Ano: 1996 Vol. 62 Ed. 3 - Maio - Junho - (10º)
Seção: Como eu trato
Páginas: 266 a 266
Polipectomia nasal em consultório com o Hummer.
Autor(es): Renato Roithmann - Porto Alegre
Introdução
Pólipos nasais podem ocorrer associados a fibrose cística, a asma e como parte da síndrome de hipersensibilidade ao ácido acetil salicílico, porém eles ocorrem mais comumente de maneira isolada. Muitos fatores tem sido implicados na gênese da polipose nasal como por exemplo: infecção crônica, inflamação e distúrbios do ciclo do ácido aracdônico e outros ciclos metabólicos. Os pólipos nasais podem ou não gerar obstrução nasal, sinusites de repetição e distúrbios do olfato de acordo com seu tamanho e localização na cavidade nasal. O papel da alergia não está definido porém reações a nível de mastócitos e ativação de eosinófilos com inflamação subsequente parece estar envolvidos e justificam a excelente resposta ao tratamento com corticosteróides.
O estadiamento da doença é realizado por meio de endoscopia nasal e tomografia computadorizada. O tratamento é usualmente clínico-cirúrgico e os pacientes devem ser reavaliados periodicamente devido às recidivas frequentes desta patologia.
A polipectomia nasal é usualmente realizada com o auxílio de alças especiais ou pinças de preensão. Apesar de efetivos, estas técnicas tradicionais de polipectomia podem gerar os seguintes problemas: descolamento e ruptura de mucosa nasal e sinusal normal com consequentes sangramento excessivo, dificuldade de manejo sob anestesia local, necessidade de tamponamento nasal, retardo de cicatrização e aumento de osteíte pós-operatória.
O "Hummer" foi inicialmente testado com sucesso por Hawke em Toronto (resultados em publicação) e por Setliff em Nebraska, que conjuntamente com Parsons de Columbia publicaram o primeiro artigo relatando o uso do mesmo em 345 pacientes dos 3 aos 85 anos de idade (1). Roithmann e colaboradores introduziram a técnica no Brasil em 1994 (2) e desde então vem utilizando sistematicamente o "Hummer" a nível ambulatorial em consultório no manejo da polipose nasal ou a nível hospitalar associado a cirurgia funcional endoscópica naso-sinusal (3).
A principal aplicação do "Hummer" é no manejo da polipose nasal associado ou não a cirurgia funcional endoscópica nasal. O sistema tem sido também utilizado por nós no tratamento de pólipo de Killian, hipertrofia de cauda de corneto inferior e outros tumores de partes moles intranasais (papiloma invertido). A adenoidectomia endoscópica transnasal pode ser também realizada com o sistema, porém não temos observado redução de sangramento transoperatório nestes casos.
Este artigo descreve a aplicação do "Hummer" para a polipectomia nasal atraumática em consultório.
Método
O paciente chega ao consultório preferencialmente em jejum de 6 horas e na sala de espera é aplicado spray vasoconstritor local (oximetazolina 0.05 %) na cavidade nasal a ser realizado o procedimento. Após 15 minutos realiza-se anestesia tópica da mucosa nasal com neotutocaína 2% aplicado em algodões. Efedrina 2% diluída a 50% com soro fisiológico é associada para obter-se melhor vasoconstricção. Nesta etapa o paciente esta sentado na cadeira de exame convencional.
Costumamos usar endoscopia rígida (Karl-Storz, 4mm, 0°) conectado a um sistema de vídeo (Modelo Panasonic KS 152) e realizar o procedimento acompanhando pelo monitor de televisão. O sistema de microdebridamento que temos utilizado (Strykcr Hummer Unit) é na verdade um poderoso sistema de corte associado a sucção contínua, usado no passado em cirurgia da articulação temporomandibular. É composto de 3 partes: uma unidade de mesa para controle de potência, um pedal por onde aciona-se o sistema e uma peça de mão onde é conectado a lâmina de microdebridamento e sucção. Quando acionado o sistema ao mesmo tempo succiona corta continuamente os tecidos moles (no caso tecido polipóide) deixando o campo operatório livre de sangue. Procede-se a limpeza da cavidade nasal de preferência no sentido postero-anterior, o que reduz o tempo do procedimento. Buchas de algodão embebidas na solução préviamente descrita podem ser utilizadas temporariamente durante o procedimento em caso de dor ou sangramento excessivo. O mesmo é repetido ao final do procedimento em caso de sangramento c após cerca de 10 minutos o paciente esta de alta, usualmente sem tamponamento.
Anestesia geral ou local assistida é utilizada quando realiza-se o procedimento em bloco cirúrgico. Primeiro aplica-se o Hummer para limpeza da cavidade nasal, o que facilita a orientação e diferenciação de estruturas chaves no meato médio, para então seguir-se com a infundibulotomia e demais passos da cirurgia funcional quer seja endoscópica ou microscópica.
Os cuidados pós-operatórios devem ser os mesmos de outras intervenções nasais, principalmente higiene nasal com soro fisiológico, devendo o paciente evitar esforço físico nas primeiras 48 horas pós-procedimento. Não é rotina o uso de antibióticos no pós-operatório. Em uma semana o paciente é revisado, a cavidade nasal é limpa de possíveis crostras e o paciente segue com tratamento local da mucosa nasal, usualmente a base de esteróides tópicos.
Complicações
Sangramento pode ocorrer em alguns casos, principalmente em pacientes com polipose difusa e infecção associada. Contudo na experiência dos autores são raros os casos que recebem alta do consultório com tamponamento nasal. Usualmente, pequenos tamponamentos localizados são colocados no término do procedimento enquanto observa-se o paciente. Enfatiza-se a necessidade de preparo préoperatório do paciente no sentido de reduzir qualquer infecção associada.
Outras complicações não foram observadas, porém julga-se prudente realizar-se a mesma rotina pré-operatória aplicada em cirurgia microscópica e/ou endoscópica funcional naso-sinusal, como por exemplo tomografia computadorizada de seios da face (4). Preferência para as incidências coronais no sentido de avaliar a extensão da doença e principalmente as estruturas anatômicas nobres de vizinhança (lâmina papirácea, teto do etmóide, etc ... ).
Vantagens
A técnica pode ser realizada em consultório sob anestesia tópica da mucosa nasal e permite remoção atraumática, precisa e segura de tecidos polipóides. Isto é relevante em pacientes idosos que não são candidatos a anestesia geral, pacientes com polipose nasal e obstrução nasal como sintoma principal e não sinusite de repetição, pacientes que não toleram corticoterapia sistêmica, crianças cooperativas com polipose nasal e fibrose cística (polipose altamente recidivante). O Hummer evita a ruptura e o descolamento de mucosa nasal normal e consequentemente diminui o sangramento usualmente provocado pelas técnicas habituais de polipectomia (pinças de preensão ou alças). O menor sangramento possibilita o manejo sob anestesia local ambulatorial em consultório. Não há necessidade de tamponamento nasal na maioria dos casos. O tempo de cicratização diminui em função da menor exposição óssea assim como diminui a possibilidade de osteíte pós-operatória. Contudo deve ficar bem claro que o tratamento da polipose nasal vai muito além da simples extração dos tecidos doentes. Os pacientes devem continuar em acompanhamento e tratamento clínico prolongado. O sistema é ineficiente para estruturas ósseas, o que de certo modo protege o paciente de possíveis complicações (dano a lâmina papirácea e teto do etmóide). Por fim, em vista do tratamento ambulatorial, os custos do procedimento são reduzidos para o paciente.