Versão Inglês

Ano:  1977  Vol. 43   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 46 a 53

 

NEURINOMA DO NERVO FACIAL*

Autor(es): Otacílio C. Lopes F.° **
Ney Penteado de Castro Jr. ***
Paulo Roberto Pialarissi ****

Resumo:
É apresentado um caso de paralisia facial periférica por neurinoma do facial de localização intratemporal, ao nível do segmento vertical do canal de Falópio e com posterior invasão ao forame estilo-mastoideo e parótida. Os A.A. fazem uma revisão bibliográfica dos neurinomas do nervo facial, intratemporais, enfocando os aspectos clínico-cirúrgico e de diagnóstico diferenciai desta patologia. 0 diagnóstico de um Schwanoma do facial, no curso de uma paralisia facial periférica é difícil; o estudo radiológico das mastóides e do canal do facial é essencial para o estabelecimento deste diagnóstico. 0 tratamento dos neurinomas do VII par é o cirúrgico, com a exerese em bloco neoplasia-nervo e a utilização de nervo-enxerto, do ponto de vista dos A.A.

INTRODUÇÃO

Apesar de ser uma entidade rara, o neurinoma do nervo facial apresenta interesse do ponto de vista de diagnóstico diferencial entre as diversas etiologias de paralisia facial periférica, principalmente do tipo intratemporal. As mais freqüentes causas de paralisia facial periférica intratemporal, são as vasculares e virais, rotuladas como paralisia de Beli, cujo diagnóstico diferencial com um neurinoma do nervo facial nem sempre é fácil de ser executado.

Os neurinomas basicamente são neoplasias benignas derivadas das células de Schwann. Histologicamente eles são reconhecidos pelos feixes de células fusiformes com núcleos dispostos caracteristicamente em forma de paliçada; ocasionalmente tanto o tecido conjuntivo como o tecido nervoso podem concorrer para a formação destas neoplasias, formando os chamados neurofibromas. Entre os neuromas e os neurofibromas existem formas histológicas intermediárias. Os nervos crânios e os espinais podem ser envolvidos por estas neoplasias; os neurinomas dos nervos crânios ocorrem predominantemente nas raízes sensoriais dos mesmos. Quando o nervo facial é acometido por um neurinoma, deve-se supor que esta neoplasia é primariamente originária da porção sensorial do Vil par, isto é, do nervo Intermediário de Wrisberg. (5, 6, 9, 13)

0 neurinoma do facial é raro; Pulec, J. (1972) encontrou 98 casos descritos na literatura (12), sendo que o primeiro caso foi descrito por Schmid em 1930. (3) Entretanto Saito e Baxter (1972) examinando a nato mo-patologicamente 600 temporais, encontraram 5 neurinomas do nervo facial, clinicamente assintomáticos, o que indica que a incidência desta neoplasia pode ser um pouco maior do que é imaginada. (14)

São mais freqüentes entre a 2' e a 4? Décadas da vida, podendo haver correlação entre o neurinoma do VII par e a neurofibromatose de Von Recklinghausen. (9) Estas neoplasias são mais freqüentes no segmento vertical e a seguir no segmento timpânico do nervo facial. (2-9) Há casos de neurinoma do facial ao nível do meato acústico interno. (1, 10, 11)

O primeiro sintoma é a paralisia facial periférica, pela compressão do crescimento neoplásico sobre o nervo do canal de Falápio, exceto nos casos em que a neoplasia está localizada no segmento timpânico. A paralisia facial pode ser lenta acometendo gradativamente os diversos ramos do facial ou então, ocorrer de modo súbito. É uma paralisia definitiva e a melhora, mesmo que intermitente é extremamente rara. (6) O neurinoma invade progressivamente o ouvido médio e a região da parede posterior do conduto auditivo externo, ocasionando diminuição da acuidade auditiva, abaulamento da membrana timpânica e da porção posterior do conduto auditivo externo. Nesta ocasião uma timpanotomia revela a presença da massa tumoral no interior do ouvido médio. Mais tardiamente o neurinoma rompe espontaneamente a membrana timpânica, ou a parede posterior do conduto auditivo externo, formando um "pólipo" de conduto auditivo. 0 neurinoma do segmento mastóideo do facial pode também invadir o forame estilo-mastoideo, dando como sintoma, uma tumoração na área da parótida. (3) Quando a neoplasia se origina da porção timpânica do facial, a ordem dos sintomas pode ser alterada; surge inicialmente a perda auditiva e logo após, a paralisia facial e a exteriorização do neurinoma na luz do conduto auditivo externo. (8) Ocasionalmente o ouvido interno pode ser erosado pelo crescimento expansivo do tumor, ocasionando distúrbios cócleo-vestibulares significativos. (16) A otalgia é freqüente nestes casos e quase sempre consecutiva a uma otite média ou a uma labirintite secundárias à erosão. (5, 6)



Figura 1 - Neurinoma da porção vertical do nervo facial, com propagação para a forame estilo-mastoideo e parótida. Esta figura representa esquematicarnente o achado cirúrgico do caso clinico descrito. (Apua Neely, Y.G. et al.: Facial nerve neuromes. Arch. Otolaryng.: 100; 298-301; 1974).



Figura 2 - Neurinoma da porção timpânica do nervo facial, com invasão das células mastóideas perilabirínticas e do conduto auditivo externo, através da membrana timpânica. (Apua Neely, Y.G. et al.: Facial nerve neuromes. Arch. Otolaryng.: 100; 298-301; 1974).



Após o estabelecimento da paralisia facial periférica, podemos determinar o local aproximado da lesão, através do topodiagnóstico e avaliar eletrofisiologicamente o nervo facial pelo teste de Hillger e eletroneuroniografia e a placa mio-motora, pela eletromiografia. (9) Um exame indispensável para a detecção dos neurinomas é o estudo radiológico dos temporais. (13) Nos neurinomas da porção vertical do facial o estudo radiológico revelará uma área de hipotransparência de contornos lisos e delimitados, acima do forame estilo-mastoideo, sugerindo a presença da neoplasia. (9)

0 diagnóstico diferencial entre as diversas causas de paralisia facial periférica e o neurinoma facial pode ser extremamente difícil. As hipóteses diagnósticas mais freqüentes seriam:

1 - Paralisia facial periférica de Bell: neste tipo de paralisia facial, é importante ter em mente o diagnóstico diferencial com o neurinoma do VII par. Jongkees que descomprimiu 250 casos de paralisias faciais rotuladas como de Bell, encontrou 4 casos de neurinoma do facial entre eles. (11) 0 estudo radiológico dos temporais é essencial para o diagnóstico diferencial.

II - Otite média crônica com "pólipo" ou hiperplasia de mucosa do ouvido médio: a sintomatologia pode orientar o diagnóstico, pois neste caso, o quadro infeccioso precede o quadro da paralisia facial. Entretanto, na otite média tuberculosa o quadro infecoioso e o da paralisia podem ser concomitantes; em tais casos a biopsia e a pesquisa de B.A.A.R. no ouvido médio podem esclarecer o diagnóstico.

III - Tumor glomico: nos tumores glômicos timpânicos que comprometem a função do VII par em seu crescimento. 0 diagnóstico diferencial pode ser feito através da impedanciometria, que é típica nos tumores glômicos intratimpânicos, que ainda não romperam a membrana timpânica. (7)

IV - Outras neoplasias do O.M.: são extremamente raras e o diagnóstico diferencial será feito pelo exame histopatológico.

V - Tumor de parótida: o diagnóstico diferencial entre esta patologia e um neurinoma da porção vertical do facial; com extensão extramastoides, somente é feita em alguns casos, durante a cirurgia e após exame histopatológico. (3)

0 prognóstico do neurinoma do VII par é bom, pois não coloca em risco a vida do portador, salvo das complicações que podem advir pelo crescimento expansivo da neoplasia, sobre estruturas importantes tais como o ouvido interno, fossa média e seio sigmoideo. Do ponto de vista funcional o prognóstico do neurinoma do facial é mau, salvo se o diagnóstico for feito corretamente em tempo hábil, permitindo um tratamento cirúrgico mais simplificado.

0 tratamento cirúrgico é a terapia de eleição. A neoplasia deve ser retirada em bloco com o segmento do nervo facial que lhe deu origem, para que o tratamento seja definitivo. (3) 0 nervo facial é restaurado com autoenxerto nervoso, proveniente ou do nervo grande auricular ou do nervo fémurocutâneo. A fixação do neuro-enxerto nos segmentos proximal e distai do facial pode ser feita com cilindros de colágeno. Curiosamente, a extensão do segmento de facial ressecado e conseqüentemente a extensão de neuro-enxerto não influi no resultado final da cirurgia, do ponto de vista funcional. (9, 15)

Apresentação do caso

V.S., masculino, branco, 27 anos, refere que há 3 meses vem tendo impossibilidade de realizar alguns movimentos na herniface esquerda, de instalação lenta e progressiva. Após tratamento com vitamina B-12, apresentou regressão .arcial dos sintomas.

Ao exame ORL constatou-se paresia de todos os ramos periféricos do nervo facial à esquerda; a otoscopia revelou pequeno abaulamento no conduto auditivo externo esquerdo, justa-timpánico e na parede posterior, de consistência cística e indolor.

A avaliação audiológica (teste tonal liminar e discriminação vocal máxima) e a impedánciornetria foram esse.7cialmente normais em ambos os ouvidos. 0 estudo radiológico dos temporais (posição de Schüller) mostrou mastóides bem pneumatizadas; as células nerifasiais à esquerda, ao nível da ponta, próximas ao forame estilo-mastoideo estavam com a transparência diminuída, sem, no entanto, evidenciar imagem radiológica de lise óssea.

O paciente foi submetido a uma exploração cirúrgica do "cisto" do conduto auditivo externo, através de uma timpanotomia, que revelou a presença de uma formação cística, revestida por mucosa e preenchida por líquido de coloração citrina, proveniente de região do recesso do facial, tendo erosado toda a parede posterior do conduto auditivo externo. Na tentativa de remoção da formação cística, houve ruptura de mesma. No pós-operatório imediato o paciente desenvolveu paralisia facial periférica infraestapediana. A avaliação eletrofisiológica (teste de Hinger) revelou inevitabilidade nervosa laxonotmese e ou neurot mese) do nervo facial esquerdo.

No espaço de 30 anos o paciente foi submetido a duas novas intervenções cirúrgicas otológicas à esquerda. A primeira, uma exploração e descompressão do nervo facial, que revelou a presença de massa tumoral envolvendo o nervo facial em nu mapeamento vertical, invadindo e erosado a região do forame estilo-mais Toda a massa tumoral foi retirada, tendo-se o cuidado de preservar o nervo; a aroab de parada do conduto auditivo externo foi reconstruída. O oxarna Matopnológico de massa tumoral revelou um Schwanoma. (Figura 3)



Fig. N. 3 - Neurilemoma (Schwannoma): feixes de Mulas fusiformes formando dslicadas fibrilas, dispondo-se em turbações e núcleos justapostos em paliçada. (Coloração H. E. - X 16).



Após a cirurgia o paciente desenvolveu crescimento tumoral ao nível da região intramastoidea, de 3 cm de diâmetro, bem delimitado e firme, tendo sido feita a suspeita diagnóstica 9e recidiva do neurinoma na porção extratemporal. Executada nova cirurgia evidenciou a recidiva do neurinoma na porção extratemporal e intraparotideana, até 0,5 cm distalmente ao forame estilo-mastoideo. Foi feita a ressecção em bloco do neurinoma-nervo, tendo sido feito neuroenxerto com o nervo grande auricular, do segundo joelho do facial à porção intraparotideana, em uma extensão de 2,5 cm.

Decorridos 12 meses após a última intervenção cirúrgica o paciente não evidencia sinais de recidiva da neoplasia. O paciente permanece com a paralisia facial periférica completa. Foram executados estudos eletromiográficos neste período e o último exame revelou "degeneração Walleriana completa do nervo facial esquerdo, sem sinais de atividade de fibras musculares desenervadas, nem de atividade voluntária. (hipotrofia muscular grave)"

Devido ao mau prognóstico em relação à recuperação funcional do nervo facial, o paciente foi encaminhado à Disciplina de Cirurgia Plástica para tratamento cirúrgico, cosmético, da hemiface esquerda.

Comentário

No presente caso, o paciente desenvolveu uma paralisia facial periférica infraestapediana à esquerda, cujo diagnóstico etiológico inicial poderia ser a de Bell. A discreta paresia em todos os ramos do facial e o achado de um abaulamento justatimpânico na parede posterior do conduto auditivo externo, de características císticas, após 3 meses de evolução, induziu-nos à uma pesquisa mais acurada da etiologia da paralisia facial inicial. 0 velamento das células perifaciais ao nível da ponta da mastóide ao Rx e o achado cirúrgico de um cisto que erosava a parede posterior do conduto auditivo externo, assim como a paralisia facial imediata ao rompimento do cisto, levou-nos à certeza de que não se tratava de uma paralisia facial periférica de Bell. A exploração e descompressão do segmento vertical do facial revelou que o "cisto" era a extensão de um neurinoma do nervo facial, para a parede posterior do conduto auditivo externo.

A eletrogénese e propagação do potencial de ação global ao longo de um nervo depende da integridade do potencial de membrana de seus axônios, em última análise, da diferença de potencial entre os espaços intra e extracelulares. (4) 0 rompimento do cisto durante a timpanotomia poderia ter provocado um desequilíbrio iônico brusco ao nível dos espaços peri-axonais e um c estímulo nervoso, desencadeando uma paralisia facial quente bloqueio do imediata.

Um estudo de Conley J. revelou que cerca de 12% dos neurinomas podem apresentar características histológicas de malignidade, de difícil reconhecimento histopatológico, constituindo um sarcoma do nervo facial. (3) A remoção cirúrgica do neurinoma com conservação do nervo facial possivelmente acelerou o crescimento e expansão da neoplasia, não extirpada na primeira cirurgia, para a região extratemporal, em menos de 30 dias. Em vista de tais fatos somos de opinião que em tais casos deve-se proceder a remoção em bloco da neoplasia-nervo e praticar o neuroenxerto.

É interessante ressaltar que os últimos trabalhos clínicos evidenciam que o êxito cirúrgico dos neuroenxertos independe da extensão dos mesmos, no território do nervo facial. (9, 15)

Resume

Les auteurs signalent I'importance de faire Ia suspicion d'un neurinome du Vlléme pair, intrapetreux, au cours d'une paralisie faciale periphérique sans étiologie défine. Un cas clinique est presenté et ils attirent I'attention sur les bilans clinique et radiologique pour confirmer cette pathologie.
À notre avis, le traitement définitif est toujours pour Ia chirurgie, en faisant I'extirpation radicale neoplasme-nerf et Ia utilisation des greffes nerveuses au niveau du facial.
Agradecimento

Agradecemos a valiosa colaboração prestada pela Dra. Maria Cristina do Amaral Westin, Residente do Departamento de Anatomia Patológica da Facudade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

BIBLIOGRAFIA:

1. BENEDETI, A. e CECOTTO, C.: Aspeti clinici-radiologici dei neurinoma dei nervo facciale e sviluppo endocranio. Minerva Neurochir. (Torino): 5:105; 1961.
2. CONLEY, J.C. and JANECKA, I.: Neurilemmoma of the facial nerve. Piast. Reconstr. Surg.: 52:55-60; 1973.
3. CONLEY, J.C.: Neurilemmoma of the facial nerve. Salivary glands and the facial nerve. (Grune Er Stratton NN.): 14:103-105; 1975.
4. GANONG, W.F.: Fisiologia das células nervosa e muscular. Fisiologia Médica (Atheneu Ed. S.P.S./A/MEC): 11:2034; 1972.
5. KETTEL, K.: Neurinoma of facial nerve. Arch. Otolaryng. (Chicago): 44:253; 1946.
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7. LOPES, O.C.F° et. ais: The early diagnosis of a glomic tumor in the micidle ear by means of acoustic impedance. Impedance Newsletter: 1:1-5; 1972
8. LUNDGREEN, N.: Neurinoma of nerve facialis. Acta Otolaryng. (Stockh.): 35:535; 1947.
9. MIEHLKE, A.: Facial neurinoma; some intratemporai and intracranial tumors which may cause facial paralysis. Surgery of the faciai nerve. W.B.Saunders Co: VI1:98-108; 1973.
10. NEELY, Y.G. and ALFORD, BcR.: Facial nerve neuromes. Arch. Otolaryng. (Chicago): 100:298-301; 1974.
11.PORTMANN, M. et ais: Disorders of function. The internai auditory meatusAnatomy, pathology and surgery. (Churchill-Livingstone London): 17:268 282; 1975.




Endereço dos Autores:
Disciplina de ORL
Rua Cesário Motta Jr., 112 - 5° and.
01221 - São Paulo/SP.

* Trabalho realizado na Disciplina de ORL da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSP).
** Prof. Pleno e Chefe da Disciplina de ORL da FCMSP.
*** Instrutor de Ensino da Disciplina de ORL da FCMSP.
**** Residente da Disciplina de ORL da FCMSP.

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