Versão Inglês

Ano:  1996  Vol. 62   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 409 a 414

 

Técnicas de Abertura Traqueal na Traqueostomia: Estudo Prospectivo Randomizado

Technics for Tracheal Entering in Tracheostomies: A Randomised Prospective Study

Autor(es): Marco Aurélio Rocha Santos*,
Mauro Becker Martins Vieira**,
Amélio Ferreira Maia***,
Fernando Eloi A. Filho ****,
Roberto Eustáquio Santos Guimarães**,
Tanner José Arantes Borges**,
Marcos Melo Araujo**,
Jaime Carlos Ribeiro**.

Palavras-chave: Traqueostomias, Traqueotomias, Estenoses laringotraqueais

Keywords: Tracheostomy, tracheotomy, laryngotracheal stenosi

Resumo:
Não há concenso na literatura quanto à melhor técnica de abertura traqueal durante a traqueostomia. Realizamos estudo prospectivo randomizado comparando a remoção de um fragmento da parede anterior (fenestração) com a incisão longitudinal da traquéia, duas das técnicas mais utilizadas. Foram estudadas 109 traqueostomias realizadas em pacientes com intubação orotraqueal e ventilação mecânica assistida, no período entre novembro de 1992 e abril de 1995. Os pacientes foram avaliados quanto à idade, sexo, tempo de intubação orotraqueal e a presença de estenoses laringotraqueais. Antes da remoção da cânula de traqueostomia, todos os pacientes foram submetidos à laringotraqueoscopia flexível sob anestesia local para pesquisa de estenoses. Cinquenta e quatro pacientes foram submetidos à incisão longitudinal e 58 a fenestração. Quarenta e oito eram do sexo masculino e 61 do feminino. O tempo de intubação orotraqueal variou de 1 a 27 dias. Cinquenta e quatro pacientes evoluíram para o óbito no CTI, 41 foram destaninizados, 11 aparentaram estenoses laringotraqueais e 3 foram perdidos de segmento por transferência hospitalar. Dos 11 pacientes com estenoses laringotraqueais, 8 foram submetidos à fenestração e 3 à incisão longitudinal, sendo que 9 eram do sexo feminino e 2 do masculino. Apesar da alta mortalidade no grupo em estudo dificultar a análise, nossos resultados sugerem que em pacientes do sexo feminino, com assistência ventilatória mecânica, a técnica de abertura traqueal tipo longitudinal é mais recomendável.

Abstract:
There is no agreement in the literatura about the better technic for entering in the trachea in a tracheostomy. In order to compare two of the most common used technics and their relation with laryngotracheal stenosis, a randomized prospective study was dope comparing the removal of a window of cartilage from the anterior tracheal wall and a longitudinal incision. A hundread nine tracheostomies were done in patients with previous orotracheal intubation and mecanical ventilation, between november 1992 and apri1 1995. The patients were studied about age, sex period of orotracheal intubation and the presence of laryngotracheal stenosis. Before decanulation all patients underwent a flexible laryntracheoscopy under local anestesia to search for stenosis. Fifty one patients underwent longitudinal incision and 58 window removal, 48 were male and 61 female. The period of orotracheal intubation varied from 1 to 27 days.Fifty four died in the ICU, 41 were decanulated, 11 presented laryngotracheal stenosis and 3 were lost. Of the 11 with laryngotracheal stenosis 8 underwent window removal and 3 longitudinal incision, 9 were female and 2 male. Although the high mortality rate in our study group makes difficult any conclusions, our results suggest that in female patients with ventilatory assistence, the longitudinal incision for tracheal entering would be highly recomende.

INTRODUÇÃO

A traqueostomia é intervenção que conta com mais de mil anos de história, existindo referências a ela no Papiro de Ebers (5). Durante os últimos 25 anos, a traqueostomia surgiu como procedimento freqüente em Centros de Tratamento Intensivo.

As indicações gerais são: (a) prevenir ou tratar obstrução respiratória ao nível ou acima da laringe,(b) facilitar a remoção de secreções da traquéia e brônquios,(c) diminuir
o espaço morto e aumentar o volume corrente e (d) permitir a inserção de cânula com balonete para utilização de pressão positiva. Exemplos freqüentes de indicações incluem: coma, lesão de medula cervical, poliomielite, miastenia gravis, tétano, trauma torácico, obstrução aérea por tumores, infecção ou corpos estranhos e outras(4).

Realizada por cirurgiões experientes, a traqueostomia é bem tolerada e com mortalidade cirúrgica menor que 2%. Uma série de complicações são relacionadas à técnica cirúrgica e aos cuidados pós-operatórios. Estas complicações(ver Tabela 1) podem ocorrer precoce ou tardiamente no período pós-operatório (3).

As estenoses laringotraquais(LT) são complicações importantes e temidas das traqueostomias de longa duração, com os estreitamentos podendo ocorrer em diferentes regiões das vias aéreas.Se a traqueostomia é realizada muito alta pode ocorrer condrite da cartilagem cricóide, levando a estenose subglótica. Estenoses também podem surgir na traquéia ao nível do balonete e no local da abertura traqueal.

Existem várias técnicas de abertura traqueal descritas na literatura. A escolha baseia-se na experiência pessoal de cada cirurgião e, entre as opções, destacam-se: a incisão vertical, horizontal , em cruz e remoção de fragmento cartilaginoso (fenestração). Apesar de cada autor acreditar que sua técnica escolhida é a que apresenta menor incidência de complicações, estudos clínicos e experimentais não demonstram claramente vantagens de uma técnica sobre as outras, em relação ao risco de estenoses das vias aéreas (27).

As técnicas mais utilizadas em nosso serviço são a incisão longitudinal é a fenestração (Figura 1). Pacientes internados em Centro de Tratamento Intensivo(CTI), necessitando de assistência ventilatória, constituem a principal indicação de traqueostomia e é este mesmo grupo que apresenta maior risco de complicações, em especial as estenoses laringotraqueais.

Com o objetivo de avaliar a melhor técnica de abertura traqueal e suas relações com as estenoses laringotraqueais em pacientes com intubação orotraqueal prévia, do CTI, foi realizado estudo prospectivo randomizado comparando-se a remoção de um fragmento de parede anterior (fenestração) com a incisão vertical (longitudinal) da traquéia.

MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizado estudo prospectivo em pacientes ingressados no Centro de Tratamento Intensivo do Hospital Felício Rocho no período entre novembro de 1992 a abril de 1995,sendo que a indicação para realização da traqueostomia foi para assistência ventilatória mecânica prolongada. Os pacientes que não preencheram os critérios de randomização foram excluídos do estudo.











Foram realizadas 109 traqueostomias em 48 (44,03)pacientes do sexo masculino e em 61 (55,96) do feminino. A distribuição por idade foi variada, mas com predomínio de pacientes com mais de 30 anos (Tabela 3). Os pacientes foram separados de forma randomizada em um grupo de abertura longitudinal com 51 casos e um grupo com abertura por fenestração com 58 casos.

Os dois grupos foram analisados quanto á idade, sexo e tempo de intubação orotraqueal antes da realização da traqueostomia para avaliar se eram comparáveis.

Técnica cirúrgica: As traqueostomias foram realizadas eletivamente em pacientes com intubação orotraqueal prévia, em decúbito dorsal horizontal hiperextensão cervical,sob anestesia local e sedação.Todas foram feitas em condições ideais de assepsia e antisepsia. Foi utilizada incisão vertical da pele e subcutâneo, dissecção de planos na linha média com afastamento da musculatura pré-tiroidiana e o istmo tiroidiano era retraído superiormente ou seccionado, de acordo com a necessidade. Para hemostasia, foi utilizado cautério elétrico ou ligadura de vasos. Após identificação e dissecção da gordura e fascia pré-traqueais, era instilado pequeno volume de anestésico local na luz traqueal através de agulha fina.O local da abertura traqueal era então identificado com remoção de um fragmento da parede anterior no 3° ou 4° anéis traqueais para a fenestração ou incisão vertical na linha média entre o 3° e 4° anéis para a abertura longitudinal (Figura 1).

Em todos os pacientes foram utilizadas cânulas de traqueostomias com balonetes de grande volume e baixa pressão.

Após a alta do CTI, todos foram submetidos a nasolaringotraqueoscopia flexível sob anestesia local através dacavidade nasal e pelo orifício do traquestoma para pesquisa de estenoses laringotraqueais antes da remoção da cânula.

RESULTADOS

No total dos pacientes, houve predomínio de pacientes com idade acima de 30 anos. Quarenta e sete (43,11%) entre 30 e 60 anos e 45 (41,28%) acima de 60 anos. O tempo de intubação orotraqueal antes da realização da traqueostomia foi de 6 a 10 dias em 53 (48,62%) pacientes e acima de 10 dias em 40 (36,69%).

A distribuição dos dois grupos em estudo por sexo, idade e tempo de intubação orotraqueal encontra-se nas Tabelas 2, 3 e 4; e permite análise da comparabilidade entre os dois.

Importante número de pacientes, 54, evoluiu para o óbito devido a patologias de base. Dos que sobreviveram, 3 foram perdidos de seguimento devido a transferência para outro hospital, 41 foram descanulizados sem intereorréncias e onze apresentaram estenoses laringotraqucais. Estas estenoses foram diagnosticadas precocemente devido a utilização de laringofibroscopia antes do início da descanulização. O seguimento dos pacientes, segundo a técnica utilizada, encontra-se na Tabela 5.

Os pacientes que apresentaram estenoses foram analisados quanto ao sexo, idade, tempo de intubação, técnica de traqueostomia e localização da estenose. As idade variaram de 32 a 74 anos, com média de 58,5; nove pacientes eram do sexo feminino e apenas 2 do sexo masculino; o tempo de intubação variou de 1 a 12 dias, com média de 7 dias; 8 pacientes haviam sido submetidos a técnica de fenestração e 3 à técnica de abertura longitudinal. A laringe estava acometida por estenose em 8 casos, ocorreu estenose ao nível do traqueostoma em 4 casos e em 2 casos havia estenose traqueal baixa distal ao traqueostoma. Dois pacientes apresentaram estenose de laringe associada a estenose traqueal baixa. Estenose ao nível do traqueostoma, que teoricamente está associada a técnica de traqueostomia ocorreu em 2 casos de cada grupo em estudo.

DISCUSSÃO

Com o advento e melhoria técnica progressiva dos Centros de Tratamento Intensivo, porcentagem cada vez maior de pacientes sobrevive a Quadros clínicos graves, mas freqüentemente ficam portadores de seqüelas secundárias a sua doença de base ou secundárias ao tratamento agressivo a que foram submetidos. Dentre as seqüelas, que após o advento dos CTIs aumentaram significativamente sua incidência, estão as estenoses laringotraqueais, principalmente nos pacientes com assistência ventilatória mecânica.








Estes pacientes são freqüentemente submetidos a traqueostomias em substituição à intubação orotraqueal, no intuito de evitar trauma nas cordas vocais, dar maior conforto ao paciente, facilitar a aspiração de secreções pulmonares, diminuir a quantidade de espaço morto na árvore traqueobrônquica, obter via para administração de medicamentos, para umidificação da árvore traqueobrônquica e diminuir a intensidade da tosse (1).

Várias são as recomendações a serem tomadas no intuito de diminuir a incidência de estenoses nestes pacientes, tais como: evitar o uso de balonetes de alta pressão preferindo aqueles com grande volume e baixa pressão, realização precoce da traqueostomia em casos cuja expectativa de assistência ventilatória seja prolongada, evitar o choque prevenindo isquemia traqueal, identificação e tratamento precoce de infecções, uso de cânulas e tubos de calibre e material adequados e evitar hiperinsulflação do balonete (3).

No intuito de determinar a relação entre as técnicas de abertura traqueal realizadas em nosso serviço a incisão longitudinal e a fenestração, com as estenoses laringotraqueais foi proposto e realizado este estudo prospectivo randomizado, comparando-se as duas técnicas.

Os dois grupos em estudo foram comparáveis com relação ao sexo, idade e tempo de intubação orotraqueal. Ambos apresentaram ligeira predominância no sexo feminino, a maioria das pacientes tinha mais de 30 anos e foram traqueostomizadas com menos de 10 dias de intubação orotraqueal.

Grande número de pacientes evoluiu para o óbito, demonstrando o já esperado mal prognóstico de pacientes internados em CTI com intubação orotraqueal em que é indicado traqueostomia.

A fibrolaringoscopia mostrou-se como exame útil no diagnóstico precoce das estenoses laringotraqucais, permitindo tratamentos em fases iniciais e evitando tentativas infrutíreas de descanulização.

O tempo de intubação orotraqueal não apresentou relação com as estenoses em nosso material apesar de certos autores relatarem esta associação. Em um de nossos casos de estenose, o paciente fora intubado por apenas um dia. Houve maior associação de estenoses laringotraqueais com o sexo feminino e pacientes submetidos a fenestração. A ocorrência maior no sexo feminino pode ter ocorrido devido à utilização de cânulas e tubos de calibre inadequados para trato respiratório sabidamente de menor diâmetro. Outra explicação é que a mucosa traqueal seria mais frágil no sexo feminino e, portanto, mais susceptível a estenose.

Estenoses laringotraqueais ocorreram mais em pacientes submetidos à fenestração, mas estenoses ao nível do traqueostoma,que teoricamente estariam relacionadas com
a técnica de abertura traqueal, ocorreram em dois pacientes de cada grupo.

CONCLUSÕES

Pacientes internados em Centros de Tratamento Intensivo em assistência ventilatória com indicação de traqueostomia apresentam mal prognóstico sendo que em nosso material aproximadamente metade evoluiu para o óbito.

Estenoses laringotraqueais representam complicação importante naqueles pacientes que sobrevivem, tendo ocorrido em 21% dos casos .

A fibroscopia flexível demonstrou ser exame útil na identificação precoce de estenoses.
Apesar da alta taxa de mortalidade dificultar a análise mais profunda achamos recomendável a incisão longitudinal em pacientes do sexo feminino em assistência ventilatória.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1- Ortiz,N.F. - Traqueotomías, indicaciones y condiciones de realivacion. Acta Otorrinolaring. Esp.,Supl.1, 234-236 , 1994.
2- Heffner,J.E.; et al - Tracheostomy in intensive care unit . Part 1: indications, technique, management. Chest, 90, 2: 269-274, 1986.
3- Heffner,J.E.; et al - Tracheostomy in intensive Gare unit. Part 2: Complications. Chest, 90, 3: 430-436,1986.
4- Skaggs, J.A. et al - Tracheostomy: Manangement, Mortality, Complications. The American Surgeon, 35,6:393-396,1969.
5- Meireles, R.C. - História da traqueotomia. F méd (BR), 103,5-6: 241-243, 1991.
6- Shusterman,M. et al - Local complications and mortality of adult traqueostomy . J. Ky Afed Assoc, 81: 885-888, 1983.
7- Bryant,L.R. et al - Evaluation of Tracheal incisions for tracheostomy. The American Journal of Surgery, 135: May , 675-679, 1978.




* Ex-residente do Serviço de Otorrinolaringologia (ORL) e Cirurgia de Cabeça e Pescoço (CCP) do Hospital Felício Rocho (HFR).
** Médico Assistente do Serviço de ORL e CCP do HFR.
*** Chefe do Serviço de ORL e CCP do HFR.
**** Chefe do Serviço de Cirurgia Torácica do HFR.

Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Felício Rocho, Avenida do Contorno 9530, Belo Horizonte, Minas Gerais
CEP 30110-908. Resultados preliminares apresentados como tema livre no XXXII Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia.

Endereço para correspondência: Dr. Mauro Becker Martins Vieira, Av. do Contorno 9.215, Sala 802, Belo Horizonte, Minas Gerais CEP 30110-130.

Artigo recebido em 04 de janeiro de 1996.
Artigo aceito em 27 de março de 1996

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