Versão Inglês

Ano:  1989  Vol. 55   Ed. 2  - Abril - Junho - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 64 a 66

 

Cefaléia e algias faciais

Headache and facial pain

Autor(es): Onivaldo Bretan*
Victor Nakajima**

Resumo:
As cefaléias e as dores faciais são permanentes desafios para o otorrinolaringologista. Os autores traçam comentários sobre as dificuldades que surgem na prática clinica e procuram fornecer elementos de investigação tais como uma relação de perguntas especificas e um roteiro de exame clínico especial.

Introdução

As algias craniofaciais crônicas atingem grande número de pessoas, e o otorrinolaringologista é um dos especialistas freqüentemente procurado, juntamente com o oftalmologista, o neurologista, o psiquiatra e o dentista. Pretendemos discorrer sobre os aspectos gerais que envolvem o conhecimento e manipulação dos pacientes portadores de alguma síndrome dolorosa.

Entre os otorrinolaringologistas, a investigação das causas de dor é geralmente dirigida para a descoberta de sinusopatias e rinopatias, pois elas são, sem dúvida, as causas mais comuns de algia, na forma de processos inflamatórios, alergias e desvios septais.

Devido à sua menor incidência, são esquecidos outros fatores causais que, embora menos freqüentes, se somados os pacientes que os têm, constituem um número não desprezível de casos, 1,2.

Para manejo bem sucedido da dor crônica, é imperativo o conhecimento básico dos mecanismos da dor, das estruturas anatômicas envolvidas, das vias de transmissão dolorosa3, dos mediadores químicos da dor e da analgesia, e dos aspectos emocionais, psicológicos, culturais e sociais do indivíduo4. Não pode ser ainda desconhecido o papel dos sistema nervoso autônomo, que estabelece relações tanto entre os meios externo e interno, as estruturas do organismo (homeostase). A dor é uma experiência individual subjetiva. A nocipercepção envolve vários níveis do neuro-eixo, da periferia ao córtex5. Ela é modulada por fatores emocionais, nos quais há grande participação do sistema límbico4. A relação médico-paciente nestes casos adquire uma importância maior, pois a confiança que o médico vai provocar no paciente, ao longo das diversas consultas, mobilizará componentes não orgânicos que atuam na dor, permitindo que o limiar da senseção dolorosa aumente, obtendo-se a redução da dor assim que se tenha iniciado qualquer terapia.

As dificuldades práticas na manipulação do paciente com dor crônica começam no momento de caracterizar aquilo que o paciente sente. Deve-se, como se faz frente a qualquer queixa, direcionar o raciocínio clínico para duas ou três causas, mais prováveis, mais freqüentes.

Os empecilhos para se chegar a um diagnóstico decorrem de diversas causas. A primeira delas é a insuficiência de dados obtidos da anamnese, pois não mais que um terço das perguntas que devem ser feitas para bem caracterizar a dor, costumam ser feitas na primeira consulta. Outra dificuldade é a de fazer o paciente relatar corretamente o que sente. Um elemento de complicação pode existir: o paciente tem mais de uma causa de dor, a segunda sendo freqüentemente relacionada à primeira, causa básica. Nestes casos, a separação dos sinais e sintomas de cada algia torna-se ainda mais difícil. Só o interesse em conhecer melhor as causas de dor levará à superação progressiva destas dificuldades.

Recorrer aos livros é uma via de esclarecimento inicial que pode, entretantó, decepcionar. As classificações são muitas, algumas são confusas, outras heterogêneas, todas contendo dezenas de denominações'.

Conhecer estas diversas classificações é útil, caso sejam usadas e vistas criticamente, pois elas por si não fornecem magicamente o diagnóstico perseguido, pelo contrário, se usadas mecanicamente, aumentarão a confusão ante a profusão de sinais e sintomas atribuídos, em cada classificação, a causas muitas vezes distintas. Mais uma vez, conhecer bem os aspectos básicos vai ser de fundamental importância na elucidação diagnóstica.

Existe um fato importante a ser considerado, já mencionado, que é aquele relacionado às origens psicogênicas da dor. As causas de fundo puramente psicogênico não têm qualquer ligação com lesões orgânicas. A dor se caracteriza por não se enquadrar em nenhum dos quadros clínicos ligados a algias conhecidas8.

Nestes pacientes, os sinais e sintomas poderão sugerir ao médico a existência enganosa de duas causas distintas de dor. A impossibilidade de bem caracterizar qualquer das queixas, nos diversos retornos do paciente, as mudanças freqüentes de características dos sinais e sintomas e o tipo de personalidade do indivíduo vão dar uma indicação no sentido de uma causa orgânica. Quando existem duas causas orgânicas, a caracterização dos sinais e sintomas, se bem obtidos através da anamnese, vai mostrar-se imutável, sempre que o médico reinquirir o paciente sobre os mesmos, o que não costuma acontecer quando a dor tem fundo psíquico.

Como a Otorrinolaringologia é uma especialidade cirúrgica, existe a tendência do otorrinolaringologista "se agarrar" a uma hipótese diagnóstica que indique uma terapia cirúrgica. A difícil tarefa de identificar problemas de cunho clínico é tratada pela habilidade em realizar uma cirurgia. No lugar de ser deixar por esta tendência, o especialista deve sentir a dificuldade como uma indicação da necessidade de melhorar ainda mais as relações médico-pacientes e acurar ainda mais a investigação clínica.

Já nos referimos aos diversos retornos que um portador de dor crônica deve ter. Julgamos que isso permitirá checar mais uma vez os sintomas e sinais referidos, fazer as perguntas que faltavam e mesmo realizar um exame em plena vigência, pois muitas vezes, na primeira consulta, pode acontecer dela estar ausente.

O otorrinolaringologista, treinado para avaliação cuidadosa dos 12 pares cranianos, deve examinar o paciente para que não cometa erros tais como rotular uma dor facial como "neuralgia idiopática do nervo trigêmeo" e que é, realmente, uma sinusite maxilar que atinge o nervo infraorbitário, deiscente, talvez, de seu canal ao longo do assoalho da órbita. Também pode se enganar frente a uma síndrome dolorosa miofacial originada da musculatura mastigatória que, às vezes, causa um quadro semelhante à neuralgia do nervo trigêmea, inclusive com zona de gatilho. Também confunde uma sinusite crônica, que tem um componente doloroso em agulhada ou latejante, como nas cefaléias vasculares ou então uma enxaqueca que tem um componente de dor em peso, como nas sinusites.

Não se pode descuidar, na investigação, de abordar uma causa neoplásica para qualquer dor crônica progressivamente mais freqüente e mais intensa.9.

Já destacamos que o interrogatório repetido dos sinais e sintomas do paciente é importante para coletar o maior número possível de informações que poderão ser usadas para elaborar o diagnóstico diferencial. Dissemos ainda que, em geral, uma boa parte das perguntas que deveriam ser feitas, não o são, ao menos na primeira consulta. Quais são elas?

PERGUNTAS: Qual a característica da dor (queimação, ardor, compressão, tração, distensão, pulsação, em agulhada, peso, sensação de "faca penetrando", lancinante, sensação de que a cabeça vai explodir); suportabilidade da dor (forte mas suportável, intensa, provoca desejo de bater a cabeça, rola na cama de dor, etc.).

O que faz parar a dor e o que faz melhorar; em que momento aparece nas 24 horas do dia; se chega a acordar na madrugada com a dor; quando começou a primeira vez; se tem aumentado de intensidade, duração, freqüência, se dói nos dias da semana mas também nos feriados, se dói mesmo longe do trabalho, de casa ou cidade; se uma mudança de clima melhora ou piora a dor; se tem familiar que sofre ou sofreu dor semelhante; como foi a infância nc ambiente familiar, quanto ao afeto; emoção; se vive bem com a familiar se a dor se acompanha de outros sinais e sintomas; se faz algum trata. mento médico recente, se toma alguma droga para alguma doença, se aparece próxima de menstruação como é a atividade profissional no: dia a dia (postura, "stress", responsabilidade).

No interrogatório sobre os diversos aparelhos, interessa saber a respeito de doenças recentes e tratamentos diversos. Uma hiperglicemia por exemplo, seja de que causa for pode produzir dor. O interrogatório não deve portanto ser apenas uma formalidade. Quanto ao antecedente; pessoais e familiares, vale o mesmo raciocínio.

O exame físico deve ser dirigido, Inicia-se com o exame ORL completo, isto é, nariz, boca, orofaringe, nasofaringe, ouvido, hipofaringe e, laringe. O nariz deve ser bem explorado, inclusive usando-se vãs constritor e anestésico tópico, na vigência da dor.

Em seguida, deve-se explorar estruturas da cabeça, face e região cervical que podem ser a origem dor.

Para sistematizar a investigação pode-se zemos no ambulatório de "Dor crônica" criado na Clínica ORL de nossa disciplina.

O roteiro começa com o exame avaliação da boca, dentes, mordida dinâmica de abertura e fecha me da boca, avaliação da articula têmporo-mandibular, externa (pré tragus) e interna (palpação via conduto auditivo externo), palpação terna e intraoral da musculatura mastigatória, na busca de pontos gatilhos naquela musculatura.

O conjunto de exame acima, permite avaliar o sistema estamatagnatico.

Palpa-se, em seguida, os músculos cervicais (esternocleido, trapézio nucais e supra-escapulares. Tambem palpamosos musculos faciais, particularmente o músculo frontal. Incluímos a palpação do couro cabeludo e pele da face. Depois palpa-se e cumprime-se as emergências dos ramos do nervo trigêmeo, ramos da artéria carótica externa (em particular, o ramo temporal superficial). Procura-se palpar a artéria carótida (à procura de carotidinia).

Pode-se, se houver suspeita, palpar o pólo inferior da loja amigdalina à procura de uma apófise estilóide alongada, causadora de dor à deglutição.

É claro que mesmo obtendo-se uma palpação ou compressão positiva, pode ficar ainda mais difícil concluir qual estrutura é dolorosa, mormente, no pescoço, cheio de vasos, músculos, nervos e fascias. De qualquer forma, a palpação deve ser usada sempre.

O conjunto dos conhecimentos básicos, isto é, anatomia, fisiologia de neurotransmissão, mecanismos e estruturas que causam dor, permitirão a resolução dos casos clínicos, mesmo os mais difíceis, abrindo ao otorrinolaringologista mais um campo de atuação bem sucedido.

Summary

Headache and facial pain are challenges in daily E.N.T. clinic. The authors exposes basic elements Of investigation such as a lot of questions directed to the pacient and a schedule of physical examination related to pain.

Bibliografia

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03. ZIEGEGANSBEYER, W. Control of nociception. In GEIGER, S. R. ed. HAUDBOOK OF PHYSIOLOGY , Bethesde, Arnerican Physiological Society, 1986, v.4, cap. 11, pag. 581-645.

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06. RYAN, E. & RYAN, E. Ir. Cefaleas. Buenos Acres, Ed. Bernardes S.A., 1980, p.491.

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10. WALL, P.D. The gaze control theory of painmechanisms.Brain, 101: 1-18, 1978.




* Professar Assistente Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia - Faculdade de Medicina do Campus de Botucatu - Universidade Estadual Paulista UNESP - Botucatu (Rubido Junior) SP.
** Auxiliar de Ensino da Disciplina de Otorrinolaringologia - Faculdade de Medicina do Campus de Botucatu - Universidade Estadual Paulista UNESP -Botucatu (Rubião Junior) SP.

Endereço para correspondência:
Onivaldo Bretan
Departamento de Oftarnologia e Otorrinolaringologia - Faculdade de Medicina Campus de Botucatu - UNESP
CEP: 18.610 - Botucatu - S.P.

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