Versão Inglês

Ano:  1950  Vol. 18   Ed. 3  - Maio - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 43 a 62

 

OS ERROS DA MEDICAÇÃO NASAL (*) - parte 1

Autor(es): DR. PAULO MANGABEIRA-ALBERNAZ (**)

A terapêutica baseia-se, em primeiro lugar, na fisiologia. Todo método curativo que não tomar por fundamento a função normal do órgão sobre que tem de ser aplicado, vai de encontro a uma das exigências mestras da medicina, resumida por Hipócrates, há mais de dois séculos, no mais significativo de seus aforismos: em primeiro lugar, não prejudicar - primo, non nocere.

Se, pois, no que tange à medicação nasal, tivermos em mente que a fisiologia da pituitária foi pràticamente desconhecida, nos seus pontos capitais, até há uns cinquenta anos atrás, é lógico que a terapêutica nasal tem sido, de modo geral, empírica. Mas, nada há aqui de estranhável, uma vez que toda a terapêutica, até há pouco, o foi. Se há, na medicina, território em que mais nítidas têm sido as transformações, nenhum existe talvez que se possa comparar ao da terapêutica rinológica. Basta dizer que, após trinta anos de clínica, pràticamente não emprego hoje um só dos métodos curativos usados na época em que encetei a vida profissional.

De fato, naquela época, predominava ainda a fórmula oficinal; prescrevia-se uma fórmula, a ser aviada na farmácia. Hoje em dia, vigora a terapêutica por meio de que se convencionou chamar "preparados", isto é, remédios de fórmulas às vezes meio secretas (pelo menos no modus faciendi), fabricados por laboratórios farmacêuticos. Enquanto, porém, certos destes laboratórios, sobretudo estrangeiros, mantêm um grupo de químicos que estudam, descobrem e põem em uso, após farta experimentação, novas substâncias, outros laboratórios nada mais fazem do que juntar velhas drogas da farmácia galênica, criando fórmulas em que, mais evidente é a ignorância da química e da farmacologia, do que a eficiência do remédio. Há fórmulas, para medicação nasal, algumas estrangeiras, com oito, dez e até doze substâncias, das quais a maioria, quando não a totalidade, está hoje condenada para uso na pituitária.

Ora, já é tempo de se tornar mais conhecido este estado de coisas. Faz-se necessário elucidar o clínico geral e o pediatra - e, por que não o dizer? - o próprio rinologista, a respeito da necessidade de modificar sua terapêutica nasal, pô-la de acordo com a fisiologia da pituitária, e indicar aos laboratórios as bases dessa terapêutica fisiológica já não me quero referir a certos vendedores de drogas, que só anunciam pelo rádio, e nem se preocupam em fazer a propaganda médica. Citarei, como exemplo, o tal vickvatronol (que pelo nome não se perca!), cuja fórmula, de acordo com os conhecimentos atuais, além de ineficiente, é prejudicial ao nariz.

OS PROCESSOS DE MEDICAÇÃO NASAL

Para melhor compreensão deste estudo crítico, devemos considerar os modos pelos quais se faz a medicação nasal, e em que ela consiste. Podemos resumir os processos em:

1.° - Instilações ou "gotas nasais", fórmulas em que o remédio é instilado ou gotejado nas fossas nasais, uma ou mais vezes por dia;

2.° - Pulverizações, também chamadas vaporizações, nebulizações, ou, mesmo, "sprays", que consistem em reduzir substâncias, em veículo aquoso ou oleoso, a gotículas, que se difundem pelas fossas nasais com borrifo. o aparelho usado - pulverizador ou atomizador - fornece gotículas relativamente grandes, em contraste com os mais modernos que, sob pressão de ar comprimido ou oxigênio, dão uma verdadeira névoa medicamentosa, que vai até os recessos alais fundos do aparelho respiratório, método designado pelo nome de aerossol;

3.° - Inalações, em que o remédio é posto em água fervendo, de modo que o vapor, carregado das substâncias químicas, é aspirado pelo paciente, graças a um aparelha apropriado, o inalador, muitas vezes improvisado com um cartucho de papel-cartão. A isso se chamava, antigamente, fustigação. Há ainda as inalações a frio, em que substâncias medicamentosas voláteis, dispostas em tubos rijos, são aspiradas pelo paciente, tais os ináladores de benzedrina, de tuamina, etc.;

4.° - Pincelagens, em que solutos medicamentosos de toda espécie são aplicados à mucosa por meio de estiletes com algodão hidrófilo;

5.° - Mechas ou tampões, de algodão torcido (ou de gaze), embebidos das substâncias medicamentosas, aplicados no nariz, revestindo as conchas, e aí deixados em ação por tempo variável;

6.° - Geléias, cremes e pomadas, introduzidos nas fossas nasais por pressão das bisnagas, que os contêm, e aspiradas fortemente;

7.° - Irrigações nasais, feitas corri quantidade variável de líquido: grandes, a ducha nasal, lavagens com um a dois litros de líquido, só empregadas quase nas rinites destrutivas e crustosas (sífilis terciária, rinite atrófica ozenosa) ; pequenas, o banho nasal, com aparelhos especiais, hoje quase em desuso;

8.° - lnsuflações ou lançamento de pós finos, de que. hoje usamos quase sómente o iodofórmio, método soberano na sua única indicação: a miíase. Recentemente, a firma Abbott lançou no mercado o pó de penicilina para aspiração, com aparelho adequado (aerocilin). Têm sido usados, também, em insuflações, os pós de sulfas.

OS VASOS CONSTRITORES

Seja qual for o método empregado, o que se tem em mira, na medicação nasal, é, em primeiro lugar e acima de tudo, reduzir a obstrução, que acompanha a quase totalidade das inflamações, não só nasais, como sinusais. A seguir, combater o processo infeccioso. E ainda, diluir a secreção, facilitando-lhe a saída; amolecer o catarro viscoso, aderente, ou as crostas, para lhes possibilitar a exoneração.

A princípio, a idéia dominante era de que a infecção era o elemento primordial, e de que a congestão da pituitária, que determinava a obstrução, era consequência da ação de micro-organismos. Foi a era dos banhos nasais, precedida daqueles pós para aspirar denominados errinos, por isso que deviam ser usados dentro do nariz, como rapé, e, em cujas fórmulas figuravam várias substâncias.

Vieram, depois, as pomadas nasais com salol, mentol, resorcina, bálsamo do Perú, colargol, etc., em que se pretendia combater a infecção pelo suposto efeito antisséptico destas drogas.

Em nossos dias, ou, mais exatamente, depois que a adrenalina, não há cinquenta anos, entrou na terapêutica nasal, começou se a usar a medicação vaso-constritora. Verdade é que esta já era usada, antes, embora não com fins terapêuticos, com a cocaína. Algumas gotas do soluto de cloridrato de adrenalina a um por mil, associado a um soluto de meio a um por cento de cloridrato de cocaína, não só conferiam a anestesia da mucosa, como a sua pronta reação.

Do efeito rápido da adrenalina, originou-se a idéia da vantagem primordial, nos medicamentos nasais, da ação retratora. Apesar-de se conhecer a ação da droga sobre a circulação geral, e a possibilidade de absorção pela pituitária, o hábito ainda faz com que a adrenalina seja o vaso-constritor mais usado, entre nós, em rinologia.

Todos os estudos modernos, referentes à terapêutica nasal, visam obter o que se pode chamar o vaso-constritor perfeito, isto é, que não seja nocivo à mucosa, nem determine efeitos gerais sobre o organismo. Continua, por conseguinte, a vigorar a idéia de que, na medicação nasal, o que se tem em mira é reduzir ou fazer cessar a obstrução.

Os vaso-constritores mais empregados são a efedrina, que está em uso nasal há relativamente pouco tempo, e seus derivados: a sinefrina, a neo-sinefrina, isoladas em 1910, a desoxiefedrina, conhecida e usada desde 1910, mas que só entrou em terapêutica rinológica em 1929, e está atualmente em grande voga. Além destes produtos, a paredrina (1913), a propadrina (1929), a anfetamina (benzedrina - 1930), a nafazolina (privina - 1941), a tuamina, a fouramina e a vonedrina, as três de 1944.

Não existe nenhum vaso-constritor que se possa considerar inócuo para a pituitária. Se alguns, como a adrenalina, independente de sua ação geral, são indiscutivelmente nocivos, outros o são em menor grau, mas não o deixam de ser.

Uma vez que, na terapêutica do nariz, se admitiu ser a retração da mucosa a exigência principal, e que esta ação é conseguida com o emprego dos vaso-constritores, passou-se ao estudo de combinações em que, a esse elemento primordial, fossem acrescentadas substâncias destinadas a combater o elemento infeccioso: os antissépticos.

A princípio, os antissépticos eram a resorcina, o mentol, o salol, etc. Posteriormente, a moda fixou-se nos corantes, sobretudo no menos enérgico de todos - o mercuro-cromo (que, inexplicàvelmente, tem sido dos mais usados), e pára agora nos quimioterápicos - as sulfas, e nos chamados "antibióticos" - penicilina, tirotricina, gramicidina isolada, e estreptomicina. Ainda aqui a terapêutica se fundamenta na hipótese de que as rinites e sinusites são afecções pura e tipicamente locais, cuja etiologia se reduz à ação dos micro-organismos sobre a mucosa.

A DEFESA DA PITUITÁRIA

Para se ter orientação científica e eficiente na terapia nasal, é necessário, antes de mais, conhecer o mecanismo natural de defesa da pituitária.

Em vista de sua importância transcendental na mecânica respiratória, a mucosa nasal possue sistema de defesa muito complexo.

Em primeiro lugar, consideremos a sua vascularização. Pode ser dividida em duas: há vasos sub-epiteliais, estes que dão à mucosa seu colorido, e há vasos profundos, na estrutura sobretudo das conchas, mórmente na inferior. Ora, essas duas redes vasculares são, até certo ponto, independentes, e as drogas vaso-constricoras, ditas simpatomiméticas, podem atuar sobre uma apenas, ou sobre ambas. A efedrina, por exemplo, só tem ação sobre a camada profunda, enquanto a adrenalina faz sentir seu efeito sobre as duas (Burnham). Desta sorte, já este efeito pode ser julgado a olho nú, pois nas substâncias de ação seletiva sobre a vascularização profunda, como a efedrina, a benzedrina, a privina, a tuamina, etc., a mucosa não se mostra pálida, esbranquiçada, após o emprego do vaso-constritor, como se verifica quando se lança mão da adrenalina.

A ação destas drogas, entretanto, seria, quanto ao sintoma, ideal, se ao efeito vaso-constritor não se seguisse a ação vaso-dilatadora. As drogas simpatomiméticas contêm, na realidade, dois elementos: um inibidor, a simpatina I, e outro, excitador, a simpatina E. Ora, os vasos-constritores modernos são destituídos - pelo menos os fabricantes o dizem nas bulas - do elemento vaso-dilatador. A verdade, porém, é que não existe, no momento atual, nenhuma substância vaso-constritora, totalmente livre de efeito secundário congestivo. Se é exato que o efeito secundário da adrenalina sobrepuja o primário (o que não se verifica com os outros vaso-constritores), nenhum deles deixa, entretanto, de possuir ação congestiva secundária, conquanto em grau menor. 0 efeito dos vaso-constritores é, pois, relativo, e de duração mais ou menos efêmera. Daí resulta o primeiro grande erro da medicação nasal, a super-medicação. Ás vezes por ordem do médico, às vezes por sua própria conta, não só o doente aumenta o número de aplicações, aumenta as doses, como prolonga o tempo durante o qual o remédio é empregado, o que não raro redunda em novo mal, além do já existente, mal cuja frequência cresce de modo assustador - a rinite medicamentosa.

O uso continuado dos vaso-constritores interfere ainda e, gravemente, na produção do muco, por isso que diminui a secreção glandular e resseca a pituitária.

Ora, o muco nasal representa papel dos mais relevantes na defesa do aparelho respiratório.

O MUCO E SUAS PROPRIEDADES

Esta defesa, em primeiro lugar, é feita pelo papel aglutinante do muco. Este, cujo ingrediente principal é a mucina, é segregado por glândulas que se distribuem de maneira mais profusa nos dois terços posteriores das fossas nasais. Graças à ação dos cílios do epitélio, esse muco se movimenta ininterruptamente, de modo que se forma nova lâmina, na referida parte posterior, de dez em dez minutos, enquanto a renovação só se dá, no terço anterior da fossa, de duas em duas horas (Fabricant).

O uso de substâncias que interferem na secreção, reduz a formação de muco, e altera-lhe até a porcentagem de mucina. A diminuição da quantidade de muco ou a alteração da quantidade de mucina, para cima ou para baixo do teor normal, tiram desta lâmina aglutinante as qualidades de proteção.

Demais, já ha muito Linton provou que a secreção nasal perde a ação bactericida, quando o muco fica imobilizado por espaço de 24 horas. A secreção, assim estagnada, passa a ser meio propício à pululação de germes. E, como Nungester o demonstrou, se a mucina se fixar aos micra-organismos, a infecção aumenta de virulência.

Em segundo lugar, não é só pela sua ação aglutinante que o muco defende o aparelho respiratório. De tempos longínquos vinha já a crença de que o muco nasal era dotado de propriedades antisséptícas, o que culminou nos conhecidos estudos de Wurtz e Lermoyez. Entretanto, só em 1922, Flemming descobriria a presença, em vários líquidos orgânicos, e sobretudo no muco nasal, de uma substância da família dos ênzimos, que, entre outras peculiaridades, tinha a de dissolver por lise os micro-organismos em geral. A esta substância deu o nome de lisózimo.

Este produto, pois, que em verdade sofre grande diminuição nos estados inflamatórios da pituitária, sofre ainda restrições em sua formação, quando a mucosa se acha com a vascularização reduzida pelos vaso-constritores.

MECANISMO DA INFLAMAÇÃO

Acontece também que, em qualquer parte do organismo, o que caracteriza a inflamação é o afluxo maior de sangue à parte atingida pelo processo; e, alem disso, edema, aumento da exsudação, diapedese das células. Em nenhuma parte do corpo humano, o tratamento visou, até hoje, restringir este afluxo sanguíneo, a não ser nas fossas nasais. A terapêutica segue, portanto, neste caso, caminho contrário à físio-patologia, uma vez que vai combater os elementos com que o próprio organismo procura reagir à infecção.

Devemos ter em mente, ademais, que nestes casos de inflamação nasal, o elemento infeccioso vai localizar-se na sub-mucosa, parte que a medicação usual não pode atingir, a não ser em casos particulares, como veremos adiante. De outra parte, a secreção do muco faz-se de dentro para fora, ou, melhor da profundidade para a superfície. Ora, as substâncias medicamentosas terão, pois, que fazer um caminho em sentido contrário ao da corrente da secreção. Verdade é que isto não impede o papel absorvente importante da pituitária.

A ABSORÇÃO PELA MUCOSA NASAL

Certas drogas, em contacto com a pituitária, são absorvidas em tempo mais ou menos rápido. Citarei, como exemplo, o caso por mim observado há tempo, de uma senhora de uns 50 anos, em que fiz a anestesia do meato inferior para uma punção do seio maxilar com o clássico soluto de Bonain (cocaína, mentol e ácido fênico em partes iguais). Ao cabo de segundos após a aplicação, a doente sentiu-se mal, entrou em colapso, e ficou em estado grave por 48 horas.

Casos semelhantes serão citados em outra parte deste trabalho. Trata-se, aqui, de fato, de verdadeiros casos de intolerância, mas não há dúvida nenhuma a respeito da absorção pela pituitária. Esta absorção influi não só na terapêutica, como na imunidade.

A aplicação da adrenalina e da efedrina, (como da mor parte dos vaso-constritores), sobre a mucosa nasal, determina ação geral de maior ou menor intensidade.

Saltzmann empregou tampões de permanência, com neo-sinefrina a 0,25 %, em 14 crianças, de 10 a 17 anos, medindo préviamente a pressão arterial. Em um paciente, a pressão, após o uso do medicamento passou de 112 a 120. Em outro grupo, usou a neosinefrina a 1 %. Num dos doentes surgiram dor de cabeça occipital violenta, vômitos, suores profusos, e a pressão, primitivamente de 104, passou a 130. Ainda podemos considerar tais casos como de super-sensibilidade.

Mas Blumgart, acentuou, em casos de diabete insípido, que o extrato hipofisário, raramente eficaz quando usado pela via oral ou pela retal, manifestou pleno efeito terapêutico, quando empregado pela via intra-nasal. Ersner refere dois casos dignos de registro. Em dois pacientes com câncer da rino-faringe, após a retirada de fragmentos para exame histo-patológico, teve, para evitar hemorragia, de recorrer ao tamponamento posterior. As fossas nasais ficaram, pois, isoladas, e desaparecia assim a possibilidade de ser deglutida ou aspirada qualquer substância nelas empregada. Após a exoneração dos coágulos, Ersner aplicou, num doente, cristais de sulfamida, de 4 em 4 horas, e no outro, com pulverizador para pós, insuflou micro-cristais de sulfatiazol. Seis horas depois, retirou sangue dos doentes para a prova de Marshall. No primeiro caso, encontrou 3,5 mg de sulfatiazol por 100 cents. cúbs. de sangue; no segundo, 4,8 mg. Mas, ao cabo de 24 horas, a concentração no segundo era de 13 mg por 100 cents. cúbs.

A mucosa olfativa goza da propriedade de absorção. Os solutos aquosos passam ao longo das bainhas do nervo olfativo, enquanto os viros da poliomielite, do herpes simples, da febre ama rela, da estomatite vesicular, etc. entram no sistema nervoso central ao longo dos cilindro-eixos ou nos espaços peri-nêuricos dos nervos olfativos.

Veremos que o mercuro-cromo penetra diretamente nos tecidos, sem seguir, aparentemente, vias definidas, difundindo-se em várias direções. E, fato curioso, a difusão só se dá se o animal estiver vivo, sinal de que o movimento dos líquidos teciduais é essencial à penetração. Não resta dúvida que esta penetração não se faz pelos vasos linfáticos e sanguíneos, mas através dos espaços de tecido intermediário.

A verdade, porém, é que esta propriedade de absorção da mucosa nasal não tem sido levada em consideração. Se, em determinados casos, apresenta ela certas vantagens quanto à medicação geral, quanto à terapêutica local este poder absorvente pode ser perigoso, havendo até na literatura, casos fatais, como o de Brünning, após uso do mistol.

A medicação vasa-constritora, inoperante quanto à ação curativa, pois seria de ação meramente sobre um sintoma, pode ser prejudicial em sentido lato. Vejamos agora em sentido restrito.

O muco nasal, como todas secreções orgânicas, possui qualidades físico-químicas especiais.

O PH DO MUCO NASAL

Em primeiro lugar, assinalemos o seu coeficiente de hidrogénio sob forma de ionte: o pH. Se é verdade que esta concentração iôntica varia no normal e no patológico; se não se discute que, também, varia quando medida in situ, isto é, sobre a mucosa, antes de ser modificado pelo ar atmosférico; se, mesmo, não estão os autores de pleno acordo quanto à sua média normal: é intuitivo que todo medicamento destinado às fossas nasais deve possuir concentração iôntica de hidrogênio compatível com a do muco nasal.

Os primeiros estudos, neste particular, são os de Negus, que se preocupou em verificar a relação entre o pH da secreção nasal e o movimento dos cílios. Chegou ele à conclusão de que, se o pH do muco fôr de menos de 6.4, a atividade ciliar cessa por completo. O efeito paralizador é ainda mais claro, quando se compara com a movimentação vigorosa, de mais de 24 horas de duração, que se observa quando a mucosa está imersa em soluto salino fisiológico de pH igual a 8.5. Estas experiências confirmam, aliás, as feitas, 4 anos antes, por Gray, que observou a maior atividade ciliar com o soluto fisiológico de Tyrode com pH de 8.2 a 8.5.

Os estudos de Fabricant diferem destes citados. A variação da concentração iôntica do hidrogênio oscila, como é sabido, de 0 a 14, sendo o ponto médio igual a 7, o pH da água pura. Quando o pH aumenta - portanto de 7.1 a 14, é alcalino; quando diminui - portanto de 6.9 até 0, é ácido. De acordo com os estudos de Tweedie e Buhrmester, as culturas do muco, cujo pH era de 6.5, mostraram-se quase sempre negativas, e o primeiro assinalou que, com a elevação do pH, portanto com a passagem à alcalinidade, as bactérias eram geralmente encontradas.

Os solutos de pH alcalino influem, favoràvelmente, ainda, sobre o movimento ciliar. A totalidade dos autores é de parecer que os líquidos para medicação nasal devem ter pH algo elevado, em contraposição a Fabricant, que reputa mais úteis e mais adequados os fuidos com pH baixo, ou, quando muito, idênticos ao do muco nasal in situ. No entanto, Callomon, em experiências com o soluto de diazona a 2 %, cujo pH é ácido (abaixo de 5), notou que suas aplicações determinaram muito maior dano à mucosa, do que o soluto a 3 %, cujo pH é alcalino (8.8).

Ruskin faz ver que não devemos exagerar o valor do pH, e querer estimar a ação dos medicamentos pelo seu grau de concentração iôntica de hidrogénio. A seu ver, o pH deve ser considerado sómente em conjunto com o conteúdo electrolítico, é com outros fatores que afetam a permeabilidade das membranas. Vale, em primeiro lugar,a formação do cimento intercelular. E, por isso, o pH ideal oscila entre 7.8 e 8.0; portanto, é alcalino.

Desses estudos decorreu, lógicamente, anecessidade, até então descurada, de medir-se o pH dos medicamentos para uso nasal, a que, aliás, tem-se querido atribuir valor exagerado. Dickson, de experiências com vários preparados sulfamídicos aplicados em coelhos, cujo pituitária foi estudada histo-patològicamente, conclui que a mucosa nasal pode suportar grandes variações do pH, pois o dos preparados empregados oscilou entre 5.0 e 9.4.

Entretanto, os líquidos, instilados no nariz, cujo pH é elevado, causam não só ardor, tornando-se incômodos, como irritam a mucosa. Na clínica, vários doentes se têm insurgido contra o uso de determinado medicamento, fabricado por uni dos mais reputados laboratórios estrangeiros. Seu pH é de 10.0.

A TENSÃO SUPERFICIAL

Outro fator a ser encarado é a tensão superficial. Segundo opina Addison, a tensão superficial dos líquidos é reputada uma. das propriedades físicas mais importantes para fiscalizar o poder de humidade e de detergência. De modo geral, quanto mais baixa a tensão superficial, mais intenso o poder de hidratação do líquido, de modo que os medicamentos aquosos, que baixam a tensão superficial, estão aptos a difundir-se ràpidamente sobre área extensa. A medida é feita em dínios, por meio do tensiômetro de Du Nouy.

A TONICIDADE DA SECREÇÃO NASAL

Outro elemento desprezado é a tonicidade. Quando se tratou de estudá-la, optou-se pela isotonicidade: o ideal seria usar líquidos isotônicos, isto é, de tonicidade idêntica à do muco nasal. Sternstein, que se interessou particularmente pelo assunto, concluiu, de suas experiências, que os solutos isotônicos e hipotônicos aumentam gradativamente o edema do tecido eréctil contribuindo, pois, a aumentar a obstrução nasal. Os solutos hipertônicos, pelo contrário, diminuem o edema das conchas e, consequentemente, a obstrução.

Todos os dados enumerados mostram que não tem havido critério científico no estabalecimento de fórmulas destinadas à medicação nasal. Mas, o que foi encarado até agora, resume-se em considerações, que poderiam ser taxadas de eminentemente teóricas. Tal, porém, não se dá na outra série de dados, que passo a referir. Se a medicação nasal vaso-constritora é, no momento, a mais em voga, e se, como acabamos de ver, não está enquadrada nos fundamentos físio-patológicos das rinopatias, o pior ainda é no que tange à medicação dita anti-infecciosa.

A MEDICAÇÃO ANTI-INFECCIOSA

Ainda está em plena voga combater a infecção e estimular o funcionamento das glândulas de muco por meio do mentol, do terpinol, do gomenol, do eucaliptol, da cânfora, do bálsamo do Perú, da resorcina, da cloretona, etc. etc. Ora, estas substâncias nao têm senão uma ação antisséptica fraquíssima, se é que a possuem. O mentol, por exemplo, desde os estudos de Fax, em 1927, demonstrou ser, mesmo em soluto a meio por cento, muito irritante para a mucosa nasal, determinando edema, e não constrição, como se supõe. O alívio da obstrução nasal, que os pacientes sentem após o uso do mentol, não é devido a qualquer efeito vaso-constritor, e sim a seu poder analgésico, conhecido desde 1885. Como o diz Fabricant, "o ar inalado dá a sensação de frio, e o indivíduo associa a idéia de ar frio com o aumento da passagem do ar, obtendo a falsa impressão de que a congestão nasal diminuiu. Na realidade o metol causa estreitamento das vias nasais e aumenta a resistência à torrente de ar".

Fox, em trabalho experimental em coelhos, usou o mentol de 1 a 5%, em aplicações nasais durante nove meses. Empregou igualmente o eucaliptol e a cânfora a 5 %. É verdade que o espaço de tempo foi exagerado, mas desde 21 dias, mesmo com o soluto de mentol a 1%, já havia corrimento nasal contínuo, às vezes seroso, mas, na mor parte dos casos, muco-purulento. O mesmo foi verificado com o eucaliptol a 5%, e o mesmo, na 4.ª semana, com a cânfora, na mesma porcentagem. Os trabalhos baseiam-se, não só no exame clínico, como no estudo histo-patológico. As mesmas experiências feitas com a adrenalina a um por mil e a efedrina a meio por cento, num período de ação de três meses, denotaram que a efedrina apenas causou pequena exsudação com discreta descamação epitelial, enquanto a adrenalina determinou infiltração intensa, com alguns abcessos intra-epiteliais. Os animais testemunhas, em que foi empregado apenas o soro fisiológica, apresentaram lesões comparáveis às da efedrina.

Mesmo empregado em inalações, apresenta o mentol efeitos deletérios sobre a mucosa nasal. Butler e Ivy, ampliando as experiências de Fox, concluem: "O estudo presente ampliou suas conclusões para incluir os vapores inalados".

Nada há, pois, que justifique a permanência do mentol, como da cânfora, do eucaliptol, do óleo de pinheiro, do timol, etc., na terapêutica rinológica. No entanto, talvez 90 % das gotas nasais, hoje encontradas no comércio, tenham por base estas substâncias. Devem elas ser excluídas, por dois motivos, pelo menos: 1.° - e principalmente - por serem indiscutivelmente prejudiciais; 2.° - por serem inoperantes, não só quanto ao efeito retrator, como quanto à ação antisséptica, pràticamente nula.

Com o advento dos corantes, entrou em cena o mercuro-cromo. Sendo embora muito menos potente do que o azul de metileno, o violete de genciana, o violete-cristal, o violete de metila, etc., não se sabe por que foi preferido para aplicações nasais, em mechas ou em gotas. Sobre ser pouco útil a eficiência antisséptica do mercuro-cromo, pode ela ser prejudicial à mucosa. Lawton e Ross fizeram, a esse respeito, experiências acuradas em cães. Um soluto de mercuro-cromo a 8% era deixado, na quantidade de 4 cents. cútis., em contacto com a mucosa nasal, durante espaço de tempo que variou de alguns minutos a 7 horas. Os resultados melhores foram os obtidos com duas horas. O corante passou através da mucosa do nariz e dos seios, através das conchas, através das paredes ósseas do seio frontal, quer da anterior, quer da posterior, através da dura-matér, indo tingir o próprio córtex cerebral, tudo isso no espaço de, apenas, duas horas!

Logo que as sulfas foram introduzidas na terapêutica, vários experimentadores assoalharam as vantagens de sua ação local. Os solutos de vária espécie, as pomadas, os pós, com base de todas as sulfas, passaram a fazer parte da terapêutica rotineira do médico, em todas as especialidades.

A rinologia não podia fugir à regra. As gotas nasais com sulfas tornaram-se legião.

Um dos primeiros estudos publicados- a tal respeito, foi o de Futch, Rosenvold e Stewart, dado a lume em 1942. Estes autores ensaiaram a aplicação de solutos de 5 a 30 % de sulfatiazol-sódio na mucosa nasal de coelhos, e concluíram que a ação era nociva ao tecido, destruindo os cílios e as camadas celulares superficiais. Atribuiram, porém, esse efeito, ao pH do líquido, que era de 10, mostrando-se esperançosos de poderem ser conseguidos solutos sulfamídicos não irritantes para a pituitária.

Hunnicut, no mesmo ano, fez observações sobre o efeito do sulfatiazol-sódio a 5% em ratos. Notou reação inflamatória intensa nos primeiros dias, mas, após três dias, o efeito sobre a mucosa era quase nulo.

No ano seguinte, Gundrum levava a efeito trabalhos experimentais com sulfatiazol-sódio e butanoil-sulfamida a 4,7%, concluindo que os solutos tinham evidente ação destrutiva, quando usados em instilações nasais.

No mesmo ano, Turnbull, Hamilton, Simon e George conseguiam obter um composto químico resultante da combinação do sulfatiazol-sódio com a d-1-desoxiefedrina, a que deram o nome de "desoxifedrônio-sulfatiazol". O estudo completo deste sal, feito pelos laboratórios Squibb e Parke Davis, mostrou que se tratava de substância capaz de determinar solutos estáveis, com pH de 8.6 a 9, sem ação sobre a camada ciliar, atóxicos, de poder antisséptico evidente. Seu uso, em mil casos de infecções do nariz, da garganta e do aparelho auditivo, sob a forma de gotas, pulverizações, mechas de permanência (20 a 30 minutos), mostrou-se eficiente e inócuo.

Em 1944, Lierle e Evers levaram a cabo uma série de experiências, algumas com soluto saturado de sulfamida (0,9 %), soluto isotônico recente de sulfatiazol-sódio a 5 %, soluto no mesmo teor da mesma substância sem clorêto de sódio, soluto de sulfadiazina a 2,5% com "butoben", pó de sulfamida e pó de sulfatiazol. Os solutos de sulfamida e sulfatiazol-sódio instilados no nariz causaram cessação dos batimentos ciliares, os quais voltaram a manifestar-se após lavagem com o soluto salino de Ringer-Locke. O soluto recente de sulfatiazol-sódio a 5 %, cujo pH era de 10.17, causou a inibição do movimento ciliar; na metade dos casos, esta inibição foi definitiva. 0 soluto sem cloreto de sódio foi mais irritante do que com o cloreto.

A sulfadiazina a 2,5% com trietanolamina e "butoben", não prejudicou sériamente a ação ciliar.

Os pós de sulfamida, sulfatiazol e sulfadiazina não determinaram alterações na mobilidade dos cílios. O tempo de contacto com a mucosa variou de 5 a 65 minutos.

Entretanto, no mesmo ano, a Secção de Dermatologia e Sifilologia da Associação Americana de Medicina já condenava o uso local indiscriminado das sulfas, em doenças em que substâncias outras, em geral menos prejudiciais, eram igualmente eficazes. Pouco depois, em 1945, o Conselho de Farmácia e Química da citada sociedade dava à publicação um relatório sob o título "Perigos do uso externo das sulfas", em que pugnava pela restrição de seu emprêgo.

Dickson resolveu experimentar uma série de preparados comerciais para uso nasal: thizodrin, sulfadrine, glucofedrin com sulfatiazol, sulfsdex, paredrine-sulfatiazol em suspensão, sulmefrin. Todos eles não causaram efeitos patológicos sobre a mucosa nasal do coelho, que é considerada análoga à humana. No estudo histopatológico dos casos, porém, em que fez experiências com soluto de sulfatiazol-sódio a 5%, observou descamação parcial do epitélio e zonas de necrose da mucosa, o que não fôra visto com os preparados referidos.

Com o emprego de sulfatiazol, sulfamida e sulfadiazina em pó, Ballenger, em 6.000 casos, achou que os medicamentos não provocaram o menor dana; seu usa, diz ele, é tão inócuo, ou mais, do que o pela via digestiva. Suas observações foram puramente clínicas.

Lyons, estudando a ação das sulfas nos ferimentos, acentua as razões pelas quais devemos abandonar seu uso no tratamento das infecções, citando a experiência da 2.º Grande Guerra: as sulfas retardam a cura, e são francamente deletérias, sendo ineficazes para o fim a que se destinam, isto é, a esterilização dos ferimentos. Desses estudos, entre outros, decorreu a resolução do Conselho de Farmácia e Química da Associação Americana de Medicina (Setembro de 1947), de desaconselhar taxativamente o emprego local das sulfas, por três motivos: 1.° - a substituição de um remédio ineficaz, por outro que pode ser de valia; 2.° - a possibilidade, agora largamente reconhecida, de permitir o desenvolvimento de germes sulfa-resistentes; 3.° - o aparecimento da sensibilização cutânea, capaz de impossibilitar o uso das sulfas em doenças graves, para as quais estas drogas são conhecidos como eficazes.

Já em janeiro de 1946, Callomon, em estudos experimentais no rato, notou efeitos nocivos nos solutos nasais de sulfas. Experimentando, ainda, preparados farmacêuticos comerciais, cuja base era uma combinação de sulfatiazol-sódio em soluto aquoso de pH de 9.2 e desoxiefedrina, observou, na mucosa, sinais de inflamação e efeito parcialmente cáustico, seguidos de retorno lento à normalidade.
Fabricant, em amplo estudo crítico publicado em 1948, deixa claramente perceber que, nos preparados para uso nasal, a presença das sulfas - como dos antibióticos -, nada influi: "a sulfa ou o antibiótico, acrescentado ao componente retraente, serve como uma post-imagem - after-image - terapêutica, na realidade um motivo de conversa - a talking point". Diríamos, em gíria, "conversa fiada".

Quanto aos antibióticos, Lierle e Moore empregaram, desde 1944, a penicilina em soluto salino normal, à razão de 5.000 unidades por centímetro cúbico, verificando que os cílios cessaram de bater após duas horas; após lavagem com o soro de Ringer-Locke voltaram a mover-se. Estudaram 22 casos.

Greenwood, Pittenger, Constant e Ivy usaram solutos de 200 unidades por centímetro cúbico em soro fisiológico, em aplicação contínua de duas horas de duração, sobre cada lado do septo nasal. Ao fim do prazo, os cílios continuavam em movimento. O mesmo foi verificado com penicilina à razão de 500 unidades por centímetro cúbico.

Empregaram igualmente, os mesmos autores, solutos de estreptomícina a 100, 200, 300, 500 e 1000 unidades por centímetro cúbico, em soluto isotônico de cloreto de sódio. Ao cabo de duas horas, não havia diferença entre a mucosa das experiências e a dos testemunhas, nos quais fôra usado soro puro.

Em seu estudo experimental, Fabricant, Hollender e Anderson ensaiaram vários solutos de penicilina sódica e cálcica, na mucosa nasal respiratória de coelhos. O estudo baseou-se na verificação histo-patológica. Foi usada a técnica de gotas (4 gotas de contagotas padrão), instiladas três vezes por dia em uma das fossas nasais, durante 30, 60 e 90 dias. O título dos solutos foi de 1000 a 5000 unidades por centímetro cúbico, e o veiculo soluto isotônico de cloreto de sódio. A-pesar do pH ser levemente ácido, não houve sinais de irritação da mucosa, nem de perturbação do motilidade dos cílios.

O mesmo, entretanto, não se observou com a tirotricina. Otenak e Fairman observaram, por exemplo, por duas vezes, após irrigação do seio frontal pelo seu conduto, e após operação (soluto a 1.10000), irritação grave, seguida de meningite. Em vista disso, tomaram a iniciativa e injetar, diretamente, na cisterna magna de 35 cães, 1 cent. cúb. de um soluto de tirotricina a 1 por mil. Em 17 manifestaram-se lesões sérias, os restantes 18 morreram quase imediatamente.

Após o emprego de dois preparados, em que a tirotricina entrava na proporção de 1 para 5000, usados em instilações nasais ou em pulverizações, Seydell e Mc Knight, em 8 casos, observaram anosmia ou parosmia. Os sintomas, que se manifestaram imediatamente ou pouco depois da aplicação do remédio, perduraram de 4 a 8 meses, e nenhum dos pacientes recuperou a olfação in totum.

Taylor e Fotter empregaram a gramicidina que, como sabemos, representa 60 a 80 % da tirotricina. Ela é muito pouco ativa in vitro, mas é menos tóxica do que a tirotricina, para a mór parte das células teciduais. Quando tratada pelo aldeído fórmico, transforma-se em meti lol-gramicidina, derivado mais solúvel e menos tóxico. As experiências de uma fórmula com metilol-gramicidina associada ao novo vaso constritor vonedrina, designada pelo nome comercial vonecidina, foram plenamente satisfatórias, quer quanto ao efeito antisséptico, quer quanto à inocuidade sobre a mucosa.

De tudo que se leu, uma conclusão capital pode ser tirada: a mor parte dos antissépticos é prejudicial à mucosa do nariz. Se esta dispõe de dois grandes mecanismos de defesa - a camada ciliar e o lisózimo - e, além destes, a rede linfática, é claro que o uso local de antissépticos na medicação nasal é perfeitamente dispensável, mesmo que não fosse por vezes francamente nocivo, como pode ser. Kully já assinalou que "arazão do uso dos antissépticos é discutível. Eles entram em contacto com áreas limitadas da pituitária, e por breves períodos de 5 a 15 minutos". Walsh e Cannon fizeram também notar que os antissépticos não têm o poder de penetrar nos tecidos sub-epiteliais, onde justamente pululam os micro-organismos. De sorte que os antissépticos, na realidade, aumentam a irritação e a reação local.

É verdade que o antisséptico pode ser absorvido pela mucosa, mas o caso só tem sido positivado em relação ao mercuro-cromo. Tudo o que ficou dito diz respeito à mucosa nasal mais ou menos íntegra, isto é, às rinites agudas e crônicas (congestivas, hipertróficas, hiperplásticas). Quanto às rinites ulceradas, é lógico que o uso de antissépticos está plenamente indicado. O mesmo podemos estender às afecções da rino-faringe.

ESCOLHA DO MÉTODO

Estudando a medicação nasal, convém nos determos na escolha do método a ser empregado, pois que é de muita importância. As gotas nasais têm sido estudadas em confronto com as pulverizações, as inalações, as insuflações.

Butler e Ivy estudaram comparativamente o efeito das gotas, das pulverizações e dos inaladores (tipo benzedrina). Usaram a desoxiefedrina e a anfetamina (benzedrina), em tratamento prolongado (30 a 90 dias), em coelhos.

A desoxiefedrina, como inalante volátil, não apresentou efeitos nocivos; só aos 90 dias foram encontradas,na mucosa, pequenas alterações.

O tratamento, por espaço de 30 dias, com pulverizações (spray) com desoxiefedrina, determinou o aparecimento de algumas áreas de metaplasia.

As gotas do mesmo produto deram origem a alterações mais frequentes. Após 30 dias, o epitélio tornou-se estratificado, e faltava em vários pontos. O tecido submucoso sofreu fibrose, e os vasos sub-epiteliais apresentaram-se ingurgitados e dilatados. O mesmo foi observado com as gotas de anfetamina.

Concluem os autores que a pulverização nasal e a inalação são mais eficientes para aplicação de drogas vaso-constritoras. "Em afecções, que requerem medicação nasal prolongada e repetida, as gotas nasais devem ser usadas com cuidado, sendo preferíveis as pulverizações e inalações (tipo inalador de benzedrina).

Stark, com irigações nasais com soluto de clorêto de sódio a 2%, observou alterações inflamatórias e rareza de cílios. Efeitos análogos obteve com soro salino fisiológico, preparado com água de torneira.

Estudando o emprego da medicação nasal por instilação de gotas, pulverizações, aspiração e enchimento das fossas nasais, na posição de "cabeça abaixada", Cawthorne pôde verificar que as gotas nasais, como são ordinàriamente empregadas, não conseguiram chegar aos recessos mais profundos das cavidades; a pulverização atingiu a área olfativa, em verdade discretamente; e a aspiração pôs o medicamento em contacto com área muito mais ampla, do que os dois métodos anteriores. Os solutos introduzidos na posição "cabeça abaixada", alcançaram os pontos mais recuados, e determinaram reação mais longa, por causa do contacto mais prolongado.

Já Proetz é de parecer que o conta-gotas é o instrumento mais eficiente para a aplicação de líquidos nas fossas nasais, achando que as pulverizações e vaporizações (inalações a quente) apenas entram em relação com as paredes dos canais. Os inaladores voláteis só têm a vantagem da facilidade de emprêgo.

Sternberg, por sua vez, julga as pulverizações menos nocivas do que as gotas.

Para as pulverizações, temos de recorrer a ar sob pressão, que pode ser conseguido por meio de pequenas pêras, de compressores especiais ou de oxigênio comprimido (aerossol). Sternstein observou que o ar assim usado fez aumentar, posteriormente, o grau de edema do tecido eréctil e a obstrução nasal. A pressão aérea de cerca de 15 libras (6 k. 8), empregada ordinàriamente nas pulverizações nasais, produzem pequena irritação do tecido eréctil no nariz não obstruído. Mas a mesma pressão no nariz obstruido aumenta o edema. Ora, a pressão usada nos tubos de oxigênio e nos compressores é muito maior, e minha experiência assinala, justamente, a obstrução nasal em seguida a aerossois com penicilina (50 a 100 mil unidades por cent. cúb.), ou com sulfas.

O VEICULO DO MEDICAMENTO

Desde que Lierle e Moore provaram, em suas experiências, que a água de torneira, como a água destilada, possuem ação nociva sobre os cílios, cuja motilidade restringem, pràticamente estes veículos ficaram condenados. Estes autores chegaram à conclusão de- que os proteínatos de prata a 5, 10 e 20 % causavam aceleração do movimento ciliar, seguido de retardamento, mas atribuíram o mal à água do veículo, mais do que aos sais.

A ação deletéria da água destilada ressalta, ainda, das experiências de Proetz. Fazenda solutos de álcool a 5, 15, 20 e 30 % em água, verificou que sua aplicação determinava a cessação rápida, em alguns segundos, do movimento ciliar. Os mesmos títulos de alcool, em soluto de Ringer-Locke, atuavam de modo diferente. Na mucosa extirpada de cobaias e coelhos, o soluto a 15% o causou discreto retardamento ao fim de 5 minutos de contacto, mas a ação não foi progressiva, e, após uma hora, as células estavam em bom estado. No coelho vivo, o soluto a 10 % não demonstrou efeito apreciável. Destas experiências, fica patente a ação nociva da água sobre a mucosa.

Daí, provàvelmente, resultou que a maioria dos remédios para uso nasal passou a ter por veículo o soluto normal de clorêto de sódio: isotônico, isto é, a 9 por mil. Tem-se dado preferência às fórmulas que mais se aproximam do soro sanguíneo, isto é, os solutos de Ringer, de Ringer-Locke e até o de Tyrode. Mas estas fórmulas são de duração efêmera; e não podem sofrer a ebulição para conservarem-se esteréis, embora possam ser filtradas em vela.

O VEICULO OLEOSO

Discussão interminável causou a questão do veículo oleoso, e inúmeros estudos têm sido feitos a este respeito.

Desde que Laughlen descreveu, em 1925, a entidade mórbida a que deu ó nome de pneumonia lipica ou lipídica, tem-se feito verdadeira celeuma em torno do perigo dos óleos para instilação nasal. Entretanto, quando a Associação Americana de Medicina nomeou um técnico, Cannon, para estudar a fundo o problema e apresentar-lhe relatório do assunto, chegou o relator à conclusão de que a pneumonia lípica só reconhecia por causa determinante o uso de óleos nasais em 20 % dos casos; os 80 restantes eram causados pelo emprego de toda espécie de gordura, desde os óleos vitaminados, os óleos laxativos, etc., usados como medicamentos, às substâncias gordurosas alimentares, como o azeite doce, a nata do leite, o toucinho e até a gema de ovo.

O primeiro a insurgir-se contra o uso do veículo oleoso na medicação nasal foi Scheffel. Diz ele textualmente: "Em primeiro lugar, nenhuma combinação cujo veículo possa isolar total ou parcialmente os ingredientes ativos, que a constituem, do tecido sobre que ela deve atuar, pode ser considerado fisiológicamente compatível com as exigências da terapêutica racional.

Os solutos oleosos vulgarmente usados na medicação nasal não encontram, quer na anatomia, quer na fisiologia, quer na química da pituitária, qualquer evidência que denote ser seu emprego apropriado a tal terapêutica. De fato, eles são fisiológica e químicamente incompatíveis com a pituitária. Fisiológicamente, porque não se misturam com os 90,3% de água de que a membrana é composta, nem com os 75% do muco aquoso, que ela segrega. Quìmicamente, são incompatíveis, porque os ácidos graxos dos óleos tendem a precipitar a mucina segregada pelas células caliciformes. O efeito isolante é, primitivamente, físico, e, secundàriamente, como veremos adiante, também elétrico. Em cada caso em que desejamos algo mais do que a simples ação mecânica protetora dos óleos, a influência isolante é altamente deletéria do ponto de vista terapêutico".

Das experiências feitas em coelhos por Stark; em 1932; ficou patente que o óleo de vaselina era em parte absorvido pela mucosa nasal. A instilação era feita por uma sonda de borracha, a um centímetro de profundidade. A aplicação variou de duas vezes por dia, a 28. Os cortes de material, retirado 24 horas após o término das aplicações, revelaram a presença de gordura depositada, em finas partículas, mais densamente nas glândulas de muco (no lume e na periferia). Em grau menor, no epitélio da superfície e na camada basal. O depósito de gordura era maior nos animais em que haviam sido feitas quatro aplicações; mas era pràticamente idêntico nos em que elas haviam sido feitas em maior número.

Cannon e Walsh verificaram em seus estudos que: 1.° - No coelho, quando são instiladas no nariz pequenas doses de vaselina líquida (petrolato líquido), o óleo desce quase imediatamente para os pulmões; 2.° - A isso se segue, ràpidamente, aumento da permeabilidade dás paredes alveolares, e exsudação de albumina; 3.° - Após algum tempo, verificam-se outras alterações extensas do pulmão - pneumonia lípica ou parafinoma pulmonar.

Em outro trabalho, os mesmos autores dizem que era seu desejo estudar os efeitos precoces, sobre o aparelho pulmonar, particularmente nos primeiros dias, da ação de óleos medicamentosos introduzidos nas fossas nasais de coelhos. O óleo era ministrado por meio de unia seringa para tuberculina, nas doses de 1 ou 1/2 cent. cúb. por lado. Os animais eram dispostos em posição sentada, e, desta sorte, o óleo descia quase invariàvelmente para os lobos pulmonares anteriores. O estudo histo-patológico revelou lesões idênticas: dentro de 24 horas, edema focal e descamação extensa das células septais, muitas das quais apresentavam largos vacúolos de óleo.

Proetz, ocupando-se do assunto, ensaiou solutos oleosos de anfetamina (benzedrina) a 1,2 e 3 %, notando que não é possível chegar a conclusões perfeitas, porque o óleo, aplicado à mucosa húmida, flutua sobre toda a superfície, e, depois, se divide numa infinidade de glóbulos de vários tamanhos. Se o fragmento de mucosa fôr imerso no soluto oleoso, persiste, por tempo variável, uma capa de soluto aquoso ao redor do corte. "Em outras palavras" - diz Proetz - "o óleo não humedece a mucosa".

Novak estudou com profundeza o assunto, encarando-lhe todas as faces, e conclui que o inquérito deve atender a três itens 1) o valor terapêutico do óleo e seus efeitos sobre os tecidos do nariz, normal e patológico; 2) a evidência de que o óleo segue até o pulmão do homem, tão prontamente corno no coelho; e, 3) as propriedades relativamente irritantes de vários óleos, vegetais, animais e minerais. A seu ver, o fato de o óleo interferir, na mucosa normal, com a motilidade dos cílios, não basta para que se conclua ser nocivo. Acha que o uso de óleo, quando indicado com cuidado e critério, no consultório do rinologista não pode ser criticado. É, porém, mais seguro usar óleos vegetais em vez de minerais. Em crianças, pessoas débeis e idosas, o uso de qualquer tipo de óleo deve ser proscrito.

Proetz, em seu livro, insistem em condenar os veículos oleosos. "A prática de usar óleos nas fossas nasais porque a mucosa está sêca; tem a mesma base racional - diz ele - que derramar, óleo em gerânios, em-vez-de regá-los". O argumento baseia-se evidentemente em que o muco nasal é aquoso (cêrca de 91-% de água).

Em trabalho mais recente, chama de novo Novak a atenção para ò assunto. Até o fim de 1940, haviam sido registrados 253 casos de pneumonia lípica. Apenas 41 deles, portanto 16,2% , dependeram da medicação nasal por óleos. Põe, porém, em evidência a popularidade das gotas nasais, mostrando não haver relação nenhuma entre a frequência de seu uso e o número de casos de pneumonia lípica. E menciona uma observação de Davis, de um indivíduo, que fez uso de verdadeiros banhos nasais de óleo (petrolato líquido) por nove anos consecutivos, tendo consumido 26 litros por ano, sem que, entretanto, se tivesse apresentado qualquer complicação pulmonar. Estuda a influência da posição da cabeça sobre o destino do óleo instilado nas fossas nasais.

O trabalho mais moderno sobre a questão data de 1944, e é da autoria de Griesman. Seu estudo visou, sobretudo, a possibilidade de ser usado o veículo oleoso, sem perigo para o aparelho pulmonar, isto é, sem perigo da aspiração imediata. O autor esqueceu se de que, deglutido embora (e não aspirado), o óleo pode posteriormente vir ao pulmão.

O fato concreto é que, haja ou não perigo de determinarem os óleos efeitos nocivos sobre o aparelho pulmonar, a suspensão definitiva da medicação oleosa nasal apenas poderá evitar este perigo quando muito em 20 % dos casos.

O importante é que o veículo oleoso não deve, logicamente, ser usado: 1.° - porque deslisa fàcil e ràpidamente sobre a mucosa húmida, não podendo quase exercer ação terapêutica, fato este contrário à impressão dominante de que, por ser um óleo e mais espesso do que a água, melhor adere à mucosa; 2.° - porque, só após contacto muito prolongado, poderia penetrar nos tecidos, dada a constituição prevalentemente aquosa destes, e, dividido em gotículas espersas, não atuaria eficazmente.

Entretanto, em determinados casos, o especialista, no consultório, pode usar substâncias oleosas em casos excepcionais, como a aplicação local dos estrogênios. Deve-se, porém, em tais casos, dar preferência aos óleos vegetais - olivas, sésamo, algodão, amêndoas - muito menos prejudiciais do que os de natureza animal e mineral.

Se a água não deve ser usada, nem o óleo, restam-nos os soros: fisiológico simples ou soluto normal de cloreto de sódio, e os de Ringer e Ringer-Locke.

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