Versão Inglês

Ano:  1996  Vol. 62   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 05 a 08

 

Meatoplastia: Indicações, Vantagens e Limitações.

Meatoplasty: Indications, Advantages and Limitations.

Autor(es): Luiz Carlos Alves de Sousa *,**,***
Manoel José Andrade ***,
Marcelo Ribeiro de Toledo Piza *,**,***
Walter Luiz Jaeger ***,****
João Manoel do Nascimento Rodrigues *****

Palavras-chave: Cirurgia do ouvido, meatoplastia, mastoidectomia

Keywords: Ear surgery, meatoplasty, mastoidectomy

Resumo:
Discutiremos neste artigo o problema da meatoplastia, procedimento cirúrgico que aborda a abertura do canal auditivo externo, essencial no pós operatório de várias cirurgias otológicas. Suas indicações, vantagens e limitações serão descritas, assim como nossa técnica operatória, que não tem a pretensão de ser inovadora, mas é segura e de fácil execução.

Abstract:
Meatoplasty, a surgical procedure for the opening of the external auditory canal, essential during the postoperativeperiod of several otologic surgeries, will be discussed in thispaper. Its indications, advantages and limitations will be described, along with the presentation of our operative technique, which although it is not innovative, is safe and of easy execution.

INTRODUÇÃO

O meato auditivo externo (meatus acusticus externus) consiste em um curto canal de aproximadamente 25mm no seu menor comprimento, que se estende da base da concha do pavilhão auricular até a membrana timpânica (1). Para fins de terminologia prática, subdividiremos o meato auditivo externo em duas regiões distintas: o meato propriamente dito, representado pelo intróito do ouvido, e o canal auditivo externo.

A meatoplastia é procedimento cirúrgico que tem como finalidades ampliar a abertura do ouvido externo e criar retalho de pele que servirá de matriz na epitelização da neocavidade.

INDICAÇÕES

A meatoplastia tornou-se procedimento cirúrgico complementar imprescindível nas timpanomastoidectomias de cavidade aberta e nas cirurgias do canal auditivo externo estenosado. Na maioria das vezes, é tempo cirúrgico coadjuvante importante das canalplastias, timpanoplastias e outros procedimentos otoneurológicos.(2)

O novo meato será definido pela abordagem dos seguintes tecidos locais: pele, cartilagem, tecido subcutâneo e osso. Quais destes planos serão manipulados dependerá da patologia em questão, do procedimento cirúrgico principal realizado e do tamanho da abertura desejada. (3)

As patologias que comumente necessitam da meatoplastia como tempo cirúrgico do procedimento principal são as seguintes: otite média crônica supurada, otite média crônica colesteatomatosa, estenose congênita, estenose adquirida (por otite externa refratária, traumatismos, neoplasias, iatrogenias) e, ocasionalmente, em procedimentos com cirurgias de glomus, neoplasias do osso temporal e neuromas do acústico.



Figura 1



Figura 2



VANTAGENS

A abertura meatal adequada permite-nos acesso fácil ao canal auditivo, membrana timpânica e às neocavidades abertas, propiciando o manuseio destas regiões para a devida "toillet" pós-operatória. Uma ampla meatoplastia requer mínima atenção pós-operatória. Nas cavidades abertas, recomendamos as remoções de cerúmem, crostas e descamação epitelial, em média uma vez ao ano.(4)

A meatoplastia indiscutivelmente corrobora sobremaneira no resgate funcional do ouvido, de tal forma que uma simples técnica de cavidade aberta com meatoplastia permanece como boa opção custo/benefício para o tratamento dos colesteatomas.(5)

Uma atração inicial aos procedimentos de parede alta era o potencial para melhores resultados funcionais. A meatoplastia acabou colocando as timpanomastoidectomias de cavidades abertas como técnicas de primeira escolha no tratamento dos colesteatomas, na nossa experiência. Isto ocorre principalmente pelo fato destas técnicas proporcionarem tão bons resultados funcionais quanto as de cavidades fechadas.(6)

A boa ventilação do canal ou cavidade aberta, promovida pela meatoplastia, é fundamental na prevenção da otorréia, principalmente em países tropicais, onde os pacientes acabam por praticar esportes náuticos, o que facilita as descamações epiteliais, granulações e infecções fúngicas.

LIMITAÇÕES

Não temos observado, em nossa experiência, a capacidade de auto-limpeza da cavidade atribuída à meatoplastia.(7) Em seu "How I do it", Paparella e Meyerhoff colocam como princípio geral ser quase impossível fazer meato muito largo. O erro comum seria criar meato muito pequeno. Constante tendência seria o estreitamento do meato no pós operatório (7).Esta idéia vem sendo compartilhada desde há duas décadas por vários autores.

A tendência ao estreitamento, na nossa casuística, ocorre mais na população infantil. Em adultos, é incomum observarmos significativa diminuição da amplitude meatal. As vezes, deparamo-nos com meatos excessivamente amplos, que não nos agradam esteticamente (Fig.1). Ouvimos também queixas de distúrbios vestibulares causados por ventos frios (4). Por outro lado, pobres resultados de operações para as doenças das mastóides freqüentemente são devidos a estenose ou colapso do meato (7).

Schuknecht relata que o estreitamento fibroso do canal, requisitando reintervenção (meatoplastia secundária), ocorreu em 18 (26%) dos 69 ouvidos operados para a correção da atresia aural congênita. Em todos os casos, a estenose estava localizada na abertura do canal e não em partes mais profundas (8).

TÉCNICA CIRÚRGICA

PASSOS:

1. Incisões na pele do canal auditivo
2. Dissecção do tecido subcutâneo
3. Identificação e liberação da cartilagem da concha
4. Ressecção em elipse da cartilagem da concha
5. Incisões verticais na pele da concha ("Flap" de Köerner)
6. Mobilízação do "flap" (Pontos de nylon).

Acompanhando o procedimento cirúrgico principal, a meatoplastia poderá ser realizada através de acesso endaural ou retroaurieular. Optamos pela segunda por sua praticidade, já que teremos visão direta de todas as estruturas circunvizinhas manipuladas.

Embora a abordagem do meato seja tempo cirúrgico derradeiro do procedimento principal, convém lembrar que as primeiras incisões na pele do canal coincidem com os primeiros passos da meatoplastia.

São realizadas duas incisões verticais, à 1 e 5 horas, que se estendem superiormente no canal e se unem, inferiormente, a 5mm do ânulus timpânico. Estas incisões delimitarão a porção caudal do "flap" de Köerner.(7)

Depois de terminado o trabalho realizado na mastóide e ouvido médio, retiramos os afastadores auto-estáticos, fazemos a hemostasia da ferida cirúrgica (retroauricular) e começamos a meatoplastia.

Segura-se a orelha com os dedos indicador e polegar em pinça, empurrando a concha para trás com o dedo médio, que terá função de apoio e guia para a dissecção dos tecidos. A medida em que dissecamos o tecido subcutâneo, vamos pinçando-o e puxando-o para cima. O excesso deste tecido poderá ser ressecado e desprezado.



Figura 3



Figura 4



Identificamos e liberamos a cartilagem conchal da pele, anteriormente. Resseca-se, então, em elipse sua borda livre, sem abordarmos sua porção superior (Fig.2). Neste momento, a sensibilidade da polpa do dedo médio, e a constante visualização da concha anteriormente, evitará o traumatismo da pele desta região. O próximo passo será o prolongamento das incisões verticais do canal (Fig.3). Quanto mais alto elas se estenderem em direção a pele livre da concha, maior a amplitude do meato. A passagem livre do dedo indicador pelo meato é indicação razoável de provável êxito. Confecciona-se assim generoso retalho de pele, o "flap" de Köerner, que deve ser o mais largo possível, íntegro, não espesso, tampouco delgado (Fig.3).

Após confeccionado o "flap", damos um ou dois pontos de "nylon" 3 zeros, próximo à base do tecido subcutâneo vizinho, superiormente, com o intuito de puxa-lo para trás, o que promoverá tensão cicatricial, forçando o retalho de encontro a parede óssea da cavidade (Fig.4).

Por último, forramos toda a cavidade com fitas de "rayon", evitando-se áreas visíveis de osso desnudo, e a preenchemos com algodão com pomada antibiótica. Este tampão será removido em 2 semanas e, dependendo do nível de granulação observado, revestimos a cavidade com delgados retalhos livres de pele retirados da região anterior do braço (Thierch Graft). Este procedimento é raramente necessário em adultos, sendo mais utilizado em crianças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A meatoplastia tornou-se procedimento de grande importância prática e crucial na obtenção do sucesso cirúrgico em grande número das cirurgias otológicas.

Sadé preconiza que um dos princípios básicos de uma cavidade livre de problemas é a realização de meatoplastia adequada.(9)

Este notável requinte de técnica tem-se revelado essencial para a obtenção de bom resultado cirúrgico no tratamento das otites médias crônicas, principalmente os colesteatomas, e das estenoses congênitas ou adquiridas do canal auditivo externo.

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer nossa secretária, Srta. Lúcia Peixoto, por ter datilografado esse manuscrito.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ANSON, B. J. and DONALDSON, J. A. - Surgical anatomy of the temporal bone, third edition, W. B. Saunders Co., 1981.
2. MEYERHOFF, W. L.; POLLOCK, K. J.; ROLAND, P.S. and MICKEY, B. - Modified Rambo meatoplasty in translabyrithine tumor removal. Otolaryngol Head Neck Sutg. Jan. 1991; 104(1): 100-102.
3. PORTMANN, M. and GUERRIERY: Traité de technique chirurgicale O. R. L. et cervico-faciale. Tome 1. Masson Cic, 1975.
4. OSBORNE, J. E.; TERRY, R. M. AND GANDHI, A. G. - Large meatoplasry technique for mastoid cavitics. Clin. Otolaryngol. North America, 10: 357-360, 1985.
5. BLAKE, P. and MORRISSEY, G. - Canal wall down techiques for managing cholesteatoma. Aust. N. Z. J. Suig., 61: 914-918, 1991.
6. RAGHEB, S. M.; GANTZ, B. J. and McCABE, B. F. - Hearing results after cholesteatoma surgery; the Iowa experiente. Laryngoscope, 97: 1254-1263, 1987.
7. PAPARELLA, M. M. and MEYERHOFF, W. L. - "How I do it" -Otology and Neurology. Meatoplasty. Laringoscope, 88: 1978.
8. SCHUKNECHT, H. F. - Congenital Aural Atresia. Laryngoscope, 99(9): 908-917, Sept. 1989.
9. SADÉ, J.; WEINBURG, J.; BERCO F.; BROW, M. and HALEVY, A. - The marsuapilized (radical) mastoid. J. Laryngol. Otol., 96: 869-875, 1982.




* Ex-Fellow do Departamento de Otorrinolaringologia, Universidade de Minnesota,
** Ex-Research Fellow, International Hearing Foundation, Minneapolis, Minnesota.
*** Médico da Fundação Paparella de Otorrinolaringologia, Hospital Santa Lydia, Ribeirão Preto, S.P.
**** Ex-Fellow da Clínica de Otorrinolaringologia da Universidade de Bordeaux, Prof. M. Portmann.
***** Médico Residente da Fundação Paparella

Endereço para correspondência: Dr. Luiz Carlos A. Sousa - Clínica Paparella - Rua Bemardino de Campos, 1503 - CEP 14015-130 - Ribeirão Preto, SP - Fone (016) 634-4740 - FAX: 634-4916
Este trabalho foi realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Santa Lydia, com o patrocínio da Fundação Paparella de Otorrinolaringologia, Ribeirão Preto, SP.

Artigo recebido em 17 de julho de 1995.
Artigo aceito em 02 de agosto de 1995.

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