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Ano:  1978  Vol. 44   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 208 a 214

 

OTOSCLEROSE COCLEAR - Considerações sobre um caso

Autor(es): * Augusto Cesar da Cruz
* Shiro Tomita
** Vitor Sérgio Couto dos Santos
*** Clóvis de Carvalho Guedes

Resumo:
Os AA tecem considerações gerais sobre a otosclerose e particularmente sobre sua forma perceptiva. Em seguida passam à apresentação de um caso observado na Clínica Professor José Kós, no mês de Junho de 1978, descrevendo pormenorizadamente a conduta adotada e os exames complementares que firmaram o diagnóstico de OTOSCLEROSE COCLEAR. Fazem ainda, referência à tendência terapêutica atual e também à importância do diagnóstico precoce desta otopatia.

INTRODUÇÃO

A otosclerose é uma doença própria do osso temporal, cujo substrato anátomo patológico é uma osteodistrofia da cápsula labiríntica.

Na constituição histológica da cápsula labiríntica, encontramos de fora para dentro, três camadas distintas: camada Periosteai, camada Encondral e camada Endosteal. A camada intermediária (Encondral) tem a peculiaridade de apresentar,em certos pontos, remanescentes de cartilagem embrionária, designados por alguns autores de "Globuli interóssei", característica jamais descrita em outra região do esqueleto. Esse tecido embrionário Focaliza-se principalmente por diante da borda anterior da janela oval. Nessa zona existe uma área de tecido conjuntivo em forma de fuso, que circundado por esses remanescentes embrionários cartilaginosos, recebe a denominação de fóssula ante-fenestra ou zona de cozolino.

Em determinados indivíduos, em certa época da vida, os "Globuli interóssei" prosseguiriam sua evolução, no sentido da formação de tecido ósseo adulto, do tipo Pseudo- Harversiano, originando processos de hiperostose otosclerótica, sendo esse o mecanismo pelo qual se estabeleceria a doença.

A otosclerose apresenta em sua evolução três fases anátomo-patológicas distintas:

1 - Fase osteóide - caracterizada pelo aparecimento de osteoblastos (células ósseas jovens), áreas de reabsorção óssea decorrente da atividade dos osteoclastos e vaso-dilatação dos capilares contidos nos canais de Harvers.

2 - Fase otoespongiosa - os fenômenos de reabsorção por I ise osteoclástica se intensificam e o osso adquire aspecto cribiforme, esponjoso; os capilares retornam ao calibre normal.

3 - Fase otosclerosa - aos fenômenos de reabsorção se sucedem processos de aposição de células ósseas nas paredes dos espaços medulares que vão se estreitando progressivamente. Surge então, tecido ósseo de neoformação, compacto, de estrutura lamelar, que cresce em direção à camada Periosteal da cápsula labirintica (camada externa), por vezes ultrapassando os limites primitivos do osso normal.

O quadro clínico e a evolução da doença variam na dependência da iocatzação dos focos de otosclerose, o mesmo ocorrendo com os perfis audiométricos e timpanométricos.

A ocorrência mais comum das hiperostoses otoscleróticas dá-se ao nível da zona de cozolino (fóssula ante-fenestra), o que acarreta imobilização progressiva da platina do estribo na reborda anterior da janela ovai, com uma gama de manifestações clínicase características audiométricos e timpanométricos que tornam o diagnóstico extremamente fácil.

Nestes casos se instala disacusia condutiva progressiva, de regra bilateral, com perfil audiométrico ascendente (audição pior para os sons graves) caracterizando aumento de ímpedáncia acústica de rigidez, sendo habitual o achado da tríade de Bezold.

1 - Rinne negativo.

2 - Schwabach prolongado com Weber lateralizado para o ouvido mais surdo. 3 - Surdez para os sons graves na fase inicial.

Com a evolução aparece perda auditiva também para as fregúëncias agudas. e o perfil audiométrico passa de ascendente para horizontal, traduzindo também o aumento da impedância de massa, que segundo alguns autores, deve-se ao volume do foco otosclerótico. Concomitantemente começa a se evidenciar disacusia neurosensorial, decorrente de comprometimento do órgão de Corti, desaparecendo a trrade de Bezold.

Esse comprometimento da unidade anátomo-funcional do labirinto anterior tem dado motivo a certas controvérsias, que se resumem em duas conclusões genéricas:

1 -O órgão de Corti seria lesado por sustâncias bioquímicas (enzimas tóxicas) originárias dos focos de atividade otosclerótica.

2 - O órgão de Corti teria a sua função conturbada por alterações anatõmicas produzidas pelos focos que comprometeriam a dinâmica coclear e causariam hipóxia do neuro epitélio coclear pela formação de shunts arteriolares.

Quando o foco otoscleroso se localiza na região do promontório (que corresponde às primeiras espiras da cóclea) ou no meato acústico interno (cujo estreitamento pode comprimir o nervo coclear), pode instalar-se disacusia sensório-neural exclusiva, quase sempre rotulada como de causa indeterminada ou atribuída erroneamente a outras causas, a menos que a história familiar revele comemorativos de disacusia condutiva decorrente de anquilose estapédica.

Incluindo os casos de otosclerose assintomática, podemos ter quatro formas clínicas distintas dessa doença:

1 - Otosclerose latente - em que o processo de osteodistrofia limita-se às chamadas "zonas mudas", não havendo comprometimento de qualquer estrutura funcional do ouvido.

2 - Forma de Transmissão pura de Bezold-Politzer (forma estapédica) que se inicia com disacusia condutiva pura podendo evoluir em tempo variável, para a forma mista, passando do ponto de vista audiométrico, por quatro graus evolutivos distintos, bem caracterizados por Shambaugh, e cuja discussão detalhada fugiria ao nosso propósito.

3 - Forma mista inicial de Lermoyez.

4 - Forma perceptiva pura de Manasse ou forma coclear.

Esta última que no momento nos interessa mais particularmente, manifesta-se clinicamente por disacusia sensório-neural de caráter progressivo, freqüentemente acompanhada de zumbidos e em alguns casos de sensação de plenitude auricular. Na sua evolução por vezes se observa períodos de estabilização da audição, em alternância com períodos de piora.

O diagnóstico diferencial, se impõe, com todas as otopatias que causam lesão endococlear, tais como: Doeríça de Méniére (em sua forma coclear), ototoxicoses, surdez súbita, trauma acústico, presbiacusia, etc.

O diagnóstico será feito levando-se eYn consideração a queixa do paciente, os dados da anamnese, o exame otorrinolaringológico e os resultados dos exames complementares como a audiometria tonal liminar, as provas supra liminares, a impedanciometria e o estudo politomográfico da cóclea.

Análises qualitativas e quantitativas de enzimas contidas na perilinfa de pacientes otoscleróticos, através de métodos de micro-eletroforese, têm sido realizados apenas em caráter experimental. (Caussé, J.; Chevance, L.G.; Shambaugh, C.E. -'CIinical' Experíence and Experimental Findings with Sodium Fluoride in Otosclerosis"). A queixa do paciente geralmente se refere à perda progressiva da audição e zumbidos, podendo haver sensação de plenitude auricular.

Na anarrmnese procuramos identificar a época em que se iniciou a doença e a forma como vem evoluindo, dando especial atenção à existência de casos de disacusia na família.

No exame otorrinolaringológico salienta-se a possibilidade da visualização da mancha rósea de Schwartze no quadrante postero-inferior, que corresponderia a um aumento de vascularização do promontório em caso de foco otoscleroso em atividade na referida estrutura. As provas acumétricas geralmente mostram Rinne positivo encurtado, Schwabach encurtado, Weber indiferente ou latéralizado para o lado menos comprometido.

A audiometria revelará disacusia neuro-sensorial, freqüentemente bilateral, com perfil descendente. A medida que a doença evolui, o teste de SISI torna-se positivo; não havendo foco de otosclerose no conduto auditivo interno, o Tone Decay Test manter-se-á negativo, traduzindo a integridade das vias retro cocleares; o Teste de Fowler na maioria dos casos toma-se inexequível devido a alta incidência de bilateralidade e simetria das lesões. A impedanciometria poderá completar o quadro audiológico, acrescentando:

1 - Perfis timpanométricos dentro dos padrões normais, indicando o estado de higidez do ouvido médio;

2 - Arreflexia estapediana;

3 - Recrutamento de Metz.

O estudo radiológico, sobretudo em cortes politomográficos milimétricos da cóclea, principalmente nas incidências antero posteriores, nos fornece informações que muito auxilia no diagnóstico.

As estruturas do bloco labiríntico, apesar de situadas na intimidade do osso temporal, não sofrem pneumatização, sendo constituídos por osso compacto de alta densidade radiográfica. Na fase de predomínio de atividade osteoclástica (fase de otospongiose) verificam-se áreas de desmineralização nas espiras da cóclea, que podem ser individualizadas nos cortes tomográficos. Na fase de reposição de tecido ósseo (fase de otosclerose), observaremos aumento da densidade radiográfica. Como o osso neoformado tende a ultrapassar os limites do osso normal, os cortes tomográficos efetuados no plano da cóclea mostrarão perda da nitidez dos contornos das espiras cocleares, que se tornam borrosas, o mesmo ocorrendo no nicho da janela oval.

O caso que nos propusemos a relatar, refere-se a esta última forma clínica de otosclerose (forma coclear), cuja ocorrência acreditamos não ser tão rara quanto se pensa.

RELATO DO CASO

O.C.C., 53 anos, masculino, casado, branco, brasileiro, aposentado, natural do Rio deJaneiro, compareceu ao ambulatório da Clínica ProfessorJosé Kós, com queixa de discreta hipoacusia há aproximadamente seis meses, com zumbidos em ambos os lados, rélatando que há uma semana estava gripado e há três dias apareceu dor intensa no ouvido esquerdo, hipertermia, aumento da hipoacusia, sensação de plenitude auricular e autofonia no ladó esquerdo além de zumbidos em ambos os ouvidos.

Exame ORL:

Boca: Prótese na arcada superior, amigdalas atróficas.

Faringe: Hiperemia difusa da parede posterior, hipertrofia de folículos lintóides.

Rinoscopia Mucosa nasal congesta e hiperemiada, recoberta por exsudato sero

Anterior: so. Ausência de alterações anatõmicas significativas.

Rinoscopia Secreção catarral nas caudas dos cornetos inferiores e hiperemia dos

Posterior: torus tubários em ambos os lados.

Laringoscopia Base da língua, epiglote, seios periformes, faixas ventriculares e cordireta: das vacais sem alterações evidentes.

Otoscopia: OD - Membrana timpânica opacificada, ausência de triângulo luminoso, hiperemia ao longo do cabo do martelo, mobilidade diminuída ao Siegle e à manobra de Valsalva.

OE- Hiperemia intensa da membrana timpânica que se mostrava imóvel ao Siegle sem entretanto apresentar perfuração ou abaulamento.

Provas Acumétricas:
Rinne:
    OE - Negativo
    OD - Positivo
    - Nas freqüências de 250, 500 e 1.000 Hertz

Estabelecido o diagnóstico de otite média aguda bilateral, instituímos o tratamento clínïco.

Uma semana após, o paciente retornou ao ambulatório relatando desaparecimento da dar e da febre, melhora parcial da audição, persistência do zumbido e da plenitude auricular.

Ao exame observamos:

OD - Membrana timpânica de aspecto normal com mobilidade discretamente diminuída;

OE- Desaparecimento do aspecto congestivo da membrana timpânica, que se apresentava discretamente retraída com diminuição da mobilidade ao Siegle e à manobra da Valsalva. No quadrante postero inferior observou-se por transparência, área de coloração rósea sugerindo aumento de vascularização do promontório (sinal de Schwartze).

Diagnosticada disfunção tubária bilateral, procedemos ao tratamento clínico, a base de politzerização, anti-inflamatórios e descongestionantes sistêmicos. Decorridos mais sete dias, o paciente retornou apresentando melhora subjetiva da plenitude, com persistência de zumbido e da hipoacusia.

Nesse dia o exame otoscópico mostrou-se normal, salientando-se apenas a persistência dá mancha rósea anteriormente descrita.

-Solicitamos então audiometria tonal liminar e timpanometria.

A audiometria (figura 1) mostrou disacusia sensórioneural, bilateral, simétrica, com perfil descendente (audição pior para os sons agudos).

A timpanometria mostrou-se dentro dos limites normais no lado esquerdo e perfil compatível com disfunção tubária moderada no lado direito (-200 mm H 2°).

0 reflexo estapédico estava ausente em ambos os lados nas freqüências de 500, 1.000, 2.000 e 4.000 Hz, até 125 dB de intensidade (figura 2).





Embora o paciente ignorasse a existência de antecedentes familiares, a análise criteriosa de todos os elementos obtidos da história e dos exames complementares, bem como as características otoscópicas, nos levaram a hipótese diagnóstico de OTOSCLEROSE em sua forma perceptiva pura de Manasse.

Solicitamos estudo pol itomográfico das cócleas, janelas ovais e condutos auditivos internos, que foi realizado no Hospital Central do Exército, de cujo laudo, assinado pelo Dr. Burlamaqui, transcrevemos o que segue:

"As radiografias convencionais mostram espessamento da parede da janela oval à direita. Restante normal. Os cortes tomográficos em AP com diferenças milimétricas mostram as caixas timpânicas transparentes com os ossícu los borrosos e espessamento da parede da janela oval à direita. Observamos que ambas as cócleas mostram as paredes espessadas. Os antros são normais, bem como os condutos auditivos internos. Aspecto radiológico compatível com otosclerose.

CONCLUSÕES

Diante de pacientes com disacusia sensorio-neural, principalmente nos casos bilaterais, a atosclerose coclear é uma entidade nosológica que deve ser lembrada e investigada, antes que a mesma seja rotulada como de causa indeterminada, como ocorre na maioria das vezes.

Embora ainda não se disponha de tratamento comprovadamente eficaz para esta enfermidade, várias tentativas têm siciofeitas, porém ainda com resultados falhos, discutíveis e inconstantes. Entre os mais recentes destaca-se a administração de Fluoreto de Sódio por via oral, em doses que variam de 25 a 75 mg diários por período de 6 a 12 meses, até a estabilização dos focos de atividade otosclerótica, fazendo-se uso de doses menores para manutenção por longos anos e associando-se o uso de cálcio e vitamina D2.

Esta conduta vem sendo utilizada por diversos autores, destacando-se entre eles: George E. Shambaugh em Chicago (USA), Michel Portman em Bordeaux (FRANÇA), Jean Caussé em Beziers (FRANÇA) e L.G. Chevance em Paris (FRANÇA) que concordam em admitir que a degeneração neuro-sensorial da cóclea seria decorrente de efeitos tóxicos de enzimas liberadas pelos focos ativos de otosclerose. Em trabalho de pesquisa efetuado durante 10 anos em cerca de 4000 pacientes, Shambaugh e Caussé concluíram que o fluoreto de sódio atua como inibidor enzimático, inibidor da reabsorção osteoclástica e estimulador da calcificação dos focos até que se tornem inativos. No Brasil esta terapêutica tem sido utilizada, porém seus resultados ainda não são conclusivos.

Com novos conhecimentos acerca da etiopatogenia da atosclerose coclear, novas condutas terapêuticas deverão surgir, e com isso o prognóstico desta otopatia poderá mudar para melhor, principalmente nos casos diagnosticados precocemente.

RESUME

Les auteurs donnent des considérations générales sur I'otosclérose et, d'une manière particulière, sur sa forme perceptive.

Après, ils présentent un cas qui a été observé à Ia Clinique Professor José Kós, en Juin, 1978, en décrivant, en détails, Ia conduite adoptée et les examens complementaires qui ont confirmé le diagnostic de OTOSCLÉROSE COCLEAR.

lis se référent à Ia tendance thérapeutique actuelle et aussi à I'importance du diagnostic précoce de cette maladie des oreilles.

SUMMARY

The authors make general considerations about otosclerosis, and mainly about its perceptive form.

After, they present a case that has been observed in Clinic ProfessorJosé Kós, in June, 1978, describing, in details, the adoptéd behaviour and the complementary exams that confirmed the diagnosis of COCHLEAR OTOSCLEROSIS.

They make references to the actual therapeutic tendency, and also about the importance of the early diagnosis of this otologic disease.

BIBLIOGRAFIA pág 214

* Médicos do Corpo Clínico da Clínica Professor José Kós.
** Médico R2 da Clínica Professor José Kós.
*** Médico R1 da Clínica Professor José Kós.

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