Ano: 1977 Vol. 43 Ed. 1 - Janeiro - Abril - (10º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 67 a 76
AUDIOLOGIA EDUCACIONAL
Autor(es): Zulmira Osorio Martinez*
1. INTRODUÇÃO
AUDIOLOGIA EDUCACIONAL
A PALAVRA encerra uma dinâmica verbal que se revela, em primeiro lugar, como um som e a seguir, como um conceito.
PALAVRA - SOM. CONCEITO. TRANSPOSIÇÃO RICA E FASCINANTE.
0 SOM nos envolve. Somos centro dos fenômenos acústicos. A visão funciona em vastas área, mas está limitada por objeto opacos, pela distância, por falta de luz e, pelos olhos quando estão fechados. (3)
0 OUVIDO CAPTA ESTÍMULOS MULTIDIRECIONAIS, QUE NÃO SÃO LIMITADOS POR MUROS, ESQUINAS, OU POR OBSCURIDADE E PERMANECE, CONSTANTEMENTE, ABERTO A ESTÍMULOS DO MEIO AMBIENTE. FECHAMOS OS OLHOS AO DORMIR MAS NUNCA FECHAMOS OS OUVIDOS. (3)
0 tempo e o espaço são os dois grandes parlintetros em que se desenvolve a vida do homem.
0 ESPAÇO é analisado, fundamentalmente, pela visão, enquanto que o TEMPO é analisado, em primeira instância, pelo ouvido. Este é o órgão fundamental de informação temporal. (3)
II. ESTRUTURAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL FUNDAMENTOS DA PERCEPÇÃO AUDITIVA
A fala é uma sucessão de elementos sonoros; sucessão de fonemas, de sílabas, de palavras.
A percepção da sucessão, implica numa sucessão de acontecimentos físicos, na existência de excitações sucessivas da córtex. Se, o intervalo entre dois elementos é claro, o importante é a percepção da duração deste intervalo. 0 problema da sucessão não é mais do que a passagem da simultaneidade para a sucessão. Quando os estímulos sucessivos são capazes de se organizar entre si, a percepção da sucessão leva à percepção da ordem (seqüência). Uma boa percepção e uma boa memorização da ordem de sucessão, permitem uma reprodução exata das estruturas verbais. (7)
No caso de distúrbios, devido à lentidão na percepção dos fonemas, a criança percebe mal e retém mal a sucessão. HÁ UM DISTÚRBIO NA ESTRUTURAÇÃO DAS FORMAS TEMPORAIS. (7)
A evocação, a integração exigem uma estrutura temporal precisa.
Apesar de tudo, a maioria das investigações sobre o desenvolvimento infantil, não está de acordo com o desenvolvimento das funções auditivas. A evolução da motricidade e das capacidades visuais, têm sido bastante mais investigadas do que o estudo da aprendizagem auditiva. (3)
A percepção das mensagens verbais requer dois tipos de codificação:
- neuroacústica, que permite a análise das características físicas da mensagem;
- neurofingüística, que permite a percepção da mesma.
III. AVALIAÇÃO ATUAL DA PERCEPÇÃO AUDITIVA. TESTES AUDITIVOS
A transmissão das ondas sonoras às células sensoriais e sua transformação em influxos nervosos no nervo acústico, parecem relativamente conhecidas; mas os mecanismos de condução, através dos centros nervosos e sua integração à nível da córtex cerebral são pouco claros.
A natureza e o local onde se produzem os mecanismos de decodificação da mensagem sonora, não são mais que suposições. (19)
Existem várias teorias a nível de engramas cerebrais, mas o mecanismo do que ocorre numa situação de aprendizagem, não é conhecido. Existe um esquema proposto por Holmes:
- circuitos superiores e circuitos inferiores
Os circuitos inferiores dariam as condições basais para que os circuitos superiores pudessem se ocupar da aprendizagem simbólica.
Os circuitos inferiores são os canais de em nada, canais sensoriais (estímulos olfativos, gustativos, táteis, visuais e auditivos). Estes circuitos dariam condições para a criança utilizar os outros circuitos em funções de aprendizagem.
Em cada período, a criança utiliza diferentes instrumentais de aprendizagem para avançar no seu processo cognitivo. No primeiro período, o instrumental seria sensório-motor (0 - 8 meses), no segundo período (aquisição da linguagem oral), ela passa a usar outro instrumental, posteriormente ela troca novamente todo este sistema de decodificação oral, que ela já estruturou dentro de uma base sensório-motora para se organizar em termos de leitura - escrita.
Para designar o conhecimento adquirido através dos sentidos, dispomos de dois termos: "sensação" e "percepção". Enquanto a sensação é um dado mais elementar - isto é, a impressão deixada sobre um dos órgãos dos sentidos -, a percepção implicará em estado de consciência mais elaborado e será o verdadeiro conhecimento.
A sensação é de origem periférica e a percepção é de origem central.
A maioria das provas de audição destina-.se a analisar a sensibilidade auditiva. Estuda-se a sensação, mais do que a percepção auditiva. Dedicou-se mais atenção a pessoas com problemas, do que à maturação auditiva de pessoas normais. (3)
Quando existem distúrbios na percepção auditiva, encontramos muitos problemas, não só quanto ao diagnóstico, mas também quanto ao planejamento da conduta terapêutica.
A compreensão e a expressão destas crianças estão perturbadas, sobretudo, nas lesões cerebrais altas. As respostas são imprecisas e invariáveis, devido ao baixo limiar de fadiga da atenção.
Apesar dos resultados duvidosos dos exames de que dispomos, devemos avaliar todos os dados obtidos, pois a análise do conjunto será elemento básico para o plano terapêutico. (2)
Audiometria do recém-nascido
A reação ao som não é específica. 0 som emitido provoca um sinal que pode ser determinado por outro estímulo não sonoro. 0 recém-nascido reage aos sons fortes (70-80 db. acima do limiar). Respostas abaixo deste nível podem ser obtidas, mas são raras e assistemáticas. As melhores respostas, claras e constantes, são obtidas com os sons graves e bruscos. O primeiro grupo de reações é constituído pelo que chamamos de:
1°) reflexo cócleo palpebral
2°) sobressalto (contração muscular brusca, quando localizada nos dois membros superiores, conhecido como reflexo de Moro)
3°) reflexo de orientação de investigação
4°) reação de despertar
5°) modificações de comportamento (17)
Avaliação auditiva do factente (recém-nascido aos 9 meses)
Os resultados são também limitados. Um dado importante é a reação à voz, da mãe ou pessoa que toma conta da criança. Nesta faixa de idade, os ruídos menos intensos provocam respostas mais nítidas.
Os testes como a Impedanciometria, o E.R.A. e o E.Co.G. têm valor relativo e não estão à disposição da maioria dos Otorrinolaringologistas. (2)
Avaliação de crianças entre 9 meses e 3 anos de idade
Nesta faixa etária, já temos mais facilidade na avaliação quantitativa através dos seguintes testes:
1 - Reflexo de orientação condicionado (Suzuki e Ogiba)
2 - Condicionamento auditivo
3 - Teste de imagens
4 - Impedanciometria
5 - Audiometria de respostas elétricas (E.R.A.)
6 - Eletrococleografia (2)
Avaliação de crianças com 5 anos e idade escolar
A audiometria tonal liminar, o audiograma clássico é indispensável na surdez centrai.
A audiometria supra-liminar não apresenta utilidade.
Os testes de valor negativo permitem detectar, dentro das surdezas de percepção, as que têm origem coclear:
- o recrutamento, que está ausente nas surdezes centrais
- a medida do limiar diferencial de intensidade, que é normal nas lesões centrais
- o limiar de desconforto, que é normal na surdez central e rebaixado nas lesões talâmicas (Luschinger)
Podemos citar ainda os testes que eliminam toda perturbação de origem não auditiva. Seu interesse consiste na simplicidade das respostas:
- A medida do tempo de identificação.
- 0 teste não verbal de integração biauricular (Maspetiol e Chocholle). A ausência de integração seria característica das surdezes centrais, bulboprotuberanciais ou corticais.
- A discriminação no ruído. Parece claramente perturbada e, um mascaramento de pouca intensidade, é suficiente para perturbar a audição.
- Os problemas de localização do som representam uma perturbação importante nas surdezes centrais.
- Prova de identificação de ritmos.
- Prova de discriminação de freqüências. (19)
ESTES EXAMES TÊM VALOR PORQUE PERMITEM ESTUDAR PROGRESSIVAMENTE AS DIFERENTES MODIFICAÇÕES DA PERCEPÇÃO AUDITIVA E, SOBRETUDO, OBJETIVAR OS DEFICITS SUBJETIVOS:
1V. NOVA BATERIA DE PROVAS DE MATURAÇÃO AUDITIVA
As mais recentes investigações psico-acústicas consideram de grande importância as características temporais da mensagem verbal para seu reconhecimento e completa de. odificação. Berruecos divide a investigação de percepção temporal em duas fases:
- pontos básicos - pontos especiais
A) Os pontos básicos são os seguintes: 1. Investigação da duração do som.
2. Critério de simultaneidade. Referindo-se à captação de sons iguais psicologicamente, mas fisicamente separados.
3. Limiar de sucessão que determina a mínima quantidade de tempo necessária, para que dois sons sejam captados como separados.
4. Critério de seqüência ou de seriação, que estuda a atenção e a memória auditiva.
5. Critério de ordem ou precedência, no qual se investiga não somente quando a pessoa capta os sons separados, mas qual deles é o anterior e qual é o posterior.
B) Os pontos especiais de percepção temporal incluem aspectos fundamentais de audição biaural:
1. Identificação da palavra no ruído (figura-fundo auditiva) 2. Somação interauricular da intensidade subjetiva.
3. Mascaramento temporal anterógrado e retrógrado.
4. Sensibilidade binaural diferencial.
5. Ritmo.
V. 0 QUADRO DE ANÁLISE DAS CINCO FASES DA PERCEPÇÃO VISUAL (PROPOSTO POR FROSTIG) PODE SER COMPARADO COM OS PONTOS EQUIVALENTES DA PERCEPÇÃO AUDITIVA (PROPOSTO POR BERRUECOS)
VI. CONCLUSÕES
Para falar é necessário ter capacidade de reconhecer estruturas acústicas complexas. Para a criança com distúrbio de linguagem, a identificação auditiva é imprecisa. A capacidade da criança reproduzir certas formas vocais depende, essencialmente, do nível de integração auditiva. Nas dificuldades de integração, ao contrário do que acontece na surdez, os agudos e os graves lêm a mesma significação.
A criança portadora de um problema de integração assim como um adulto que tenta captar a estrutura de uma língua estrangeira -, tem sua percepção facilitada em certas circunstâncias. Compreende-se melhor quando a fala tem menos velocidade, quando a articulação é ,mais exagerada, e quando a intensidade é um pouco maior. A criança que apresenta estas características é muitas vezes confundida com uma criança surda periférica.
Em face das dificuldades encontradas no diagnóstico dos distúrbios da percepção auditiva - pois, na maioria dos casos não sabemos a que nível a percepção está perturbada -, adotamos os seguintes critérios de terapêutica audiológica:
ETAPAS TERAPÊUTICAS:
1. Exame O.Q.L.
2. Testes audiométricos convencionais.
3. Exame neurológico (neurologista infantil).
4. Avaliação psicomotora.
5. Indicação para aquisição de moldes biauriculares.
6. Treinamento com prótese auditiva experimental usada em cada ouvido separadamente.
7. Treinamento com prótese nos dois ouvidos. 8. Indicação da prótese.
9. Início da reeducação propriamente dita através de sessões individuais, e uma sessão em grupo, por semana.
10. A percepção auditiva é avaliada e treinada paralelamente, de acorób com os pontos equivalentes da percepção visual estudada por Frostig:
a) Discriminação de intensidade. TAMANHO
b) Discriminação de timbre. COR
c) Discriminação de freqüência. FORMA
d) Discriminação da palavra no ruído. FIGURA/FUNDO
e) Localização da fonte sonora. POSIÇÃO NO ESPAÇO
f) Conceito de ritmo. RELAÇÕES ESPACIAIS
g) Coordenação ouvido/órgãos fonatórios. COORDENAÇÃO OLHO MÃO
Desenvolvimento da linguagem. Capacidade de simbolização (abstração).
RESUMO
Foi enfatizada a estruturação temporal da mensagem auditiva.
A maioria dos estudos sobre o desenvolvimento infantil nos fornece informações sobre a sensação auditiva, mais do que sobre a percepção.
A audiometria convencional é indispensável mas não fornece todos os dados necessários à terapêutica audiológica.
A análise das fases da percepção visual e seu relacionamento com pontos da percepção auditiva, proposto por Berruecos, nos fornece orientação em audiológica educacional.
Foram apresentadas as etapas terapêuticas, seguidas pela equipe do Serviço de Fonoaudiologia de Porto Alegre na reeducação de crianças com distúrbios de audição.
SUMMARY
Emphasis was given to the temporal structure of the auditive message. The majority of studies concerning infantile development give us more information on the auditive sensation than on auditive perception.
Convencional audiometry is indispensable, but 'st does not supply ali the details necessary for audiological therapy.
The analysis of the phases of visual perception and their relationship with phases of auditive perception, according to the theory of Berruecos, give us guidance to educational audiology.
Therapeutical steps were presented, as followed by the Serviço de Fonoaudiologia de Porto Alegre, in the re-education of chìldren with auditory disturbances.
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Endereço da Autora:
Av. Protásio Alves,
1898 90000 - Porto Alegre/RS.
* Fonoaudióloga do Serviço de O.R.L. da Pontifícia Universidade Catolica do Rio Grande do
Sul.
Trabalho para o XXIII Congresso Brasileiro de ORL - 1976.