Versão Inglês

Ano:  1978  Vol. 44   Ed. 2  - Maio - Agosto - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 121 a 129

 

OTOSPONGIOSE LABIRINTICA, FOCOS ATIVOS E INATIVOS

Autor(es): *Arnaldo Unden
**Simão L. Piltcher
** Dalva A. Prado

rogresso significativo tem sido feito nos últimos 30 anos no diagnóstico e tratamento da otospongiose, essa doença óssea da. cápsula labiríntica e imprópriamente chamada de otosclerose.

Existem controvérsias se uma lesão de otospongiose localizada no ouvido interno, pode ou não produzir uma surdez neurosensorial pura elou tonteira. A maioria dos estudiosos, como Shambaugh (1967) e Linthicum (1972) reconhecem o fato, indiscutivelmente. Outros como Schuknecht (1974), não admitem a otospongiose causando perda auditiva neurosensorial pura. Segundo ele (Schuknecht), quando uma lesão otospongiótica chega ao ponto de causar uma atrofia das estruturas sensoriais e nervosas dentro do labirinto, ela também irá fixar o estribo. Haverá sempre, portanto, surdez de condução concomitante.

Tem havido muitas especulações sobre a maneira pela qual a otospongiose poderia causar danos auditivos de natureza neurosensorial. Para Siebenmann (1911), a causa da lesão seria um fator tóxico produzido pela lesão otospongiótica envolvendo o endósteo da cóclea. Segundo Rüedi (1965) a perda auditiva seria de causa vascular, quer por estase venosa em foco próximo ao ligamento espiral, quer por trombose nos vasos do conduto auditivo interno. Chevance et al. (1970), através de estudos em microscópio eletrônico, descreveram lisosomas na margem focal em progressão e sugeriramque essas lisosomas produziriam uma substância tóxica que afetaria as células ciliadas. Kelemen e Linthicum (1969) sugeriram que a pressão física causada pelo osso otospongiótico na membrana basilar poderia ser um fator causal. Em nosso modo de entender, os fatores responsáveis pela surdez neurosensorial associada com focos de otospongiose podem ser tanto bioquímicos como vasculares. Os fenômenos de compressão e estase seriam provocados por esses fatores vasculares. Embora a causa do comprometimento auditivo neurosensorial pela otospongiose seja ainda desconhecida, existe uma definitiva correlação entre a intensidade da lesão envolvendo a cápsula coclear e o grau de surdez neuro sensorial.

REVISÃO NA LITERATURA

Siebenmann (1899) admite que a otospongiose possa produzir não somente a fixação do estribo, mas também um déficit auditivo neurosensorial no mesmo paciente. Krepuska e Krepuska (1936) acreditam que a perda auditiva possa ser devido às alterações da cápsula coclear sem anquilose estapediana mas que não se pode ter certeza sem o devido exame histológico post-mortem do ouvido interno. Guild (1944) estudou 49 pacientes com otospongiose histológica, isto é, lesões histológicas localizadas no osso labiríntico sem causarem fixação do estribo.

Mc Cabe (1966) chama atenção para uma síndrome, a qual denomina de síndrome otospongiótica do ouvido interno, caracterizada por tontura, acúfenos e hipoacusia de condução. Shambaugh (1969) preconiza o uso do fluoreto de sódio para transformar um foco ativo de otospongiose em inativo e, desta maneira, impedir a progressão da surdez. O mesmo autor em 1977, afirma que o uso do fluoreto de sódio, cálcio e vitamina D também tem resultados benéficos sobre a redução e mesmo desaparecimento dos acúfenos e vertigens causados pela otospongiose. Compere (1960 e 1964), Valvassori (1965 e 1966), Noople (1966) e outros descreveram o diagnóstico radiológico da otospongiose labiríntica. Britton e Linthicum (1970) deram a confirmação histológica dos achados radiológicos num caso de otospongiose. O mesmo Linthicum (1973), usando o stroncio 85, demonstra a transformação dum foco ativo de otospongiose em inativo pela ação do fluoreto de sódio.

MATERIAL E METODOS

Nosso estudo histológico foi feito. em cortes de ossos temporais preparados no Eccles Temporal Bone Laboratory do Ear Research Institute. O exame foi feito na microscopia óptica e na microscopia eletrônica de reflexão (microscópio eletrônico Scanning-SEM na língua inglesa). As microfotografias foram tiradas com aumento de 500x a 1.500x.

OBSERVAÇÕES

O estudo comparativo do osso temporal normal e do osso acometido por lesão de ctospongiose em fase ativa e inativa, permite diferenciações nítidas, tanto na microscopia ótica como na microscopia eletrônica de reflexão (SEM).

O osso normal que já atingiu o seu desenvolvimento é bastante denso, quase compacto (fig. 1, 2, 3). Uma característica importante é o arranjo em camadas (lamelas) da matriz óssea (fig. 2, 3). Esparsamente distinguem-se lacunas achatadas dispostas paralelamente ao longo das lamelas. Dentro de algumas lacunas, visualizam-se as células ósseas maduras, os osteocitos (fig. 2).



Fig. 1 - Junção de osso normal e lesão ativa de otospongiose. O osso normal é denso, quase compacto. Na otospongiose ativa observam-se espaços medulares alargados, presença de osteoblastos e multinucleados osteoclastos. MO 500 x.



Fig. 2 - Microfotografia na microscopia eletrônica de reflexão dum corte de osso temporal normal. A matriz óssea está arranjada em camadas com algumas lacunas dispostas ordenadamente. Nota-se osteocito típico no interior de uma lacuna. SEM 1.000 x.



Fig. 3 - Osso normal adjacente à parede anterior (W) do conduto auditivo interno. SEM 500 x.



Focos de otospongiose podem ocorrer em qualquer parte da porção petrosa do osso temporal como simples ou múltiplas lesões, mas os sintomas estarão presentes somente quando o estribo, a cóclea ou o vestíbulo estiverem envolvidos. Essa distrofia óssea é bastante comum, pois conforme Guid demonstrou, uma em cada 8 mulheres e um em cada 15 homens tinham os ossos temporais atingidos por focos de otospongiose. Embora somente 12% desses pacientes teriam hipoacusia de condução por fixação do estribo, devemos admitir que é uma doença muito comum. O foco otospongiótico pode existir em fase ativa (figs. 4, 5 e 6) ou inativa (figs. 7 e 8) e qualquer a uma das fases pode transformar-se para a outra. No mesmo foco pode-se constatar, com alguma freqüência, os dois tipos de lesões (figs. 9 e 10). A lesão ativa caracteriza-se por um alargamento dos espaços medulares, presença de osteoblastos e dos multinucleados osteoclastos; observou-se também áreas fibrosas com numerosos vasos e células sangüíneas (figs. 5 e 6). A otospongiose em inativa caracteriza-se por uma maior densidade óssea, com poucos vasos e células sangüíneas e onde os espaços medulares são mais estreitos. (figs. 7, 8, 9 e 10).



Fig. 4 - Lesão ativa de otospongiose. Multinucleados osteoclastos e osteoplastos podem ser vistos indicando uma ativa remodelação do osso. Os casos sangüíneos e fibroblastos são abundantes nos alargados espaços medulares. MO 500 x.



Fig 5 - Lesão ativa de otospongiose e espira basal da cóclea. Observar a lesão atingindo o endósteo coclear. MO 500 x.



Fig. 6 - Observar o aumento da vascularização num foco ativo. SEM 1000 x.



Fig. 7-Lesão inativa de otospongiose. O aspecto é de um osso denso, liso, sem saliencias. MO 500 x.



Fig. 8- Lesão inativa de otospongiose e parede anterior do conduto auditivo interno. O espaço medular no foco inativo tem formato regular e mais estreitado. MO 500 x.



Fig. 9 - Junção de lesão ativa e inativa de otospongiose. Os espaços medulares são mais alargados, mais profundos e irregulares no fóco ativo. MO 500 x.



Fig. 10 - Lesão ativa e inativa de otospongiose num mesmo foco visto na microscopia eletrônica de reflexão. 500 x.



DISCUSSÃO

Baseado nas observações feitas em cortes histológicos, já Siebenmann, em 1912, propôs o termo correto de otospongiose a essa distrofia do osso temporal. A designação de otosclerose é imprópria, pois, ao invés dum aumento na densidade do osso, ocorre justamente o inverso. Denominá-la de osteoporose localizada é ainda mais correto do que otosclerose porque não é uma esclerose. É verdade que em certos estágios - fase inativa da lesão - o osso pode tornar-se bastante denso mas não equiparável à densidade dum osso normal de desenvolvimento completo. Este aspecto nos faz duvidar no diagnóstico radiológico da otospongiose coclear quando esse diagnóstico é feito baseado no achado duma área com aumento de densidade. Em nosso modo de entender, o diagnóstico radiológico de otospongiose coclear só pode ser feito por um aumento na transparência, ocasionando perda ou distorção do contorno coclear normal, principalmente ao nível da espira basal. Devemos estar cientes da grande variedade de densidade que ocorre no osso temporal normal antes de interpretar uma tomografia no diagnóstico da otospongiose, sem deixar de levar em conta também, as variações que podem ocorrer na incidência dos raios ao nível da cóclea.

Se a microscopia óptica deixou bem estabelecido o tipo de lesão que ocorre na otospongiose, a etiologia da doença permanece desconhecida. O desenvolvimento da microscopia eletrônica de reflexão tem permitido o estudo dos sistemas biológicos em 3 dimensões. Pela microscopia óptica podemos obter um aumento de, no máximo, 1.000 x, ao passo que pela SEM podemos obter fascinantes observações tridimensionais de 20 a 20.000 x.

Isto deverá ser, r,o futuro, importante acesso para o descobrimento da etiologia da otospongiose e outras distrofias do osso temporal.

SUMÁRIO E CONCLUSÕES

Ossos temporais com otospongiose foram examinados usando microscopia óptica e microscopia eletrônica de reflexão (SEM).

Focos de otospongiose em fase ativa e inativa foram identificados em diferentes áreas da cápsula labiríntica, demonstrando que a lesão, tanto na forma simples como múltipla, pode existir em qualquer parte da porção petrosa do osso temporal. Os sintomas estarão presentes somente quando o estribo, cóclea ou vestíbulo estiverem envolvidos.

Através da microscopia óptica as lesões de otospongiose estão bem reconhecidas até a magnificação de 1.000 x.
Com a microscopia eletrônica de reflexão - SEM - estamos iniciando a investigação de detalhes ultraestruturais das distrofias do osso temporal. Essa investigação, aliada à bioquímica e histoquímica, deverá ser, no futuro, um importante acesso ao esclarecimento etiológico da otospongiose e outras doenças.

SUMMARY AND CONCLUSIONS

Temporal bones with otospongiosis were studied using liight microscopy and scanning electron microscopy (SEM).

Otospongiosis focus in active and inactive phaoes were identified on different areas of the labyrinthine capsule demon'strating that the lesion may exis nywhere in the petrous pyramid of the temporal bane as simple or multiple form. The symptoms will be present only when the stapes, cochlea or vestibule are ìnvolved.

The otosporfgiosis lesions are well identí?ied by the light microscopy up to a maximum magnification of 1.000 x.

On scanning electron microscopy we are starting the investigation allied to biochemistry and histochemistry will be in the fature, an important source to clarify the étiology of otospongiosis and other diseases.

AGRADECIMENTOS

Nossos profundos e sinceros agradecimentos ao Dr. Fred H. Linthicum e Malcolm D. Graham, pela assistência e orientação no Larrabee Microscopy Center of Temporal Bone e Otologic Electron Microscopy Laboratory do Ear Research Instítute.

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Endereço dos Autores:
Departamento de O.R.L. Fac. de Medicina da U.F.R.G.S.
90.000- Porto Alegre/RS.

* Professor Assistente da disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
** Auxiliar de Ensino da disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal Rio Grande do Sul.
*** Auxiliar de- Ensino da disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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