Versão Inglês

Ano:  1995  Vol. 61   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 380 a 393

 

Estudo das Funções Equipressiva e de Drenagem da Tuba Auditiva e sua Correlação com Resultados Cirúrgicos de Miringoplastia.

Equipressive and Clearence Function Study of the Eustachian Tube and Their Relation With Myringoplasty Surgical Results.

Autor(es): Priscila Bogar*,
Silvio Antônio Monteiro Marone**,
Ricardo Ferreira Bento***,
Aroldo Miniti****

Palavras-chave: Tuba auditiva, miringoplastia

Keywords: Eustachian tube, miryngoplasty

Resumo:
O sucesso da miringoplastia depende, entre outros fatores, da função da tuba auditiva. Neste estudo, avalia- se a função tubária em trinta doentes portadores de otite média crônica simples com indicação de miringoplastia, pré-operatoriamente, para verificar a relação entre função tubária e resultados cirúrgicos. A função equipressiva é avaliada através da prova de insuflação e desinsuflação, e a função de drenagem através da instilação de tecnécio na orelha média. A prova de desinsuflação é o melhor teste de função tubária empregado neste estudo. Mas a disfunção tubária não contra-indica a cirurgia, pois nem todos os doentes com disfunção nesta prova tiveram maus resultados cirúrgicos.

Abstract:
The success of myringoplasty depends on the Eustachian tube function, among others. In this study, the Eustachian tube function is analized in 30 patients with chronic otitis media with indication of myringoplasty, before surgery, in order to verify the relation between the Eustachian tube function and the surgical results. The equipressive function is analized through the insuflation and deflation test, and the clearance function by means of instilation of tecnecium in the middle ear. The insuflation test is the best test employed in thisstudy forsurgical prognosis. But the disfunction in this test does not contra-indicate the surgery, because not every patient with disfunction in this test had poor surgical results.

INTRODUÇÃO

A miringoplastia é considerada procedimento de rotina em nosso meio. A porcentagem de incorporação do enxerto relatada na literatura varia de 53% à 97%1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8.

A função anormal da tuba auditiva (TA) é um dos fatores mais importantes na patogênese da doença da orelha média. A grande maioria dos pacientes com otite média crônica (OMC) tem ou teve no passado anormalidade funcional da TA que pode levar secundariamente à doença de mucosa da orelha média. A infeção é secundária a refluxo, aspiração ou migração das bactérias da rinofaringe para a orelha média. A inflamação (infeção ou alergia) pode também causar obstrução mecânica intrínseca da TA. Número reduzido de doentes podem ter doença primária da mucosa como resultado Ale alergia ou, mais raramente, anormalidade do sistema ciliar, como na Síndrome de Kartagener9.

SIEDENTOP afirmou que o grau de funcionamento da TA é diretamente proporcional ao sucesso ou fracasso de cirurgias otológicas, e que a avaliação pré cirúrgica do doente. eleve incluir estudo da função tubária10.

A disfunção tubária tem sido considerada como fator responsável rio fracasso de miringoplastias. O funcionamento adequado da TA é parte integrante da fisiologia normal da orelha média c, portanto, essencial para bons resultados cri] miringoplastias. Portanto, testes pré-operatórios ele função tubária são (te maior interesse, principalmente se estes testes nos fornecerem a estimativa de obtenção de resultado satisfatório cm miringoplastias.

No intuito de prever o resultado cirúrgico em miringoplastias, vários autores têm estudado a função da TA antes da cirurgia. Nenhum teste existente consegue por si só avaliar todas as funções da TA em condições fisiológicas11.

Neste trabalho, foram estudados doentes portadores de OCM, com indicação de miringoplastias no período de 1991 :a 1993. Foram realizados testes de avaliação das funções equipressiva e de drenagem tubária, no período pré-operatório, e os relacionamos com os resultados cirúrgicos de miringoplastia. Os objetivos do presente. trabalho são:

1- Determinar se os testes tubários pré-operatórios empregados têm valor prognóstico em miringoplastia;

2- Correlacionar os resultados cios testes entre si;

2- Determinar o melhor teste para o prognóstico;

3- Verificar se. a associação de 2 ou mais testes aumenta o grau de acerto do prognóstico cirúrgico.

O papel da TA na gênese das OMC é ainda objeto de discussão, e o valor de sua função no prognóstico de cirurgias reconstrutivas da orelha média permanece incerto.

BEBFAR e D'ARC afirmaram que a TA exerce papel fundamental na patogênese dar OMC e no prognóstico cirúrgico. Enfatizaram que o tratamento da disfunção tubária, no momento restrige-se ao tratamento de patologias alérgicas e obstrutivas, limitas vezes não resolvendo a disfunção. Concluem que, quando o tratamento definitivo da disfunção tubária for descoberto, o progresso será tão importante quanto o uso do microscópio em cirurgia otológica12.

A TA tem as funções de atração, drenagem e proteção da orelha média contra agentes da rinofaringe13. A avaliação da função tubária vem sendo estudada rio pré-operatório de miringoplastias e timplanopastias por vários autores. Citaremos somente os autores que estudaram a função tubária através dos membros testes que empregamos para o nosso estudo.

Insuflação/ Desinsuflação

As provas de insuflação e desinsuflação foram largamente utilizadas para a avaliação da função tubária em doentes com perfuração timpânica após os estudos de FLISBERG et al.14, modificado por MILLER15. O teste mede a capacidade da TA de equilibrar pressões positiva ou negativa induzidas na orelha mídia através da deglutição. Estes autores desenvolveram técnica onde o conduto auditivo externo era vedado, um catéter era ligado a manômetro e também a transdutor de pressão. Pressões de 500mm de água eram oferecidas para a abertura da TA, Em doentes normais, após deglutições, a pressão voltava a zero. O mesmo procedimento era realizado com pressão negativa de 250mm de água. Foi realizada timpanoplastia em 2,5 doentes após o teste, concluindo que se o paciente equalizava pressões negativas de 250mm de água até 50 mm de água há melhor resultado cirúrgico.

MILLER e BILODEAU16 estudaram a função equipressiva em 22 doentes com otite média crônico simples. Nos doentes com boa função na prova de pressões negativas, o índice de bons resultados cirúrgicos foi de 88%. Nós doentes com boa função, somente na prova de, pressões positivas o índice foi de 33%. E, nos doentes com provas negativas, não houve incorporação do enxerto.

SIEDENTOP et al.17 estudaram 63 ouvidos com perfuração timpânica, corri ou sem colesteatoma, através de provas equipressivas e medição do volume do sisteima aéreo da mastóide. Nos ouvidos com boa função tubária, nas provas equipressivas, 81,1% tiveram sucesso cirúrgico. Em ouvidos com volume maior que 10 em quadrados, o sucesso cirúrgico foi obtido em 87,5%. Quando o doente apresentou boa função tubária e bom volume, o sucesso cirúrgico foi maior que 85%. Bons resultados também foram alcançados quando o volume da mastóide era pequeno, mas com boa função equipressiva. Concluíram que a função equipessiva é mais confiável para predizer o resultado cirúrgico.

HOLMQUIST18 estudou os resultados cirúrgicos de 72 doentes com perfuração central de membrana timpânica, correlacionando com a prova de desinsuflação. No grupo de doentes com boa função tubária, 75% tiveram bons resultados cirúrgicos; já no grupo com hipofunção tubária, 90% tiveram maus resultados cirúrgicos. O autor concluiu que a prova de desinsuflação tem boa correlação com o prognóstico cirúrgico.

MacKINNON19 estudou a função tubária através das provas de insuflação e desinsuflação em 80 doentes antes da cirurgia, classificando a função da TA em 3 graus, dependendo da pressão residual encontrada. Oitenta por cento dos casos operados com classificação da função tubária variando de boa a moderada (pressão residual negativa de - 200nim de água ou menos), tiveram incorporação do enxerto, melhora da audição e cavidade timpânica atirada. Contudo, solvente 29% dos casos operados com função de TA deficiente tiveram sucesso .semelhante. Conclui que o teste de desinsuflação é útil na decisão de quando fechar perfuração através de miringoplastia ou timpanoplastia.

ANDREASSON e HARRIS20 realizaram provas pressóricas em doentes com OMC pré e pós-operatórios ente e não encontraram relação entre os achados pré e pós-operatórios, e tão pouco acharam relação com o resultado cirúrgico, concluindo que a função tubária deficiente na otite crônica pode ser secundária a outros fatores responsáveis pela doença. Afirmaram que a prova de desinsuflação reflete mais a fisiologia normal que a prova de insuflação. Mas relataram que existem dois grandes problemas na prova de desinsuflação. Primeiro, o teste tem duração de 2 a 3 minutos, o que mostra que flutuações de função em períodos de tempo maiores não são captadas. Segundo, alguns indivíduos regulam as pressões negativas por outras maneiras sem ser durante a deglutição, como por exemplo no bocejo, movimentação de mandíbula ou ainda por manobra de Valsalva. Os autores afirmam que a prova equipressiva não tem valor prognóstico em cirurgia de orelha média, já que em ouvidos com incorporação de enxerto há melhora da sua função tubária no pós-operatório.

COHN et al.21 estudaram 92 ouvidos pré-operatoriamente através das provas de insuflação e desinsuflação. Seus resultados sugeriram que a capacidade de reduzir pressão negativa induzida é mais frequentemente associada ao sucesso no fechamento de perfurações. Contudo, a incapacidade da TA em reduzir pressões não prediz falha na incorporação do enxerto ou contra-indica a cirugia. Sugerem que, durante a aplicação de pressão positiva, a abertura espontânea da TA em níveis menores que +150mtn de água pode significar maior índice de sucesso cirúrgico.

SLOTH e LILDHOLDT22 testaram pré-operatoriamente a TA em 157 doentes com otite média crônica simples e colesteatomatosa. A Habilidade em equilibrar pressões negativas e positivas de 200 mm de água, passiva e ativamente, foram testadas. Encontraram 7 vezes mais sucesso cirúrgico em miringoplastias nos doentes que conseguiam equilibrar passivamente pressões negativas de 200 mm de água. Apesar dos resultados, concluíram que estes testes são insuficientes para uso clínico.

Radioisotópicos

Os primeiros autores a utilizarem este método para avaliação da permeabilidade tubária foram LAFAYE et al., em 1974. Os autores estudaram 3 doentes otologicamente normais através da colocação de soro-albumina humana marcada com tecnécio radioativo. O traçador foi visualizado através de sistema de detecção (gama câmara) em todo o trajeto da orelha média à rinofaringe.

Entre nós, GRELLET e IAZIGI24 analisaram a função de drenagem da TA, em doentes com ou sem perfuração timpânica, através da instilação na orelha média de 0,2ml de albumina marcada com tecnécio. Visualizaram a drenagem cio traçador por câmara de cintilação. Concluíram que o método proporciona orientação terapêutica em particular nas indicações cirúrgicas, avaliação tubária após tratamento clínico e no estudo da fisiologia tubária.

NUUTINEN et al.25 pesquisaram a função mucociliar em doentes com perfurações de membrana timpânica traumáticas, com OMC com otorréia e com otite média secretora, através da instilação de 0,01ml de albumina marcada com tecnécio. A drenagem foi monitorizada por meio de gama câmara. Observaram que em TA normais, a velocidade de transporte mucociliar foi de 0,7 a 1,1mm/ min. O transporte mucociliar foi totalmente ausente em doentes com otorréia, com otite média secretora. Concluem que o comprometimento do transporte mucociliar da TA e orelha média tem papel fundamental na patogênese da otite média secretora e da otorréia.

Entre nós, MARONE " estudou a função de drenagem da TA em 38 ouvidos com OMC simples, por meio da introdução de isótopo radioativo (99m Tc). Esta avaliação foi realizada através da introdução de tecnécio (99m Tc) em solução salina isotônica através. da perfuração timpânica, para a observação dinâmica da passagem deste traçador da orelha média em direção à rinofaringe. O tecnécio apresenta meia-vida de 6 horas, perfeitamente compatível com os sitemas de detecção, emissor gama puro e energia de 140keV. O traçador, em solução de NaCl 0,9%, equivale aproximadamente a 500 ?Cl, sob o ponto de vista dosimétrico. Constitui meio fisiológico e não apresenta absorção significante durante o trajeto estudado, sendo mínima a exposição à radiação pelo doente. Era introduzido 0,2 à 0,5 ml da solução através da perfuração timpânica por meio de agulha longa encurvada esterelizada, como auxílio do otoscópio, tomando-se cuidado para que o vol ume injetado não estravazasse para o conduto auditivo externo. Era, então, colocado um algodão hidrófilo na entrada do conduto auditivo externo e posicionada a cabeça do doente. A inclinação de 15 graus era conferida ao colimador e, portanto, a cabeça do doente, de tal modo que o eixo salpingoaticoantral se mantivesse perpendicular à gama câmara, evitando-se superposição de imagens. O doente era colocado em posição supina, com a cabeça imóvel junto ao colimador. Ele era orientado a fazer deglutições em intervalos de 30 segundos aproximadamente, para evitar a fadiga muscular. A análise dinâmica era realizada através do monitor; imagens estáticas eram gravadas em disquetes de 5 em 5 minutos a partir da introdução do traçador. O teste terminava no momento da chegada do traçador na rinofaringe ou após 20 minutos da introdução. Avaliou também a função equipressiva pelo método da insuflação/ desinsuflação. Os resultados mostraram que as duas provas são independentes entre si, isto é, a função equipressiva normal não necessariamente é acompanhada de drenagem normal, e vice-versa. A associação das 2 provas na avaliação da função tubária reduz praticamente a 50% os casos considerados falsos normais, já que alguns doentes apresentam somente um teste normal. As duas provas se completam; com sua associação, permite-se avaliação mais completa do sistema tubo timpânico. E, finalmente, o uso de isótopos radioativos não determina reações colaterais.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Foram estudados 30 doentes portadores de OMC simples, atendidos no Grupo de Otologia da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com indicação de miringoplastia, no período de janeiro de 1991 a dezembro de 1993. Sendo que 20 doentes eram do sexo feminino e 10 do sexo masculino; com idades variando de 11 a 43 anos, com média de 27,33; a causa da perfuração timpânica foi infecciosa em 93% e traumática em 7%.

Todos os doentes foram submetidos a exame otorrinolaringológico completo, sendo realizada otoscopia sob microscópio cirúrgico. Foram excluídos do estudo doentes que apresentaram suspeita de colesteatoma, mucosa de orelha média edemaciada, otorréia, otomicose, infecção ativa de vias aéreas superiores.



Fig. 1 - Imagem do exame de drenagem com tecnécio, obtida no monitor da Gama Câmara, mostrando TA com função de drenagem normal, no decorrer do tempo.



Fig. 2 - Imagem do exame de drenagem com tecnécio, obtida no monitor da Gama Câmara, mostrando TA com função de drenagem e ausência de drenagem, no decorrer do tempo.



Em nossa casuística, foram excluídos doentes que. apresentavam infecção ativa, perfurações totais, doentes com idades inferiores a 10 anos, superiores a 50 anos, com deformidades congênitas, discinesia ciliar, desvio de septo nasal e hipertrofia de cornetos. Situações estas que poderiam influenciar no resultado cirúrgico.

Os doentes foram submetidos a avaliação audiométrica, incluindo audiometria tonal limiar, logo-audiometria e teste de Weber. Foram excluídos os doentes que apresentavam "gap" aéreo-ósseo maior que 25dB, pois nestes casos há comprometimento de cadeia ossicular.

Para avaliação e classificação da função equipressiva, utilizou-se o teste de insuflação-desinsuflação, como descrito por BLUESTONE e CANTEKIN9. O teste é realizado valendo-se de impedanciômetro, onde a sonda é adaptada ao conduto auditivo externo para a vedação cio mesmo. Pressão positiva de 200 min de água é oferecida. Solicita-se ao doente deglutir 5 vezes em intervalos de 20 segundos, evitando-se assim a fadiga muscular. A pressão remanescente após a quinta deglutição, chamada pressão positiva residual, é anotada. O mesma é realizado em pressões negativas até 200 mm de água. Foram classificadas como permeáveis aquelas TA que apresentavam equalização da pressão oferecida, mesmo que parcialmente. E obstruídas aquelas que não equalizavam as pressões oferecidas.

Para a avaliação da função de drenagem tubária foi utilizado o método de introdução de substância radioativa. Este teste foi realizado pelo médico cirurgião na Secção de Radioisótopos da Divisão de Clínica Radiológica do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A metodologia empregada foi a mesma descrita por MARONE11. O estudo dinâmico do trajeto foi realizado com o auxílio de equipamento discriminado à seguir:

- gama câmara de cintillação marca Ohio Nuclear modelo Sigma 400, associada a microprocessador marca Digital moledo PDD 11/34; colimador paralelo de alta resolução;

Quanto à função de drenagem, as TA foram classificadas em permeáveis (quando houve passagem do traçador para a rinofaringe independentemente do tempo) e obstruídas (quando não houve passagem do traçador para a rinofaringe). Quanto à cirurgia, os doentes foram submetidos a miringoplastia sempre pelo mesmo cirurgião e pela mesma técnica cirúrgica. O intervalo entre as avaliações tubárias e a cirurgia não excedeu 2 dias.A técnica cirúrgica empregada foi a transcanal com colocação do enxerto medialmente ao martelo como descrita por HOUGH (1970).

Não foram administrados antibióticos sistêmicos ou locais no pós-operatório.

O seguimento pós-operatório variou de 3 a 6 meses; o resultado quanto a incorporação do enxerto foi avaliada através de otomicroscopia.

Foram considerados bons resultados cirúrgicos quando não havia perfuração residual, retrações parciais ou totais. Para análise estatística dos resultados utilizou-se o Teste de Probabilidade Exata de Fischer ou Teste do X2, dependendo dos números envolvidos.


Tabela I - DOENTES E RESULTADOS OBTIDOS



RESULTADOS

Os resultados são apresentados em forma de tabela e gráficos.

No exame da Tabela I, podemos observar que:

- Quanto à prova de insuflação: 19 doentes (63,331) tinham TA permeável e 11 doentes (36,661) TA obstruída;

- Quanto à prova de desinsuflação: 17 doentes (56,661) tinham TA permeável e 13 doentes (43,331) TA obstruída;

- Quanto à prova de drenagem: 15 doentes (50%) tinham TA permeável 1,5 doentes (50I) TA obstruída;

- Quanto ao resultado cirúrgico: 22 doentes (73,33%) tiveram bom resultado e 8 doentes (23,661) tiveram mau resultado.

Valendo-se do teste do X2, analisamos a concordância dos resultados de 2 provas quanto à permeabilidade tubária. Comprovamos que somente nos resultados das provas de insuflação e desinsuflação há concordância estatisticamente significativa (a=0,05) quanto à permeabilidade tubária. Já os resultados da prova de drenagem não concordam com os resultados das outras 2 provas.

Os Gráficos I a VII mostram os resultados das provas de função tubária em relação ao prognóstico cirúrgico.

Analisamos o valor prognóstico de 1 prova isolada quanto ao resultado cirúrgico, através do Teste de Probabilidade Exata de Fischer (Gráficos I à III). Comprovamos que há dependência significativa (a=0,05) entre a função tubária na prova de desinsuflação e resultados cirúrgicos. Mas não há dependência das outras 2 provas e resultados cirúrgicos.

Verificamos o valor prognóstico de 2 provas, em conjunto, quanto ao resultado cirúrgico, através do Teste de Probabilidade Exata de Fischer (Gráficos IV à VI). Quando 2 provas são concordantes há relação entre os resultados destas provas e prognóstico cirúrgico. Isto é, as TA permeáveis em duas provas têm maior índice de resultados cirúrgicos bons. E por sua vez, as TA obstruídas cm duas provas têm menor índice de bons resultados cirúrgicos.

Verificamos o valor prognóstico de 3 provas, em conjunto, quanto ao resultado cirúrgico, através do Teste de Probabilidade Exata de Fischer (Gráfico VII). Igualmente, quando 3 provas são concordantes, na permeabilidade ou obstrução, há relação entre os resultados destas provas e prognóstico cirúrgico.

DISCUSSÃO

Em nossa casuística foram excluídos doentes que apresentavam infecção ativa, já que há maior incidência de adesões de enxerto no promontório nestes casos. Também é relatado que o transporte mucociliar do sitema tubotimpânico fica alterado quando há infecção ativa25.

Doentes com infecção ativa ou perfurações totais foram excluídos, pois apresentam maior índice de. insucesso cirúrgico12.

Doentes com idades inferiores a 10 anos foram excluídos por terem maior freqüência de infecções de vias aéreas superiores acompanhadas de disfunção tubária e terem conformação anatômica predispondo à disfunção tubária, o que poderia levar a maior índice de insucessos cirúrgicos3, 8. Doentes com idade superior a 50 anos, igualmente foram excluídos do estudo, pois comprometimentos estruturais à nível de orelha média poderiam prejudicar o resultado final da cirurgia26.

Quanto à cirurgia, esta foi sempre realizada pelo mesmo cirurgião (PB), utilizando a mesma técnica cirúrgica, consistindo de via transcanal, utilização de fáscia de músculo temporal e colocação medial do enxerto.














O nosso índice de integração do enxerto foi de 73,33%, o que coincide com o relatado na literatura para miringoplastias1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8.

As provas de insuflação e desinsuflação foram por nós escolhidas para a avaliação da função equipressiva por serem as mais fisiológicas já descritas14, 15, reprodutíveis, não invasivas e de fácil realização. A TA normalmente está fechada, só se abrindo sob a ação da músculo tensor do véu palatino. A orelha média normalmente sofre variações pressóricas tanto positivas quanto negativas, como descrito por SIEDENTOP et al.17. Com a deglutição, o músculo tensor do véu palatino se contrai abrindo o lúmem da TA, equalizando assim as pressões. Tanto a falha no fechamento19, como na abertura da TA pode levar a doença de orelha média. Nas provas equipressivas, têm-se a possibilidade de analisar tanto a potência total, como a capacidade de equalizaçâo de pressões positivas e negativas pela deglutição.

A prova de drenagem tubária, através do método radioisotópico, foi escolhida por nós por ser método objetivo, com possibilidade de medição exata do tempo de drenagem através da TA, com exposição mínima do doente à radiação. A solução salina fisiológica, como meio para o tecnécio, é líquido não viscoso que não interfere na drenagem, o que pode ocorrer com a albumina marcada com tecnécio usada por GRELLET et al.24 e NUUTINEN et al.25. O tecnécio tem meia vida de 6 horas e seu contacto não causa danos aos tecidos. Foi realizada prova de drenagem com deglutições, pois estas são parte da fisiologia normal e a drenagem é mais rápida quando há contração do músculo tensor do véu palatino.

O estudo que avalia as funções de equipressão e drenagem foi realizado em conjunto, pois de acordo com MARONE11 esta associação reduz praticamente a 50% os casos considerados falsos normais, isto é, a função equipressiva pode ser normal, enquanto que a drenagem pode estar prejudicada e vice-versa. Portanto, as provas são independentes entre si, cada prova avaliando determinada função cia TA. As provas se completam, sendo que sua associação permite avaliação mais completa do sistema tubo-timpânico.








Através da análise estatística, foi confirmado que as provas de insuflação e desinsuflação têm correlação entre si. E, do mesmo modo, a prova de drenagem não tem correlação com as provas equipressivas, o que coincide com a literatura11.

Os resultados cirúrgicos tiveram correlação com a prova de desinsuflação, o que concorda com a maioria dos autores10, 16, 17, 18, 19, 22. Sendo que a prova de desinsuflação teve maior valor prognóstico, comparada com as provas de insuflação e de drenagem, isoladamente ou em conjunto. Já ANDREASSON e HARRIS20, e REIMER et al.6 afirmam que não há relação entre a função equipressiva e os resultados cirúrgicos de miringoplastia. Todos concordam que não há contra-indicação cirúrgica quando as provas de função tubária estão alteradas.

A prova de drenagem isolada não mostrou valor prognóstico na cirurgia de miringoplastia, o que discorda da literatura24.

Isto pode ser explicado pela relação entre tubas patentes e OMC (VIRTANEN e PALVA27), já que a drenagem mostra somente a passagem do contraste para a rinofaringe pela deglutição, não levando em conta sue função com pressões negativas. A TA pode ser patente e ter disfunção equipressiva. Segundo SAKAKIHARA et al. 28, metade das tubas patentes por eles estudadas não conseguiram equilibrar pressões negativas na orelha média e, em alguns casos ocorreu constricção do lúmem da TA durante a deglutição. VIRTANEN e PALVA27 encontraram função tubária normal pela sonotubometria em 26 doentes com colesteatoma. Portanto, a permeabilidade isolada não reflete a real função da TA.

A associação de 2 ou 3 provas concordantes tem valor no prognóstico cirúrgico. Entretanto, a prova de desinsutlação isolada teve maior valor prognóstico do que a soma das provas de insuflação e drenagem. A prova de desinsuflação é o melhor teste de função tubária empregado neste estudo. A disfunção tubária, na prova de desinsuflação, não contraindica a cirurgia, pois nem todos os doentes com disfunção nesta prova tiveram maus resultados cirúrgicos.

Não temos condições de comparar entre o índice de incorporação do enxerto em doentes com perfuração traumática, que teriam teoricamente função normal de TA, e doentes com perfuração de causa infecciosa, já que somente 1 doente tinha perfuração traumática.

A maioria dos autores concorda que a TA exerce papel fundamental na patogênese da OMC e no prognóstico cirúrgico6, 11, 12, 27. Estes autores concordam que os testes conhecidos até o momento não avaliam a complexa função tubária.

Existem inúmeras variações anatômicas e, fisiológicas que podem influenciar o resultado da miringoplastia. Enquanto estas possíveis causas de fracasso são listadas separadamente, devemos levar em conta que muitas ou mesmo todas, em alguma extensão, podem interagir no mesmo doente. Portanto, é muitas vezes difícil determinar qual fator ou fatores são primariamente responsáveis em cada caso particular. As funções da TA, seta dúvida, exercem papel importante no prognóstico de miringoplastias, mas até o momento sua complexidade fisiológica não foi elucidada completamente.

CONCLUSÕES

Pela análise dos resultados da nossa casuística, podemos concluir que:

- As provas de insuflação e desinsuflação têm correlação entre si.

- A prova de drenagem não tem correlação com as provas equipressivas.

- A prova de desinsuflação isolada tem valor prognóstico em miringoplastia.

- A prova de desinsuflação tem maior valor prognóstico em miringoplasia, quando comparada as prova de insuflação e de drenagem isoladamente ou em associação.

- A associação de 2 ou 3 provas concordantes tem valor prognóstico em miringoplastia.

- A prova de drenagem não tem valor prognóstico em miringoplastia.





- A prova de insuflação não tem valor prognóstico em miringoplastia.

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* Doutora em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médica Assistente da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Tese apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Medicina.

Trabalho realizado na Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e LIM 32. Auxílio recebido da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério de Educação e Cultura.
Endereço dos autores: Av Dr Enéas de Carvalho Aguiar, 255, sala 6002. São Paulo-SP. CEP: 05403-000.
Artigo recebido em 30 de maio de 1995.
Artigo aceito em 15 de junho de 1995.

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