Versão Inglês

Ano:  1960  Vol. 28   Ed. 1  - Janeiro - Dezembro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 01 a 25

 

PATOLOGIA DA LÍNGUA (Aspectos clínicos) - PARTE 1

Autor(es): DR. OTACÍLIO DE CARVALHO LOPES

SUMÁRIO

Generalidades - Noções de anatomia - Sulcos e Saliências - Língua geográfica - Hipertrofia cerebriforme de Brocq - Glossite de Hunter - Língua urinária - Carências - Fluorescência da língua - Aftas - Estomatite aftosa - Gangrena da língua - Estomatites medicamentosas - Glossites alérgicas - Glossites das moléstias infeciosas agudas - Glossites inicóticas sapinho, actino-micose, blastomicose, língua negra - Fleimões e abscessos - Angina de Ludwig - Localização lingual da Tuberculose: aspectos da tuberculose lingual, sintomas, variedades, influência do sexo e idade, casos nacionais, diagnóstico, observações, comentários, tratamento, prognóstico - Sífilis lingual - Leucoplasia - Tumores - Glossoptose - Glossodinia - Patologia da base da língua - Amigdalite lingual - Varizes da base da língua - Doença de Riga-Fede.

GENERALIDADES

O estudo da patologia da língua eleve ser da alçada do Oto-Rino-Laringologista, assim como, também o de tôda a cavidade bucal.

Há até certa obrigação moral e profissional para que tal aconteça, mormente no nosso meio, pelas escassez com que são encontrados os estomatologistas que cuidem, realmente, das doenças da cavidade bucal, afastados os dentistas especializados em clínica das doenças das gengivas e que não podem avançar além do seu âmbito profissional.

Na cavidade bucal, por sua importância e freqüência, o estudo das doenças da língua merece particular atenção e cuidado. Ambiente propício ao desenvolvimento de germes, mercê das circunstâncias de temperatura ambiente e de umidade, e, ainda, pelas condições anatômicas favoráveis como sejam os sulcos e cavidades ai abundantes, as cáries dentárias, os aparêlhos protéticos de difícil limpeza e, mesmo nos casos normais, os espaços interdentários, as criptas amigdalianas, a presença da encruzilhada aerodigestiva com tôdas as possíveis contaminações dos órgãos que lhe são anexos, é até de admirar-se que as doenças da língua não sejam mais freqüentemente observadas.

Insistimos, porém, que a sua patologia deva ficar afeta à nossa especialidade. É também a opinião de Alfaro, que nos parece sensata e lógica, expendida nas suas magníficas "Lecciones de Clínica Oto-Rino-Laringológica" (Libr. y Ed. El Ateneu. B. Aires, 1943), publicadas em 1943, que "La patologia de la língua debe ser conocida tambien por los especialistas, como qualquier otro cie los capitulos de la otorrinolaringologia, pues frecuentemente se presentam a nuestra consulta, casos de lesiones de Bicho órgano, a las que no sólo debemos hacerle un diagnostico to mas preciso posible, sino tambien, establecer su exacta etiologia, para con ello deducir una orientación terapeutica que sea verdaderamente eficaz".

NOÇÕES DE ANATOMIA

A língua, órgão muscular e mucoso, que desempenha papel de importância capital na mastigação e sucção, na deglutição, na fonação e principalmente na gustação, é dividida pelos autores em duas partes, ou, melhor, em dois segmentos: um anterior e móvel, o segmento bucal, o outro, relativamente fixo, situado para trás do primeiro, é o segmento faríngeo ou base. No seu conjunto é revestida de mucosa, com exceção, é natural, da secção póstero-inferior que a fixa ao assoalho da bôca. No primeiro segmento, isto é, no segmento móvel, estão presentes em maior número os elementos nervosos sensíveis aos sabores. No segmento posterior, separado do outro pelo V lingual, formado pelas papilas caliciformes, encontra-se a amígdala lingual.

Os autores lhe descrevem uma face superior ou dorsal, uma face inferior ou ventral, bordos laterais, ponta e base.

A face menos extensa é a ventral ou inferior, presa na espessura do assoalho da bôca ou raiz da língua. Aí localizam-se os orifícios dos canais de Wharton e de Rivinus.

A língua é constituída por um arcabouço ósteo-fibroso, por músculos, mucosa, vasos e nervos. 0 arcabouço ósteo-fibroso é formado pelo ôsso hiode, pela membrana do hio-glosso e pelo septo mediano.

Os músculos são em número de 17. Deles, 15 são extrínsecos dos quais 14 são pares, gênio-glossos, hio-glossos, estilo-glossos, palato-glossos, faringo-glossos, amígdalo-glossos, linguais inferiores e o lingual superior, sendo êste último o único ímpar. Os dois músculos transversos são os intrínsecos. A mucosa da parte anterior ao V lingual tem formação diferente da posterior pois possue aspecto aveludado e se caracteriza pela presença de papilas cuja designação varia de acôrdo com sua forma. As papilas caliciformes são as mais volumosas, em número de 12 a 15. Segundo a opinião de Mathias Duval, elas deviam tomar o nome de calicículas em vez de caliciformes pois não são as papilas que apresentam o aspecto de cálice mas sim as cavidades onde se alojam.

As fungiformes e foliáceas espalham-se por todo o órgão e são facilmente visíveis com uma lente.

Os botões gustativos encontram-se não apenas nas papilas, mas, também, disseminados e isolados em tôda a cavidade bucal.

Órgão ricamente vascularizado, a língua encerra artérias e veias importantes, responsáveis pela facilidade com que sangra nos acidentes traumáticos.

Os nervos da língua são de três ordens, ensina Testut: motores, da sensibilidade geral e da sensibilidade especial.

SULCOS E SALIÊNCIAS

Sulcos e saliências são descritos mesmo na mucosa normal e que, por sua disposição e profundidade, assumem aspecto esquisito. Tais sulcos podem ser divididos em dois grupos: os que aparecem na mucosa são (língua geográfica e língua escrotal e os que aparecem em mucosa doente (esclerose sifilítica e hipertrofia cerebriforme de Broq).

A língua geográfica é por alguns autores separada da língua escrotal.

Há autores que identificam a língua geográfica à glossite esfoliativa marginal, o que parece acertado. Afecção estudada por Fournier e Lemmonier, é também conhecida como glossite dissecante. Caracteriza-se pelo fato de mudar de local com grande facilidade. Ora se apresenta na ponta, ora no dorso, ora próximo às margens. Em poucos dias desaparece de uma região para surgir em outra. Tem sido chamada de eczema da língua. "Quando se assesta nas áreas descamadas com ulcerações ou escoriações, sobrevêm fenômenos dolorosos" (Lemos Torres).

Para Sabóuraud, citado por Lemos Torres, sua causa é desconhecida sendo, porém, certo que é de benignidade absoluta.

Comby e Guinou acreditam numa responsabilidade parasitária enquanto que para Cicconardi ela deve estar relacionada com perturbações. digestivas de mecanismo trofo-neurótico.

Já a língua escrotal possue significado diverso. Segundo Ulisses Lemos Torres que estudou a semiótica da língua, a língua escrotal é achado raro não alcançando, de acôrdo com Cruet a freqüência de 1 por mil, "Barbosa Sueíro, em Portugal, encontrou 12 casos em 1.500 indivíduos. Para êle o tipo cerebriforme da língua escrotal seria o mais comum. Teixeira, na Bahia, 1 caso em 700 indivíduos e nós, 3 casos em 1.350 doentes, sendo dois do tipo cerebriforme" (Lemos Torres).

A figura 1 exemplifica o aspecto da língua geográfica. Também a figura 2, de um paciente visto por nós, é outro exemplo dêste tipo de língua.


Língua Geográfica (Wardi and Hendrick)



Língua Geográfica



Hipertrofia Cerebriforme de Brocq


Na chamada hipertrofia cerebriforine de Brocq a língua apresenta-se com sulcos profundos (Fig. 3), talhados a pique, sulcos regulares e que têm, segundo Ruppe (Charles Ruppe - Sémeiologie des affections de la bouche et des dents - Masson & Cia., Ed. Paris, 1935), o aspecto de circunvoluções cerebrais. Este autor, estudando os sulcos da língua, divide-os em:
a) sulcos sôbre a mucosa sã:
b) sulcos sôbre a mucosa alterada.

Pertencem ao primeiro grupo a língua escrotal ou geográfica, e os sulcos fisiológicos. Ao segundo, a esclerose sifilítica e a hipertrofia cerebriforme de Brocq.




Figura 4


As figuras 4 e 5, reproduções fotográficas de um caso de nossa clínica, mostram muito bem o aspecto típico da glossite esfoliativa ou esfoliante marginal.

A glossite esfoliativa marginal é afecção mais freqüente nas crianças do sexo feminino. Aparecem na superfície do órgão pequenas manchas de forma irregular com o aspecto de carta geográfica mas que mudam rápidamente de região. Em poucos dias as lesões do mesmo aspecto passam de um lugar para outro. São lesões lisas que deixam a língua, no ponto atacado, sem papilas, brilhante e com aspecto levemente esbranquiçado. Em geral desaparecem, definitivamente, na puberdade. Tem sido lembrada sua relação com a lues.


Figura 5 - Glossite Esfoliativa


A Glossite mediana losângica é uma afecção crônica do adulto, de observação mais ou menos freqüente. Assesta-se para diando V lingual, tomando a forma de um losango despapilado e que apresenta muitas vêzes uma coloração amarelada. Sua origem é ainda desconhecida. Tem sido atribuída ao fumo e também a carências vitamínicas.

A Glossite de Hunter caracteriza-se pela presença de vesículas no bordo lingual, de focos anêmicos, pálidos de,aspecto liso e atrófico e que outras vêzes se tornam avermelhados. Ao contacto com os alimentos sólidos, ou até expontâneamente, surgem dores cuja intensidade não está absolutamente de acôrdo com a insignificância relativa das lesões. É considerada como sintoma precoce da anemia perniciosa. O exame hematológico confirma ou afasta qualquer possibilidade de êrro neste sentido.

Língua urinária - Guyon aconselha o exame da língua dos urinários diariamente.

A língua arintiria é primeiramente forrada por um inducto pultáceo salvo nas bordas e na ponta que continuam róseas. Depois, torna-se sêca, dura, como se estivesse ancilosada na bôca, de sorte que o doente fala e engole com dificuldade, principalmente os alimentos sólidos. É a chamada disfagia bucal.

CARÊNCIAS

As carências vitamínicas, mormente do complexo B determinam alterações da mucosa lingual que principiam por modificações da cor e do aspecto do órgão e podem terminar por lesões mais pronunciadas do epitélio, dando oportunidade a que, por perda de resistência, se instalem processos sépticos. Têm sido descritas tesões linguais na arriboflavinose (C. C. Wcygand - Arriboflavinosis - In América Clínica, Vol. IV, pg. 106 (1942), na pelagra (Vicente Baptista - "Vitaminas e Avitaminoses" - Mário M. Ponzini & Cia., Ed. S. Paulo, 1942), em algumas estomatites ulcerosas e gangrenosas (Antônio Corrêa e Luís Oriente - "Tratamento das Estomatites Ulcerosas e Gangrenosas e da Amigdalite de Vincent pelo Acido Nicotínicob - In Rev. Bras. de O. R. L., 1941, pág. 439.) que cedem completamente ao tratamento pelo ácido nicotínico.


Figura 6 Fluorescência da língua (W. Tomaszewski)


CARÊNCIAS E FLUORESCÊNCIA DA LINGUA

A fluorescência da língua é um fenômeno interessante ;á estudado há tempos e que, ìtltimamente, foi revisto e retomado para explicação de determinadas carências vitamínicas. Quando a cavidade oral é submetida a uma irradiação pelos raios ultra-violeta, a observação ensina que a língua e os dentes se tornam fluorescentes.

Segundo os estudos de Tomaszewski (The British Med. Journal, 20 Jan. 1951) o composto luminescente é a porfirina, pigmento existente na região. Estudos de Costello demonstram que, em casos de avitaminose do complexo 13, o fenômeno descrito, isto é, a fluorescência, não se verifica, assim como, também, é quase nulo nas anemias perniciosa a ferro-priva. Também o uso de antibióticos acarreta o desaparecimento da fluorescência, a qual, com a supressão medicamentosa, volta aos poucos a ser notada, progressivamente. Embora não exista explicação clara, para o fenômeno, chegou-se, contudo, à conclusão de que para que êle se observe torna-se indispensável a presença de papilas normais. Assim é que êle não é notado quando as papilas se atrofiam, em casos de glossites. Alguns autores referem-se ao efeito estimulante das vitaminas do complexo 13 na produção da porfirina, in vitro.

O fenômeno referido é melhor observado na infância pois parece que com a idade a produção da porfirina vae se reduzindo.

AFTAS

São lesões vesículo-ulcerosas da cavidade bucal. Torna-se indispensável estabelecer a diferença entre aftas simples, banais, ligadas a uma predisposição individual, a acidez gástrica, a lesões não específicas, e a estomatite aftosa, doença geral, contagiosa, epidêmica. Em ambas as afecções o paciente queixa-se de dores muito violentas e as lesões superficiais, arredondadas e elípticas recobrem-se de uma substância esbranquiçada.

As aftas simples são pouco numerosas e localizam-se em qualquer sítio da cavidade bucal. As de localização lingual são as que mais dores provocam em virtude da maior movimentação do órgão. Há indivíduos particularmente sujeitos a elas, bastando-lhes a ingestão de determinados alimentos para que apareçam.

ESTOMATITE AFTOSA

Na estomatite aftosa as lesões, com o mesmo aspecto das aftas simples, são mais numerosas, podendo assumir proporções muito grandes, o que impede a mastigação e muitas vêzes dificulta a deglutição. Quase sempre acompanham-se de mal estar geral e febre, sialorréa abundante e mau hálito. A epizootia comum no gado pode contagiar o homem por falta de higiene no tratamento do leite. É mais comum na zona rural, onde os cuidados higiênicos são minguados, pois o leite é colhido sem prévia lavagem das mãos do tirador e do ubere das vacas.

Embora não seja de verificação muito freqüente, muitas vêzes desencadeiam verdadeiras epidemias. Como nos casos de aftas simples, ainda aqui o prognóstico é benigno.

Em 1927 tivemos oportunidade de publicar duas observações bastante características dessa epizootia (Octacílio de C. Lopes - Dois casos de febre aftosa humana - In Gazeta Médica da Bahia, 1927 - Vol. 58, n.º3, pág. 107). Em ambos os casos a língua se apresentava ulcerada e saburrosa, os pacientes babavam abundantemente e queixavam-se de dores muito vivas. Havia gânglios parotídeos e submandibulares engorgitados e dolorosos. Algumas vêzes as aftas assumem proporções exageradas, podendo trazer confusão diagnóstica com outras moléstias, mormente com a sífilis na sua fase de inoculação.


Figura 7 - Afta


Vimos, certa vez, um paciente com enorme ulceração de forma elíptica, recoberta por tecido fibrinoso, localizada na vizinhança de um dos bordos da língua, extremamente dolorosa; o paciente alimentava-se com dificuldade, evitando a mastigação, pois não suportava o menor movimento do órgão. A rápida evolução da lesão e a circunstância de outras idênticas no sulco gengivo-labial, orientaram o diagnóstico e o tratamento pôde fazer-se com breve cura e desaparecimento da lesão.

Ainda recentemente vimos outro caso parecido. De início houve certa reserva no diagnóstico, o mesmo acontecendo com ilustre colega que também viu, o paciente. A lesão, assestada na ponta da língua, deixava, pelo seu aspecto clínico e pela sua evolução, grande dúvida entre proto-sifiloma e afta. Melhor observação e exames subsidiários afastaram a primeira hipótese. A figura 7 ilustra o caso.

GANGRENA

Tivemos ocasião de acompanhar e publicar um caso de gangrena da língua numa criança. Seu estado, realmente desesperador, foi solucionado com grande facilidade com o emprego do ácicio nicotínico em dose alta. A figura 8 mostra o aspecto da língua após a cura das lesões, deixando vêr, através do rendilhado com que se apresentam os bordos linguais, a extensão da perda de substância sofrida pelo órgão.


Figura 8 Glossite Gangrenosa Curada pelo ácido nicotínico


Tratava-se de uma criança de 6 anos de idade (P. C7. R., ficha n." 12.998, de 7-3-19;2) que fazia 17 dias adoecera de febre alta e feridas na língua. Apesar do tratamento, as feridas aumentavam, dia a dia, com o aspecto de gangrena e desprendendo cheiro nauseabundo insuportável. Nos últimos dias eliminavam-se fragmentos necrosados da língua.

A paciente desnutrida, pela impossibilidade de alimentar-se, com acentuada palidez, bôca aberta deixando escorrer baba grossa e fétida, tinha, no momento do exame. 39,9°C de temperatura. Prescrevemos ácido nicotínico em dose elevada, 300 miligramas por dia (3 âmpolas de Zimacotil), antissepsia local com solução branda de permanganato de potássio e toques com solução aquosa de violeta-fucsina. As melhoras foram notáveis. A partir do terceiro dia, diminuímos a dose de ácido nicotínico. A paciente, no sexto dia, estava curada e nas condições em que aparece na figura 8.

ESTOMATITES MEDICAMENTOSAS

Nos dias que correm são menos encontradiços os casos de aspecto tão típico com que se apresentava outrora a estomatite mercurial, pois, com o advento da bismutoterapia e principalmente da penicilinoterapia, o mercúrio tem sido afastado para um segundo plano, ao contrário do que acontecia quando o mesmo constituía o único tratamento da sífilis e era empregado por todos "larga manu". Como se sabe, a estomatite mercurial, conseqüência "da eliminação tóxica e da infecção superposta pelos germes da boca" (A. Gougerot - Syphilithérapie - Êtat actuel du traitment mercuriel - In Bol. Gén. de Thérap., 1925, pág. 294), assumia proporções às vêzes muito sérias.

Nos pacientes com estomatite sifilítica, mercurial ou bismútica, o diagnóstico pode ser dificultado, o que, em o nosso meio, acontece quando o doente nos procura, vindo do interior, depois de tratamento com farmacêuticos, não sabendo informar quais as injeções usadas.

As estomatites mercuriais, como esclarece Zinsser (Fernando Zinsser - "Afecciones sifilíticas y sifiliformes de la boca" - Ed. Labor, 1926), "apesar de oferecerem quase sempre um quadro clínico característica, podem, ocasionalmente, dar lugar a placas mucosas e ulcerações difíceis de distinguir das produzidas por diversas afecções".

São sintomas típicos da estomatite mercurial, para o mesmo autor, "rubefação e tumefação da mucosa, sialorréa abundante, ulcerações purulentas nos bordos gengival e lingual".

Zinsser lembra, porém, que tal cortejo sintomatológico tão lipico nem sempre se apresenta completo, podendo existir apenas um que outro sinal isolado e, entre êles, a simples ulceração lingual, justamente nas regiões mais expostas aos traumatismos dentários, mormente quando os dentes apresentam bordos cortantes.

Hoje, com a proscrição dos mercuriais da terapêutica antibiótica, tais casos não são mais observados.

Além do mercúrio e do bismuto, outros medicamentos existem capazes de produzir irritação da mucosa bucal.

O iôdo, assim como os balsâmicos, está nêste caso, embora a observação de fatos que tais seja de verificação muitíssimo pouco freqüente, como o são, também, as que se podem notar com a antipirina e seus derivados, como a fenacetina, o piramido e a salipirina que devem ser rotulados como acidentes alérgicos.

GLOSSITES ALÉRGICAS

Zinsser relata um belo caso de glossite salipirínica que constatou num homem de idade e surgida meia hora após a ingestão do medicamento. Teve, a princípio, uma sensação de queimadura, seguida de tumefação e rubor da mucosa, principalmente da língua. O paciente informou que há alguns anos sofreu a mesma coisa após a ingestão de salipirina, porém, com intensidade menor. Provavelmente trata-se de um caso de alergia medicamentosa.

Casos tais são hoje mais ou menos freqüentes. Vimos há meses um grande edema de língua num paciente que partiu, nos dentes, um comprimido de Cibalena sem o deglutir, porém, com a penicilina, mais comumente do que com os outros antibióticos, e também com as sulfas, já acompanhamos casos de reação alérgica lingual. Quase sempre tais reações possuem caráter apenas edematoso, seguido, excepcionalmente, de ulceração.

GLOSSITES DAS MOLÉSTIAS INFECCIOSAS AGUDAS

No curso da varicela e do sarampo podem aparecer ulcerações da língua, quase sempre superficiais e sem gravidade.

GLOSSITES MICÓTICAS

O Sapinho, também designado por estomatite cremosa, conhecido na França com o nome de muguet, apresenta-se cone aspectos variáveis. São, em geral, pequenas lesões recobertas por induto amarelado, pseudo-membranoso. Seu agente causal foi dado por Robin em 1853, como sendo o oidium lactis, depois classificado entre as moniilia (monilia albicati). São produzidos sempre por fungos e quando as lesões se tornam mais rebeldes ao tratamento é porque existem associações de variedades diferentes de cogumelos. Parece que se relacionam com um estado acidótico que favorece seu desenvolvimento. Talvez não se possa confirmar a idéia anterior de constituirem, êsses fungos, parte da flora normal da bôca do lactente. Está fora de dúvidas que para seu contágio haja necessidade da diminuição de resistência da mucosa bucal tal como se verifica nos estados de carência o que muito facilita seu desenvolvimento.

Os pacientes atacados, na maioria das vêzes lactentes, sentem dor muito aguda a lhe dificultar os movimentos da língua e, em conseqüência, a alimentação.

De uma maneira geral, porém, a lesão conhecida por sapinho quase sempre pequena e localizada na ponta da língua, não oferece maior interêsse, pela simplicidade de seu diagnóstico. A figura 9 mostra como a lesão, tão encontradica nas crianças, pode, porém estender-se tomando aspecto curioso.


Figura 9 - Sapinho


No seu tratamento usamos a solução de ácido crómico a 1%, em aplicação tópica, com excelentes resultados. Entretanto, nos casos mais rebeldes, podemos acrescentar as soluções alcalinas e também as vitaminas do complexo B.

ACTINOMICOSE

A localização lingual é rara no homem. Traduz-se por um nódulo duro, isolado, circunscrito e liso que se assenta na metade anterior do órgão. Quando o nódulo amolece, a punição deixa sair um líquido purulento.

BLASTOMICOSE

Não é de encontro freqüente a localização lingual da blastomicose. Em geral ela se processa sempre pela extensão de um processo de vizinhança. Raphael da Nova no seu trabalho sôbre "Formas Oto-Rino-Laringológicas das Blastomicoses" (1.º Congresso Sulamericano de O.R.L., 1940) relata a observação de um paciente de 66 anos de idade, apresentando lesões linguais, ulcerações de fundo "saliente, granuloso e endurecido".

"0 exame direto do induto da língua revelou a presença de paracoccidioides brasiliensis". 0 mesmo resultado foi obtido em outro caso em que o paciente de 56 anos, apresentava a língua ulcerada no dorso, ulceração extensa, escavada, dura.

"0 fundo da úlcera é irregular, granuloso e áspero, tem uma tonalidade marrom nos pontos salientes ao passo que onde as granulações são mais rasas e largas têm cor mais pálida".

Observações dessa natureza de fato são pouco comuns. Elas, porém, estão registradas e nos convencem de que a razão está ao lado de Ramond (La Clinique Medicale) quando não deseja incluir as micoses entre as moléstias que devem ser lembradas diante de uma ulceração da língua. Ramond contesta a freqüência com que os livros didáticos registram a glossite de origem esporotricósica, baseado no fato de que, até o presente, só existe um caso conhecido que é o relatado por Letuble e Debré.

LÍNGUA NEGRA

A língua negra ou língua pilosa negra é uma afecção atribuída a cogumelo, embora isso seja ainda discutível. É rara e caracteriza-se pela coloração típica da língua que se torna negra e também apresenta aumento de volume das papilas. Temos visto vários casos em pacientes no decorrer do tratamento aerosólico com a penicilina.

A título de ilustração transcrevemos a seguinte observação de nossa clinica, que nos parece de extrema raridade:

A. G. (ficlia 2.630), 4 anos, branco, brasileiro, residente em Palmares, Estado de S. Paulo, veio à consulta no dia 22 de novembro de 1933, sofrendo de estranha moléstia que prendeu a atenção de todos os clientes na sala de espera.

Boca aberta, língua consideravelmente aumentada de volume, a ponto de não caber dentro da cavidade bucal, ficando, como se vê nas gravuras anexas (figs. 10 e 11), com uma parte volumosa bastante exteriorizada permanentemente, oferece um aspecto inédito aos olhos dos curiosos e infunde compaixão a todos pelos sofrimentos indescritíveis que acarreta. Informa o pai que, poucos meses depois de nascido, o pequeno apresentou na língua um carocinho que, de tempos em tempos, aumentava de tamanho, diminuindo, depois, expontâneamente, sem tratamento. De uns cinco meses para cá, a lesão começou a aumentar; ao contrário das outras vezes, cresceu sempre e sempre até ficar maior de que um limão grande, obrigando-o à posição de bôca aberta. Assim se passaram quatro meses. Com o uso de remédios caseiros, infusos de hervas, a língua desinchou bastante. chegando a permitir que o pequeno pudesse fechar a bôca. Há ums dez dias, recomeçou a incitar e a crescer, mas ainda não está do tamanho atingido da outra vez.


Figura 10



Figura 11 - Micose da língua, de espécie não identificada.


Apesar do desejo que manifestamos de acompanhar o caso, assumindo a responsabilidade de todos os gastos necessários, interessado pela esquisitice e raridade da afecção, A. G. apenas retornou à clínica uma única vez, não nos sendo possivel obter informações do rumo que tornou, ficando baldados todos os passos para encontrá-lo. As fotografias que apresentarmos - foram obtidas no dia da primeira consulta. O aspecto da língua, consideravelmente aumentada de volume, lembrava um blastoma. Tipo da língua de papagaio, seca, rosada na parte média, no ponto por onde a lesão se iniciou (carocinho a que o pai se referiu). Baba espêssa, escorrendo sem cessar. Estado geral, mau. A. G. apresenta-se desnutrido pois alimenta-se com imensa dificuldade, conseguindo introduzir apenas comidas que empurra com os dedos, forçando a língua que lhe arrolha a boca. Queixa-seC constantemente de dores, não conseguindo dormir a não ser um sono entrecortado de gemidos desesperados e de crises asfixicas. O exame de laboratório (esfregaço da parte ulcerada), feito pelo Dr. José Rezende, revelou a existência de um cogumelo cuja cultura se desenvolveu com grande violência, mas que não pode ser classificado. A deserção do doente impediu-nos de retirar material para biópsia, inutilizando nosso desejo de apresentar o caso bem documentado.

FLEIMÕES E ABCESSOS

Coleções purulentas desenvolvidas no parênquíma do órgão, são de freqüência muito reduzida.

Verificam-se pela penetração de germes através de uma solução de continuidade, por propagação de uma infecção de vizinhança ou, ainda, como complicação secundária de certas doenças infeciosas agudas.

A pouca freqüência do seu registro encontra explicação na própria constituição histológica da mucosa lingual, elástica e resistente, e da própria massa lingual dividida em lojas mais ou menos independentes que elucidam em parte as localizações dos abcessos (Henault). 0 abcesso da língua é, pois, uma afecção de raridade relativa e se apresenta de preferência nos adultos do sexo masculino, sendo excepcional nas mulheres e também nas crianças e nos velhos.

Podemos apontar como causas mais importantes do abcesso da língua as glossites, as inflamações bucais e faringeas, as estomatites, as infecções dentárias mas, sobretudo, os traumatismos. São mordeduras acidentais ou machucaduras repetidas por arestas de dentes infectados, traumatismos por corpos estranhos (espinhas de peixe, fragmentos de ossos etc.).

Existem relatos de casos de abcessos por mordida durante um ataque epiléptico como, também, por traumatismo provocado pela broca no decorrer de tratamento dentário.

Naturalmente que numa paciente com mau estado geral, com reações orgânicas deficientes, a instalação de um abcesso lingual se faz com mais facilidade.

Arturo Romero distingue os abcessos da língua, segundo sua sede, em abcessos da porção livre, da base, lateral e mediano. Os da porção livre são menos freqüentes que os da base. "São perfeitamente limitados, salientes, e duros". São muito dolorosos. Os da base provocam disfagia dolorosa e crise de dispnéa.

"Os laterais caracterizam-se por sua unilateralidade". A presença do septo lingual é suficiente para justificar esta lateralidade, explicando alguns autores a localização mediana pela ausência do septo.

A sintomatologia é variável na sua intensidade. Os sinais locais são mais ou menos violentos pelas dores que acarreta o movimento do órgão, mormente durante a mastigação. A língua aumenta de volume e se torna dura. As dores se irradiam para a garganta, para o pescoço e, sobretudo, para os ouvidos, aumentando consideravelmente à tentativa de mastigação. Por isso a alimentação fica reduzida a líquidos embora seja também intensa a dor à sua deglutição.


Figura 12 Abcesso superficial



Figura 13 Abcesso da metade direita da língua


A hipertermia é freqüente, acompanhada de calafrios.

A evolução, em geral, se faz num período de 8 a 10 dias ou mais. Sua marcha para a abertura expontânea é a regra, embora existam casos na literatura médica em que os germes causadores são de tal virulência que levam o paciente à morte por complicações sépticas imprevisíveis, mormente no curso de uma doença grave em que as defesas orgânicas se encontram abaladas.

Romero descreve várias formas clínicas de abcessos da língua: forma submucosa, forma da porção livre, formas superaguda, aguda e subaguda. É indispensável evitar erros de diagnóstico com outras afecções como a angina de Ludwig e fleimões de regiões vizinhas.


Figura 14 - Abcesso da metade esquerda



Figura 15 - Abcesso difuso



Figura 16 - Abcesso profundo


Sua gravidade depende, além da virulência dos germes, do estado geral do doente. Assim é que nos diabéticos e nos nefréticos ela se torna consideravelmente aumentada. No nosso arquivo encontramos vários casos de abcessos da língua por nós observados. De alguns, possuímos documentação fotográfica. Num dê-les, bastante raro, o abcesso, superficial estava situado na metade direita da língua, (Fig. 12) perfeitamente limitado e superficial.

A figura 13 mostra outra das nossas observações em que a localização profunda na metade direita do órgão acarretava seu maior volume, ao lado de dores violentas, febre e calafrios. A figura 14 mostra outro caso em que a localização se verificava ainda mais perto do bordo esquerdo. A figura 15 é um caso em que a coleção se processou na metade direita a princípio, estendendo-se depois para o meio do órgão. A figura 16 é de uma observação de abcesso localizado na parte média e mais próximo da
ponta.

ANGINA DE LUDWIG

Rigorosamente êste captíulo não caberia no presente trabalho. Entretanto não vemos inconveniente em inclui-lo mais com a finalidade de facilitar o diagnóstico diferencial com os fleimões profundos da língua, mormente da parte posterior do órgão. É conhecido como Angina de Ludwig, o fleimão difuso do assoalho da bóca.

Instala-se de repente, de forma violenta e alarmante, com dores à mastigação, trisoro, disfagia dolorosa intensa, febre alta, calafrios e dificuldade respiratória, ao lado de inflamação da região, particularmente notável e que se estende à região submandibular e ao pescoço.


Figura 17 - Angina de Ludwig


0 exame do paciente mostra a língua empurrada para cima pelo edema do assoalho da boca, deixando certa dúvida se ela também se encontra, ou não, envolvida no processo flogístico. 0 assoalho da boca se mostra endurécido, resistente, lenhoso e dolorosíssimo. A inflamação estende-se rapidamente, determinando edema da glote e provocando a dificuldade respiratória. referida. A disseminação do processo infeccioso processa-se com violência, servindo-se das bainhas dos músculos gênio-glosso e milohióideo tendendo a invadir o mediastino, nos casos mais graves. Os germes dessa infecção, terrivelmente virulentos, parece que provêm de dentes cariados ou de lesões traumáticas da mucosa bucal.

A figura 17 é de um paciente que vimos em 1936 e que veio a falecer em poucos dias de moléstia. Nas formas subagudas da angina de Ludwig não deve ser esquecida a possibilidade de confusão diagnóstica com tumores diversos, com a sífilis e com as micoses.

0 tratamento deve ser cirúrgico e precoce com drenagem larga e galvano cauterização extensa da região afetada por via externa, ao lado do emprêgo de antibióticos em dose generosa.

LOCALIZAÇAO LÍGUAL DA TUBERCULOSE

Todos os autores consideram rara a localização lingual da tuberculose.

M. S. Binstok (La Tuberculose de la Langue, sa Clinique et sa Thérapeutique - In Révue de Lar. Otol. Rhin., 1937, pág. 745), Chefe da Clínica de Tuberculose das vias respiratórias superiores do Instituto Médico de Climatologia e de Climatoterapia em Jalta, na Rússia, citando Loukowsky, refere-se aos 66 casos dêste autor, relativos à afecções tuberculosas da cavidade bucal, para mostrar que a localização na língua era observada em 46%.

Ainda em favor da raridade apontada, falam os ciados estatísticos de Ormérod (Ulcerations tuberculeuses de 1a bouche et du pharyx - In Les Annales d'Oto Laryngol, 1938, pág. 1.136). Em 17.000 doentes que passaram pelos seus cuidados, em quinze anos, viu 20 casos de tuberculose da amígdala, 32 da faringe, 4 do cavum e 2 dos lábios, ao lado de 3.120 de localização laringéa. Não registrou, siquer, um único caso de lesão lingual!

Shebshaiewitsch e Gershkovitsh (Apud Binstok, op. cit) encontraram, em 523 tuberculosos autopsiados, 79 casos de lesão bucal, dos quais 50, ou sejam 63%, com localização na língua.

Menegaux G.(Pratique Médico-Chirurgicale, T. V. Masson, Ed. Paris, 1931), cita a estatística de Von Ruck, com 19 achados em cêrca de 3.000 tuberculosos.

Também Ch. Lenormant (Précis de Pathologie Chirurg. - T. II, pág. 462. - Masson & Cie., Ed. Paris, 192) está de acordo com a raridade da localização que estudamos, embora a considere mais encontradiça do que as outras situadas na cavidade oral.

A estatística de Myerson (Tuberculosis of the lar, cose and throat - Ch. C. Thomas. Publ. 1944) é de 31 localizações linguais em 9.735 pacientes de um hospital para tuberculosos.

A de Wifligk (Quoted by D'Annoy et al. - Amer. Rev. Tub., 35:180, 1937) é de 2 casos em 1.317 autópsias, enquanto a de Fischer (Apud Mervin C. Myerson) é de 3 entre 1.500.

Myerson cita o surpreendente resultado do exame histológico sistemático praticado por Katz em duzentas línguas. 19,9% delas estavam envolvidas no processo, sendo que a maioria apresentava lesões na base. Tais lesões, quase sempre, eram secundárias à localização laringéa e, mais particularmente, da região epiglótica.

ASPECTOS DA TUBERCULOSE LINGUAL

As lesões tuberculosas da língua são, quase sempre, únicas, afirma Lénormant. São geralmente múltiplas, diz Ramond (Lições de Clínica Médica - Ed. Guanabara, 1937). São opiniões divergentes que traduzem a insegurança do assêrto, revelando a apoucada observação dos ilustres mestres, no que concerne à afecção estudada.

Seu sítio de eleição, para a maioria dos autores, é a ponta do órgão. Forgue (Op. cit.) indica que ela se assesta na ponta e nos bordos. Encontramos nos autores que publicaram observações sôbre o assunto, ao lado da localização na ponta e nos bordos, também nas faces dorsal e ventral, o que está de acôrdo com nossa pequena experiência.

ASPECTO

M. Mathes (Diagnóstico Diferencial de las Enfermedades Internas - Ed. Labor, 1937) fala-nos no aspecto típico que lhe dá a impressão de úlceras como que cortadas com saca-bocados, ainda que de forma irregular.

O fundo da ulceração é, segundo a expressão de Réclus (Apud Lénormant, op. cit.)montanhoso.

Todos os autores realçam sua forma alongada na direção do eixo da língua, nos seus bordos talhados a pique ou caprichosamente rendilhados. Para Forgue (Op. cit.) o fundo é acizentado, anfractuoso e, algumas vêzes, a ulceração é envolvida por pequenos pontos ou pequenas granulações dispostas em forma de colar (pontos amarelos de Trélat), que não são mais do que tubérculos epiteliais.

Nem sempre, porém, a lesão aparece de maneira tão típica. É mesmo freqüente que outras afecções lhe mascarem a fisionomia, dificultando sua identificação. Tal acontece quando - como veremos adiante -, ao lado da tuberculose existe concomitantemente a sífilis ou o câncer. Wessely (Un case de tuberculose linguale dissimulé par une stomatite> - Soc. Vinoise Lar. Rhinol., séance de 11 janvier 1937), confirmando êste modo de pensar, relatou um caso em que o diagnóstico foi sensivelmente dificultado em virtude da estomatite coexistente.

Mas, não é apenas esse aspecto, que tem sido descrito mais vêzes, o único em que a localização da tuberculose é encontrada. Existem na literatura observações em que o tipo da lesão é úlcero-vegetante ou em forma de fissuras longitudinais ou granulomatosas, ou, ainda, com aspecto de papilomas e de abcessos. São formas menos encontradiças, mas existentes. Sem dúvida alguma, porém, a mais comum, a mais freqüentemente descrita, é a ulcerosa, podendo as ulcerações se apresentarem isoladas ou múltiplas, profundas ou rasas, pequenas ou grandes.

SINTOMAS

Um dos caracteres da localização da tuberculose da língua é a dor. A lesão é dolorosíssima ao contacto dos alimentos picantes ou quentes, do álcool ou do fumo; sobretudo, porém, ao movimento do órgão "durante a mastigação e a deglutição", confirmam-no Denker e Albrecht (Tratado de Oto-rino-laringologia - S. Gati, Ed., Barcelona). Os doentes queixam-se de abundante sialorréa.

O exame meticuloso pode encontrar em alguns casos os gros ganglions sous-maxillaires que, para Léjars (Exploration clinique et diagnostique chirurgicale" - Masson & Cie., Ed. Paris), estão sempre presentes. Tal achado, porém, pode falhar ou falha as mais das vêzes. É o que ensina a experiência.

Está assente, apesar de opiniões isoladas em contrário, que a tuberculose lingual nunca é primitiva, mas, sempre secundária. É uma contaminação da tuberculose pulmonar. Os casos rotulados de primitivos são duvidosos e comportam discussão.

A contaminação faz-se através de soluções de continuidade, resultantes de traumatismos de natureza vária, como já referimos.

Escreve Ribbert Monckeberg (Patologia General y Anatomia Patológica - Ed. Labor, S. S.) a propósito:

"As pequenas efrações da mucosa permitem a penetração dos bacilos nos tecidos, onde provocam a formação de nódulos que, destruídos, dão lugar a úlceras".

Vemos, assim, não somente - como o autor entende - que se dá a contaminação, como, também, a maneira por que se faz a evolução das lesões que o mesmo autor acha muito parecidas com as de natureza sifilítica e carcinonlatosa.

Ao lado desta contaminação direta, outras vias de infecção podem servir para conduzir ao órgão os vermes que ali vão formar a tubercúlide.

VARIEDADES

Binstok (La tuberculose de la langue - In L'Oto-Rhino-Laryng. Int. - 1938, pág. 452) estudando as diversas formas da tuberculose língual descritas pelos autores, ou sejam:
l.º forma - Miliar
2.º forma - Tuberculoma
3.º forma - Úlcera
4.º forma - Fenda
5.º forma - Abcesso frio
6.º forma - Papiloma
7.º forma - Lupus,

achou, acertadatnente, poder reduzir tôdas elas a três, baseando-se na sua patogenia:
l.º forma - Esputogênica
2.º forma - Hematogênica
3.º forma - Linfogênica.

Menegaux (Op. cit.), por sua vez, descreve três variedades de tuberculose lingual:
1.º - Ulceração
2.º - Lupus
3.º - Abcesso frio.

Parece-nos, porém, mais didática, a classificação de Binstok. Este autor, descrevendo a forma que denomina de esputogênica, refere-se à contaminação direta pelo escarro do doente. O germe, encontrando a porta aberta, uma lesão do epitélio de revestimento, ali se instala. Os casos de tuberculose lingual não são mesmo mais freqüentes em virtude da proteção que dá ao órgão seu epitélio pavimentosa estratificado.

A forma que denomina de hematogênica, em que a contaminação se faz através do sangue, é caracterizada, segundo o autor, pelo endurecimento da superfície lesada, pela profundidade da lesão e pela rapidez do seu desenvolvimento.

Nesta forma "le médecin ne peut user dans sa lutte contre le processus, que de moyens symptontatiques, analgésiques ou de diverses méthodes de la thérapie rayonnante, en particulier la roentgenthérapie".

Na linfogênica, a lesão se assesta, quase sempre, na base do órgão e a progressão da moléstia faz-se ao longo das vias linfáticas.

O mesmo autor documenta seu proveitoso estudo com sete observações: três de forma esputogênica, em indivíduos de 45, 21 e 32 anos, respectivamente; duas de forma hematogênica, em indivíduos de 34 anos; e duas de forma linfogênica, em indivíduos de 44 e 32 anos. Todos, do sexo masculino.

INFLUÊNCIA DE SEXO E IDADE

Parece não existir dúvida quanto ao fato de ser a tuberculose da língua excepcional antes dos 20 anos, rara entre os 20 e os 30 anos e mais freqüente depois desta idade.

Takita concluiu, dos seus estudos e das pesquisas relativas ao assunto, pela predominância das lesões nas pessoas do sexo masculino, numa idade variável entre 37 e 63 anos (Todos os casos vistos pelo A. eram de lesão secundária).

Morrow e Muller (Apud Menegaux - Op. Cit.) confirmam a opinião de Takita. Para 15 casos em homens, encontraram apenas 1 em mulher.

Enfim, podemos dizer, com referência à localização lingual da tuberculose, o que, da laringéa, afirmou Gavilau Bofild (La tuberculosis crónica de la laringe en el adulto - Taill. Tipogr. Cuesta-Valladolid, 1935): - "Não é fácil determinar a causa da preponderância para o sexo masculino; é muito possível que esteja ligada às condições de vida, à profissão como também ao abuso do fumo e do álcool".

Na busca bibliográfica que realizamos, conseguimos encontrar, apenas treze observações de tuberculose lingual, incluindo as que agora divulgamos.

As observações nacionais que pudemos registrar são: uma de Flaviano Silva (Tuberculose Ulcerosa da Língua>> - In Gazeta Médica da Bahia, 1926, pág. 501), da Bahia; duas de Aristides Monteiro (Tuberculose da Língua - In Rev. Brasileira de Oto-Rino-Laringologia, 1942, pág. 223), do Rio de janeiro; uma do Prof. David de Sanson (O Prof. Sanson nos cedeu o excelente desenho de Rud Fischer, do Instituto de Manguinhos, que documenta o seu caso), apresentada em 1917, na Sociedade de Dermatologia e Sifiligrafia do Rio de janeiro; cinco de Getúlio da Silva (In Rev. Brasileira de Oto-Rino-Laringologia, 1945, pág. 222), do Rio de janeiro; duas de Mauro Cândido de Sousa e Décio Fleury da Silveira (In Rev. Bras. de Oto-Rino-Laringologia, 1946, pág. l), de São Paulo, e as duas que agora apresentamos ao lado do caso do Prof. Sanson ainda não publicado e que por êle nos foi gentilmente cedido.

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