipital ou sua embolização é válido. Creio que ambos seriam de sucesso. Optamos pela embolização porque pode ser realizada imediatamente após o estudo arteiro gráfico em um tempo único. Nãofoiocaso deste paciente. Existe a possibilidade de um fragmento de gelfoam insinuar-se pela fístula, trajetar pelo sistema venoso e ocasionar uma embolia pulmonar, o que não acontece na cirurgia. Por outro lado com a embolização pode-se realizar o fechamento seletivo de várias comunicações, o que não pode ser feito com segurança no tratamento cirúrgico. Outra aplicação prática do caso, é que em presença de pacientes com zumbidos devemos sempre realizar a ausculta do crânio o que nos permite detectar patologias como a descrita, aneurismas e hemangiomas cavernosos.

A embolização dos vasos com fragmentos de gelfoam usada em tumores vasculares tipo glomus jugular, angiofibromas juvenis e malformações vasculares tem se mostrado um avanço tecnológico notável e transformou o neuroradiologista, que antes se dedicava basicamente ao diagnóstico, em um agente terapêutico como o cirurgião.

SUMMARY

It's quite rare to notice a case of arteriovenous fistula located between externai carotid system and dura-mater sinus. The experts should always take under consideration the tinnitus and other natural symptoms of this malformations in order to detect one of this case. We will support a singular case of artriovenous fístula between occipital artery and lateral sinus, with existence of patulous eustachian tube. The arteriovenous fistula was successfully treated with embolization of gelfoam by superselective transfemoral arteriography.

REFERENCIAS

1. Pakarinem, S. Arteriovenous fistula 8. Between the middle meningeal artery and the sphenoparietal sinus. J. Neuro Surgery23: 438, 439, 1965.
2. Ciminello, V.J., Sacks, E.J. Arteriovenous malformations of the posterior fossa. J. Neurosurgery 19: 602-604,1962.
3. Aaron, C., Doyon, D., Fischgold, H., Metgger, J., Richard, J. Artériographie de Ia Carotide externe, pg. 91, Masson e Cia, Paris 1970.
4. Brooks, B. The treatment of traumatic arteriovenous fistula. South Med. J. 23:100-196,1930.
5. Djindjian, R. L'embolisation en pathologie carotidienne externe et vertebro médullaire. J. Neuroradiologie 2: 5-10, 1975.
6. Ramamurthi, B., Balasubramanian, V. Arteriovenous malformations with a purely external carotid contríbution. J. neurosurgery 25: 643647, 1966.
7. Rowbotham, G.F, Little, E., Circulation of the cerebral hemis- 511 pheres. Br. J. Surg. 52: 8-21 1965.
9
8.Fincher, E.F., Arteriovenous fistula between the middle meningeal artery and the greater petrosal sinus. Ann. Surg. 133: 886-888, 1951.
9.Markham. J.W., Arteriovenous fistula of the middle meningeal arterv and the greater petrosal sinus. J. Neurosurg. 18: 947- 948,1961.
10.Djindjian. R. L'embolisation en pathologie carotidienne externe et vertebro-médullaire. J. Neuroradiologie 2: 5-10, 1975.
11.Djindjian, R., Indications, contraindications, accidents, incidens dans I'embolisation de Ia carotide externe. J. Neuroradiologie 2: 173200, 1975.
12.Manelfe, C., Djindjian, R., Techniques de I'embolisation thérapeutique par cathéterisme percutané. J. Neuroradiologie 2: 1127, 1975.




Endereço do autor: Rua Lopo Gonçalves
Porto Alegre-RS

* Prof. Adjunto do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFRGS.
** Médico neuro-radiologista do Instituto de Neuro-Cirurgia de Porto Alegre, RGS.
*** Médica estagiária do Instituto de Neuro-Cirurgia de Porto Alegre, RS.

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