Versão Inglês

Ano:  1996  Vol. 62   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 280 a 293

 

A Exposição Ambiental ao Fumo e o Risco de Otite Média em Crianças: Avaliação das Evidências.

Environmental Tobacco Smoke Exposure and the Risk of Otitis Media in Children: Analysis of the Evidentes.

Autor(es): José Faibes Lubianca Neto *,
Jaime Luís F. Arrarte **,
Carlos Alberto Brinkmann **,
Sandro Rogério Facco ***,
Wilton Mendes Martins ***.

Palavras-chave: Fumo passivo, exposição ambiental ao fumo, otite média aguda, otite média secretora

Keywords: Passive smoking, environmental tobacco smoke exposure, acute otitis media, secretory otitis media

Resumo:
Os autores revisam inicialmente a importância epidemiológica da otite média aguda (OMA) e da otite média secretora (OMS). A seguir, detêm-se na apresentação das evidências experimentais e clínicas da associação dessas otites cota a exposição ambiental ao fumo nas crianças. Concluem que, embora a hipótese seja tentadora e que tenham surgido evidências recentes importantes, há necessidade de mais estudos, adequadamente conduzidos, para confirmar a hipótese de que a ocorrência da OMA e da OMS sejam influenciadas pela exposição ambiental ao fumo.

Abstract:
The authors review the epidemiological importance of acute and secretory otitis media. Afterward, the experimental and clinical evidences of the association between passive smoking and otitis media are discussed. They conclude that additional studies are necessary to test the hypothesis that passive smoking is a risk factor for secretory and acute otitis media.

INTRODUÇÃO

O termo genérico otíte média (OM) designa inflamação do mucoperiósteo que reveste a fenda auditiva, que pode ser de natureza infecciosa ou não (1). Nesse estudo, trataremos apenas de dois tipos específicos de otite média: a otite média aguda (OMA) e a otite média secretora (OMS). A OMA e a OMS têm em comum a presença de secreção na caixa timpânica. Na OMA, a secreção é purulenta e na OMS é do tipo seroso ou mucoso. A principal distinção clínica entre ambas, além do aspecto otoscápico característico, é o fato da OMA geralmente evoluir com sintomatologia de inflamação aguda (dor, febre), enquanto a OMS quase sempre é assintomática, exceto pela hipoacusia referida pelas crianças maiores.

A OMA é comum na infância, tendo maior incidência até os 2 anos de idade (2). O ponto de prevalência estimado para a doença varia entre 5 e 25%, dependendo da estação do ano (3). O clássico estudo de Coorte de Boston, observando pacientes provenientes de serviços de saúde, demonstrou que aproximadamente 70% das crianças ern torno de 3 anos já tinham sido acometidas pela doença (4). Outro estudo, agora tomando por base amostras aleatórias da população geral, mostrou que 26% das crianças tiveram OMA até a idade de 3 anos e meios. A discrepância entre esses estudos provém, mais provavelmente, das diferentes populações observadas. Característica marcante da doença é a alta taxa de recidiva (6).

A OMS é relativamente incomum durante os seis primeiros meses de vida. Na faixa etária entre 6 a 12 meses, a incidência aumenta muito, chegando à percentagem de 13 a 15 %, em torno dos 12 meses de idade. O pico de freqüência ocorre entre 2 e 4 anos, durante o qual 20% de todas as crianças têm OMS (7).

Como a otite média é muito freqüente nas suas diversas formas, muitos autores estudaram quais os fatores que estão associados com a maior ocorrência da mesma, na tentativa de se reconhecer condições nas quais se possam intervir. Embora para a maioria dos fatores de risco conhecidos, esse objetivo possa ser apenas parcialmente atingido (8), para o fumo passivo muitas atitudes preventivas podem ser tomadas.

Essa revisão bibliográfica tem por objetivo principal discutir as evidências existentes na literatura implicando o fumo passivo, também referido como exposição ambiental ao fumo ou à fumaça do tabaco, como fator de risco para OMA e OMS.

Riscos gerais à saúde associados com o fumo passivo

Amostragens americanas encontraram a presença de pelo menos um fumante em 53 a 76% dos lares pesquisados. A prevalência foi maior em lares de baixo nível sócioeconômico (9). No Brasil, em uma amostra da população de Porto Alegre, a prevalência de fumantes foi de 39,8%, e de ex-fumantes de 16,7% (10). Evidência objetiva de que o fumo ínvoluntário realmente é importante provém de estudos que compararam a concentração da cotinina salivar entre filhos de pais que fumam ou não. Nas crianças e adolescentes expostos ao fumo em casa, a concentração desse metabólito da nicotina na saliva foi significativamente maior (11, 12).

A fumaça do cigarro contém quantidades mensuráveis de toxinas, como o monóxido de carbono, amônia, nicotina e carcinogênios (benzopireno, dimetilnitrosamina, formaldeído e outros). Alguma evidência existe que a exposição ambiental das crianças à fumaça do tabaco resulta em aumento da freqüência de infecções respiratórias baixas, aumento da freqüência de sintomas respiratórios, diminuição da função pulmonar e déficit de crescimento pulmonar. Em adição, o fumo involuntário pode predispor ao desenvolvimento de doença pulmonar obstrutiva crônica, câncer de pulmão e doença isquêmica do coração, associações essas que necessitam de maiores investigações (9, 13).

Evidências experimentais da associação entre fumo e otite média

O efeito de irritantes da fumaça do tabaco na mucosa do ouvido médio e da tuba de Eustáquio pode levar a dano epitelial. Evidência indireta provém de experimentos animais, nos quais o epitélio brônquico exposto a inalantes nocivos mostrou uma série de alterações (14). A liberação de mediadores inflamatórios por epitélio cronicamente irritado resulta em metaplasia para outro de tipo mais secretor. Em pacientes com otite média secretora, aparecem glândulas produtoras de muco na submucosa (15).



Figura 1. Modelo teórico dos fatores envolvidos na otite média.



O epitélio metaplásico do ouvido médio, por sua produção adicional de muco devido ao aumento do número de células caliciformes e glândulas submucosas, pode apresentar disfunção mucociliar. Vários são os mecanismos propostos: aumento do peso do muco sobre o epitélio, alteração da consistência do mesmo que se torna mais pegajoso, e efeito tóxico direto da fumaça do cigarro sobre as células ciliadas. Eles podem ser os responsáveis pelos achados de alguns modelos animais que demonstraram que a exposição a curto prazo da mucosa respiratória à fumaça do tabaco leva à cilioestase e à diminuição do transporte mucociliar (16). Recentemente, Agius e colaboradores demonstraram diminuição da freqüência de batimentos ciliares nas células da mucosa do ouvido médio de crianças com OMS expostas ao fumo passivo, quando comparadas com aquelas não expostas (17).

Estudos demonstram que a fumaça do cigarro c certas doenças virais alteram as defesas antibacterianas do trato respiratório de maneira sinérgica. Isso pode levar a aumento da colonização bacteriana e, subseqüentemente, a episódios de otite médi (18).

O último mecanismo proposto é que o fumo aumenta o risco de otite média nas crianças filhas de pais fumantes, indiretamente. O evento primário seria o aumento no número de infeções respiratórias, tanto nos pais quanto nas crianças, estabelecendo-se fatores de risco para posterior episódio de otite (19).

A figura 1 resume os principais mecanismos pelo qual o fumo involuntário pode levar à otite média.

Evidências clínicas da associação entre fumo e otite média

O primeiro estudo na área, embora com outro objetivo primário, foi publicado em 1978. Utilizando crianças entre 5 e 6 anos, demonstrou apenas a tendência para o fumo e a idade influenciarem na prevalência de secreção no ouvido médio (20).

Um ano mais tarde, Vinther e colaboradores realizaram estudo transversal populacional (5). Utilizaram 527 crianças de 3 anos e meio, divididas em 4 grupos: um randomicamente selecionado, outro de crianças residentes em subúrbio residencial, outro de crianças vivendo em casas de más condições e outro de crianças previamente admitidas no departamento de otorrinolaringologia (ORL). O diagnóstico de OMS foi baseado em timpanometria e o de OMA foi retrospectivo e baseado na informação que os médicos que atenderam as crianças deram aos pais. Em nenhum subgrupo e nem no grupo total foi demonstrada associação significativa de OMS com o hábito de fumar dos pais. Nesse estudo, também foi investigada a associação com OMA, a qual também não se mostrou aparente.

Em 1983, surgiu o primeiro estudo relatando a associação significativa entre a exposição passiva ao fumo e otite média secretora (21). Nesse estudo, os casos foram crianças admitidas no hospital com secreção no ouvido médio há no mínimo 2 meses e causando perda auditiva de no mínimo 25 dB para a realização de paracentese timpânica e colocação de tubos de ventilação. Os controles foram crianças submetidas a cirurgias de curta duração em outras especialidades no mesmo hospital. As crianças foram pareadas por sexo, idade e mês de cirurgia. A razão de chances (RC) para OMS encontrada para crianças que tinham 2 ou mais fumantes em casa foi de 2,8, com intervalo de confiança (IC) de 1,1 a 7,0. Crianças expostas ao fumo de 3 ou mais carteiras de cigarro/dia tiveram RC de 4,1 (IC: 0,9 - 19,2). As limitações desse estudo foram várias. Crianças referidas a um centro terciário pela necessidade de realização de timpanostomia compreendem apenas fração de crianças com OMS vistas pela maioria dos clínicos. Logo, o estudo perde em validade externa. As múltiplas comparações não controladas na análise dos dados que foram feitas para determinar outros fatores de risco para a doença podem ser a explicação para a significância de algumas associações. Houve vício na seleção dos controles, pois quase 114 dos mesmos foram representados por crianças internadas para a realização de cateterismo cardíaco, as quais provavelmente tinham risco menor de ter pais fumantes.

Iversen e colaboradores, em 1985, realizaram uma coorte com duração de 3 meses englobando 337 crianças entre 6 e 7 anos de idade, recrutadas de 3 instituições de cuidados diários (30% das crianças do seu município). Conseguiram demonstrar associação positiva entre o fumo passivo e a otite média secretora nessas crianças. Um achado importante foi de que o risco associado com o fumo passivo aumentava com a idade (22).

Etzel, no mesmo ano, realizou um estudo de coorte retrospectivo de 9 anos, utilizando 132 pacientes de um centro de saúde infantil. Foi o primeiro estudo que se deteve exclusivamente na relação otite média e fumo passivo. O diagnóstico de OMS foi estabelecido pela pneumotoscopia (diminuição da mobilidade do tímpano) e a exposição passiva ao fumo pela mensuração da cotinina salivar. A taxa de incidência de densidade bruta de OMS encontrada foi de 1,39 (IC: 1,15 - 1,69) e 1,38 (IC: 1,21 - 1,56) no primeiro e nos 3 primeiros anos de vida, respectivamente. Porém, a significância desapareceu com a introdução de outras variáveis no modelo de regressão logística (19).

Black, também em 1985, através de estudo de caso-controle investigou, entre outros fatores, a influência do fumo dos pais no risco de "glue ear" entre crianças com idade variando de 4 a 10 anos. Os casos foram crianças submetidas à cirurgia pelo "glue ear" nos últimos 30 meses prévios ao estudo. Para cada caso (n=150), houve dois controles (um retirado dos ambulatórios de cirurgia geral e ortopédica e outro selecionado da mesma sala de aula da criança "caso"). Na análise comparativa, foi encontrada RC de 1,64 (IC: 1,03 - 2,61) para otite média secretora, comparando as crianças com "glue ear" com os controles hospitalares e RC de 1,52 (IC: 1,06 - 2,21) q uando comparados aos controles escolares (23).

Birch e Elbrond, em 1987, utilizaram 217 crianças entre 1 e 6 anos de idade, selecionadas aleatoriamente da população e que não freqüentavam instituições de cuidados de crianças. Utilizando como critério objetivo de OMS a presença de curva B de Jerger obtido pela timpanometria, não conseguiram demonstrar associação significativa com a exposição ambiental à fumaça do tabaco medida através de questionário (24).

Strachan, em 1988, publicou estudo transversal, objetivando demonstrar a associação entre a umidade caseira e a asma na infância. Sem dar ênfase no achado, demonstrou que a prevalência de problema de ouvido no último ano (dor ou otorréia) não diferiu estatisticamente nas crianças expostas a nenhum, a um ou a dois ou mais fumantes (23,5%,-25,3% e 24,4%, respectivamente). Embora não tenha sido este o evento primário de interesse, é o segundo estudo que incluiu a prevalência de OMA (25).

Zielhius e colaboradores, no mesmo ano, realizaram uma coorte envolvendo 1493 crianças que na época da seleção do estudo tinham 2 anos. Foram feitas timpanometrias e perguntas nas casas das crianças a cada 3 meses até elas completarem 4 anos de idade. Foram feitas 9 visitas no total, e as análises utilizaram os dados obtidos na 5.ª visita, quando as crianças tinham 3 anos de idade. As curvas tipo B de Jerger eram consideradas diagnósticas de OMS. O risco relativo (RR) encontrado foi de 1,07 (IC: 0,90 -1,26) (26).

Também em 1988, Hinton e Buckley montaram estudo de caso-controle que foi o segundo desenhado especificamente para testar a hipótese de haver associação positiva entre o fumo dos pais e a ocorrência de OMS. Foram selecionadas como casos 35 crianças entre 1 e 11 anos que procuraram o departamento de ORL de um hospital e como controles 35 crianças de mesma idade atendidas na clínica ortopédica daquela instituição. A OMS foi assegurada pela otoscopia, audiometria e impedanciometria. O hábito de fumar foi perguntado através de questionário aos pais. Foi encontrada RC de 2,24, que não demonstrou significância estatística, porém denotou tendência de ser a OMS mais comum em filhos de pais fumantes. O baixo poder estatístico do estudo pode ter sido o responsável pela não significância do resultado (27).

Em 1989, Strachan et al. estudaram 736 crianças entre 6,5 e 7,5 anos aleatoriamente selecionadas de uma de 3 escolas existentes na cidade. A exposição à fumaça do cigarro dos pais foi quantificada pela medida da cotinina salivar. O diagnóstico de OMS foi feito através de timpanometria. O RR encontrado na análise univariada foi de 1,14 (IC: 1,03 - 1,27). Já na análise multivariada, o RR encontrado diminuiu para 1,13 (IC: 1,00 - 1,28) (28).

Em 1992, foi publicado o primeiro estudo nacional avaliando a influência da exposição ambiental ao fumo sobre a prevalência de OMA. Para tanto, Lubianca Neto e colaboradores realizaram estudo transversal com amostra de 192 crianças de até 3 anos de idade que consultaram cm serviço de pronto-atendimento pediátrico. O diagnóstico de OMA foi feito por otoscopia e a aferição do fumo dos pais e moradores da casa da criança por questionário padronizado. Não se conseguiu demonstrar maior prevalência de OMA em crianças de casas com um ou mais fumantes, tanto na análise simples como na multivariada. A razão de prevalência encontrada foi de 0,82 (IC: 0,67 - 1,02) (29).





Em 1995, Kitchens publicou estudo que mereceu o destaque de um suplemento inteiro no Laryngoscope. Foi mais um estudo de caso-controle envolvendo 175 crianças de até 3 anos de idade que foram encaminhadas para colocação de tubos de ventilação. Os casos incluíram um grupo heterogêneo de crianças com indicação cirúrgica baseada na presença de OMS, OMA recorrente ou de otite adesiva. O grupo controle de igual tamanho foi retirado de uma coorte de crianças provenientes de 3 consultórios pediátricos privados da mesma área, pareados pela idade e nível sócio-econômíco. A exposição ambiental ao fumo foi aferida por questionário e o diagnóstico das otites feito por otoscopia. Posteriormente, as crianças que colocaram os tubos foram seguidas para comparar se a incidência de otorréia, infecções repetidas e extrusão precoce eram mais freqüentes nas expostas ao fumo passivo. Das várias associações realizadas, somente a da presença de no mínimo um morador fumante com a ocorrência da colocação do tubo de ventilação teve significância estatística limítrofe (RC 1,66, IC: 1,0 - 2,74). No seguimento do grupo dos casos, não foi encontrada nenhuma diferença no curso clínico das crianças que foram expostas ao fumo ambiental em relação às que não foram (30). Além das limitações com relação a seleção da amostra, as conclusões da leitura detalhada das figuras e tabelas apresentadas nem sempre concordou com a dos autores.

O último estudo na área do qual se têm conhecimento, e provavelmente o que traz o grau mais forte de evidências favoráveis à associação, foi publicado em 1995 por Ey e colaboradores. Realizaram um estudo de coorte prospectivo, analisando total de 1013 crianças desde o nascimento, seguidas até um ano de vida. Demonstraram que o fumo materno pesado (definido como 20 ou mais cigarros/dia) foi fator de risco significativo para otite média aguda recorrente durante o primeiro ano de vida, com RC na análise estratificada simples de 2,10 (IC 1,24 - 3,55). Na análise multivariada, o RR diminuiu para 1,78, porém permaneceu estatisticamente significativo (IC 1,01 - 3,11). O fumo não alterou a incidência de episódios únicos de OMA. Ainda neste estudo, os autores demonstraram efeito maior do fumo naqueles lactentes com baixo peso ao nascer (< do que 3 Kg), e mais importante, conseguiram demonstrar que é o fumo materno o determinante da recorrência das otites. O fumo paterno não alterou a incidência da doença nas crianças e nem demonstrou qualquer efeito aditivo ao fumo materno na recorrência da otite (31). Também ficou demonstrada a diminuição no tempo de amamentação ao peito pelas mães que fumavam, levantando a hipótese, já demonstrada em outra publicação, de que as crianças filhas de mães fumantes estariam sob risco de otite tanto pela exposição à fumaça do cigarro, como pela privação precoce do leite matern (32).

A tabela 2 resume os resultados dos estudos que usaram risco relativo, razão de prevalência, razão de possibilidade ou taxa de incidência de densidade como medida de associação, com os seus respectivos intervalos de confiança. Brevemente, esses índices utilizados são obtidos através de operações de divisão. As crianças com otite se distribuem no numerador se são expostas ao fumo passivo e no denominador se não são expostas a ele. Daí, se conclui que o fumo é fator de risco se o coeficiente obtido é maior do que 1, indicando que existe mais crianças com otite no grupo exposto ao fumo do que no grupo não exposto. Por exemplo, a RC igual a 1,78 obtida por Ey e colaboradores (31) significa, com pequenas ressalvas, que a incidência de otite média aguda recorrente é 1,78 maior no grupo exposto á fumaça de 20 ou mais cigarros maternos ao dia do que no grupo não exposto. Em outras palavras, o fumo ambiental aumentou em 78% o risco de ter otite média aguda recorrente. O intervalo de confiança é utilizado para demonstrar se esse valor encontrado é significativo do ponto de vista estatístico, substituindo, com algumas vantagens, o clássico valor do p < 0,05. Assim toda a RC, RR ou RP, em que cujo intervalo de confiança correspondente não está contido o valor 1, é significativa (coeficiente 1 é resultante da divisão de um numerador igual ao denominador, ou seja, o número de expostos ao fumo é igual ao de não expostos, ou ainda, não existe risco). No exemplo de Ey e colaboradores (31), a RC foi significante, pois o intervalo de confiança obtido, o limite inferior foi maior do que 1,00 (1;01 -3,11).

CONCLUSÃO

Alguns autores declaram como estabelecida a relação entre OMA e OMS e o fumo passivo em crianças (13), enquanto outros são totalmente contrários a essa afirmação (33). Muitas são as razões dessa controvérsia, destacando-se: a) alguns estudos têm amostras pequenas; b) são usadas amostras totalmente diferentes, desde crianças internadas para cirurgia otológica até crianças aleatoriamente escolhidas na população geral; c) não há distinção entre o efeito do fumo
materno e do paterno; d) são usadas diferentes variáveis para o desfecho (OMA, OMS, otite média aguda recorrente); e) a exposição ao fumo é medida diferentemente nos vários estudos, variando do sim ou não, passando pelo número de cigarros fumados, indo até a dosagem salivar da cotinina e e) em muitos estudos não são analisadas as influências dos outros fatores de risco conhecidos para otite média na associação do fumo com a otite.

Um estudo recente, avaliando a otite média aguda recorrente e utilizando metodologia adequada, demonstra resultados positivos da associação e sugere, entre outras coisas, que é o fumo materno o importante na predisposição à otite e que parece haver uma curva de dose e efeito entre o fumo passivo e o risco da otite recorrente (risco importante somente quando ultrapassados 20 cigarros/dia).

Em conclusão, baseando-se na literatura disponível, parece precoce afirmar ou negar a influência do fumo passivo na ocorrência de otite média em crianças. Mais estudos corretamente delineados são necessários para testar a hipótese de que o fumo passivo seja fator de risco para otite média aguda e secretora. Mesmo assim, recomenda-se que pelo menos a mãe não fume, não só pela sugestão do risco aumentado de otite média, irias também e, principalmente, pela associação já demonstrada entre o fumo passivo e outras doenças respiratórias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. LIM, D.J. - Recent advances in otitis media with effusion. Report of the Fourth Researeh Conference. Ann Otol Rhinol Latyngol, 98 (suppl. 139): 1, 1989.
2. PARADISE, J.L. - Otitis media in infants and children. Pediatrics, 65: 917-43, 1980.
3. CASSELBRANDT, M.L., BROSTOFF, L.M., FLAHERTY, M.R., etal- Otitis media with effusion in preschool children. Laryngoscope, 95: 428-36, 1985.
4. TEELE, D.W., KLEIN, J.O., ROSNER, B.A. - Epidemiology of otitis media in children. Ann Otol Rhinol Latyngol, 89 (suppl. 68): 5-6, 1980.
5. VINTHER, B., ELBROND, O., PEDERSEN, B. - A population study of otitis media in childhood. Acta Otolaryngol, 366: 135-7, 1979.
6. PUKANDER, J., KARMA, P., SIPILLA, S.R. -Ocurrence and recorrente of acute otitis media among children. Acta Otolaryngol (Stockh), 94: 479-86, 1982.
7. FIELLAU-NIKOLAJSEN, M. - Frequency and course of the disease. Danish Approach of treatment of sccretory otitis media. Ann Otol Rhinol Laryngol, 99 (suppl 146):7, 1990.
8. LUBIANCA NETO, J.F., CAMINHA, G.P., DALL'IGNA, C. - Fatores de risco para otite média. Rev Bras Otorrinolaringol, 2: 90-8, 1993.
9. American Academy of Pediatrics, Committee on Environmental Hazards - Involuntary smoking - a hazard to the children. Pediatrics, 77: 755-57, 1986.
10. CHAIEB, J.A., FASOLO, P., RUSCHEL, S.P., DA COSTA, J.T. - Aspectos epidemiológicos e tabagismo em Porto Alegre: prevalência do tabagismo e DPOC. J.Pneumol, 21: 171-79, 1995.
11. JARVIS, M.J., MCNEILL, A.D., RUSSEI,L, M.A., WEST, R.J., BRYANT, A., FEYERABEND, C. - Passive smoking in adolescents: one-year stability of exposure in the Nome. Lancet, 1: 1324-25, 1987 .
12. JARVIS, M.J., RUSSELL, M.A., FEYERABEND, C., et al. - Passive exposure to tobacco smoke: salive cotinine concentration in a representative population sample of non-smoking schoolchildren. BMJ, 291: 927-29, 1985.
13. FIELDING, J.E., PHENOW, K.J. - Health effects of involuntary smoking. N Engl J Med, 319: 1452-60, 1988.
14. SPICER, S.S, CHAKRIN, L.W., WARDELL, J.R. - Effect of chronic sulphur dioxide inhalation on the carbohydrate hystochemistry and hystology of the canine respiratory tract. Am Rev Resp Dis, 110: 13-24, 1974.
15. TOS, M., BAK-PEDERSON, K. - Secretory otitis. Histopathology and globet cell density in the Eustachian tube and middle ear in children. J LaryngolOtol, 90: 475-85, 1976.
16. WANNER, A. - State of the art: clinical aspects of mucociliary transport. Am Rev Resp Dis, 116: 73-125, 1977.
17. AGIUS, A.M., WAKE, M., PAHOR, A.L., SMALLMAN, L.A. - Smoking and middle ear ciliary beat frequency in otitís media with effusion. Acta Otolaryngol (Stockh), 115: 449, 1995.
18. ETZEL, R. A. - A cohort study of passive smoking and middle ear effusions in children, Chapel Hill, 1985, 82. (Tese de Doutoramento - University of North Carolina).
19. HENDERSON, F.W., COLLIER, A.M., SANYAL, M.A., ET AL. - A longitudinal study of respiratory viruses and bacteria in the etiology of acute otitis media with effusion. N Engl J Med, 306: 1377-83, 1982.
20 MELIA, R.J., FLOREY,C. DU V., CHINNS, S. - The relation between respiratory inless in primary schoolchildren and the use of gas for cooking. I. Results from a national survey. Int J Epidemiol, 3: 333-38, 1978.
21. KRAEMER, J.K., RICHARDSON, M.A., WEIS, N.S., et al.- Risk factor for persistent middle-ear effusions. JAMA, 249: 1022-25, 1983
22. IVERSEN, M., BIRCH, L., LUNDQUIST, G.R., ELBROND, O. - Middle ear effusion and the indoor environment. Arch Environ Health, 40: 74-9, 1985.
23. BLACK, N. - The aetilogy of glue-ear - a case-control study. Int J Pediat Otorhinolaringol, 9: 121-133, 1985.
24. BIRCH, L., ELBROND, O. - A prospective epidemiological study of secretory otitis media in young children related to the indoor environment. ORL, 49: 253-258, 1987.
25. STRACHAN, D.P. - Damp housing and childhood asthma: validation of reporting symptoms. BMJ, 297: 1223-6, 1988.
26. ZIELHUIS, G.A., RACH, G.H., VAN DEN BROEK, P. - Predisposing factors for otitis media with effusion in young children. Adv Oto Rhino Laryngo140: 65-69, 1988.
27. HINTON, A.E., BUCKLEY, G. - Parenteral smoking and middle ear effusios in children. J Laryngol Otol, 102: 992-6, 1988.
28. STRACHAN, D.P., DARVIS, M.J., FEYERABEND, C. - Passive smoking, salivary cotinine concentrations and middle ear effusion in 7 year-old children. BAM, 298: 1549-52, 1989.
29. LUBIANCA NETO, J.F., BURNS, A.G., MOMBACH, R., SAFFER, M. - Exposição passiva ao fumo e o risco de otite média. Rev. AMRIGS, 36: 30-35, 1992.
30. KITCHENS, G.G. - Relationship of environmental tobacco smoke to otitis media in young children. Laryngoscope, 105: 1-13, 1995.
31. EY, J.L., HOLBERG, C.J., ALDOUS, M.B., et al. - Passive smoke exposure and otitis media in the first year of life. Pediatrics, 95: 670-77, 1995.
32. DUNCAN, B., EY, J., HOLBERG, C.J., WRIGHT, A.L., MARTINEZ, F.D., TAUSSIG, L.M. - Exclusive breast-feeding for at least 4 months proteets against otitis media. Pediatrics, 91: 867-72, 1993.
33. BLAKLEY, B.W., BLAKLEY, J. E. -Smoking and middle ear disease: are they related? A review article. Otolaryngol Head Neck Surg, 112: 441-6, 1995.




* Professor Auxiliar do Departamento de Oftalmo-Otorrino - Otorrinolaringologista da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre. Coordenador de Ensino do Serviço de Otorrinolaringologia Pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio - Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Porto Alegre/RS.
** Residentes de 2° ano do Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de Parto Alegre/ RS.
*** Residentes de 3° ano do Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre/ RS.

Instituição: Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre e Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Porto Alegre.

Endereço para correspondência: José Faibes Lubianca Neto. Rua Demétrio Ribeiro, 669/604, Centro, Porto Alegre, RS, Brasil, CEP 90010-310.

Artigo recebido em 12 de janeiro de 1996.
Artigo aceito em 26 de fevereiro de 1996.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial