Ano: 1982 Vol. 48 Ed. 2 - Abril - Junho - (2º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 14 a 17
PERFIL PSICOLÓGICO NAS SÍNDROMES LABIRÍNTICAS
Autor(es): ANA MARIA BACCARI KUHN *
1. Introduçâo
Estudou-se o perfil psicológico em 40 indivíduos portadores de síndrome vestibular periférica. O teste utilizado foi o das Pirâmides Coloridas de Pfister, teste projetivo de avaliação da personalidade em seus níveis latentes e manifestos, concebido para informar sobre a expressão da afetividade e o controle dos impulsos.
O teste de Pfister sempre foi realizado após a avaliação otoneurológica da casuística, buscando-se determinar o caráter funcional ou orgânico das manifestações labirínticas em cada caso.
2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1 - Dos Aspectos Psicológicos das Síndromes Vestibulares
O papel desempenhado por fatores emocionais em pacientes com vertigem tem sido amplamente debatido.
Brightwell & Abramson (1975) observaram características de personalidade aparentemente peculiares em pacientes vertiginosos, tais como dependência agressiva, labilidade emocional e hiperexcitabilidade. Utilizando o Eysenck Personality lnventory (EPI), teste psicológico com 57 itens, para determinar resultados referentes a neuroticismo e extroversão - introversão, estabeleceram, por meio de análise computadorizada, a severidade dos sintomas dos pacientes para investigar as características de personalidade e o seu relacionamento com a vertigem.
Concluíram por uma forte correlação positiva entre a severidade da vertigem e os índices obtidos ao EPI, empregando o conceito de vulnerabilidade psicológica para explicar os seus achados.
Crary and Wexler (1977) observaram que fatores psicológicos desempenharam significaste papel etiológico no desenvolvimento das afecções vestibulares. Em seus estudos verificaram que a psicopatologia observada constituía muito mais uma resposta do que uma causa da doença, particularmente no que se refere à doença de Ménière, contrariando a reputação de que esta enfermidade constitui uma desordem psicossomática. Parece, para esses autores, haver forte evidência de ser tratar de um processo somatopsíquico e não um processo psicossomático.
2.2 - Do Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister
O perfil psicológico é constituído pelas características de personalidade que aparecem com uma freqüência significativa numa mesma população configurando o espaço afetivo-emocional atual de um dado indivíduo, e que pode ser avaliado pelo teste das Pirâmides Coloridas de Pfister.
2.3 - Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister
2.3.1 - Material do Teste
a - Três cartelas de papelão - em cada uma delas está impressa uma pirâmide dividida em 15 quadrados idênticos.
b - Trezentos e sessenta quadrados coloridos, de dimensões iguais aos anteriores, divididos em 10 cores fundamentais (vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, marrom, violeta, cinza, preto e branco) com várias nuanças.
2.3.2 - Execução do Teste
Oferecemos ao paciente o material do teste; uma cartela de cada vez, acompanhada dos 360 quadrados. Na primeira etapa, pedimos que preencha a pirâmide de modo que fique bonita na concepção dele. A seguir, pedimos que repita o processo de modo que a segunda fique mais bonita que a primeira, e a terceira, ainda mais bonita que as anteriores. Solicitamos, então, que escolha a mais bonita dentre as três e a cor de sua preferência.
Na segunda etapa, o processo é o mesmo para a confecção de pirâmides feias.
3. MATERIAL E MÉTODOS.
A presente pesquisa foi realizada na Secção de Otoneurologia da disciplina de Otorrinolarïngologia da Escola Paulista de Medicina.
A investigação foi efetuada em um grupo de 40 casos de síndromes vestibulares periféricas. Esses pacientes foram submetidos a:
3.1 - Anamnese.
Para investigar a ocorrência de sintomas presentes ou passados direta ou indiretamente relacionados com as funções labirínticas e visual e com outros setores orgânicos.
3.2 - Exame Otorrinolaringológico
Para verificar patologia de ouvidos, nariz e garganta que pudessem influenciar a função vestibular.
3.3 - Exame Audiológico
Para apreciar alterações da audição, através de audiometria tonal limiar, logoaudiometria e impedanciometria.
3.4 - Exame Vestibular
Foram realizados e interpretados de acordo com a orientação de Mangabeira Albernaz & Ganança (1977) os seguintes testes:
3.4.1 - Estudos do Equilíbrio Estático e Dinamico
Utilizamo-nos das provas de Romberg, Romberg Barré, Fournier, Unterberger e da marcha, com olhos abertos e fechados.
3.4.2 - Vecto-Electronistagmografia
Empregou-se o vecto-nistagmógrafo VN 106/3 Berger, de três canais de registro em corrente alternada, com constante de tempo igual a um segundo. Empregou-se a derivação eletrõnica triangular, constituída por três electródios ativos acoplados entre si de modo a poder realizar um programa de registro em que a interpretação dos resultados depende da comparação das respostas nos três canais inscritores, de acordo com Ganança & Mangabeira Albernaz (1978), que se inspiraram em Padovan & Pansini (1972).
O seguinte procedimento seqüencial foi adotado para a realização da vestibulometria:
a - Calibração Biológica dos Movimentos Oculares Ao desvia de 10 graus do olhar corresponderam 10 milímetros de altura de inscrição no primeiro canal de registro e cinco milímetros de altura no segundo e terceiro canais. A velocidade do papel de registro foi de cinco milímetros por segundo nesta etapa e de 10 milímetros por segundo em todas as demais provas.
b - Pesquisa de Nistagmo Espontáneo
No olhar de frente e a 30 graus de desvio cardinal para a direita, para esquerda, para cima e para baixo, com os olhos abertos e fechados.
c - Pesquisa do Rastreio Ocular
Através da movimentação mecânica de um pêndulo, com período aproximado igual a um segundo, à frente do examinando, a mais ou a menos de um metro de distância dele, em sentido horizontal e vertical, de acordo com Settanni (1980).
d - Pesquisa de Nistagmo Optocinético
Com o estimulador optocinético Rovea modelo BR-5100, com três velocidades, de 40, 60 e 80 graus por segundo e rotação reversível em sentido horizontal e vertical. Esse equipamento é constituído por um cilindro com faixas longitudinais brancas e pretas alternadas e de igual largura (cinco centímetros) com 31 centímetros de altura e 34 centímetros de diâmetro e cuja movimentação é determinada por um motor. Para esta pesquisa escolheu-se a velocidade do tambor optocinético igual a 80 graus por segundo, correspondente a 12 rotações por minuto. O paciente foi colocado a um metro de distância frontal do estimulador.
e - Pesquisa do Nistagmo Per-Rotatório
Com a cadeira rotatória de dupla função, Rover modelo BR 3201, que permite a realização do teste pendular decrescente a partir de 180 graus de amplitude e a clássica prova rotatória com aceleração constante.
f - Pesquisa do Nistagmo Pós-Calórico
Utilizou-se a prova calórica com água de Fitzgerald & Hallpike (1942), com o emprego do otocalorímetro Berger modelo OC-114, que mantém automaticamente a temperatura da água em tanques separados a 30 e 44 graus centígrados. As respostas foram analisadas com olhos fechados (entre 40 e 90 segundos do início da irrigação) e abertos (após os 90 segundos do início da irrigação).
3.5 - Perfil Psicológico
Os pacientes foram psicologicamente avaliados pelo teste das pirâmides coloridas de Pfister (1950), aplicado de acordo com as concepções de Schaie & Heiss (1964).
4. RESULTADOS E COMENTÁRIOS
Nos 40 casos de Síndromes Vestibulares Periféricos por nós examinados verificamos:
4.1 - Predominância da cor marron (32,50%) e da cor preta (52,50%) como cores rebaixadas nas pirâmides bonitas.
4.2 - Predominância da cor preta (30,00%) e da cor verde (32,50%) como cores aumentadas e rebaixadas respectivamente nas pirâmides feias.
4..3 - Predominância da cor preta (31,25%) rebaixada no total das pirâmides feias e bonitas.
4.4 - Predominância da Síndrome acromática rebaixada (82,50%) nas pirâmides bonitas.
4.5 - Predominância da síndrome acromática (61.25%) rebaixada no total das pirâmides bonitas e feias.
4.6 - Predominância da fórmula cromática constante ampla (75,00%) nas pirâmides feias.,
4.7 - Os vários tipos e subtipos de estruturas de pirâmides não foram encontrados em incidência isolada expressiva.
4.8 - Os pacientes revelaram uma condição de pseudonormalidade por apresentarem intensa necessidade de limitar o campo psicológico, por excessiva receptividade à estimulaçao afetivo-emocional. Em conseqüência, observaram-se tendências de perturbação de personalidade que se caracterizam basicamente por extrojeção do estímulo afetivo-emocional de modo ansioso e impulsivo.
Isto ocorre em razão da insuficiência de controles repressivos, que acabam por resultar num desgaste egóico e tendência à introjeção da ansiedade. Esses aspectos são confirmados em nível mais profundo por uma intensa repressão da repercussão interna dos estímulos, que resulta em forte tensão emocional condicionando controles obsessivos compulsivos, determinantes de distanciamento e retirada afetiva com relação ao meio ambiente e novamente introjeção da ansiedade.
5. CONCLUSÃO
Diante do que pudemos observar, acreditamos poder concluir que, na casuística de síndromes vestibulares examinada, pode-se caracterizar a ocorrência de uma condição de pseudonormalidade caracterizada por restrição do campo psicológico, coro fortes tendências à introjeção de tensão e ansiedade e insuficientes controles repressivos, em razão da repercussão interna dos estímulos e uma retirada afetiva com relação ao meio ambiente.
6. RESUMO
Estudou-se o perfil psicológico de 40 indivíduos portadores de síndromes vestibulares periféricos, através do teste das Pirâmides Coloridas de Pfister. Este é um teste projetivo que faz uma avaliação da personalidade, em seus níveis latentes e manifestos, tendo sido concebido para informar sobre a expressão da afetividade e o controle dos impulsos.
O diagnóstico de comprometimento das funções auditiva e (ou) vestibular foi realizado através do exame otoneurológico, constituído por avaliação anamnéstica, exame otorrinolaringológico, audiometria tonal liminar, discriminação vocal, impedanciometria, electrococleografia, audiometria de tronco cerebral, estudo do equilíbrio estático e dinâmico e vestibulometria com vecto-electronistagmografia, na Secção de Otoneurologia da disciplina de Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina.
O teste de Pfister sempre foi realizado após a avaliação otoneurológica da casuística, em ambiente apropriado.
Após computação dos dados objetivos da interpretação do teste de Pfister nos pacientes labirínticos, observou-se a ocorrência expressiva de determinados eventos, com significados explícitos:
1 - Constricção do campo psicológico.
2 - Insuficiência de mecanismos defensivos adequados.
Na casuística examinada prevaleceu o caráter primariamente funcional e, secundariamente, o caráter orgânico.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÃFICAS
1. BRIGTHWELL, D.R & ABRAMSON, M. - Personality characteristies in patients with vertigo. Archives of Otolaryngology, 101: 364-6, 1975.
2. CRARY W.0. & WEXLER, M. -Ménière's disease: A psychosomatic desorders? Psychological Reports. Monograph Supplement. 1-V 41, p. 603-45, 1977.
3. FITZGERALD, G. & HÀLLPIKE, C.S. - Studies in human vestibular functions; observations on direçtional preponderance of the coloric nystagmus resulting from cerebral lesions. Brain, 65: 115-37, 1942.
4. GANANÇA MM. & MANGABEIRA ALBERNAZ, P.L. - Novos Recursos em Electronistagmografia, Rev. Bras. Clin. Terap., 7:695-703, 1978.
5. MANGABEIRA ALBERNAZ, P.L. & GANANÇA, M.M. - Atlas de Electronistagmografia. São Paulo, Editamed, 1977, 44 p.
6. PADOVAN, I. & PANSINI, M. - New possibilities of analysis in electronystagmography. Acta.
Oto. Laryng. (Stockh). 73: 121-5, 1972.
7. PFISTER M. - Der Farbpyramidentest (The Color Pyramid Test). Psychol. Rdsch, 1: 192-4, 1950.
8. SCHAIE, W. K. & HEISS, R - Color and Personality. Berna, Haus Huber, 1964.
9. SETTANNI, F.A.P. - Do Rastreio Pendular e do Nistagmo Optocinético em Indivíduos Normais. Pesquisa Vecto-Electronistagmográfica. São Paulo, 1980. Dissertação de Mestrado - Escola Paulista de Medicina.
Trabalho realizado na Secção de Otoneurologia da Disciplina de Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina. Apresentado como Monografia ao Curso de Especialização em Fonoaudiologia da Escola Paulista de Medicina, São Paulo, 1981.
* Professora Assistente da Disciplina de Psicologia do Curso de Fonoaudiologia da Disciplina de Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina.