Versão Inglês

Ano:  1977  Vol. 43   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 18 a 25

 

MUCORMICOSE DO SEIO PARANASAL

Autor(es): * Marcos Grellet
** José Fernando Colatemina
*** Flávio Figueiredo Dias
**** Dárcio Justino Figueiredo
***** Walther L uiz Garcia Jaeger

Resumo:
Apresentamos um caso de tumor do seio maxilar direito (mucormicose) em uma paciente diabética descompensada. Não houve recidiva da massa tumoral após o tratamento cirúrgico e clínico.

A mucormicose(ou Ficomicose) é uma micose profunda, determinada um fungo pertencente à classe dos Phycomycetes.

Landau, Fitzpatrick, Naumoy a Hesseitine apresentaram uma classificação segundo a Tabela i.





0 termo Ficomicose foi proposto por Joe Et col. (1959) em substituição à Mucormicose, para designar as infecções provocadas por espécies da família MUCORACEAE, ENTOMOPHTHORACEAE e MORTIERELLACEAE.

Esses fungos estão distribuídos na natureza e são geralmente isolados do ar. Nos tecidos, tais cogumelos se apresentam sob a forma de micélios largos, não septados, medindo de 4 a 20 u de largura por 200 u de comprimento. A presença ou não de risóides, bem como de estólones nas culturas associadas à morfologia do esporângio e de suas respectivas partes, garantem identificação da espécie.

Wittig, E.0. e cols. (1973) verificaram a incidência desta moléstia em pacientes de 3 a 75 anos de idade, sem prevalência de sexo ou profissão. 0 primeiro caso de Mucormicose no homem foi descoberto por Amold Paltauf (1885). Várias espécies animais podem ser contaminadas, acreditando-se que a transmissão não se faça por contágio direto. No homem os fungos acometem de preferência o aparelho respiratório,: seios paranasais, trato intestinal e rins, sendo raramente encontrados no sistema nervoso. Quando isto acontece acredita-se que a via de propagação seja feita através da placa cribiforme ou através do seio etmoidal. Geralmente também se associa oftalmoplegia externa e interna. A presença deste fungo no homem associa-se geralmente a uma enfermidade básica debilitante como tuberculose, câncer e principalmente o diabetes. São fatores aparentemente predisponentes o uso prolongado de citostáticos, corticosteroides ou antibióticos segundo BAKER (1956). Os locais de invasão inicial mais comuns são os seios paranasais, pulmões ou trato gastrointestinal. Essa moléstia se espalha por extensão direta, disseminação à distância, por via hematogênica e/ou.linfática. BANK, H. e col. (1962) relataram 30 casos com comprometimento do sistema nervoso. De 1943 a 1967, cerca de 160 casos foram publicados; 45 destes casos apresentaram envolvimento cefálico; seios paranasais, órbitas, nervos cranianos, cérebro e meninges. Dos casos referidos 50% foram a óbito. Nos indivíduos com patologias já referidas anteriormente e mais comumente no diabetes descondensado, os fungos entram em atividade podendo propagar-se para os seios paranasais e estruturas vizinhas. As lesões teciduais determinadas pelo fungo se traduzem por necrose e processo inflamatório agudo. Nos focos de necrose supurativa, observam-se hifas grandes, largas, ramificadas e não septadas coradas principalmente pela técnica "Periodic acid shiff". Os fungos penetram nos tecidos e muitas vezes invadem os vasos sanguíneos apresentando patogenicidade e caráter invasor. Em resumo três dados caracterizam a mucormicose do ponto de vista histopatológico: ação inflamatória aguda; obstrução vascular com infarto e ação direta neural e perineural das hifas. 0 diagnóstico é estabelecido por exame anátomo-patológico acima descrito.

BAKER (1956) propôs o método Indico-Carmin para o estudo dos filamentos micelianos das MUCORACEAS em tecidos. Por este método de coloração, os filamentos micelianos aparecem corados em marrom - avermelhado. Outro meio diagnóstico é através de cultura do fungo em meio agar-Sabouraud ou CZAPECK, nos quais os mesmos são identificados com recursos da técnica micológica. Os exames complementares com finalidade diagnostica incluem entre outros a inoculação em camundongos por via venosa, exame liquórico, hematológico, raio-x.

Apresentação e Discussão de um caso

Paciente A.C.C., 45 anos, natural de Gravata, Pernambuco, procedente de Sertãozinho, São Paulo, sexo feminino, branca, casada, doméstica.

H.M.A.: A paciente procurou o nosso serviço em 3/3/76., relatando que há 2 semanas notara o aparecimento de dor, rubor e calor na região do seio maxilar direito. Não referia febre, rinorréia, obstrução nasal, cacosmia e epistaxe.

I.D.A.: Cabeça cefaléias frontais ocasionais, sem irradiação, sem pródromos, não acompanhadas de náuseas ou vômitos, que melhoravam com analgésicos comuns. Olhos - visão "turva" no olho direito, porém sem escotomas ou moscas volantes. Nariz, ouvidos e garganta sem queixas.

Aparelho cardio-respiratório - dispnéia e palpitação aos grandes esforços bem como edema vespertino dos membros inferiores.

Aparelho digestivo - polifagia, emagrecimento acentuado (mais de 5 I g em cerca de 2 semanas) e polidipsia. Aparelho gênito urinário - poliúria. Sistema nervoso - nervosismo ocasionais. Antecedentes pessoais e familiares sem importância.

EXAME FISICO GERAL:

Estado geral regular, pálida, hidratada, ativa, mucosas discretamente descoradas, aferiu
.
Subcutâneo - nada digno de nota. Gânglios axilares discretos, móveis, lisos e indolores. Região cervical - sem gânglios palpáveis. Pulmões - semiologicamente normais.

SISTEMA NERVOSO sem alterações. EXAME O.R.L.:

Abaulamento, edema, rubor e dor na região maxilar direita. Discreta hipoestesia da hemiface direita. Ptose palpebral direita e trismo. Rinoscopia anterior e posterior sem alterações. Palato e sulco gengivo-labial sem comprometimento. Palpação da reborda orbitária livre.

Exames complementares em 6/3/76 revelaram:

RX de seios paranasais: opacificação do seio maxilar direito e velamento do esquerdo. Punção diameática branca nesta data. A lavagem do seio maxilar permitiu a realização de cultura para bactérias com resultado negativo.

RX de tórax em 6/3/76 revelou-se normal. Glicemia de jejum - 325 mg/100 ml. Reações de Machado Guerreiro e Wassermann - não reagentes. Hematológico - anemia hipocromica normocitica e eosinofilia relativa. Fundo de olho normal. Refratometria revelou astenopia do olho direito. Fosfatase alcalina - 110 mu/ml. Urina rotina - positiva para substancias redutoras. Citograma nasal: rinite crônica e alérgica. Esfregaço da fossa nasal segundo técnica de Papa Nicolau revelou alterações celulares benignas, classe II (processo inflamatório).

Após 20 dias de seguimento, a radiografia simples e os cortes planigráficos dos seios paranasais revelaram destruição da parede lateral do seio maxilar direito, lise óssea do assoalho da órbita e fratura do arco zigomático (Figuras I e II).



Figura I - Radiografia simples dos seios paranasais.



Figura II - Planigrafia dos seios paranasais.



Com esses resultados a paciente foi operada com a impressão diagnóstica de tumor do seio maxilar direito. A exposição de hemiface direita foi realizada segundo a incisão de Ferguson modificada. Após abrirmos a parede anterior do seio maxilar encontramos mucosa espessada e secreção amarelada. Removendo esta mucosa encontramos massa tumoral branco-amarelada localizada junto à região latero superior do seio maxilar. Havia destruição parcial da parede lateral deste seio erosão do assoalho da órbita e seqüestro ósseo do zigoma (Figura III).



Figura III - Exposição da hemiface direita.



Retiramos fragmentos do tumor para biopsia de congelação que mostrou-se inconclusiva quanto ás características histopatológicas. Fizemos remoção completa da massa turnoral, extirpação do seqüestro ósseo, remoção parcial da parede lateral do seio maxilar, do assoalho de órbita e do arco zigomático, não havendo invasão do tumor para a cavidade orbitária. Após limpeza total do seio maxilar deixamos colara abertura através do meato inferior (Figura IV).



Figura IV - Remoção do seqüestro ósseo e da massa tumoral.



No primeiro dia pós-operatório a paciente apresentou parecia e parestesia do membro superior direito com diminuição de força muscular e mão caída (Figura V).



Figura V - Complicação neurológica por provável disseminação do processo patológico.


O relatório anátomo-patológico da massa tumoral revelou tratar-se de mucormicose (Figura VI).



Figura VI - Phycomycetes em reprodução.



Após o diagnóstico pós-cirúrgico a paciente foi submetida ao tratamento clínico com anfotericina EI, na dose total de 2 a 3 gramas. Durante o seguimento não houve recidiva do tumor apresentando melhora do estado geral e neurológico.

Discussão:

Confirmando a descrição dos autores referidos neste trabalho, verificamos que o fator predisponente para a implantação do fungo nos seios paranasais foi o diabetes descompensado. A dificuldade diagnóstica desta patologia relatada nas bibliografias correntes, foi também verificada neste caso, quer nas observações clínicas, quer no achado cirúrgico e na biopsia de congelação.

Em nosso caso verificou-se disseminação da patologia para regiões vizinhas e a distância por via hematogênica e/ou linfática. Isso provavelmente explicaria o quadro neurológico instalado no pós-operatório imediato.

SUMMARY:

The autors present a case of maxilary sinus tumour, in a patient that was in diabetic cetoacidosis.

After clinic and surgical treatment, the patient related us was feeling better, and there was sinus of recover.

BIBLIOGRAFIA:

1. BATTACK, J.D. and Col. - AlternatePay amphotericin B. Therapy in the treatment of rhinocerebral phycornicosis IMucormicosis). Annals of Internal Medicine 1968: vol. 68, pag. 122-137.
2. BRIDE, R.A. Mc. and Col. - Two case of disseminated disease with cultural identification of rhizopus; review of literatura. The American Journal of Medicine, vol. 28, pag. 832-846, 1960.
3.CADAS, A. e GUIMARAES, E.R. Phycormiçose dos seios paranasais. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, pag. 139, 1974, 40 (2-3).
4. DONALD, J.Mc. - Acute Orbital Mucormycose: Archives of Oftalmology, vol. 65, pag. 214220, 1961.
5. DONALD, J. Mc. Intyre: Quilar manifestations of acute mucormycosis - Archives of Oftalmology, vol. 65, pág. 226-237, 1961.
6. HOAGLAND, J.R. and Col. - Mucor- 9. mycosis - American Journal of the
Medical Sciences. vol. 242, pag. 415422, 1961.
7. KASTING, G. e ABDALLA, H. - 10. Meningencefalite i3 Mucormicose:
Relato de um caso. Arquivos de NeuroPsiquiatria, São Paulo, vol. 31, 2, pag. 151, 1973.
8. LACAZ, S. da C., Micologia Médica - 1973.
9.LANDAU, J.W. and NEWCOUER, V.D. - Acute cerebral phycomycosis (Mucormycosis). The Journal of Pediatrics. vol. 61, pag. 363-385.
PROCKOP, D.L. and SILVA, H.M. - CEPHALIC MURCOMYCOSIS (Phycomycosis). Arch. Neurol. vol. 17. Acta 1967, pag. 379-386.




Endereço dos Autores:
Departamento de O.R.L.
Faculdade de Medicina
14.100 - Ribeirão Preto/SP.

* Professor Livre Doccnte e Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP.
** Auxiliar de Ensino da Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP.
*** Residente de 2° Ano (R-2) da Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP.
**** Residente de 2° Ano (R-2) da Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP.
***** Residente de 1.° Ano (R-t) da Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto -- USP.

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