Versão Inglês

Ano:  1977  Vol. 43   Ed. 2  - Maio - Agosto - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 104 a 113

 

DOENÇA DE PAGET - HIPOACUSIA EINVAGINAÇÃO BASILAR

Autor(es): * Décio Renato Campana
** Maurício Malavasi Ganança
* Leonardo Afzental
*** Edienete Lúcia Viviane

Resumo:
Os autores apresentam um caso de doença de Paget de forma monostótica craniana, com comprometimento acentuado dos ossos temporais e invaginação basilar, tendo como conseqüência hipoacusia e alterações vestibulares centrais.

Em 1877, o cirurgião inglês Sir James Paget, descreveu uma doença óssea que denominou de osteitedeformante (O.D.), por considerá-la um processo inflamatório crônico dos ossos.

A O. D. é ainda hoje um transtorno de etiologia obscura, que se caracteriza por destruição óssea e substituição do osso normal por tecido osteóide exuberante, mal calcificado, mole e intensamente vascularizado. Atualmente admite-se como importante o fator hereditário, sendo possível que sua transmissão seja devida a gen autossômico dominante. A O.D. seria uma abiotrofia hereditária da matriz do colágeno ósseo (McKusick - 1972) 2. A doença pode apresentar-se na forma solitária, monostótica, geralmente assintomática, de encontro acidental. Na forma poliostótica, muitos ossos em diferentes regiões do esqueleto podem ser afetados. Entretanto, nunca todos os ossos estão envolvidos, o que ocorre em doenças ósseas generalizadas como no hiperparatireoidismo. A incidência, na população em geral é estimada em cerca de 0,013 (Koller - 1946) 3. Raramente é encontrado antes dos 35 anos. Échnron' `% em 1932 assinala tê-la encontrado em 3% dos indivíduos autopsiados com mais de 40 anos. É mais frequente no homem do que na mulher, numa proporção de 5 para 4 (Nager - 1975) 5

A freqüência com que essa enfermidade aparece nos ossos ou parte dos ossos mais submetidos a esforços, faz pensar que guarda relação com o peso que suportam esses ossos e com os traumatismos que são submetidos. As alterações ósseas são mais encontradas no sacro, fêmur e ráquis baixo e relativamente raras nos ossos mais altos do esqueleto, com exceção do crânio, em que o fator desencadeante poderia ser a tração dos músculos temporais.

Apenas 15% dos pacientes exibem uma forma avançada da doença,_com grandes alterações do esqueleto: deformidade dos ossos longos, cifose, encurtamento da estatura e alargamento do crânio (Nager)5.

O crânio é envolvido em 6.5 - 70% dos pacientes, (Collins - 1965)6, sendo o neurocrânio mais frequentemente afetado do que a face. A calota craniana é atingida por espessamento e deformidades em diferentes regiões. O aumento do peso do crânio (pela aposição óssea e pelo incremento na vascularização e circulação sanguínea), pode causar achatamento dos ossos da base, devido ao amolecimento dos mesmos.

Inclinação dorsal do plano do forame magno e projeção do processo odontóide na fossa posterior. Protusão do processo olivar do cerebelo no canal cervical: Tensão das raízes nervosas e compressão dos vasos basilares. É a chamada platibasia e invaginação basilar. Redução do volume do neuro crânio, invaginação do côndilo occipital e avançadas mudanças na coluna cervical, podem produzir alterações cerebrais e cerebelares como conseqüência da isquemia vértebro-basilar. Como o crânio está intensamente comprometido, a cefaléia tomase um sintoma constante e predominante.

Distúrbio da audição é a mais comum das manifestações de envolvimento dos nervos cranianos. A hipoacusia está presente em 30-50% dos pacientes com envolvimento craniano e os zumbidos aparecem em cerca de 20% desses casos (Nager)5. Segundo Davis (1968)7, a vertigem ocorre em 20-25% e a hipoexcitabilidade é freqüentemente encontrada na prova calórica. 0 osso temporal está envolvido somente quando há um extenso envolvimento do crânio. Na cápsula labiríntica, o osso neoformado, gradualmente substitui a camada periosteal normal e irregularmente invade e substitui as camadas endocondral e endosteal. Os espaços labirínticos só são invadidos nos casos mais avançados.

As transformações ósseas progressivas podem causar alterações na posição, no tamanho e na arquitetura da pirâmide petrosa. A pirâmide pode sofrer rotação em torno do seu eixo, de maneira que sua face posterior torna-se mais superior. Deformidades do espaço epitimpânico e do meato externo podem ocorrer. Mais raramente encontram-se alterações dos ossículos do ouvido médio.

Gaucher e col. (1975)8, admite na doença de Paget dois tipos de hipoacusia: o tipo misto com agravação progressiva da hipoacusia que se fará sobretudo na dependência da orelha interna e a surdez de percepção que evoluem sem que o aparelho de transmissão seja jamais o responsável. Anquilose do estribo pode ocorrer por invasão do ligamento anular pelo osso Pagetóide ou por associação com otosclerose. A ossificação do tendão do músculo estapédio é considerada outro elemento para justificar o componente condutivo (Lindsay1976)9.

Albemaz10, já encontrou fixação do martelo e bigorna no ático em caso de doença de Paget, submetido a timpanotomia exploradora. Na cápsula labiríntica, segundo Ruedi (1968111 a invasão progressiva de osso doente, provoca uma estase vascular e shunts vasculares entre a cápsula e a zona da estria vascular, levando a perturbações circulatórias. 0 encontro dç microfraturas ou fissuras da cápsula labiríntica, deformidade da parede interna da cápsula com alterações na tensão da membrana basilar. A presença nos líquidos labirínticos de substâncias tóxicas produzidas pelo osso Pagetóide e talvez perturbações enzimáticas como ocorre na otospongiose, levam junto com os outros fatores, a uma degeneração do órgão de Corti. A surdez retro - coclear poderia ser explicada pelo estiramento do nervo auditivo, pela rotação do grande eixo da pirâmide ou por compressão deste nervo no meato acústico interno. Enfim, a surdez pode também ter uma causa central localizada ao nível coclear do tronco cerebral, de origem mecânica ou vascular, consecutiva á impressão basilar (Gaucher - 1975)8. Na avaliação laboratorial séria, o cálcio e o fósforo são normais, normal também é a fosfatase ácida. A fosfatase alcalina, encontra-se muito elevada.

CASO CLINICO

G.L., 65 anos, fem., branca, casada, natural de São Paulo.

Há 7 anos, cefaléia tomando toda a cabeça, mais intensa na região da nuca. Rinorréia.amarelada discreta. Há 2 anos, perda progressiva da audição e zumbido intenso em ambos os ouvidos. Nega passado otológico'infeccioso, tonturas e antecedentes de fratura óssea. Seu exame O.R.L. foi essencialmente normal. As provas com diapasão, nota-se na via aérea, uma hipoacusia mais acentuada para os diapasões mais agudos. Rinne negativo até 256 H . em ambos ouvidos. Pedimos inicialmente, como exames subsidiários, Rx dos seios da face, audiometria tonal, vocal e impedanciometria. A audiometria indicou hipoacusia de tipo misto, com grande predominância do fator nervo-sensorial. Discriminação razoável (fig. I).



FIGURA I



A impedanciometria, complacência baixa e ausência de reflexos estepedianos em ambos ouvidos (fig. II)



FIGURA II



O RX dos seios da face mostrou-nos transparência normal dos seios maxilares e seios frontais grandes e hipertransparentes. Chamou a atenção principalmente na incidência fronto-naso, na região dos ossos frontais, a presença de áreas de densificação e de rarefação ósseas, sugerindo patologia óssea.

Pedimos RX de crânio frente e perfil, onde verificamos espessamento irregular da tábua óssea da calota craniana, com áreas de densificação e rarefação ósseas predominando na região frontal (fig. III e fig. IV).




FIGURA III



FIGURA IV



Esse aspecto radiológico de flocos de algodão, característico da doença de Paget, guiou-rios para pedirmos novas radiografias: RX simples e politomografia dos ossos temporais, RX completo de coluna e passagem crânio-vertebral, RX dos ossos longos e RX de bacia. Para o laboratório pedimos: dosagem de cálcio e fósforo sérico e na urina, dosagem de fosfatase ácida e alcalina. Desses exames de laboratório encontramos alterado apenas a dosagem da fosfatase alcalina. O valor encontrado foi de 85 U King - Armstrong ( Normal no adulto: 3 U King Armstrõng); portanto a fosfatase alcalina está elevada em quase 30 vezes o valor normal, o que indica uma intensa atividade osteoblástica.

O estudo radiológico da bacia, ossos longos e coluna dorsal e lombar nada constatou. No RX da passagem crânio vertebral demonstrou-se evidentes sinais de platibasia e invaginação basilar, confirmados em todas as medidas realizadas (aumento do.ângulo de Buli, anglo nasium sela-apófise basilar aumentado; fig. V e fig. VI)



FIGURA V



FIGURA VI



No estudo radiológico do osso temporal constatamos distúrbios de pneumatização das apófises mastóides, elevação e rotação dos ossos temporais.

Alterações da textura óssea, observando-se aspecto velado, com má delimitação das estruturas (inclusive grande perda da densidade radiológica das cápsulas labirínticas), excetuando-se as cadeias ossiculares que são bem visíveis na politomografia em ântero-posterior (figs. VII, VIII e IX).



FIG. VII



FIG. VIII



FIG. IX



0 achado radiológico de invaginação basilar, levou-nos a efetuar o exame otoneurológico do paciente (fig. X).



FIG. X



Esse exame mostrou uma síndrome labiríntica deficitária bilateral confirmada pela prova pendular. Entretanto com os olhos abertos notamos ausência do efeito inibidor da fixação ocular, fato êste que confirma o comprometimento das vias vestibulares centrais do tronco cerebral consequênte à invaginaçção basilar (fig. XI).



FIG. XI




SUMMARY

The autores presents a case of Paget's disease on monostotic form of the skull.
Engagement of the temporal bones and basilar invagination. In consequence, deafness and central vestibular disorders.

BIBLIOGRAFIA

1.Paget, J.: On a form of chronic inflamation of bones (ostitis deformans) Med. Chir. Trans. 60: 37-63, 1877.
2.Mc Kusick, V.A.: Hereditable disorders of connective tissues. St. Lóuis C.V. Mosby, 1972, Pg 718-723.
3.Koiler, F.: Líber die hereditat der ostitis deformans Paget. Helv. Med. Acta 13: 389-400, 1946. 4.Schmod, G.: Uber ostitis deformans Paget. Virchows Arch. 283: 694-751, 1932.
5.Nager, G.T.: Paget's disease of the temporal bone. An Otol. suplem. 22-84 July-Aug. 1975_ 6.Collins, D.H.: Winn, J.M.: Focal Paget's -disease of the skull (Osteoporosis circunscriptal. J. 7.Pathol. 69: 1-9, 1965.
8.Davis, D.G.: Paget's disease of the temporal bone. Acta Otolaryngol. (Suppl) (Stockh) 242: 147, 1968.
9.Gaucher, A.; Wayott, M.; Pourel, J. Barthel, J.P.: Surdité et maladie de Paget. Rev. du Rhumatisme 42: 595-599, 1975.
10.Lindsay,J.R.; Suga, F.: Paget's disease and sensorineural deafness: Temporal bone histq pathology of Paget's disea~ Laryngoscope 86(7): 102&42, 1976.
11.Albemaz, P.L.M.: Comunicação pessoal.
12.Ruedi, L.: Are these cochiear shunts in Paget's disease and Von Recklinghausen's disease? . Acta Otolaryngol. (Stockh) 65: 13-24, 1968.




Endereço dos autores:
Hospital do Servidor Público
Municipal de São Paulo
Rua Castro Alves n° 60, 6° andar
Clínica O.R.L.

NOTULA Microscopia em otorrinolaringologia
Desde outubro de 1975, quando colocamos no microscópio o dispositivo que permite usar lentes de 200 e 400 mm, no cabeçote fabricado pela firma Zeiss, passamos a realizar a microscopia da laringe, além da otológica e rinologia que já fazíamos de rotina. Com o microscópio de extrativa 210 cm, colocado ao lado do paciente sentado na cadeira de exames, permite com facilidade realizar exames microscópicos das diversas lesões O R L e com isto aperfeiçoar técnicas diagnósticas em certas ocasiões terapêuticas.
Rudolf Lang

* Médicos Assistentes da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
** Responsável pelo setor de otoneurologia do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
*** Fonoaudióioga da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.

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