Versão Inglês

Ano:  1982  Vol. 48   Ed. 1  - Janeiro - Março - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 34 a 39

 

SINDROME DE MELKERSSON - ROSENTHAL

Autor(es): LÁZARO GILBERTO FORMIGONI 1
AROLDO MINITI 2
ROBERTO ALCANTARA MAIA 3
ANTONIO CESAR B. AUGUSTO 4

I -INTRODUÇÃO

A síndrome de Melkersson-Rosenthal é uma entidade mórbida rara, caracterizada por uma tríade sintomática composta de paralisia facial, edema de face e língua plicata. Apesar da concomitância da paralisia facial e do edema de face ter sido notada por vários autores desde 1859, somente em 1928 Melkersson (12) estabeleceu o caráter sindrômico da afecção, sendo que, em 1931, Rosenthal (16) completou a descrição da síndrome, descrevendo uma série de casos semelhantes, onde estavam associados, além da paralisia e do edema facial, a língua plicata.

II - QUADRO CLINICO

A síndrome incide geralmente em adultos jovens, não havendo predominância de sexo ou raça.

O quadro clínico compõe-se de:

a) paralisia facial periférica recidivante,

b) edema de face e

c) língua plicata.

Quando os três elementos do quadro clínico estão presentes, considera-se a síndrome completa, em oposição às formas incompletas, onde falta um dos três elementos componentes.

A paralisia facial periférica é recidivante, unilateral ou bilateral, semelhante à paralisia de Bell e ocorre em 40 a 50% dos casos (Vistnes 19). Estudos anatomopatológicos realizados por Kettel (8) em 13 cirurgias demonstraram o nervo facial normal em três casos, edemaciado e abaulado nas deiscências do canal em nove casos e um caso com completa destruição do nervo.

O edema de face surge em 93% dos casos (Vistnes 19) e se localiza em área inervada pelo VII par, principalmente nos lábios. Pode ser recidivante, ou seja, com regressão entre os ataques subseqüentes, ou primariamente crônico, não havendo remissão do edema. O seguinte quadro histopatológico é descrito no tecido removido dos lábios: edema de tecido conectivo e muscular, congestão vascular e infiltrado linfocitário perivascular com ausência de tecido de granulação específico (Kéttel 8, Kissel 9, Grupper 7).

A língua plicata é um sinal primário, sendo encarada como um estigma de degeneração. Ocorre em 22 a 40% dos casos (Vistnes l9). Nos dados obtidos em interrogatório de antecedentes familiares, encontra-se presente a língua plicata em parentes próximos do paciente, assim como a predisposição familiar para a paralisia facial periférica.

III - ETIOPATOGENIA

Baseando-se nos dados obtidos no quadra clínico e nos obtidos no tratamento empírico, alguns autores aventaram algumas teorias etiológicas.

Considerando a localização do distúrbio, região inervada pelo VII par, alguns autores descreveram uma teoria neurovegetativa, onde a síndrome ocorreria por distúrbios das fibras parassimpáticas do gânglio geniculado (Kettel 8). Baseados na boa resposta obtida no tratamento da paralisia facial com corticóides, além de um autor haver encontrado em pacientes reações sorológicas semelhantes às da toxoplasmose, outros autores aventaram uma teoria alergo-imunológica (Baran 2). Existe ainda uma teoria infecciosa (Degos 5) e outra traumática (Grupper 7).

Mas, pelos levantamentos bibliográficos realizados, observamos que a teoria que apresenta maior número de dados que corroborariam para a sua aceitação é a teoria hereditária.

A descrição de casos familiares da síndrome data desde o início de sua descrição (Rosenthal 1931 - 16, New e Kirch 1933 - 14, Ekbon 1950 - 6, M idana 1958 - 13, Scott 1964 - 17, Kunstadter 1965 - 10, Carr 1966 - 4, Ligidakis 1979 - 11), sendo que Kissei (9), realizando um trabalho de revisão sobre os casos familiares descritos, encontrou a língua plicata como o sintoma de maior incidência, seja nos pacientes, seja nos familiares.

A língua plicata é isoladamente uma anomalia hereditária dominante de forma irregular (Carr 4). Sua incidência na população em geral é de 0,5% subindo a 4% nos pacientes com paralisia de Bell, sendo que 75% desses apresentam uma paralisia facial recidivante, o que provavelmente não ocorre por acaso (Vistnes e Kernaham 19).

Kissel (9) considera a língua plicata um sintoma de tal forma importante dentro da teoria hereditária que sugere que as formas tri-sintomáticas da síndrome sejam chamadas de Melkersson-Rosenthal e sua etiologia seja considerada hereditária; aquelas onde não haja língua plicata e onde o questionário genético resulte negativa sejam chamadas de Melkersson; nestes casos dever-se-ia pesquisar outras etiologias.

Observa-se entre os autores americanos e europeus a tendência de considerar a etiologia mais provável da síndrome uma disfunção do sistema nervoso autônomo, cuja causa poderia ser uma doença hereditária (Carr 4).

A maioria dos autores está de acordo que a síndrome de Melkersson-Rosenthal parece ser uma doença hereditária gênica, transmitida de modo autossômico dominante com penetrància variável. Porém, Amblard (1) descreveu um caso da síndrome onde foram encontradas alterações cromossômicas, e, apesar de a paciente ser oligofrênica, persistia a dúvida quanto ao quadro que esta alteração poderia estar gerando.

Baseando-se neste trabalho (Amblard 1) e na necessidade de estudar-se a teoria etiológica hereditária expressa por vários autores (Ligidakis 11, Carr 4, Kissel 9, Amblard 1) resolvemos realizar cartograma e estudo do dermatoglifo em nossos pacientes com suspeita de síndrome de Melkersson-Rosenthal.

IV - APRESENTAÇÃO DE CASOS

Apresentamos, a seguir, oito casos com diagnóstico provável de síndrome de Melkersson-Rosenthal vistos na Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, nos últimos quatro anos (Tabela 1).


TABELA I- Exames subsidiários realizados: audiometria tonal + supraliminar (Lusher-Sisi-Decay) exame otoneurológico com pesquisa de pares cranianos e eletronistagmografia com provas calóricas.



V -ACHADOS HISTOPATOLOGICOS

Os casos números 1 e 2, que apresentavam edema labial, foram submetidos a biópsia para estudo anatomopatológico.

O caso número 1 (Fig. 1) exemplifica o edema na sua forma aguda. No corte histopatológico observam-se glândulas salivares menores envoltas por um infiltrado inflamatório linfo-histiocitário.

O caso número 2 (Fig. 2) é representativo do edema labial na sua forma crônica, sendo a histopatologia semelhante à do caso anterior, diferenciando-se apenas quanto ao infiltrado inflamatório, neste caso com características de um infiltrado crônico. Estes achados histopatológicos são semelhantes aos descritos por Kettel (8), Kissel (9) e Grupper (7).




Fig. 1 - Corte histopatológico de tecido obtido de biópsia labial do caso número 1, edema labial em fase aguda.



Fig. 2 - Corte histopatológico de tecido obtido de biópsia labial do caso número 1, edema labial em fase crônica.



VI -TRATAMENTO

Como a etiologia da síndrome é desconhecida, o tratamento só pode ser sintomática.

No caso da paralisia facial, devido à sua semelhança com a paralisia de Bell, orienta-se o tratamento de forma também semelhante (Rintala 15):

1. Tratamento clínico - é o tratamento inicial. A corticoterapia em doses antiinflamatórias acompanhada de drogas vasodilatadoras é a orientação mais aceita.

2. Tratamento cirúrgico - a descompressão cirúrgica do nervo facial é indicada em duas eventualidades (Canale 3). Em primeiro lugar, nos casos em que a resposta à terapêutica clínica não é satisfatória e começa-se a observar sinais de degeneração do nervo. Em segundo lugar, nos casos em que aparecem múltiplas recidivas da paralisia facial. Nestes casos, visa-se prevenir novas reincidências. Deve-se salientar, porém, que episódios ulteriores podem ocorrer mesmo após a descompressão cirúrgica, como demonstrou Streeto (18).

Com respeito ao edema de face, dois aspectos devem ser ressaltados (Rintala 15):

a) Tratamento da afecção aguda - deve-se cuidar para que não ocorram rachaduras de pele ou de tecidos vizinhos, utilizando-se sacos de gelo, cremes etc.

b) Tratamento da afecção crônica - a finalidade de todos os tratamentos propostos é reduzir o edema, seja através de excisão ou fibrose. Para fibrosar o tecido edematoso, foram propostas injeções de água fervente, injeções de corticóide, crioterapia, radioterapia etc. A plástica corretiva parece ser o melhor tratamento para o edema estacionário (Rintala 15), apesar de, como salientam New e Kirch (14), correr-se o risco de novas recidivas.

VII - DISCUSSÃO

Kissel (9) realizando uma revisão sobre a síndrome de Melkersson-Rosenthal apresenta 23 casos com a descrição de 44 familiares que apresentam alguma evidência da triade sintomática. Em nosso trabalho, são apresentados oito casos, com 16 familiares. Uma comparação entre nossos casos e a revisão feita por Kissel (9) é feita nas Tabelas . II e III onde aparece o percentual de cada elemento da tríade sintomática nos pacientes e nos familiares.


TABELA II



TABELA III



Pelo estudo das tabelas apresentadas, observamos que a língua plicata é o sintoma da tríade que aparece com maior incidência nos pacientes e nos familiares, tanto nos casos apresentados por Kissel (9) como em nossos casos. Este fato mais uma vez evidencia a importância da língua plicata dentro da teoria etiopatogênica hereditária (Fig. 3).

Outro dado interessante que observamos em nossos casos foi a alta incidência de diabetes em elementos da família de vários pacientes. Um estudo rigoroso deste fato nos parece ser importante.

É oportuno salientar que os dados obtidos sobre os casos familiares nos foram fornecidos pelos pacientes, sendo que estes, muitas vezes, não eram capazes de nos fornecer informações mais precisas de outros casos familiares por falta de conhecimento ou de observação. É muito provável, portanto, que uma investigação minuciosa dos familiares destes pacientes nos possibilitasse a verificação de um maior número de casos e de uma maior incidência de elementos da síndrome.

Em todos os casos por nós apresentados, o tratamento proposto, quando na vigência do quadro de paralisia facial, foi a corticoterapía sistêmica. Com este tratamento, obtivemos regressão dos quadros de paralisia facial em todos os pacientes, com exceção do caso número 1 (Fig. 4). Esta paciente apresentou um segundo episódio de paralisia facial que, apesar da corticoterapía, começou a demonstrar sinais de degeneração do nervo.



Fig. 3 - Aspecto característico de língua plicata.



Diante de tal quadro, foi realizada a descompressão cirúrgica da segunda e terceira porções do nervo facial, tendo sido observado o nervo com aspecto normal. O acompanhamento pós-operatório até o segundo mês não revelava qualquer alteração do quadro de paralisia facial. Posteriormente, perdemos o contato com a paciente.

Com relação ao edema de face que apareceu em três pacientes nossos, obtivemos regressão total do edema apenas com a corticoterapía sistêmica pelo quadro de paralisia facial em dois casos; o caso número 2 (Fig. 5) apresentou edema bilabial que evoluiu para a forma crônica, permanecendo inalterado por um período de dois anos. Este paciente foi submetido a cirurgia plástica labial com ressecção de parte do vermelhão labial superior e inferior. O acompanhamento pós-operatório de um ano não revelou qualquer recidiva do edema.

No caso número 3, a paciente vem apresentando uma evolução de múltiplas recidivas da paralisia facial. Este quadro se manifesta sempre em hemi face esquerda, com episódios de curta duração (até uma semana) e períodos de acalmia variáveis (de poucas semanas a três meses). O grau de paresia facíal é também variável. A evolução nos parece independente da corticoterapia, sendo que atualmente esta paciente é mantida sem corticóides numa conduta expectante.



Fig. 4 - Caso número 1; observam-se sinais de paralisia facial e edema labial inferior em forma aguda.



Fig. 5- Caso número 2; observa-se edema bilabial em forma crônica.



VIII - CONCLUSÃO

A sindrome de Melkersson-Rosenthal é provavelmente uma doença hereditária de transmissão gênica. A presença significativa de familiares com aspectos da sindrome, descrita por vários autores e por nós também observada, é o principal elemento que nos leva a esta conclusão.

Apesar de Amblard (1) ter descrito um caso com alterações cromossômicas, o cariótipo, por nós realizado em nossos oito casos, não revelou quaisquer alterações. Este achado é coincidente com o estudo do cariótipo realizado por Lygidakis (11) em seu paciente e vem a reforçar a idéia da provável transmissão gênica da doença.

RESUMO

São apresentados oito casos diagnosticados como síndrome de Melkersson-Rosenthal, onde são evidenciados os aspectos hereditários da moléstia. Procedeu-se, nestes casos, a um interrogatório sobre a incidência de sintomas da síndrome em familiares e a um estudo do cariótipo. Diante da grande incidência de familiares com sintomas da sindrome, vistos nesta série e na literatura, e, diante dos achados de cariótipos normais nestes casos, os autores concluem ser a síndrome de Melkersson Rosenthal uma doença hereditária de provável transmissão gênica.

ABSTRACT

Eight cases diagnosed as Melkersson-Rosenthal's Syndrome are shown with evidente of lhe hereditary aspects of lhe disease. An interrogaóry about the incidente of the symptons of the Syndrome among the relatives was done as well as a study o the karyogram. Due to lhe high incidente of elatives with symptons of the Syndrome seen in this series and in lhe literature and due to the normal Kariograms found in theese cases, the autores concluded that the Melkersson Rosenthal s Syndrome is a hereditary disease of probable genic transmission.

BIBLIOGRAFIA - Síndrome de Melkersso

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4. CARR, R.D. - Is the Melkersson-Rosenthal's syndrome hereditary? Arch. Derm., 93:426, 1966.

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18. STREETO, J.M. - Melkersson's syndrome: Multiple recurrence of Bell's palsy and episodic facial edema. N. Engl. J. Med. 271:308, 1964.

19. VISTNES, L.M. e KERNAHAN, D.A. -The Melkersson-Rosenthal syndrome. Plast. Reconstr. Surg., 48:126, 1971.




1 - Professor Assistente Doutor da Faculdade de Medicina da USP, Diretor do Setor de Otoneurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
2 - Professor Adjunto e Chefe da Clinica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da USP.
3 - Médico Residente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
4 - Médico otorrinolaringologista.

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