Versão Inglês

Ano:  1996  Vol. 62   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 296 a 304

 

Otite Externa Maligna: Tratamento com Ciprofloxacina.

Otite externa malígna, diabetes, tratamento

Autor(es): Claudia A. Eckley*,
Nelmer F. Z. Rodrigues**,
Otacílio C. Lopes Filho***.

Palavras-chave: Malignant External Otitis: Treatment with Ciprofloxacina.

Keywords: Malignant external otitis, diabetis, treatment

Resumo:
A Otite Externa Maligna (OEM) é forma agressiva e potencialmente fatal de otite externa que ocorre principalmente em indivíduos idosos e diabéticos, onde a P. aeruginosa causa osteomielite dos ossos da base do crânio usando o canal auditivo externo como porta de entrada. No passado, o tratamento desta doença era feito de forma parenteral com altas doses de aminoglicosídeos e penicilinas, gerando longas internações e vários efeitos colaterais destas drogas. Após o advento das fluorquinolonas, o tratamento desta doença passou a ser semi-ambulatorial com duração média de 6 semanas e menos efeitos colaterais. Relatamos 5 casos de OEM, com suas diferentes apresentações clínicas e evolução que foram tratados com ciprofloxacina (1,5 g/dia), por período mínimo de 4 semanas e máximo de 20 semanas, todos com boa resposta terapêutica. Abordamos, também, aspectos sobre a patogênese, história clínica e evolução da OEM, bem como a farmacocinética das fluorquinolonas.

Abstract:
Malignant External Otitis (MEO) is a severe disease affecting patients who are usually elderly, diabetic and vascularly compromised in whom Pseudomonas aeruginosa causes an osteomylitis of the base of thc skull, using the external ear canal as a port of entry. In the past, successful treatment was achieved using 6 to 12 weeks of high doses of parenteral aminoglycosides associated to extended-spectrum penicillins and local aural debridement, with all the costs and side effects inherent to such regimen. After the advent of oral fluorquinolones, semi-ambulatory treatment was made possible with a mean 6-week duration. The authors report 5 cases of MEO treated with 1.5g/day of oral ciprofloxacin for a minimum period of 4 weeks and a maximum period of 20 weeks. All patients had a favorable outcome. The authors also discuss the pathogenesis of the disease, as well as its outcome and some pharmacokinetic aspects of the fluorquinolones.

INTRODUÇÃO

A Otite Externa Maligna (OEM) ou Necrotizante, foi inicialmente descrita por Keleman e Meltzen em 1959 (1). Na época, eles intitularam-na de "Osteomielite pancianosa do osso temporal, mandíbula e zigom". Em 1968, Chandler (2) descreveu 13 casos da doença e instituiu seu nome atual. Trata-se de uma forma agressiva e potencialmente fatal de otite externa que costuma ocorrer principalmente em indivíduos idosos e diabéticos, apesar de haverem casos descritos desta doença em indivíduos com outras formas de imunossupressão (3, 4, 5). O curso clínico da OEM é raramente previsível.



Figura 1: Cintilografia de ossos temporais com Ga-67, vista anterior (1-A) e frontal (1-H), mostrando hipercaptação acentuada do radoisótopo em osso temporal direito de paciente com OEM previamente ao tratamento.



A doença inicia-se como infecção inócua do epitélio escamoso do conduto auditivo externo, podendo estender-se ao tecido mole subjacente, bem como à cartilagem, aos vasos sangüíneos e ao osso, eventualmente causando celulite, condrite ou osteomielite do osso temporal. Se a doença não for adequadamente diagnosticada, tratada e controlada, pode evoluir para osteomielite dos ossos da base do crânio, paralisias de múltiplos pares cranianos (principalmente o VII pela sua proximidade com o local infectado), meningite e até morte (4, 6, 7).

A Pseudomonas aeruginosa tem sido relatada como o principal agente causador da OEM, porém existem trabalhos que relatam infecções causadas por S. aureus, S. epidermides e Candida albicans (4, 5, 8, 9). A P. aeruginosa é um comensal do trato gastrointestinal raramente encontrada no conduto auditivo externo de pessoas normais. É bactéria gram negativa bastante versátil, sendo encontrada em solo úmido, água e vegetação em regiões geográficas com clima quente e úmido (8).

A patogênese da OEM ainda não é completamente conhecida. Acredita-se que a agressividade desta forma de infecção do conduto auditivo externo deva-se à combinação de diversos fatores locais e sistêmicos do hospedeiro, bem como às características do patógeno. Os fatores relacionados ao hospedeiro, que são a má perfusão tecidual e a imunossupressão humoral e celular (principalmente com diminuição da função fagocitária polimorfonuclear) estão presentes nos indivíduos idosos com diabetes de longa duração (8, 9). Apesar disso, raramente são relatados casos de concomitância da OEM com hiperglicemia (6, 8). Quanto ao patógeno, a P. aeruginosa costuma ativar várias substâncias citotóxicas extracelulares, bem como enzimas proteolíticas que causam lesão grave nos tecidos do hospedeiro (9).

A infecção por P. aeruginosa na OEM segue rota característica. Do conduto auditivo externo, o germe progride até o osso temporal pela junção ósseo-cartilaginosa. Daí segue pelas Fissuras de Santorini, no meato cartilaginoso externo, até a Mastóide.

A apresentação clínica da OEM evolue principalmente com otalgia lancinante, mais intensa à noite, cefaléia (geralmente temporal ou occipital), dor em região de articulação têmporo-mandibular e periauricular, edema e raramente otorréia. Pode ocorrer tecido de granulação no conduto auditivo externo, porém a membrana timpânica em geral permanece intacta. Apesar da intensidade dos sintomas locais, raramente os pacientes apresentam toxemia e febre (3, 4, 6, 7, 9).

O diagnóstico é feito pela história e pelo exame clínico e, em especial, pelo isolamento da P. aeruginosa, podendo contar também com exames laboratoriais e radiológicos, que não só darão noção da extensão da infecção, como também de sua evolução. São usados mapeamentos ósseos com Galium 67 (Ga-67) e Tecnecium 99- metaestável (Te 99m). Ambos são bastante sensíveis, detectando alterações logo nas primeiras semanas de infecção (Figuras 1 e 2). O Tc-99m é melhor para diagnosticar osteíte, pois o Ga-67 pode estar positivo em simples processos inflamatórios de tecido mole. No entanto, o Ga-67 é indicador melhor da resposta terapêutica (3).

A hipercaptação da cintilografia com Ga-67 melhora ou até reverte com a melhora clínica, enquanto que com Tc-99m o exame pode manter-se positivo por mais tempo.

Atualmente, os exames radiológicos de escolha para avaliar a extensão da doença são a tomografia computadorizada, que mostra com nitidez o plano ósseo (7) e a ressonância magnética que é ideal para a visualização dos planos musculares e gordurosos da região subtemporal. O único exame laboratorial realmente consistente na OEM é o VHS. Nos indivíduos não diabéticos com OEM, também deve-se fazer a curva glicêmica, a fim de descartar a presença de diabetes químico. A biópsia do tecido inflamatório local deve ser realizada sempre que possível a fim de afastar a presença de carcinoma, que. é o diagnóstico diferencial mais comum das OEM.



Figura 2: Cintilografia de ossos temporais com Tc-99m, vista anterior (2-A) e vista posterior (2-B), evidenciando hipercaptação do radioisótopo em osso temporal direito de paciente com OEM em fase aguda previamente ao tratamento.



Antes do advento das fluorquinolonas, o tratamento da OEM consistia na administração parenteral prolongada de altas doses de aminoglicosídeos e agentes beta-lactâmicos (penicilinas de amplo espectro), associados ao debridamento cirúrgico. Estes antibióticos eram administrados, em média, de 4 a 12 semanas, fazendo com que os doentes permanecessem internados por longos períodos de tempo. Estes doentes sofriam todos os riscos dos efeitos colaterais renais e otológicos dos aminoglicosídeos associados aos riscos de hipersensibilidade, sangramento e hipernatremia das penicilinas, bem como os malefícios da cateterização e hospitalização prolongados. Esta longa internação tornava o tratamento altamente dispendioso (10, 11, 12, 13).

Com as fluorquinolonas, o tratamento da OEM tornou-se mais rápido (em média 6 semanas) e eficaz. Por serem drogas de administração oral, não exigem internação. Estas drogas são também chamadas de quinolonas e incluem a norfloxacina, a ciprofloxacina, a ofloxacina, enoxacina e a perfloxacina. Em nosso meio, utilizamos principalmente a norfloxacina, a perfloxacina (14) e a ciprofloxacina, sendo a terceira a mais eficaz contra a P. aeruginosa (15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27).

Este trabalho relata 5 casos de Otite Externa Maligna com suas diferentes apresentações clínicas e sua evolução com o tratamento utilizando ciprofloxacina.

RELATO DOS CASOS

CASO 1: AMJ, sexo feminino, 78 anos, do lar, deu entrada em nosso serviço em fevereiro de 1993 com história de otite média aguda bilateral (supurada à esquerda) há 1 mês, após IVAS. O quadro original havia cedido espontaneamente exceto por plenitude auricular que persistia. Referia diabetes tipo II há 5 anos controlada com hipoglicemiante oral. Ao exame de entrada, apresentava edema e descamação intensos de ambos condutos auditivos externos com bolha e hiperemia de quadrante ântero-superior de membrana timpânica direita. A glicemia de entrada era de 130 mg/dl; o hemograma e o VHS eram normais. Foi tratada com ciprofloxacina 1,5 g/dia em três tomadas, associada à limpeza semanal das orelhas com curativos usando antibiótico tópico. Mapeamentos com Ga-67 e com Tc-99m revelaram hipercaptação de ossos temporais direito e esquerdo. Cultura da secreção otológica foi negativa. Após 4 dias de tratamento, já apresentava melhora significativa do edema e resolução da lesão bolhosa. Houve resolução total do quadro em 4 semanas.

CASO 2: ARN, sexo masculino, 77 anos, aposentado, foi visto pela primeira vez em maio de 1993 com queixa de otalgia e dor hemicraniana à direita de forte intensidade, acompanhadas de emagrecimento de 5 kg há 5 meses, após ter sido submetido à lavagem de ouvidos por plenitude auricular. O paciente apresentava diabetes tipo II. há 30 anos fazendo uso de hipoglicemiante oral, estando descompensado na entrada, necessitando de insulina N.P.H. Ao exame, apresentava hiperemia, edema e secreção purulenta bilateral, com pólipo em parede anterior de conduto auditivo externo direito e paresia de hemiface direita. Cultura da secreção foi positiva para P. aeruginosa. Exame anatomo-patológico do pólipo revelou processo inflamatório crônico inespecífico. Cintilografias com Ga-67 e Tc-99m mostraram-se hipercaptação de osso temporal à direita. Foi tratado com ciprofloxacina 1,5 g/dia e limpeza semanal dos debris por 16 semanas. A paresia foi resolvida após 4 semanas. Estava assintomático após 7 meses, apresentando cintilografias dos ossos temporais com Ga-67 e Tc-99m não captantes. Em acompanhamento após 2 anos, o paciente ainda estava assintomático.

CASO 3: MKH, sexo feminino, 58 anos, do lar, foi avaliada inicialmente em novembro de 1992 com quadro de otalgia bilateral progressiva e prurido intenso há meses, intensificado com uso de gotas otológicas. Há meses, referia otalgia lancinante em ouvido direito associada à otorréia clara e plenitude auricular. Nã apresentava qualquer antecedente mórbido. Exames laboratoriais estavam todos normais, exceto VHS de 100 mm. Ao exame de entrada, evidenciava ouvido direito sem anomalias e presença de pólipo em terço ântero-inferior de conduto auditivo externo esquerdo e membrana timpânica esquerda normal. Biópsia da lesão revelou processo inflamatório crônico inespecífico sem sinais de malignidade. Foi tratada com ciprofloxacina oral 1,5 g/dia em três tomadas, apresentando regressão da dor e otorréia em 7 dias, porém desenvolvendo paralisia de prega vocal e de palato à esquerda (IX e X pares craníanos esquerdos). Tomografia computadorizada dos ossos temporais evidenciou velamento subtotal de conduto auditivo externo esquerdo, estendendo-se às células da mastóide à esquerda, com nível líquido; Tomografia computadorizada de crânio apresentou calcificações nodulares na projeção da tenda do cerebelo. Cintilografias dos ossos temporais com Ga-67 e Tc-99m apresentaram hipercaptação acentuada à esquerda. Cultura da secreção foi negativa para P. aeruginosa. Glicemias seriadas, curva glicêmica, PPD e demais exames laboratoriais eram normais. Após 8 semanas de tratamento, houve regressão da otalgia, da cefaléia e da otorréia, porém persistiu paralisia de IX e X pares cranianos à esquerda. A paciente regressou ao seu estado de procedência, não sendo possível seu acompanhamento.

CASO 4: AFS, sexo feminino, 74 anos, do lar, apresentou-se ao serviço em novembro de 1992 com queixa de prurido auricular intermitente há 4 anos, acompanhado de otalgia e plenitude auricular. Referia mudança do quadro há 4 dias, com otalgia intensa bilateral, associada à otorréia fétida e plenitude auricular. A paciente era diabética insulino-dependente há 14 anos, hipertensa controlada e com quadro de tuberculose pulmonar curada há 20 anos. O exame otoscópico mostrava condutos auditivos externos edemaciados, principalmente à direita e erosão da parede óssea inferior do conduto auditivo externo esquerdo, expondo o osso e formando um pertuito por baixo do anel timpânico, porém com membrana timpânica intacta. A glicemia de entrada era de 250mg/dl. Foi tratada inicialmente com norfloxacina 500mg de 12/12 horas for 6 semanas, sem melhora. Os mapeamentos de ossos temporais com Ga67 e Te-99m apresentavam hipercaptação de osso temporal esquerdo. A cultura da secreção foi positiva para P. aeruginosa. Como os níveis glicêmicos continuavam alterados, a paciente foi internada para controle do diabetes e substituimos o tratamento quimioterápico por ciprofloxacina oral 1,5 g/dia em três doses diárias associado a debridamento e limpeza das orelhas. Em uma semana já se evidenciava importante melhora do prurido e da secreção. Resolução dos sintomas ocorreu após 20 semanas de tratamento. Após 6 meses do término da antibioticoterapia, foram repetidos os mapeamentos com radioisótopos que mostraram ossos temporais não captantes. Dois anos após o término do tratamento, a paciente voltou a apresentar queixas otológicas apenas em ouvido esquerdo, onde mantinha a erosão óssea do soalho do conduto auditivo externo esquerdo que se comunicava com o ouvido médio deste lado. Foi tratada novamente com limpezas regulares e controle dos níveis glicêmicos, com resolução espontânea do quadro após 3 meses, não sendo usado antibioticoterapia.

CASO 5: EFM, sexo feminino, 62 anos, do lar, deu entrada no serviço em janeiro de 1995 com história de otalgia e plenitude auricular há 1 mês, tendo feito diversos tratamentos com gotas tópicas, sem melhora. Relatava piora importante há 7 dias, apresentando otalgia c cefaléia à esquerda lancinantes. Tratava-se de paciente diabética há 10 anos, controlada com hipoglicemiante oral.

Ao exame, seu pavilhão auricular e conduto auditivo externo esquerdos encontravam-se com hiperemia e edema intensos bilaterais, com otorréia amarelada fétida em moderada quantidade à esquerda, descamação abundante e pólipo em terço externo do soalho de conduto auditivo externo esquerdo. As membranas timpânicas estavam íntegras. A glicemia de entrada era de 250 mg/dl.

A cultura da secreção foi positiva para P. aeruginosa. Foram realizados limpeza e debridamento dos condutos auditivos com retirada parcial do pólipo esquerdo para melhor drenagem da secreção. O exame anatomo-patológico do pólipo revelou processo inflamatório crônico inespecífico. Foi tratada com ciprofloxacina 1,5 g/dia em três doses com importante melhora após 7 dias, tendo desaparecido o pólipo remanescente à esquerda. Em três semanas, houve resolução total do quadro, com normalização dos níveis glicêmicos, apenas com adequamento das doses de hipoglicemiante oral, não sendo necessário o uso de insulina. Porém, o tratamento foi mantido por mais uma semana.

Os mapeamentos de ossos temporais com Ga-67 e Te99m apresentavam hipercaptação bilateral de ossos temporais, pior à esquerda, sendo que 2 meses após o tratamento, a repetição das cintilografias mostrou ossos temporais não captantes. A paciente manteve-se assintomática por 11 meses após o término do tratamento antibiótico.

DISCUSSÃO

Os cinco casos aqui relatados são consistentes com a literatura quanto à faixa etária dos doentes e os antecedentes mórbido (3, 4, 6, 7, 26). A média de idade dos doentes foi de 69,2 anos (idade mínima 58 anos e máxima 78 anos) e todos, exceto um, eram diabéticos tipo II de longa duração. Dos quatro doentes diabéticos, apenas um era insulino-dependente, porém outros dois doentes necessitaram de uso temporário de insulina N.P.H. para controlar os níveis glicêmicos e a infecção otológica. A paciente não diabética apresentou o quadro mais grave associado à paralisia do IX e do X pares cranianos.

Todos os pacientes queixavam-se de otalgía intensa e apresentavam edema, hiperemia e descarnação abundantes de seus condutos auditivos externos, sendo que apenas uma paciente apresentava envolvimento da orelha média sem perfuração da membrana timpânica. Esta paciente tinha erosão da parede óssea inferior do conduto auditivo externo formando comunicação com a orelha média por baixo do anel timpânico. Após a cura do processo infeccioso, a paciente manteve a erosão sem otorréia.

Apenas 3 dos 5 pacientes apresentaram culturas positivas para P. aeruginosa. Na literatura, relatam-se culturas freqüentemente negativas em pacientes que fizeram uso abundante de gotas otológicas contendo antibióticos (25).

As cintilografias de osso temporal com Ga-67 e Te-99m mostraram hipercaptação em todos os casos, mas com freqüência, apenas do mesmo lado das orelhas com acometimento de planos mais profundos, onde já havia destruição do plano ósseo com tecido de granulação intenso. Nos três pacientes onde cintilografias para controle de cura clínica foram feitas, não havia sinais de hípercaptação dos radioisótopos.

Dois pacientes apresentaram envolvimento de pares cranianos, um com apenas paresia de VII par unilateral que regrediu com a cura clínica e controle dos níveis glicêmicos usando-se insulina N.P.H., e a outra com paralisia de IX e X pares também unilateral, porém sem regressão após 8 semanas de tratamento apesar da resolução completa da infecção otológica. Esta doente não apresentava doenças de base. O primeiro doente mantinha-se assintomático 1 ano após o término do tratamento, e a segunda paciente abandonou o tratamento após 8 semanas.

O tratamento da OEM consiste em três pilares essenciais: a limpeza local, a quimioterapia adequada e o controle da doença de base causadora da descompensação imunológica.

Limpeza adequada do conduto auditivo externo e debridamento do tecido necrótico devem ser associados parcimoniosamente ao tratamento quimioterápico sistêmico, já que é sabido que a instilação de antibióticos tópicos e manipulação excessiva podem diminuir ainda mais a resistência local piorando a infecção (5, 6, 15, 26).

O tratamento quimioterápico da OEM evoluiu grandemente com o advento das fluorquinolonas. Estas drogas têm ação potente contra germes gran negativos e, em especial, contra a P. aeruginosa. Sua atividade contra germes gran positivos é variável e, até o momento, não são descritas quinolonas com ação contra bactérias anaeróbias (15, 16, 17, 20).

O mecanismo de ação das fluorquinolonas dá-se através da inibição da DNA-girase, enzima essencial para a replicação do DNA, sendo, portanto, bactericidas (20).

As quinolonas apresentam excelente absorção, quando administradas oralmente, com excelente penetração em quase todos os tecidos. A maioria das quinolonas não atinge bons níveis no líquido céfalo-raquidiano. O ajuste das doses nos indivíduos com disfunção hepática e/ou renal é necessário, já que a maioria das quinolonas é de excreção renal e a norfloxacina e a ciprofloxacina têm circulação enterohepática. Estas drogas podem também afetar o desenvolvimento das cartilagens, sendo, portanto, proscritas em crianças, adolescentes e gestantes. Os efeitos colaterais destas drogas são poucos e regridem rapidamente com a diminuição ou interrupção das doses. Relatam-se casos de náuseas, artralgia e prurido vaginal de fraca intensidade (15 16, 18, 19). Apenas uma de nossas pacientes apresentou prurido vaginal que regrediu com a diminuição das doses de ciprofloxacina por alguns dias.

Como nenhum de nossos pacientes apresentava contra-indicação clássica para o uso das quinolonas, todos receberam 1,5 g/dia de ciprofloxacina durante período mínimo de 4 semanas e máximo de 20 semanas (média 10,2 semanas). Os dois casos que necessitaram de tratamento mais prolongado (18 e 20 semanas) foram aqueles com os níveis glicêmicos mais altos, que receberam insulina N.P.H. para controle do quadro, pois tão essencial quanto os cuidados locais e a quimioterapia é o controle rigoroso dos níveis glicêmicos dos indivíduos diabéticos.

Quanto ao prognóstico da OEM, a deterioração do estado mental do doente geralmente reflete complicações intracranianas. Relata-se alta mortalidade associada à paralisia de pares cranianos, principalmente quando ocorre polineuropatia (26).

A doença recorre com grande freqüência (9 a 27 tendo como principais sintomas a otalgia e a cefaléia com pouca otorréia, o que demonstra a prevalência da osteomielite da base do crânio muito freqüente nestes casos (3, 4, 6, 13, 26, 27, 28).

Apenas um dos 4 pacientes com acompanhamento prolongado apresentou recidiva da OEM, porém em menor intensidade, sendo controlado apenas com cuidados locais e controle dos níveis glicêmicos. Este paciente não apresentou envolvimento de pares cranianos ou do sistema nervoso central. Dos dois pacientes com envolvimento de pares cranianos, o mais grave não fez seguimento em nosso serviço. O caso com paresia de VII par apresentou cura e regressão total do quadro, estando assintomático há dois anos do término do tratamento.

CONCLUSÕES

A Otite Externa Maligna ou Necrotizante, corno preferem alguns autores contemporâneos, é doença grave que afeta principalmente indivíduos idosos diabéticos e com comprometimento vascular, ande a Pseudomonas aeruginosa causa osteomielite dos ossos da base do crânio, usando o conduto auditivo externo como porta de entrada. Esta doença é mais freqüente em regiões de clima quem e úmido (1, 2, 3, 4, 26, 27).

A incidência da Otite Externa Maligna vem aumentando conforme aumenta a expectativa de vida dos indivíduo diabéticos. Apesar da grande gama de doenças que causa imunossupressão e, na atualidade, em especial a AIDS, não há relatos de maior incidência da OEM nestes pacientes, que coincide com nossa observação clínica. Isto se deve talvez, aos mecanismos ligados não só ao agente, com também ao hospedeiro. O acometimento de microvasculatura, no diabético de longa data acarreta perfusão tecidual e também diminuição da imunidade celular e humoral. Isto não ocorre em todas as formas imunossupressão (6, 8, 9).

Este estudo mostra que o uso oral de ciprofloxacina 1,5 g/dia durante no mínimo 4 semanas de forma ser ambulatorial produziu resolução dos sintomas otológicos e do processo infeccioso local nos 5 doentes. A ciprofloxacina foi bem tolerada por todos os doentes, havendo apenas caso com discreto prurido vaginal que regrediu após diminuição da dose da medicação por alguns dias.

A cura da doença é problema delicado. A literatura mundial, bem como nossa experiência, indicam que a infecção pode apresentar recorrência até 12 meses após o término da antibioticoterapia. Assim sendo, sugerimos acompanhamento destes pacientes por um ano após o término da quimioterapia antes de considerá-los curados (6, 9, 26).

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*Segundo Assistente -Dept. Otorrinolaringologia Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de SP Pós-graduando no Curso de Mestrado da FCMSCSP.
** Residente do Primeiro Ano Dept. de Otorrinolaringologia ISCMSP.
*** Diretor do Dept. de Otorrinolaringologia - ISCMSP Prof Titular da FCMSCSP.

Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia da Irmandade da Santa Casa de São Paulo. Endereço: Rua Dr. Cesário Motta Junior, 112 - Vila Buarque - CEP: 01277-900 - São Paulo - SP - Brasil.

Trabalho apresentado no XXXII Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, de 3 a 7 de setembro de 1994 em Curitiba.

Endereço para Correspondência: Dra. Claudia A. Eckley, Av. Jacutinga 231, apt. 82 - Moema CEP: 04515-030, São Paulo - SP

Artigo recebido em 02 de fevereiro de 1996.
Artigo aceito em 11 de março de 1996.

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