Versão Inglês

Ano:  1978  Vol. 44   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - (11º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 244 a 246

 

RABDOMIOSARCOMA EMBRIONÁRIO DA ORELHA MÉDIA*

Autor(es): ** Ciríaco Cristóvão Tavares Atherino
*** José Araújo Filho
*** Hildebrando Nilton Reis Filho
**** Theodócio Cyriaco Atherino

Resumo:
Os autores apresentam um caso de rabdomiosarcoma embrionário da orelha média com amplo comprometimento das áreas vizinhas (fossas média e posterior, naso-faringe e órbita), numa criança de 4 anos. Fazem revisão da literatura existente, analisando aspectos clínicos e terapêuticos da patologia.

INTRODUÇÃO

O rabdomiosarcoma primitivo do ouvido é um tumor relativamente raro, rapidamente letal, acometendo, geralmente, crianças.

APRESENTAÇAO DE UM CASO

L.A.C., 4 anos, sexo feminino.

Os pais relatavam que, há cerca de 2 meses, a criança começou a queixar-se de dor no ouvido direito, seguindo-se secreção purulenta profusa. Após tratamento clínico, a dor cedeu, e a saída de secreção tornou-se intermitente. Há 20 dias, notaram o aparecimento de massa de aspecto poliplóide exteriorizando-se pelo meato acústico externo direito, bem como edema da região pré-auricular. Nesta época, surgiu paralisia facial periférica de instalação progressiva e a paciente começou a queixar-se de epistaxes esporádicas, principalmente através da fossa nasal direita. Foi realizada antibioticoterapia maciça, havendo certa regressão do quadro otológico, bem como da paralisia facial (sic). Há 10 dias, ocorreu um reaquecimento do processo, com piora da paralisia facial, aparecimento de edema cervical e edema palpebral. Procuraram atendimento médico e foi realizado um estudo tomográfico do osso temporal, que revelou ampla destruição das estruturas da orelha média, chegandose, então, ao diagnóstico clínico e radiológico de otite média crônica colesteatomatosa com comprometimento mastóideo. O estado geral da criança se agravou, tendo esta sido a nós encaminhada.

A menor deu entrada no Setor de Emergência do Hospital de Ipanema, INAMPS, no dia. 23/8/78, registrada sob o n.° 145.971. Encontrava-se febril, torporosa, em péssimo estado geral. Ao exame, apresentava edema de toda a hemiface direita, com massa de aspecto polipóide exteriorizando-se através do meato acústico externo, edema palpebral intenso com proptose e fixação ocular, paralisia facial periférica e enfartamento ganglionar pré-auricular e cervical do lado direito. Na cavidade oral, encontrou-se grande massa ao nível do palato mole à direita, macia ao toque e que provocava desvio máximo da úvula para o lado oposto. O exame neurológico mostrou rigidez de nuca, sinais de Kernig e Brudzinski, caracterizando comprometimento meningeo.

Com este quadro, e baseados no diagnóstico clínico e radiológico que nos foi enviada, optamos por uma cirurgia exploradora de emergência, que foi realizada no dia seguinte (24/8178).

A operação (Dr. Theodócio C. Atherino) consistiu numa incisão retro-auricular alargada, sob anestesia geral, descobrindo-se a cortical externa da mastóide que, praticamente, não existia. Sob microscópia, foram retirados os fragmentos ósseos remanescentes e surgiu massa avermelhada, sangrante, que invadia tanto a região da caixa do tímpano quanto a região do seio sigmóide. Explorou-se inicialmente a parte anterior. Não existia a parede póstero -superior do meato acústico externo ósseo. Através de dissecção cuidadosa, evidenciou-se a cadeia ossicular, que se encontrava parcialmente íntegra, não existindo ramo longo da bigorna nem estrutura superior do estribo. Descolando-se a massa do promontório, observou-se extensa erosão do mesmo. Retirou-se, então, material para congelação, enviando-se também, o polipo meatal. Havia, também, comprometimento da tuba auditiva e erosão da parede anterior da caixa.Ao nível do ático e da cavidade mastoídea, não existia "tegmen tympani", evidenciando-se uma paquimeningite. Na região posterior da cavidade, encontrou-se uma tramboflebite do seio sigmóide e acometimento das meninges cerebelares. O canal de Falópio fora respeitado em sua porção mastóidea, o mesmo não se podendo dizer para sua porção timpânica.

Retirou-se o máximo de massa tumoral possível da região e verificou-se que o próprio osso temporal como que flutuava no interior do crânio. Realizou-se, também, exploração da massa do palato mole, encontrando-se o mesmo tipo de tecido evidenciado no ouvido.

O diagnóstico histopatológico foi de rabdomiosarcoma embrionário do ouvido. A paciente evoluiu bem no pós-operatório imediato, melhorando sob o ponto de vista clínico, com desaparecimento dos sinais meníngeos, normalização da função cárdio - respiratória e reagindo melhor ao meio ambiente. 10 dias mais tarde, foi encaminhada para a radioterapia, estando em tratamento.

DISCUSSÃO

O rabdomiosarcoma aural foi pela primeira vez descrito por Soderberg, em 1933. (1,2). Desde então, existem pouco menos de 80 casos relatados na literatura mundial.

Ocorre mais freqüentemente em crianças até 12 anos, estando a maioria dos casos agrupada na faixa de 2 a 4 anos (2).

Ainda não está bem esclarecida a origem real deste tumor, mas ele poderia se desenvolver (3):

1. a partir de células mesenquimatosas embrionárias não diferenciadas (teoria de Evans, 1966).

2. a partir de células musculares imaturas (teoria de Willis, 1967).

3. a partir dos músculos da orelha média (teoria de Russel e Rubenstein, 1959). Sob o ponto de vista anátomo - patológico, as várias modalidades de rabdomiosarcoma mimetizam os estágios de desenvolvimento da musculatura estriada. A classificação de Horn e Enterline (1958) nos tipos alveolar, embrionário e pleomórfico é considerada clássica (2,3,6). Recentemente, Ashton e Morgan (1965) distinguiram 3 grupos, de acordo com seu grau máximo de diferenciação em qualquer estágio (2):
a. Sarcoma embrionário, completamente indiferenciado.

b. Rabdomiosarcoma embrionário serão diferenciado, onde são reconhecidos os rabdomioblastos, mas não são encontradas estriações.

c. Rabdomiosarcoma embrionário estriado, onde as estriações foram demonstradas em algum estágio de evolução do tumor.

Clinicamente, os rabdomiosarcomas aurais se apresentam sob a forma de uma otite média crônica supurativa com polipos se exteriorizando através do meato acústico externo (3). O comprometimento dos nervos crânios é comum, em particular a paralisia facial que é de instalação progressiva e do tipo periférico (1,2,3,5). EIGothamy et cols. (5) acham que a paralisia facial progressiva seria devida à compressão da porção timpânica do canal de Falópio diretamente pelo tumor.

As metástases a distância ocorrem em, aproximadamente, 30% dos casos, sendo os locais mais freqüentes os pulmões e ossos. Nos casos até hoje relatados, observou-se que a forma mais comum de disseminação local foi a invasão da dura-máter ou cavidade craniana. A seguir, o naso-faringe e gânglios cervicais e, por fim, a órbita. (4).
O diagnóstico clínico é freqüentemente difícil e tardio. O paciente é considerado como portador de otite média crônica supurativa com reação polipóide, tanto mais que a histologia dos polipos pode ser duvidosa (1,3,5).

O aparecimento de uma paralisia facial num tal caso deve alertar e fazer lembrar a hipótese de tumor maligna, além da tuberculose auricular e do colesteatoma. O estudo radiológico poderá revelar grandes áreas de destruição por vezes incompatíveis com o rápido curso da doença. No entanto, o diagnóstico de certeza só será firmado pelo patologista, mas convém lembrar a necessidade de biópsias em plena massa tumoral.

Quanto ao tratamento, preconiza-se a cirurgia (quando possível) seguida de radioterapia e quimioterapia. Infelizmente, os resultados deixam muito a desejar, sendo descritos apenas 5 casos com sobrevida algo longa (31, 42, 42, 44 e 54 meses, respectivamente). Todos os 5 pacientes foram submetidos a radioterapia consistindo de dose tumor mínima de 5.200 rads em 6 semanas; 2 casos foram tratados com cirurgia, radioterapia e quimioterapia; 2 casos com radioterapia e quimioterapia, e, 1 caso com cirurgia e radioterapia (4).

Recentemente, o grupo de Bordeaux publicou um artigo sobre o assunto, apresentando um caso e ressaltando o valor crescente da poloquimioterapia no tratamento e no prognóstico desta afecção (3).

BIBLIOGRAFIA

1. Prat, J. et col.: Massive Neuraxial Spread of Aural Rhabdomyosarcoma, Arch Otolaryng. 103(5):301, 1977.
2. Friedmann, 1.: Pathology of the Ear, Blackwell Scientific Publications, London, 1974.
3. Verhulst, J. et cols.: Rhabdomybsarcome Embryonnaire du Rocher, Revue de Laryngologie (Bordeaux) 98 (5-6):291, 1977.
4. Deutsch, M. et col.: Rhabdomyosarcoma of the Ear-Mastoid, Laryngoscope. 84(4): 586, 1974.
5. El-Gothamy, B. et cols.: Rhabdomyosarcoma - a Temporal Bone Report, Arch Otolaryng 98(2): 106, 1973.
6. Bolliger, S. et col.: Rhabdomyosarcoma of the Middle Ear, Rev. Bras. ORL 40(2):198, 1974.




Endereço dos Autores:
Serviço de O.R.L.
Hosp. Ipanema - I.N.A.M.P.S.
Rio de Janeiro - RS.

* Trabalho realizado no Serviço de ORL, Hosp. Ipanema, INAMPS, R.J.
** Médiço do Serviço de ORL, Hosp. Ipanema, INAMPS, R.J.
*** Médicos Residentes R-1 do mesmo Serviço.
**** Chefe do Serviço de ORL, Hosp. Ipanema, INAMPS, R.J.

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