Versão Inglês

Ano:  1989  Vol. 55   Ed. 4  - Outubro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 173 a 175

 

Ronco e apnéia obstrutiva do sono * Tratamento cirúrgico pela uvulopalatofaringoplastia

Snoring and obstructive sleep apnea Surgical treatment by uvulopalatopharyngoplasty

Autor(es): José Antonio Pinto **

Resumo:
O ronco constitui o ruído vibratório dos tecidos da orofaringe produzido pela obstrução de vias aéreas superiores (VAS). Pode representar sinal de problema grave cujo extremo é a síndrome da apnéia obstrutiva do sono (SAOS), em que além do ronco, o paciente apresenta pausas respiratórias durante o sono, levando-o a um estado de hipoventilação crônica, com sérias consequências orgânicas gerais. O otorrinolaringologista deve estar apto a avaliar com precisão este tapo de problema, sua fisiopatogenta, propedêutica e tratamento adequado. A uvulopalatofaringoplastia (UPFP) foi usada pelo autor com 86% de bons resultados em 14 pacientes com a finalidade de ampliar o espaço aéreo da orofaringe e melhorar a obstrução durante o sono.

Introdução

O problema do ronco ressurgiu na área médica na década de 50 no Japão, quando lkematsu(¹) atendeu uma jovem senhora cujo casamento caminhava para o divórcio em virtude de seu sonoro ronco.

Desde então, este especialista acumulou considerável experiência no tratamento de mais de 4.000 "roncadores" e em vários setores da Medicina desenvolveram-se pesquisas para urna melhor compreensão do ronco e suas consequências (²,³)

Podendo representar nada mais do que um perturbador ruído, com índices recordes de intensidade que atingem até 87,5 decibéis, o ronco pode também ser um sinal preocupante de obstrução de vias aéreas superiores (VAS), com reflexos danosos sobre o aparelho cardiovascular e o comportamento das pessoas.

Múltiplos fatores podem determinar o seu aparecimento, sendo na maior parte dos casos consequência do estreitamento da faringe por colapso de suas estruturas devido flacidez e hipotonia de suas partes moles, principalmente do palato mole e da úvula. Contudo, qualquer obstrução de VAS pode produzir o aparecimento do ronco, como problemas nasais (4) (desvios de septo, adenóides, pólipos, tumores), problemas de orofaringe (amigdalas palatinas aumentadas, cistos, macroglossias), malformações de mandíbulas (micro ou retrognatia), malformações craniovertebrais, estenoses de laringe e excesso de secreção ou ressecamento da mucosa das vias respiratórias.

Outros fatores como vícios posturais, fadiga física e obesidade podem também influir.

Ë útil a informação familiar, principalmente do cônjunge, quanto às características do ronco: se ele se altera simplesmente com a mudança de posição do paciente e se o mesmo apresenta períodos de parada da respiração durante o sono.

Este quadro em que a pessoa ronca bastante durante o sono e intermitentemente apresenta períodos de cessação total da respiração, apesar de seu esforço inconsciente para respirar, é que constitui a Síndrome da Apnéia do Sono (5).

Este tipo de apnéia obstrutiva deve ser diferenciada do tipo central, na qual a apnéia aparece sem esforço respiratório.

Os períodos de apnéia podem va riar de 2,3 até 40 segundos e repetirem-se de 400 a 600 vezes em um noite.

Diagnóstico e Tratamento

Os sintomas mais importante deste distúrbio são o ronco intenso e a sonolência durante o dia. Além da, sérias consequências advindas sonolência, com acentuada diminuição da capacidade produtiva intelectual dos pacientes, riscos mais graves como arritmias cardíacas noturnas, insuficiência cardíaca direita, hipóxia e hipertensão arterial, podem mesmo determinar o óbito (6).

O médico otorrinolaringologista deve realizar minucioso exame destes pacientes, a fim de detectar com precisão a região das VAS onde se localiza a obstrução.

Nos pacientes portadores de apnéia do sono faz-se necessário um estudo mais detalhado deste distúrbio, o que é feito através da POLISSONOGRAFIA 7, técnica que consiste em avaliarmos o paciente monitorizado dormindo toda uma noite em um laboratório especialmente preparado para tal, que inclui eletro-oculograma (EOG), eletroencefalograma (EEG), eletrocardiograma (EM), eletromiograma (EMG), fluxo aéreo nasal e oral, esforço respiratório, índices de saturação de O² CO² no sangue.

Assim, a apnéia do sono pode ser avaliada quantitativamente e distinguida entre suas formas obstrutivas, entrais e/ou mistas.

Após uma efetiva avaliação do ronco e da apnéia do sono, dependendo da severidade dos sintomas, árias alternativas de tratamento podem ser propostas.

A mais simples consiste na mudança de posição do paciente durante o sono:8 a queda da língua contra a parede posterior da faringe quando a pessoa dorme em decúbito dorsal provoca obstrução e ronco, o qual pode ser sanado simplesmente om a mudança de posição, fazendo com que a pessoa durma em decúbito lateral. Para mudarmos este vício ostural, aconselhamos a "técnica da bola de tênis", que consiste em confeccionarmos um bolso nas costas do "roncador" e colocarmos um bola de tênis no seu interior durante a noite, qual lhe seria extremamente desconfortável se tentasse dormir de barriga para cima...

Fatores que agravam os distúrbios sono, devem ser corrigidos com a diminuição de peso dos obesos e
abstenção de álcool e tranquilizantes durante a noite.

Alguns medicamentos têm sido usados, em casos especiais, para melhorar a oxigenação noturna dos pacientes, como derivados da progesterona, antidepressores tricíclicos, triptofanos e mesmo a administração de oxigênio suplementar. Esses medicamentos são mais usados na forma de apnéia do sono tipo central e, apresentam efeitos colaterais.

Dispositivos especiais como retentores de língua e máscaras para a administração de oxigênio sob pressão positiva contínua são utilizados para manter a permeabilidade das VAS em pacientes com apnéia do sono obstrutiva

O tratamento cirúrgico vem sendo aplicado com sucesso no tratamento das diferentes causas do ronco e da apnéia obstrutiva do sono.

Um melhor fluxo respiratório pode ser conseguido com a correção de desvios de septo nasal, remoção de pólipos e tumores do nariz e garganta, retiradas de amígdalas e adenóides grandemente aumentadas principalmente em crianças, correção de macroglossias e anomalias de laringe.

Porém, dentres as causas mais frequentes de obstrução de VAS no adulto, tem-se observado alterações anatômicas importantes que produzem estreitamento da faringe, como úvulas alargadas ou alongadas, excesso de mucosa ao nível do palato mole e dos pilares amigdalianos, determinando verdadeiro colapso da orofaringe, principalmente com a pessoa deitada e dormindo.

Até recentemente, a traqueostomia era o tratamento de escolha para estas formas severas de apnéia noturna obstrutiva.

Atualmente, Fuita(9,12), Simmons(10), Ikematsu(") desenvolveram técnicas cirúrgicas para remoção destes tecidos redundantes da orofaringe, consistindo em verdadeira cirurgia plástica da área, razão do nome Uvulopalatofaringoplastia (UPFP).

Material e métodos

Em 14 pacientes submetidos a UPFP pelo autor, consequente na maioria dos casos(12) ao ronco e em 2 casos ao ronco associado à síndrome da apnéia obstrutiva do sono (SAOS), obtivemos melhora objetiva em 12 pacientes (86%).

Todos eram adultos, do sexo masculino, com idades compreendidas entre 31 a 68 anos, sendo submetidos a exame ORL completo, inclusive nasofaringoscopia flexível em posição deitada e em pé. Dois pacientes foram submetidos à sonografia.

O exame físico destes pacientes mostrava um estreitamento do espaço da orofaringe com úvulas longas ou largas, mucosa redundante do pilar posterior e do contorno palatal. Em 6 pacientes as amígdalas palatinas estavam aumentadas de volume.

A técnica cirúrgica da UPFP utilizada foi padronizada por Fujita9 em 1981, com pequenas alterações (Fig. 1).

Sob anestesia geral entubada, os pacientes foram submetidos à recalibragem da luz da orofaringe através da remoção do excesso de tecido dos pilares posteriores, palato mole e úvula, incluindo também as amígdalas palatinas quando presentes, porém, preservando-se a musculatura. As bordas dos pilares anterior e posterior, do arco palatal, são aproximadas através de sutura com fios absorvíveis, ampliando assim o espaço anteroposterior da ofaringe.

Em um dos casos removemos também pequena faixa de mucosa redundante da parede posterior da faringe.

As queixas pós-operatórias foram mínimas: disfagia discreta e regorgitação nasal temporária em 6 pacientes, cessando totalmente antes da terceira semana de pós-operatório.

Dentre os nossos 14 casos, 02 não apresentaram melhora significativa: um não melhorou do ronco e outro persistiu com crises de apnéia noturna obstrutiva, por apresentarem também macroglossia e obesidade.



Fig. 1 - Técnica da uvulopalatofaringoplastia (UPFP)



Conclusão

O ronco, manifestação audível de obstrução de VAS, aparece em adultos normais ocasionalmente em 45% dos casos e habitualmente em 25% dos mesmos8. Considerado como um distúrbio benigno, o ronco pode representar um sinal de alerta para condições clínicas que quando não tratadas podem progredir para quadros extremos, dos quais o mais grave é a SAOS, que pode ser fatal.

O otorrinolaringologista deve conhecer perfeitamente bem a fisiopatogenia do ronco e da apnéia do sono, detectar com precisão a área das VAS, onde se localiza a obstrução e orientar para o tratamento devido.

Em casos devidamente selecionados nos quais medidas conservadoras não surtiram efeito o tratamento cirúrgico através da UPFP pode ser indicado.

Os resultados têm chegado a 90% de melhora em relação ao ronco, reduzindo-se pela metade a frequência de apnéia e da hipóxia durante o sono, com a melhora da sonolência durante o dia e, consequentemente, da performance física e mental dos pacientes(12).

Pela sua simplicidade e efetividade, a UPFP tem sido utilizada com sucesso nos principais centros médicos do mundo para o tratamento do ronco e da apnéia noturna obstrutiva após prévia e adequada avaliação de suas causas.

Os resultados têm contribuído inclusive para um melhor reajuste entre casais.

Summary

Snoring is the vibratory sound of the oropharyngeal tissues due to the upper airway obstruction.

Can represent the sign of serious disorder in which obstrutive sleep apnea syndrome is the extreme. In these cases, besides snoring, the patient has periodic cessanon of breathing during sleep, leading him to cronic hypoventilation with serious organic consequences.

The Otolaryngologist should realize a very carefull evaluation of this disturbance, knowing às physiopathology, correct clinical investigation and therapeutic alternatives.

The uvulopalatopharyngoplasty (UPPP) was performed by the author on 14 patients with 86% of good results to enlarge the airspace of the oropharynx and improving of snoring and obstrutive sleep apnea.

Agradecimentos

A Sra. Rosane Colaço Moreira por sua colaboração.

Bibliografia

1. IKEMATSU T.: Study of snoring. 4th Report. Therapy (in Japanese). J Jap Oto-Rhino-Laryngo164:434-435, 1964

2. LUGARESI E: Coccagna G., Farneti P., Mantovani M., and Cirignotta F.: Snoring. Electroencephalogr Clin Neurophsyiol 39:59-64, 1975

3. LUGARESI E., Coccagna G., and Cirignotta, F: Snoring and its clinicai implicatíons. In Guillemïnault C., Dement W.C., editors: Sleep apnea syndromes. New York. 1978, Alan R. Liss, Inc., pp 13-21.

4. OLSEN K.D., Kern E.B., Westbrook P.R.: Sleep and breathing disturbance secondary to nasal obstrution. Otolaryngol Head Neck Surg 89:804-810,1981

5. GUILLEMINAULT C. van der Hoed J., Mitler M.M: clinicai overview of the sleep apnea syndromes. In: Guilleminault C, Dement W.C., eds. Sleep Apnea Syndromes New York: Alan R. Liss, Inc, 1978, pp. 1-12

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7. JOHNSON, JT and Sanders, MH: The management of sleep apnea and Snoring. In Adv Otolaryngol Head Neck Surg vol 1. Myers, E. (Edt). pp 29-54, 1987. Year Book Medical Publishers, Inc. Chicago.

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9. FUJITA S, Conway W, Zorick F, et ai: Surgical Correction of anatornic abnormalities in obstructive sleep apnea syndrorne: Uvulopalatopharyngoplasty. Otolaryngol Head Neck Surg 89:923-934,1981.

10. SIMMONS, E.B.; Guilleminoult, C, Miles L. E.: The palatopharyngoplasty operation for Snoring and sleep apnea: an interim repor. Otolaryngol Head Neck Surg 92:3753801984.

11. IKEMATSU T.: Clinicai study of snoring for the past 30 years. In New Dimensions in Otorhinolaryngology Head and Neck Surgery, vol. 1. Myers, E. (Edt.). Excerpta Medica, Amsterdam. 1985, pp 199-202.

12. FUJITA, S., Conway WA, Sickesleel JM, et ai: Evaluation of the effectiveness of uvulopalatopharyngoplasty.
Laryngoscope 95:70-74,1985.




Endereço do Autor:
Núcleo de Otorrinolaringologia de Sãc Paulo - Al. dos Nhambiquaras 159 - IndiaMpolis - CEP 04090 - São Paulo

* Trabalho realizado no Núcleo de Otorrinolaringologia de São Paulo-SP-Brasil
** Médico Otorrinolaringologista. Diretor do Núcleo de Otorrinolaringologia de São Paulo

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