Versão Inglês

Ano:  1995  Vol. 61   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 313 a 317

 

SÍNDROME DO COR PULMONALE POR HIPERTROFIA ADENOAMIGDALINA.

Cor Pulmonale Syndrome Due to Adenotonsillar Hypertrophy.

Autor(es): Nelson Álvares Cruz Fillio*,
Celso Zlochevsky**.

Palavras-chave: Cor pulmonale, síndrome cardio-respiratória, hipertrofia adenoamigdalina

Keywords: Cor pulmonale, cardiorespiratory syndrome, adenotonsillar hypertrophy

Resumo:
A síndrome do corpulmonale caracteriza-se por obstrução das vias respiratórias altas, estridor, sonolência, hipertrofia adenoamigdalina, cardiomegalia, hipertrofia ventriculardireita esinais de insuficiência cardíaca. Os autores clamam a atenção para o diagnóstico precoce da afecção e apresentara caso de paciente com hipertrofia adenoamigdalina e cor pulmonale, que havia sido submetido a adenoidectonria sem nenhuma melhora, tendo havido regressão do cor pulmonale e da insuficiência cardíaca direita somente após a amigdalectomia.

Abstract:
Cor pulmonale syndrome due to upper airway obstruction is characterized by stridor, sleepiness, adenotonsillar enlargement, cardiomegaly, right ventricular-hypertrophy and signs of heart failure. The authors call attention to early diagnosis of the disease and present a case of patient with adenotonsillar enlargement and cor pulmonale who had been submited to adenoidectomy without any clinical improvement of his cardio-pulmonary conditions. Regression of cor pulmonale and heart failure were obtained only after tonsillectomy.

INTRODUÇÃO

Entende-se por cor pulmonale a hipertrofia ventricular direita, com ou sem insuficiência cardíaca, resultante da hipertensão pulmonar. Ocorre como conseqüência de doença pulmonar ou função pulmonar anormal1. Em 1905, foram publicados os prímciros trabalhos mostrando que a obstrução crônica das vias aéreas superiores por hipertrofia das amígdalas palatinas e faríngica (vegetações adenóides) podia também ocasioná-lo2, 3. Até 1982, cento e nove casos foram registrados na literatura em língua inglesa4.

Em nosso meio, encontramos apenas dois trabalhos publicados sobre esse assunto, com dois casos descritos em cada um deles5, 6.

Os objetivas do presente estudo são: 1) Apresentar caso de paciente com hipertrofia adenoamigdalina e cor pulmonale, que havia sido submetido a adenoidectornia sem nenhuma melhora do quadro clínico, tendo havido regressão do cor pulmonale e da insuficiência cardíaca direita somente após a amigdaleetomia; 2) Alertar para o diagnóstico precoce da afearão.

MÉTODO

APRESENTAÇÃO DO CASO:

D. P. P. B., 3 anos e 3 meses, masc. pardo.

Dificuldade respiratória há 2 anos e 7 meses. Aos 9 meses foi internado durante dezesseis dias por causa de edema tios membros inferiores e escrotal. Com 1 ano, apresentou novo episódio de edema tios membros inferiores tendo sido levado pela primeira vez ao Hospital Infantil Menino Jesus, onde ficou internado durante vinte dias com Hipóteses diagnósticas de insuficiência cardíaca congestiva (ICC), hipertensão arterial (HA), broncopneumonia (BCP) e vegetações adenóides.

Exame físico:

Freqüência cardíaca (FC) = 114 batimentos/minuto.

Freqüência respiratória (FR) = 38 inovintentos/minuto.

Pressão arterial (PAI = 14x10.

Tórax em quilha, ausculta pulmonar: roncos disseminados; ausculta cardíaca: bulhas rítmicas hiperfonéticas, sem sopros. Abdome: fígado há 1,5 em do rebordo costal, baço não palpável.



Figura 1. RX do tórax pré-operatório: cardiomegalia e congestão pulmonar.



Figura 2. ECG pré-operatório: sobrecarga ventricular direita.



Figura 3. Ecocardiograma pré-operatório, posição 4 câmaras: aumento das câmaras cardíacas direitas.



Figura 4. Ecocardiograma pré-operatória bidimensional e modo M: aumento do ventrículo direito e hipertrofia septal.



RX de tórax: aumento da área cardíaca e congestão pulmonar (Fig. 1).

RX de cavum: estreitamento acentuado da coluna aérea. Foi tratado com furosemide, digital e antibióticos.

Com o objetivo de elucidar a causa da ICC e da HA foram feitos vários exames, cujos resultados mencionamos a seguir: Eletrocardiograma (ECG) - desvio do eixo para a direita e sobrecarga ventricular direita. Complexos altos em V1 e V2 e complexos profundos em V6 (Fig. 2).

Ecocardiograma - miocardiopatia hipertrófica, hipertrofia septal, ventrículo direito dilatado e hipocotrátil (Figs. 3 e 4). Urografía exeretora, cintilografias renal e das supra-renais normais.

Após melhorar, passou a ser acompanhado no ambulatório. Aproximadamente onze meses depois, foi novamente internado na UTI desse mesmo hospital com dispnéia ao esforço inspiratório, respiração bucal, estridor e cianose dos lábios. Exame físico geral:

FC=200 FR=97 PA=14,5x10 Tórax: inspeção - tiragem sub-costal e intercostal; ausculta pulmonar-murmúrio vesicular presente e simétrico e poucos roncos difusos; ausculta cardíaca - bulhas hiperfonéticas. Abdome: fígado há 3 em do rebordo costal, baço com a ponta palpável.

Gasometria arterial: pH= 7,32, pCo2= 42,5, pO2= 201,4 (paciente em tenda de oxigênio), Saturação O2= 99,4.

Medicado com furosemide, digital e hipotensores. Mantido em tenda de oxigênio.

Durante a internação, passou a apresentar picos febris, em decorrência de BCP, tendo sido tratado com cloranfenicol e cefalosporina. Logo após ter melhorado, foi submetido a adenoidectomia e retornou à UTI. Houve pouca melhora da dispnéia. Foi reavaliado pelo médico que o operou, que atribuiu a dificuldade respiratória a causa fora da esfera otorrino laringológica. O cor pulmonale e a ICC permaneceram inalterados.

Duas semanas após a cirurgia, foi pedido parecer de outro médico Otorrinolaringologista. Avaliamos a criança e observamos: respiração bucal de suplência e ruidosa, palato em ogiva, amígdalas palatinas hipertróficas ++++, nariz: rinoscopia anterior - nda, otoscopia: ndn, região cervical: tido.

RESULTADO

Propusemos atnigdalectomia, que foi marcada para quatro dias após essa avaliação. Essa acabou sendo suspensa pelo Anestesiologista, pelo fato do menino estar com tosse e roncos pulmonares. Pouco menos de um mês depois, foi feita a arnigdalectomia. Durante a intervenção, foi tacada a rinofaringe, não havendo resto de amígdala faríngica. A criança passou a respirar beto após a cirurgia.

Decorridos dez dias de pós-operatório, o menino passou a respirar normalmente e a alimentar-se bem. Cerca de quatro meses mais tarde, o paciente estava sem medicamento, respirando bera, havia ganhado peso, a pressão arterial era de 10x6 e hemodinámicamente estava normal. O eletrocardiograma (Fig. 5) e o ecocardiograma (Fígs. 6 e 7) haviam normalizado.

DISCUSSÃO

A obstrução crônica das vias aéreas superiores por hipertrofia das amígdalas palatinas, da amígdala faríngica ou de ambas pode acarretar, como conseqüência final, as síndromes da alméia cio sono e do cor pulmonale7.

A síndrome cio cor pulmonale, também denominada (te cárdio-respiratória por alguns autores4, 7, 8, 9, caracteriza-se por: obstrução das vias respiratórias superiores, estridor, sonolência, hipertrofia adenoamigdalina, cardiomegalia, hipertrofia ventricular direita e sinais de insuficiência cardíaca2, 10, 11.

A insuficiência cardíaca, embora seja freqüente, não aparece sempre. Levin e col12 apresentam 9 casos, 8 deles com insuficiência cardíaca. Estes mesmos autores fizeram revisão da literatura na época, registrando-a em 33 pacientes, num total de 44 casos. Nosso paciente tinha insuficiência cardíaca, como ocorre geralmente nos casos mais avançados.

O diagnóstico da síndrome é feito pela anatnnese, exame otorrirtolaringológico, exame físico geral, RX de cavum e de, tórax, eletrocardiograma, ecocardiograma e gasometria.

A cardiomegalia poderá ser observada no RX do tórax. O eletrocardiograma mostrará desvio do eixo para a direita e sobrecarga ventricular direita. O eeocardiograma irá evidenciar aspectos anatômicos e funcionais cardíacos, quantificando o grau de hipertensão pulmonar.. A gasometria deverá revelar hipóxia e hipercapnia.

Há casos descritos na literatura de cor pulmonale por hipertrofia adenoamigdalina, mas sem a documentação necessária comprovando esse diagnóstico.

E importante diagnosticar precocemente o cor pulmonale, pois atraso no diagnóstico ainda ocorre, acarretando morbidez e ocasionalmente mortalidade11. Muitas vezes o diagnóstico é feito somente quando o quadro clínico se agrava7, com a instalação da insuficiência cardíaca13. Não é incomutn diagnóstico inicial incorreto de miocardiopatia, hipertensão pulmonar primária4 e anomalias congênitas do coração11.

Wilkinson e col13 apresentam dois casos de crianças com apnéia durante o sono por vegetações adenóides em um caso e hipertrofia adenoamigdalina em outro. No primeiro caso, a criança morreu na indução anestésica para acienoidectontia e a necrópsia mostrou hipertrofia do ventrículo e átrio direitos. No segundo, a criança, com aumento das câmaras cardíacas direitas, foi submetida a adenoamigdalectomia e o eletrocardiograma (ECG), feito depois de cinco semanas, revelou que o ventrículo c átrio direitos tinham voltado ao normal.



Figura 5. ECG pós-operatório: complexos de amplitudes normais.



Figura 6. Ecoeardiograma pós-operatório bidimensional: diminuição do tamanho do ventrículo direito.



Figura 7. Ecoeardiograma pós-operatório bidimensional e modo M: diminuição do tamanho do ventrículo direito.



Diante desses achados, resolveram submeter a eletrocardiograma 92 crianças com indicação para adenoidectomia, amigdalectomia ou ambas. Três ECG (3,3%) mostraram evidências de aumento do coração direito, sugerindo, portanto, cor pulmonale.

Temos solicitado ultimamente RX de tórax, ECG e ecocardiograma em crianças corri obstrução nasal acentuada com respiração bucal de suplência e ruidosa, algumas necessitando dormir em posição semi-sentada e os resultados desses exames têm sido normais. É possível que algumas vezes o diagnóstico do cor pulmonale não seja feito numa fase inicial, no entanto está síndrome é rara pelo que depreendemos da observação desses casos.

Com relação à fisiopatologia, a obstrução das vias aéreas superiores determina hipoventilação, que conduz à vasoconstrição arteriolar pulmonar, levando à hipertensão pulmonar e finalmente a hipertrofia das câmaras cardíacas direitas7, 14.

A hipóxia crônica estimula a produção renal de critropoetina aumentando o número de glóbulos vermelhos circulantes, resultando numa hiperviscosidade sangüínea, que dificulta a hematose14.

É interessante ressaltar que a síndrome do cor pulmonale pode ser determinada por hipertrofia das amígdalas palatinas, da amígdala faríngica ou de ambas. No nosso caso, as vegetações adenóides provavelmente tenham contribuído para a instalação do cor pulmonale, todavia foi evidente a preponderância do papel das amígdalas palatinas em provocar a síndrome.

Sofer e col15 tiveram 1 caso, em 4 estudados, por hipertrofia das amígdalas palatinas.

Kumar e Jaggarao11 estudaram um caso semelhante ao nosso, isto é, a criança havia sido submetida a adenoidectomia sem melhorar, tendo apresentando regressão do cor pulmonale somente após a amigdalectomia.

Yonkers e Spaur7 fizeram levantamento de 109 casos publicados na literatura em língua inglesa, analisaram 81 (lestes que haviam sido descritos pormenorizadamente. Neste grupa, registraram 7 pacientes que desenvolveram a síndrome do cor pulmonale por hipertrofia só das amígdalas palatinas, 5 unicamente por vegetações adenóides e 49 por hipertrofia adenoamigdalina; em 20 casos esses dados não foram registrados..

Finalmente, deve ser lembrado que, normalizando a respiração após a cirurgia, há regressão do cor pulmonale6, 7, 16, 17, 18, 19.

CONCLUSÕES

1. Otorrinolaringologistas, pediatras e cardiologistas devem estar atentos quanto à síndrome do cor pulmonale estando, portanto, preparados para diagnosticá-la precocemente.

2. Em crianças com obstrução nasal acentuada, com sonolência durante o dia e com suspeita de períodos de apnéia durante o sono, deve-se solicitar sempre RX de tórax, eletrocardiograma, ecocardiograma e avaliação cardíaca, além dos exames rotineiros.

3. O cor pulmonale pode ser determinado por hipertrofia só das amígdalas palatinas, só da amígdala faríngica ou de ambas.

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* Professor Nível III de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do ABC. Doutor em ORL pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médico do Hospital Infantil Menino Jesus.
** Médico Cardiologista do Ilospital Infantil Menino Jesus.

Endereço dos autores: Rua Marquês de Itu 306 2° andar cj. 21 e 22 - CEP 01223-000 - São Paulo - SP.
Artigo recebido em 22 de março de 1995.
Artigo aceito em 24 de abril de 1995.

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