Versão Inglês

Ano:  1995  Vol. 61   Ed. 2  - Março - Abril - (10º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 154 a 158

 

ASPECTOS ETIOLÓGICOS DA HIPERNASALIDADE CONSEQÜENTE À PARALISIA DE PALATO MOLE - RELATO DE 6 CASOS.

Etiology of the Hypernasality Secondary to Palate Paralysis - Report of 6 Cases.

Autor(es): Regina Helena Garcia Martins*,
Marisa Portes Fioravanti**,
Mariângela Cunha Ribeiro**,
Niura Aparecida de Moura Ribeiro Padula***.

Palavras-chave: Palato mole, distúrbios da articulação

Keywords: Soft palate, articulation disorders

Resumo:
Através da avaliação de seis crianças portadoras de paralisia de palato mole, apresentando como principal sintoma a hipernasalidade da voz, abordam-se os principais aspectos etiológicos da paralisia do pálato e salienta-se a importância da avaliação multidisciplinar nesses casos. Em nossa casuística, os diagnósticos etiológicos prováveis foram: neuropatia virai pós-parotidite epidêmica, tumor de fossa cerebral posterior e idiopática. Destaque-se a importância da minuciosa avaliação otorrinolaringológica, neurológica e fonoaudiológica.

Abstract:
The authors studied the main aspects of etiology of the palate paralysis in six children suffering form soft palate paralysis. They emphasized the importance of multidisciplinary approach in the management of patients with this disease. In the authors cases the most likely etiologies were. Neuropathy pos-viral epidemic parotitis, tumors localized in the posterior cerebral fossa and idiopathic. They concluded that is extremely important in these patients a detailed otorhinolaryngologic, neurolagic and fonoaudiologic examinations.

INTRODUÇÃO

Define-se hipernasalidade como a excessiva ressonância durante a produção de fonemas orais, conseqüente à falha no fechamento velofaríngeo1.

Muitas vezes o termo é usado erroneamente pelos pacientes, principalmente quando a criança apresenta hipertrofia das amígdalas palatinas e faríngeas apresentando na realidade, voz hiponasal (rinolalia fechada)1, 2, 3. Outras vezes, a criança "fanhosa" é encaminhada pelos profissionais da saúde diretamente para a terapia fanoaudiológica, sem realizar anteriormente completa avaliação quanto aos possíveis diagnósticos etiológicos responsáveis pelo sintoma.

As crianças que apresentam voz hipernasal desde o nascimento podem ser portadoras de malformações congénitas intra-orais ou nasais como as fissuras lábio-palatais e fissuras submucosas4. Entretanto, quando este sintoma aparece de forma adquirida, deve-se fazer minuciosa avaliação para esclarecimento dos diagnósticos etiológicos devidos à proximidade anatômica dos quatro últimos pares cranianos, os quais possuem participação importante na ressonância da voz.

Através da avaliação de seis crianças portadoras de paralisia de pálato mole, apresentando como sintoma principal a hipernasalidade, procurou-se demonstrar as possíveis etiologias e a importância da avaliação multidisciplinar no diagnóstico e tratamento desses pacientes.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

A Tabela 1 apresenta seis crianças com paralisia de pálato mole atendidas no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, pela Disciplina de Otorrinolaringologia, no período de 1991 à 1993, com sintoma principal de hipernasalidade da voz. Nenhuma criança apresentava fissura lábio-palatal ou outras anomalias anatômicas. Analisou-se: idade, queixas principais e associadas, exames otorrinolaringológico e neurológico, exame nasofaringoscópico, tomografia computadorizada, diagnósticos prováveis e evolução.

DISCUSSÃO

Ao analisar a tabela 1, observa-se que a hipernasalidade foi o principal sintoma apresentado pelas seis crianças. Em alguns casos, foi relatada como queixa isolada; em outros, associada a outros sintomas.

No caso 1, a origem viral (pós-parotidite epidêmica) foi o diagnóstico etiológico provável, uma vez que a criança apresentava ainda sinais de parotidite e encefalite, além de paralisia dos pares cranianos X e XI (Síndrome de Schmidit)5, 6.

TABELA 1:- Apresentação dos casos clínicos, resumo das principais queixas, resultados da avaliação ORL neurológica, exames subsidiários, diagnósticos prováveis e evolução.

O vírus da caxumba pode comprometer também outros pares cranianos, como observado por TANAKA7, o qual verificou que o comprometimento cócleo-vestibular em crianças portadoras de parotidite epidêmica pode determinar como seqüela a surdez profunda e permanente. O comprometimento viral dos pares cranianos também foi descrito em pacientes portadores de herpes simples, com paralisia associada ao V e 1X pares cranianos, sugerindo assim, possível poliganglionite viral8.

No caso 2, suspeitou-se de etiologia tumoral já na primeira consulta, uma vez que a criança apresentava sinais neurológicos associados à paralisia dos quatro últimos pares cranianos, caracterizando a síndrome de Collet, descrita em pacientes portadores de hemiplegia glossopalatofaringolaríngea associada à paralisia dos músculos esternocleidomastóideo e trapézio. Os principais sintomas são: distúrbios da deglutição, pertubações do paladar e paralisia do pálato mole, da hemilaringe e da hemilíngua2, 3, 6. Alterações cardíacas também podem estar associadas, entretanto não foram detectadas. Essa criança foi acompanhada nos ambulatórios de otorrinolaringologia e de neurologia durante dois anos apresentando, nesse período, agravamento de todos os sintomas, além de aparecimento de novos sinais cerebelares.

No caso 3, a mãe referia que a criança apresentava voz hipernasal há 4 anos e que era portadora de CIV (comunicação interventricular); entretanto, não havia sido submetida a cateterismo, não nos permitindo afirmar o possível comprometimento vascular na gênese da paralisia do pálato mole. Nesse sentido, DEVOIZE9 descreveu o comprometimento da artéria faríngea ascendente em pacientes que desenvolveram paralisia dos últimos pares cranianos imediatamente após arteriografia das artérias carótidas. Também BAUER10 descreveu um caso de Síndrome Avellis (comprometimento do X e XI pares cranianos, sem comprometimento da inervação dos músculos esternocleidomastóideo e trapézio) em paciente com lesão trombótica do ramo final da artéria vertebral ao nível do núcleo ambíguo e consequentemente paralisia unilateral do pálato mole e da corda vocal.

No caso 4, a criança apresentava hipernasalidade há 2 meses e paralisia unilateral de pálato, língua e corda vocal. O exame neurológico confirmou o comprometimento dos pares cranianos, caracterizando a Síndrome de Jackson, na qual observa-se também o comprometimento do XII par craniano6, 11. Porém a etiologia da paralisia dos pares cranianos neste caso permaneceu obscura. A tomografia mostrou-se normal, bem como os demais exames subsidiários.

Nos casos 5 e 6, a origem idiopática da paralisia do pálato mole foi a que predominou, uma vez que as crianças não apresentavam outros sintomas associados e os exames complementares eram normais. KAYAMORI5 salienta em seu trabalho a alta incidência da origem idiopática nas paralisias dos pares cranianos.

Outras possíveis etiologias responsáveis pela insuficiência velofaríngea são: pós-operatório de adenoamigdalectomia, úvula bífida, perfuração de pálato mole, desproporções velofaríngeas (pálato curto e faringomegalia), traumas cranioencefálicos, neoplasia, doenças metabólicas1, 2, 3, 4, 6, 12, 13. Entre as causas funcionais encontram-se: mobilidade relaxada e incompleta do palato mole, imitação, distúrbio emocional, persistência de hábito1, 3, 13.

Quanto à terapia fonoaudiológica utilizada, empregou-se técnicas diretas que consistem na estimulação, tátil cinestésica das estruturas envolvidas (toque, manipulação, estímulo ou aplicação de resistência dos músculos palatinos ou faríngeos), além de técnicas semidiretas, como os exercícios de sopro, sucção e deglutição1. Estas técnicas mostraram-se eficazes na maioria dos casos, porém exigiram colaboração dos familiares na realização diária dos exercícios durante vários meses.

CONCLUSÕES

A avaliação da criança com hipernasalidade consequente à paralisia de pálato mole requer exame clínico detalhado otorrinolaringológico, neurológico e fonoaudiológico, bem como exames específicos, como tomografia computadorizada e nasofaringoscopia.

Exceto nas etiologias tu morais, a terapia fonoaudiológico, precoce e contínua mostrou-se eficaz e deve ser acompanhada de exame nasofaringoscópico através do qual podemos observar o fechamento velofaríngeo de forma mais detalhada. Entretanto, a terapia nunca deve anteceder ao exame clínico e aos exames específicos.

AGRADECIMENTO

Ao Prof. Dr. Carlos Eduardo Bacchi, pela versão do sumário para o inglês.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1. PICCOLI, E. M. H.; Hipernasalidade. In: FERREIRA, L. P. - Um pouco de nós sobre voz. São Paulo, Pró-Fono Divisão Editorial. 1922, p. 119 - 132.
2. MYSAK, E. D. - Patologia dos sistemas da fala. Rio de Janeiro - São Paulo, Livraria Atheneu, 1984, p. 207 - 217.
3. PERELLÓ, J. et al: Trastornos del habla. Barcelona, Masson S. A. 1990, p. 424 - 594.
4. LAUNAY, C. MAISONNY, S. B. - Distúrbios da linguagem, da fala e da voz na infância. São Paulo, Livraria Roca Ltda, 1989, p. Z57-267.
5. KAYAMORI, R.; ORII, K.: Schimidt syndrome due to idiopathic accessory nerve paralysis. Electromyogr. Clin. Neumphysiolv. 31(4), P. 199 - 201, 1991.
6. HUNGRIA, H.- Otorrinolaringologia. Rio de janeiro, Guanabara Koogan, 1991, p. 168 - 178.
7. TANAKA, K. et al: Experimental munps virus induced labyrin th itis. Acta Otolaryngol Suppl. (Stockh), v. 456, p. 98 -105,1988.
8. ADOUR, K. K. et al - Herpes simplex polyganglionitis. Otolaryngol Head Neck Surg, v. 88 (3), p. 270 - 274, 1990.
9. DEVOIZE, J. L. etal -Paralysie bénigne des quatre derniers nerfs crâniens. Presse Médicale, v. 14, p. 1328 - 1330, 1985.
10. BAUER, F. -Avellis Syndrome, its pathology and differential diagnosis. Acta Otorhinolaryngol-Belg v. 29 (6), p.1010 -1017,1975.
11. CHUSID, J. G. - Tapia Syndrome. LAMA, v. 228 (1), P. 28, 1974.
12. HANAYAMA, E. M. et al - Avaliação e tratamento da incompetência velofaríngea: tendências atuais no Japão. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, v. 1, p. 25 - 30, 1989.
13. METTER, E. J. - Distúrbios da fala - avaliação clínica e diagnóstico. Rio de Janeiro, Erielivros Editora, 1991, p. 70- 71.




* Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu.
** Fonoaudiólogas da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu.
*** Docente da Disciplina de Neurologia Pediátrica da Faculdade de Medicina de Botucatu.
Trabalho realizado pela Disciplina de Otorrinolaringologia e Neurologia Pediátrica da Faculdade de Medicina de Botucatu - Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia- UNESP - CEP 18618-000 - Botucatu - São Paulo - Fone: (0149) 21.2121 ramal 2256 - Fax: (0149) 22.0421.
Artigo recebido em 20 de setembro de 1994. Artigo aceito em 28 de novembro de 1994.

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