Versão Inglês

Ano:  1982  Vol. 48   Ed. 1  - Janeiro - Março - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 16 a 27

 

ESTUDO AUDIOMÉTRICO EM OPERARIOS, DA SECÇÃO DE "TESTE DE MOTORES", DE UMA INDOSTRIA AUTOMOBILISTICA

Autor(es): EDIGAR REZENDE DE ALMEIDA 1
ANTONIO CARLOS DE CAMPOS 2
AROLDO MINITI 3

Numerosos trabalhos sobre trauma acústico têm sido publicados, sendo este problema já conhecido por Weber (1862), Baver (1962), Fresbroke (1930) e Bunch (1935), citados por Barreto Sobrinno & Heshiki (1967). Todavia na opinião de Marone (1969), parece ter sido a partir de 1957 que surgiu maior contingente de pesquisas que trataram das ações do ruído no organismo em geral e no terreno psíquico.

O ruído além de trazer malefícios para o lado da audição, com graves repercussões sócio-econômicas, atinge também outras esferas do organismo. Podemos dizer, segundo Marone (1969), que não há órgão, aparelho ou sistema invulnerável ao barulho, mesmo, e principalmente o setor psíquico.

Seria aqui oportuno, em nosso entender, dar um dos conceitos de ruído de acordo com Andrés (1969): "o termo ruído expressa uma sensação subjetiva auditiva, originada por um movimento vibratório e propagado através de meios sólidos, líquidos ou gasosos, com uma velocidade diferente segundo o meio empregado em sua propagação; psicologicamente entendemos por ruído uma sensação auditiva desagradável"

Apenas para nos situar lembramos, segundo Sebastián (1967), que não existe na natureza ruído algum persistente que tenha mais de 80 dB, exceto as grandes quedas d'água, e é sabido que nas imediações das mesmas não há vida animal superior. Fica assim, pois, demonstrado ser o próprio homem o principal causador.deste poluente, que é o ruído; bem como a evidência,de que mesmo os animais superiores evitam o ruído excessivo, no sentido de preservarem sua higidez e sua espécie.

Este sério problema que a civilização nos trouxe, como é de todos conhecido, tem despertado a atenção de pesquisadores de áreas as mais diversas, bem como de autoridades governamentais, no sentido de se procurar soluções e medidas capazes de minimizar e(ou) controlar o ruído e proteger o homem dos efeitos maléficos da insalubridade sonora. Embora haja uma literatura estrangeira bastante rica sobre o assunto, em nosso meio podemos observar algumas raras publicações anteriores à decada de 1950 e a partir de então já vamos notar um maior número de trabalhos nacionais a respeito de ruído, sendo todavia ainda relativamente reduzidos.

No atendimento de funcionários de várias indústrias, como era de se esperar, casos de surdez profissional se nos apresentam com alguma freqüência.

Dada a atualidade do problema e em vista das características do trabalhador brasileiro, bem como das indústrias instaladas em um país ainda em desenvolvimento, com as peculiaridades próprias de nossa estrutura global, resolvemos fazer um estudo audiométrico em operários, da seção de "teste de motores", de uma indústria automobilística, com o intuito de verificarmos os achados audiométricos obtidos.

LITERATURA

Neste capítulo abordaremos apenas alguns trabalhos, com o intuito de trazer um rápido enfoque sobre o problema do ruído.

Perlman (1941) não acredita ter a intensidade sonora o papel preponderante na produção do trauma acústico, pensando que existem outros fatores extra-sonoros e de qualidade, não de quantidade, que teriam grande importância na lesão do órgão auditivo.

Kryter (1950) é de opinião que as principais alterações devidas ao ruído seriam: falta de atenção, aumento de erros, imprecisão nas respostas e falta de qualidade nas mesmas. Para Lucher (1951) o limite fisiológico de tolerância à intensidade sonora seria de 80 dB; intensidade esta que ainda não provocaria lesão traumática do ouvido.

Todavia Sterner (1952) julga como limites aceitáveis de tolerabilidade as intensidades de 85 dB, sendo mais danosas as freqüências extremas da gama audível, enquanto que as médias seriam as menos prejudiciais.

Ao estudar o problema do trauma industrial, Fox (1952) aceita como determinantes da lesão traumática do ouvido os seguintes fatores: intensidade, freqüência, período de exposição ao ruido, susceptibilidade individual, idade, doenças aurais pregressas, características ambientais, distância em relação à fonte sonora e posição do ouvido em relação à mesma.

Larsen (1952), da mesma forma que Perlman (1941), não atribui à intensidade sonora importância preponderante na produção do trauma acústico.

Este mesmo autor ao estudar audiometricamente o que ocorre evolutivamente nos pacientes, submetidos ao ruído, considerou três graus de comprometimento, que são clássicos: Primeiro grau - no inicio não há transtorno auditivo subjetivo e se ouve bem a palavra falada, porém o audiograma mostra uma queda entre 20 a 30 dB no tom 4.000 Hertz. Segundo grau - o audiograma mostra nestes casos maior queda do limiar, a hipoacusia é manifesta, a perda é de uns 40 dB, atingindo já freqüências mais agudas.

Terceiro grau - a queda da curva audiométrica é acentuada, há acufênios e recrutamento intenso, o limiar abaixa até 60 dB ou mais, atingindo grande,extensão da zona tonal. Muitos pacientes somente neste grau se dão conta exata de seu problema (Fig. 1).



Fig. I - Graus de trauma acústico.



Larsen (1953) cita como fatores determinados do trauma sonoro o tempo de exposição ao trauma, a qualidade do ruído, a freqüência, condições do paciente (constituição individual, doença aural prévia, uso de protetores, idade etc.).

Monteiro (1954) lembra que como todos os estímulos que atuam intensamente sobre o organismo como: fome ou sede, frio ou calor, excessos mentais ou musculares, vibrações e ruídos são capazes de desencadear a fadiga, com todas aquelas modificações fisiológicas, histológicas e bioquímicas que a mesma acarreta.

Ainda o mesmo autor, no trabalho "Surdez profissional em radiotelegrafista de vôo", dentre as várias conclusões a que chegou, refere ser de opinião que a idade, dentre outros fatores, contribui para aumentar a baixa de audição.

Lembra Correa (1957) a possibilidade de as vibrações sonoras e outros agentes atingirem a orelha interna através do esqueleto, sendo conduzidos pelo solo ou pelo contato manual com instrumentos ruidosos, como os martelos rebitadores.

Com relação à lesão e ao tempo de exposição, Monteíro, Penna & Manceau (1958) verificaram que a freqüência de lesões graves está diretamente relacionada com o tempo de exposição e que o limiar médio de comprometimento auditivo atinge seu valor máximo na freqüência de 4.000 Hertz. Corse (1959) refere que os homens, sob a ação do ruído, têm seu aparelho auditivo mais afetado do que o das mulheres, ocorrendo perdas auditivas em idades mais precoces no homem e com maior grau de comprometimento.

Maggiorotti (1959) conclui de seus achados que o déficit acústico por exposição a intensidades sonoras idênticas é mais raro na mulher e que os déficits importantes são igualmente muito mais freqüentes nos homens do que nas mulheres.

Para Ledoux & Depare (1961), 90 dB corresponderia a uma intensidade sonora crítica para o ouvido humano.

No trabalho sobre "Trauma sonoro entre o pessoal de vôo da Aviação Aérea Riograndense", Pinto (1962) conclui ser a sensibilidade individual fator de grande importância no que diz respeito ao trauma sonoro.

Sebastián (1967) considera trauma acústico toda lesão produzida no ouvido interno, determinada por impactos sonoros persistentes, como os da indústria, estampidos, ruídos demasiado intensos e explosões.

Segundo o mesmo autor, para se produzir um trauma acústico, haveria necessidade de intensidades superiores a 80 dB, pois o mesmo acredita ter o ouvido mecanismos suficientes de proteção para intensidades de até 80 dB.

Para Sebastián (1967) a intensidade sonora desempenha o papel mais importante do trauma, chegando a dizer que o trauma acústico está em relação direta com a duração da intensidade do ruído.

O autor valoriza também a composição tonal, e segundo ele os agudos trazem maiores malefícios que os graves e daqueles o tom 8.000 Hertz seria o que mais lesões produz. Sebastián (1967) lembra que nem sempre se produz um trauma do mesmo modo nem no mesmo tempo; existiria uma grande variação individual, e, enquanto uns operários, em poucos meses, apresentam-se ao otologista com um trauma de segundo ou terceiro grau, outros ao contrário, que trabalham no mesmo ambiente ruidoso durante anos, mostram apenas o início da queda em pico sobre o tom 4.000 Hertz. Seria portanto muito interessante pesquisar a resistência, ou a labilidade coclear, nos candidatos a trabalho em ambientes ruidosos, com intensidades de 80 ou mais dB.

O autor, portanto, preconiza para os candidatos a trabalhos em ambientes ruidosos, que se submetam a provas de labilidade ao trauma acústico.

Todas estas provas estão baseadas no fenômeno de fadiga pós-estimulatória, ou seja, na queda do nível auditivo que se produz imediatamente depois de haver sido submetido o ouvido a um som contínuo.
São citadas pelo autor as provas de Peyser, Theilgaard, Wilson, Grisen, Falconet e Alavoine, Wisner, Huizing e a prova de Gadner.

No trabalho "Surdez profissional", Barreto Sobr° & Heshiki (1967), em 12 casos, verificaram que 11 curvas audiométricas da orelha direita acompanharam as do lado oposto, com relação à perda sensorial. Em um caso houve perda acentuada da audição óssea à direita e menor queda à esquerda.

Estes autores, para caracterizar o fato susceptibilidade individual, relatam dois casos
por eles estudados. Citam um caso de 46 anos de idade e que no primeiro teste realizado, com cinco anos de serviço, apresentou 5 dB de perda óssea em 4.096 Hertz bilateral; três anos após o audiograma mostrou 10 dB de perda no ouvido direito e 15 dB no ouvido esquerdo. Este caso segundo os autores sugere certa resistência de perda auditiva ao trauma sonoro.

Por outro lado citam um segundo caso com 28 anos de idade, que ao primeiro teste realizado, após dois anos de ingresso na companhia, mostrou perda auditiva bilateral de 45 dB em 4.069 Hertz, agravado para 55 dB no segundo teste realizado três anos após.

Segundo Andrés (1969) as alterações psicomotoras, produzidas pelo ruído, teriam um efeito muito evidente na produção de acidentes de trabalho, já que a falta de atenção e irritabilidade, ao lado da falta de audição para sinais de perigo ou avisos, seriam causa da elevação do número dos mesmos nestas indústrias.

No trabalho "Problemas da insalubridade sonora em São Paulo", Marone (1969), além de apresentar uma elaborada revisão bibliográfica, analisou os níveis de intensidade sonora em grupos escolares, hospitais e escritórios bancários.

Dentre suas conclusões gostaríamos de relembrar três delas:

1 - A necessidade de se estabelecer níveis de tolerância sonora para cada tipo de trabalho e de ambiente: fábrica, hospital, escola, escritório etc.

2 - Em ambientes nos quais se exige concentração mental e comunicabilidade verbal, e em ambientes hospitalares os níveis de intensidade sonora permitidos devem ser menores do que os de ambientes de trabalho material.

3 - A necessidade de promover campanhas educativas sobre os malefícios da insalubridade sonora e os meios de combatê-la.

MATERIAL E MÊTODO

CASUISTICA - nossa casuística é constituída de 102 operários, que trabalham na seção "teste de motores" de uma indústria automobilística localizada no Estado de São Paulo.

Foram incluídos no presente estudo funcionários que contavam com um mínimo de seis meses de trabalho até aqueles com um máximo de 17 anos (Tabela I).

Foram excluídos de nossa casuística todos os funcionários com patologia de ouvido externo e(ou) de ouvido médio.

Todos os 102 casos estudados apresentaram otoscopia normal e na ficha pré-admissional todos eles negaram sintomas, sinais ou patologia do aparelho auditivo.


Tabela I - Distribuição dos funcionários com relação ao tempo de trabalho.



Na seção "teste de motores" da referida indústria trabalhavam 117 operários, sendo que 15 deles não foram incluídos em nossa análise, três por apresentarem patologia de ouvido externo e(ou) ouvido médio e 12 porque não se encontravam, momentaneamente, na indústria, por ocasião da pesquisa, ou por terem suas audiometrias extraviadas.

Todos os examinados são do sexo masculino e as idades extremas variaram de 19 a 52 anos (Tabela II).


Tabela II - Distribuição dos grupos etários examinados.



Os operários da referida seção trabalham normalmente oito horas diárias, sendo que a quase totalidade deles fazem horas extras. Características do ambiente de trabalho - a seção "teste de motores" está localizada no interior de um grande prédio e ocupa um salão numa das extremidades do prédio.

O salão tem uma área de 522 metros quadrados, com 58 metros de comprimento por nove de largura e seis metros de pé direito. Na parede externa do salão há 12 grandes vitrôs e na interna há quatro grandes passagens de comunicação com a parte interna do prédio.

As paredes são revestidas a partir de 2 metros de altura com material acústico, o piso é de cimento e ó teto é o próprio telhado do edifício.

Neste salão estão dispostas duas fileiras paralelas de suportes para motores, sendo que cada uma delas tem 10 suportes equipados para os testes. .

Esta seção é bem ventilada e normalmente funciona 24 horas por dia durante toda semana, e o número de motores testados simultaneamente é variável no decorrer do período, de acordo com a dinâmica operacional.

Os funcionários normalmente operam a uma distância média, aproximada de um metro dos motores testados.

Medição da intensidade sonora - as medidas de intensidade sonora, no local de trabalho, foram efetuadas utilizando-se o decibelômetro "Bruel & Kjoer; type 2203 - Copenhagen", na escala B.

Realizamos a medição da intensidade sonora em seis pontos diferentes do ambiente de trabalho e a menor intensidade registrada foi de 99 dB e a maior de 107 dB, junto a.um operador, quando seu motor e alguns outros próximos estavam em aceleração máxima.

Técnica audiométrica utilizada - as audiometrias foram realizadas com um audiômetro Kamplex modelo DAL, calibrado pelo padrão ISO-1964.

Os exames foram realizados pela fonoaudióloga do Serviço de ORL da empresa, em cabine acústica, apropriada para este tipo de exame.

Foram pesquisados os limiares tonais, nas vias aérea e óssea em todos os pacientes e em alguns deles foram efetuadas provas supralimiares.

As audiometrias com limiares aéreo-ósseos inferiores a 20 dB foram consideradas normais e as com limiares superiores a 20 dB foram consideradas alteradas.

Nos casos estudados os limiares aéreo-ósseos foram praticamente iguais, pois todos os examinados com disacusia de condução, ou seja, aqueles que apresentavam patologia de ouvido médio foram excluídos do estudo. As audiometrias foram realizadas no período da tarde, quando os operários eram chamados de sua seção de trabalho e aguardavam de 30 a 60 minutos para se submeterem ao exame audiométrico.

RESULTADOS

Para facilitar a compreensão de nossos achados, nós os apresentaremos sob a forma de tabelas, para posterior análise. Inicialmente agrupamos os operários da seção "teste de motores", segundo o tempo de exposição ao ambiente de trabalho e obtivemos o seguinte (Tabela III).


TABELA III - Operários da seção "teste de motores", segundo o tempo de exposição ao ambiente de trabalho.



Com relação ao sexo todos os funcionários eram do sexo masculino e as idades extremas foram de 19 a 52 anos e nós os apresentaremos na Tabela IV.


Tabela IV - Distribuição dos operários da seção "teste de motores", segundo os grupos etários examinados e não examinados audiometricamente com as respectivas percentagens.



Os exames audiométricos com relação ao tempo de exposição ao ambiente de trabalho revelaram os achados catalogados na Tabela V.

Na Tabela VI apresentaremos um quadro, mais geral, onde mostraremos segundo o periodo de exposição ao ambiente ruidoso de trabalho, uma distribuição dos funcionários examinados e não examinados, bem como os resultados audiométricos.

Os exames audiométricos dos vários grupos etários apresentaram os resultados da Tabela VII.

As audiometrias revelaram disacusia neuro-sensorial, praticamente simétrica, em ambos ouvidos, tanto no direito como no esquerdo, de 50 funcionários. Em dois encontramos disacusia neuro-sensorial em um ouvido, no caso de registro n 39938, a mesma era do ouvido esquerdo e no caso de registro n° 22027 era do ouvido direito.

Em 51 dos examinados com disacusia neuro-sensorial a queda auditiva na freqüência de 4.096 Hertz foi marcante, e em um caso (Reg. 24607) a queda mais pronunciada, em ambos ouvidos, foi na freqüência de 2.048 Hertz.


Tabela V - Achados audiométricos com relação ao tempo de exposição ao ambiente de trabalho



Tabela VI - Distribuição dos operários examinados e não examinados segundo o tempo de exposição ao ruído e achados audiométricos.



Tabela VII - Achados audiométricos com relação aos grupos etários.



Os casos com disacusia neuro-sensorial, com maior período de exposição ao ruído do trabalho, de uma maneira geral, mostraram ao da Secção controle audiométrico uma evolução que pode de "Teste ser exemplificada pelas audiometrias I, II, III de Motores" do caso de registro 13758, e pelas audiometrias IV, V e VI do caso de registro 24981.




















COMENTÁRIOS

De acordo com a maioria dos autores, Lucher 1951), Sterner (1952) Ledoux & Pepaepe 1961), Sebastián (1967) e outros, as intensidades sonoras capazes de provocar lesões cocleares estariam, de uma maneira geral, acima de 80 ou 90 dB.

Em nosso estudo registramos, no ambiente de trabalho dos funcionários examinados, intensidades sonoras que variaram de um mínimo de 99 dB a um máximo de 107 dB, estando portanto estes operários sujeitos a um dos fatores importantes e indispensáveis para que ocorra o trauma acústico.

A análise da distribuição dos operários da seção "teste de motores" nos mostra (Tabela 111), de uma maneira geral, um decréscimo progressivo da percentagem dos mesmos em função do aumento do tempo de trabalho. Assim temos com período de exposição de 0 a 1 ano 44,73% dos funcionários e de dois a três anos 28,07% dos opeários têm um período de exposição de zero a três anos, percentagem esta bastante significante, quando observamos que com quatro a 17 anos de exposição temos apenas 27,2% dos funcionários.

Estes achados nos chamaram a atenção para o fato de haver nesta seção uma grande rotatividade de funcionários, ou seja, o fato de uma pequena percentagem dos mesmos se fixarem nesta seção. Isso nos leva às seguintes indagações: Esta grande rotatividade seria devida à pouca adaptabilidade do funcionário ao ruído intenso? Seria uma fuga, ao ruído excessivo, consciente ou inconsciente, no sentido de evitarem os malefícios do ruído?; a exemplo do que acontece com os animais superiores, como cita Sebastián (1967)? Estas indagações nos parecem válidas e pela leitura das publicações de Sebastián (1967), Andrés (1969) e Marone (1969) cremos tragam elas uma parcela ponderável de validade. Evidentemente haveria uma percentagem de indivíduos mais "resistentes" ou menos suscetíveis às ações nocivas do ruído, o que explicaria o fato de alguns suportarem melhor a exposição por um longo período de tempo. Com relação ao tempo de exposição ao ruído, a importância deste elemento é lembrada pela quase totalidade dos pesquisadores, Fox (1952), Larsen (1952), Monteiro, Penna & Manceau (1958), Sebastián (1967), Barreto Sobr° & Heshiki (1967).

Em nossa casuística a análise de operários com tempo de exposição que varia de seis meses a 17 anos, mostraram disacusia neuro-sensorial em todos os grupos examinados, com exceção do grupo de 14 a 15 anos, em que havia um só funcionário (Tabela V).

A percentagem de disacusias neuro-sensoriais aumentou progressivamente do grupo de zero a um ano de exposição até o grupo de seis a sete anos, para cair bruscamente no grupo seguinte (22,22%), sendo relativamente alta (85,71% e 66,66%) nos grupos de 10 e 11 anos e de 12 a 13 anos, nula no grupo de 14 a 15 anos e 100% no de 16 a 17 anos (Tabela V). Todavia a análise estatística destes achados não mostrou um aumento progressivo, significativo, do número de funcionários com disacusia neuro-sensorial em função do tempo de exposição ao ruído. Este resultado, em nosso entender, nos parece pôr em evidência que o fator tempo de exposição ao ruído, ainda que tenha importância, não é marcante quanto à relação, maior tempo de exposição, maior número de funcionários a apresentarem disacusia neuro-sensorial.

Nosso pensamento, talvez, venha de encontro com a opinião de alguns autores como Perlman (1941) e Larsen (1952) que acreditam na existência de outros fatores extra-sonoros e de qualidade e não de quantidade, que teriam grande importância na lesão do órgão coclear. Corroborando a mesma linha de raciocínio Barreto Sobr° & Heshiki (1967) relatam o fato de dois operários do mesmo ambiente de trabalho, em que um com oito anos de serviço apresentava uma audiometria com 10 dB no ouvido direito e 15 dB no ouvido esquerdo na freqüência 4.096 Hertz; enquanto que o outro mostrava com cinco anos de exposição ao ruído 55 dB, em ambos ouvidos, na freqüência de 4.096 Hertz.

Do exposto, podemos inferir, e somos de opinião que o fator individual exerça um papel ponderável preponderante dentre os vários fatores que atuam no trauma acústico. Ainda com relação ao maior tempo de exposição ao ruído, a análise de nossos resultados mostraram, de uma maneira geral, um agravamento da disacusia neuro-sensorial (aud. 1, 11, 111 e IV, V, VI) uma vez já instalado o processo lesivo coclear. Isto significa que naqueles indivíduos, que sob a ação do ruído já apresentavam lesão do tipo trauma acústico, estas lesões se agravam progressivamente com o tempo de exposição.

Este achado também está de acordo com os da maioria dos autores, Fox (1952), Larsen (1952), Monteiro & Penna e Manceau (1958), Sebastián (1967), Barreto Sobr° & Heshiki (1967) e outros.

A distribuição dos vários grupos etários da seção estudada nos mostrou que 81,57% dos funcionários estão na faixa de 20 a 40 anos, 3,5% na faixa de 10 a 20, 14,03% na faixa de 40 a 50 e 0,87; na faixa de 50 a 60 anos (Tabela IV).

Gostaríamos apenas de lembrar que o maior contingente está dentro de uma faixa relativamente jovem, a que, de um modo geral, suporta melhor o poluente sonoro. Talvez aqueles achados tenham alguma correlação, além de vários outros fatores, com aqueles inerentes ao tempo de exposição e(ou) a capacidade maior ou menor dos indivíduos de suportarem períodos mais ou menos longos em ambientes ruidosos.

O estudo de nossos achados audiométricos em relação às idades ou aos grupos etários (Tabela VII) mostrou a partir de 20 aos 60 anos um aumento progressivo do percentual de operários com comprometimento do aparelho auditivo. Estes achados estão plenamente de acordo com a opinião da maioria dos autores, como por exemplo, Fox (1952), Larsen (1953), Monteiro (1954) e outros.

Audiogramas, praticamente simétricos em ambos ouvidos foram encontrados em 50 dos 52 casos que apresentaram comprometimento auditivo. Estes resultados estão concordes com os obtidos por Barreto & Heshiki (1967), o que mostra de uma maneira bastante evidente que a lesão, na maioria dos casos, ocorre em ambos os ouvidos e de uma maneira simultânea.

Com relação às freqüências observamos, em 51 dos 52 casos, queda marcante na freqüência de 4.096 Hertz, o que está completamente de acordo com a opinião geral dos autores. Encontramos um caso (Reg. 24607) com queda pronunciada, em ambos ouvidos, na freqüência de 2.048 Hertz, também em forma de "gota" ou "buraco" e não encontramos explicação satisfatória para o caso.

No que diz respeito ao sexo e trauma sonoro, como vimos em páginas anteriores, o homem, segundo os autores citados no capitulo literatura, seria mais vulnerável ao poluente sonoro do que a mulher; em nosso estudo examinamos apenas funcionários do sexo masculino, fato este que, felizmente, nos permitiu trabalhar com dados mais homogêneos para fins comparativos e de relação.

A observação dos resultados gerais, obtidos pelo exame dos 102 funcionários, nos mostrou que 50 deles, ou seja, 49,01% apresentaram audiograma normal e 52, ou seda, 50,98% apresentaram disacusia sensorial, como podemos observar nas tabelas V, VI e VII. A percentagem de funcionários com comprometimento auditivo é relativamente alta (50,980, ainda mais se levarmos em consideração os vários fatores já mencionados, e isto nos mostra a gravidade e a importância do trauma sonoro nos ambientes industriais ruidosos.

Em vista das observações e comentários, previamente expostos, somos de opinião que o fator individual, ou seja, a susceptibilidade individual seja um dos elementos mais importantes capazes de propiciar o aparecimento do trauma sonoro.

Estamos plenamente de acordo com Sebastián (1967), quando este autor preconiza para os candidatos a trabalho, em ambientes ruidosos, a realização prévia de provas de labilidade ao trauma acústico.

Acreditamos serem estas provas de extrema utilidade nos exames pré-admissionais de candidatos a trabalho em ambientes ruidosos e achamos que as mesmas devem ser efetivadas, sempre que possível, a fim de que se possa, dentro de certas limitações, prevenir um possível trauma acústico.

Ainda no que diz respeito à prevenção do trauma sonoro acatamos fielmente o que diz Marone (1969) "Há necessidade de promover campanhas educativas sobre os malefícios da insalubridade sonora e os meios de combatê-la", acreditamos seja esta uma das maneiras mais eficaz, correta e segura de combater este mal que dia a dia mais e mais intranqüiliza nossas populações.

RESUMO

Os autores Fazem um estudo audiométrico de 102 operários que trabalham na seção de "teste de motores" de uma indústria automobilística. Foram analisadas as características do ambiente de trabalho, realizadas medições das intensidades sonoras, constatando a mínima de 99 dB e a máxima de 107 dB.

Foram estudadas a distribuição dos operários com relação ao tempo de trabalho, os achados audiométricos e o tempo de exposição ao ruído, a correlação dos vários grupos etários, bem como as freqüências mais afetadas nos audiogramas obtidos.

Encontrou-se disacusia sensorial em 52 operários dos 102 examinados, ou seja, em 50,98%, o que mostra a gravidade e a importância do trauma sonoro nos ambientes industriais ruidosos.

RESUMÊE

Les auters font étude audiométrique en 102 ouvriers d'une industrie automobiliste, dans la section "teste de moteurs ".

Les caracteristiques de "Venvironement" du travail ont éte analisées et les meditions de 1'intensitée sonore ont montré un niveaux minimum de 99 dB et un niveaux maximum de 107 dB.

Les parametres suivants ont été aussi etudié: distribuiiion des ouvriers en rapport le temps de travail, turbe audiometriques en rappórt le temps, d'exposition, les frequentes plus afectées dans 1'audiogramme ainsi que Ia correlation avec l'age. Ou a trouvé une disacusie sensorial en 52 ou vriers, c'est à dire 50,98% dá groupe analisé, ce qui montre Ia gravitée et 1'importance du traumatisme sonore dans les ambiances industriels bruyants.

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1 Assistente-Doutor da Clinica Otorrinolaringológica do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
2 Assistente da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
3 Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Chefe de Clinica Otorrinolaringológica do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

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