Versão Inglês

Ano:  1995  Vol. 61   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 114 a 120

 

ESTUDO RETROSPECTIVO DE 1.692 CASOS DE TURBINECTOMIAS, SEPTOPLASTIAS E POLIPECTOMIAS POR MICROCÍRURGIA ENDONASAL.

Retrospective Study of 1.692 Cases of Turbinectomies, Septoplasties and Polypectomies Carried out by Means of Endonasal Microsurgery.

Autor(es): José Fernando Gobbo*,
Luís Miguel Chiriboga Arteta**,
Rosemeire Piffer Rodrigues***,
Josiane Aguiar de Andrade****.

Palavras-chave: Cirurgia otorrinolaringológica, pólipos nasais, septo nasal

Keywords: Otorhinolaryngologic surgery, nasal polyps, nasal septum

Resumo:
Os autores se propõem a analisar, em estudo retrospectivo, 1692 casos de microcirurgias endonasais, localizadas entre 1974 e 1990, incluindo septoplastias, turbinectomias e polipectomias. São analisados o tipo de cirurgia e sua relação quanto ao sexo cidade dos pacientes, a técnica operatória, o equipamento empregado, os resultados e as complicações ocorridas. Concluiu-se que, em relação a septoplastias, as vias de reconstrução seletivas são, hoje em dia, as trais recomendadas. Quanto às turbinectomias, as exéreses amplas são em muitos casos as trais eficientes, trazendo poucas complicações tanto no pós-operatório imediato quanto tio tardio.

Abstract:
This paper deals with a retrospective study of 1,692 endonasal microsurgeries, among which seploplasties, turbinectomies and polypectomies, carried out belween 1975 and 1990. The analysis correlates the type of surgery with patient's sex and age, surgical procedures and equipment utilized, results and complications recorded. The paper concludes that, as far as septoplastiae are concerned selective reconstruction is the recommended approach. In turbinectomies, wide exereses are efficient in most cases, presenting few complications in either early or late post-operatory cycles.

INTRODUÇÃO

Este trabalho relata a evolução da microcirurgia endonasal com base em nosso serviço e cora nossa experiência de cerca de vinte anos.

De meados de 1973 até o final do ano seguinte, foi realizado uni trabalho em Barcelona (Espanha), na clínica do Prof. José Prades Plá, um dos pioneiros da microscopia endonasal, que hoje tem discípulos espalhado por todos os continentes.

Naquela época, os otorrinolaringologistas questionavam as vantagens de utilizar-se o microscópio cirúrgico em cirurgias endonasais. Foram precisos vários anos para que este tipo de procedimento fosse aceito pela comunidade rinológica.

Nesses vinte anos, a técnica operatória em relação às vias de acesso, exéreses e equipamentos utilizados foi sendo progressivamente alterada, até chegar à septoplastia seletiva endonasal, com ou sem turbinectomia correspondente, que é a realizada atualmente.

HISTÓRICO

O estudo das correções de desvio de septo nasal iniciou-se ria segunda metade do século XIX corri Reprecht1 e Adams1, que o fraturavam em várias partes a fim de alinhá-lo na linha média. Hartmann1, Peters1 e Ash1 propuseram uma nova técnica, pela qual seccionavam a cartilagem desviada e a reimplantavam de forma alinhada. Essa técnica é ainda muito utilizada hoje por alguns cirurgiães. Burghardt2 (1875), Borworth2 (1887) e Krieg2 (1889) propuseram a ressecção do septo nasal desviado, deixando o espaço entre as mucosas livre de cartilagem.

Em 1904, Killian3 difundiu sua técnica, clássica entre os otorrinolaringologistas, de descolamento da mucosa para ressecção do septo nasal, deixando uma parte caudal para sustentação da ponta do nariz. Freer4 desenvolveu a mesma técnica,ao mesmo tempo que Killian, deforma independente, pela qual ressecava o extrema caudal do septo, pois não o considerava essencial á sustentação da ponta nasal. Em 1958, Cottle5 criava novo acesso de descolamento da cartilagem septal, através de seus famosos túneis, denominando então a espinha nasal de pré-maxila.

As cirurgias das conchas nasais tiveram início no começo do século XIX, e os primeiros relatos datam de 1908, com Escat6, que sistematizava a cirurgia em dois tempos, cortando a metade anterior com tesoura e o restante utilizando alça fria.

Em 1920, Citelli6 preconizava a ressecção da mucosa das conchas inferiores e, se necessário, também para parte óssea. Odenal6 descreveu, em 1930, a ressecção submucosa através da incisão da borda livre da concha e descolamento mucoperiosteal. Harris7 (1936) retirava o osso da concha e a mucosa também era parcialmente removida. Em 1951, House7 chamou atenção para as conchas com ossos grandes e mucosa delgada e outros com ossos pequenos e mucosa exuberante, requerendo procedimentos cirúrgicos distintos. Missalko7 (1972) realizou turbinectomia em vinte pacientes e praticou biópsia no segundo, quarto e sexto meses pós-operatórios, tendo observado recuperação gradual tanto do epitélio superficial quanto de todas as estruturas profundas até sua completa normalização. Feder7 realizava em 1978 ressecção de parte do corneto inferior. Já Martinez8 preferia a ressecção total, juntamente com Courtiss9.

MATERIAL E MÉTODOS

Para este trabalho, os autores colheram 24 mil fichas de seu arquivo de pacientes, cifra que corresponde a aproximadamente 63% das pessoas atendidas desde 1974.

Os pacientes foram catalogados e analisados quanto ao tipo de cirurgia realizada, sexo, idade e complicações cirúrgicas (Gráficos 1, 2, 3 e 4, respectivamente). Analisaram-se especificamente as turbinectomias, com ou sem septoplastias associadas e as polipectomias.

TÉCNICA CIRÚRGICA

Quanto às anestesias utilizadas, no início tentaram-se as cirurgias com anestesia local, utilizando infiltração de lidocaína 2%, com vasoconstritor na mucosa septal e dos cornetos, mais sedação endovenosa de diazepan 5 mg, conforme era realizado no serviço do Prof. Prades. Porém, o aprimoramento das anestesias gerais, com hipotensão controlada, permitiu que fossem adotadas rotineiramente, o que tornou as operações mais cômodas para os pacientes. Atualmente, são utilizadas apenas anestesias gerais, com os pacientes entubados.












Foto 1. Instrumental utilizado nas septoplastias com turbinectomias: aspiradores curvos e longos (aprox. 15 cm de comprimento), aspirador descolados da Casa Storz, microtesoura para cauda de cornetos, pinça de Bruenings, microtesoura de Struycken da Casa Storz, pinça de Blakesley de ponta fenestrada, pinça baioneta, espéculos autostáticos de Prades (curto e longo), descoladores para septo, porta-agulhas, escopro reto (8 cm), martelo e espéculo nasal de Killian.



Foto 2. Microscópio cirúrgico Wild M 655, da Casa Leica.



A realização de microcirurgia funcional endonasal inicia-se sempre pela septoplastia, caso seja necessária. O paciente é colocado em decúbito dorsal, coberto por campos cirúrgicos estéreis, ficando apenas o nariz exposto, após prévia assepsia. Inclina-se a cabeça do paciente cerca de 30° para a direita e, antes de iniciar o procedimento, colocam-se chumaços de algodão embebidos em vasoconstritor (Privina(R)) por alguns minutos, no interior da cavidade nasal.

Inicia-se a septoplastia sob visão microscópica com incisão ao longo da borda anterior do septo nasal; depois descola-se o subpericôndrio pelo lado esquerdo de toda a cartilagem quadrangular, fazendo os túneis superior e inferior, evitando lacerações da mucosa, até encontrar a junção com o vômer e a lâmina perpendicular do etmóide. Se não houver desvio caudal na cartilagem anterior, o pericôndrio não é descolado da parede contralateral desta porção. A seguir, passa-se para o lado direito, com incisão na cartilagem, repetindo-se o descolamento. Retira-se, então, a parte desviada do septo, procurando manter preservadas as partes que não fazem saliência na fossa nasal.

Os vários tipos de tratamento dos desvios de cartilagem propriamente dito ocorrem de maneira semelhante às cirurgias convencionais, ou seja, são feitas incisões na cartilagem, quando necessário, para alterar a memória anterior da mesma. Procura-se manter o máximo possível de cartilagem. Nestes casos, o microscópio é muito útil, porque dá visão apurada da área, facilitando sobremaneira o ato cirúrgico. Quando há desvio da pré-maxila (esporões), ele é retificado com o uso de escopros, retirando a saliência do desvio.

É muito importante a observação da porção superior das fossas nasais correspondentes às válvulas, para que elas se mantenham bem abertas, ou seja, livres de estreitamentos. No caso de desvios caudais, todo o septo é descolado, retirando-se toda a porção anterior da cartilagem e recolocando-se uma nova faixa retificada de cartilagem, que mede a altura da ponta a ser sustentada; depois sutura-se com pontos transfixantes, para maior segurança na recolocação.

No final das septoplastias sem desvio caudal, apenas juntam-se as mucosas e a sutura é feita com pontos simples de catgut 2-0 nas bordas. Incide-se a mucosa interiormente para eventual drenagem.

A cirurgia realizada sob visão microscopia permite perfeita visualização da fossa nasal, inclusive de sua parede posterior, ao nível do cávum. É possível identificar estruturas importantes, como a cauda dos cornetos, o tórus tubário, os desvios mais posteriores, tumores, e até tecidos adenoidianos volumosos que ainda poderiam obstruir a via respiratória. A visão microscópica também melhora a visualização da saída de pólipos do meato médio e da estrutura do corneto médio.

Quanto às turbinectomias, inicia-se pela introdução do espéculo autostático de Prades. O corneto inferior é exposto e sua cabeça é segura coma pinça de Brakesley. Coma tesoura de cornetos corta-se toda a mucosa, juntamente com a parte óssea que esteja também hipertrófica.

No início, apenas a mucosa hipertrofiada dos cornetos inferiores era ressecada. Porém, com o passar dos anos, observou-se que, em muitos casos, elas voltavam a crescer. Por isso, passou-se a retirar parte da sua estrutura óssea, melhorando muito os resultados a longo prazo. Além dos cornetos inferiores, é eliminada também parte dos cornetos médios (toda porção inferior), quando eles são hipertróficos ou quando há polipose associada.

Para estancar o sangramento, utiliza-se uma ponta longa de eletrocautério monopolar (aprox. 15 em). Com a visão microscópica, procede-se a estagnação dos vasos. Na grande maioria dos casos, esse procedimento dispensa qualquer tipo de tampão endonasal, confirmado pelos baixos índices de epistaxes pós-operatórias.

As polipectomias são feitas com visualização da concha média e meato médio, extraindo todos os pólipos encontrados e abrindo o espaço do meato médio, reduzindo em alguns casos o tamanho do corneto. Muitas vezes, nestes casos, invadem-se os seios maxilares e etmoidais, eliminando todos os eventuais pólipos existentes. Reiterando, raramente é necessário recorrer a tampões nasais; quando é preciso, eles são usados apenas nas oito horas iniciais, até que o paciente esteja totalmente desperto.

O acompanhamento do paciente faz-se com retorno de uma semana de pós-operatório, para limpeza cuidadosa de crostas e secreções retidas nas fossas nasais, seguida de orientação para limpeza das fossas nasais com soro fisiológico adequado, durante quinze dias (duas vezes por dia), e mais o uso de corticóides tópicos (Decadron solução nasal(R)) durante sete dias. O paciente retorna após um mês de cirurgia e, depois, quando necessário, de acordo com os sintomas.

DISCUSSÃO

No que se refere às correções dos desvios do septo nasal, observaram-se, nestes anos, alternâncias entre técnicas mais agressivas e mais conservadoras. Desde as amplas retiradas da cartilagem quadrangular, segundo os conceitos de Killian, até as septoplastias seletivas de hoje, passo use por vários estágios intermediários. Com a utilização do microscópio, há condições de se descolar a mucosa e retirar o mínimo de cartilagem desviada.

Quanto às turbinectomias, em meados de 1974, tinha-se cuidado todo especial com os cornetos nasais. O fantasma das rinites atróficas pairava sobre estas cirurgias. Naquela época, o Prof. José Prades já realizava turbinectomias dos cornetos inferiores, de forma sistemática, em quase todas as suas cirurgias funcionais nasais. De lá para cá, a oposição da família otorrinolarigológica foi progressivamente dando lugar à idéia do tratamento cirúrgico dos cornetos durante as cirurgias funcionais. Hoje, esse é um dos temas mais proferidos em nossos congressos.

Quanto às complicações, os poucos casos registrados foram corrigidos posteriormente. Ocorreram apenas cinco perfurações septais, que não chegaram a causar problemas, porque suas dimensões eram pequenas e suas localizações, medianas. Quanto às epistaxes importantes, foram ao todo sete casos, em geral vasos etmoidais, e todos eles ocorridos cerca de cinco a sete dias após as cirurgias. Estes pacientes foram novamente anestesiados e os vasos cauterizados seletivamente como mesmo equipamento da cirurgia original.

Dois casos de rinite atrófica ocorreram em pacientes do sexo feminino, com idade entre quinze a vinte anos. Submetidas a controles de limpeza das fossas nasais mais freqüentes (cerca de três vezes por semana), todas as crostas foram eliminadas; estas pacientes receberam antibióticos e corticóides sistêmicos. No período de três a quatro semanas, alcançou-se a cura quase total do quadro e, em acompanhamentos a longo prazo, a reepitelização de toda a cavidade com mucosa normal, ao final de dois a três meses.

CONCLUSÃO

A cada dia, as ressecções das cartilagens septais passam a ser as mais conservadoras possíveis, limitando ao mínimo o trauma cirúrgico. Conclui-se, também, que as turbinectomias agregam-se à grande maioria das cirurgias funcionais do nariz. Finalizando, em nossa experiência de vinte anos de ressecção de cornetos hipertróficos, ressalta-se o quase desprezível número de complicações pós-operatórias.

REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA

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9. PAPARELA, M. M.; SHUMRICK, D. A. - Otorrinolaringologia - Cabeza y cuello, 3: 2036-2061, 1987.




* Médico do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Vera Cruz de Campinas (SP).
** Médico do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Vera Cruz de Campinas (SP).
*** Médica-Residente do Segundo Ano de Otorrinolaringologia do Hospital Vera Cruz de Campinas (SP).
**** Médica-Residente do Primeiro Ano de Otorrinolaringologia do Hospital Vera Cruz de Campinas (SP).

Endereço dos autores: Centro de Otorrinolaringologia Campinas S/C. Ltda. - Av. Andrade Neves, 699 - 1° andar- Campinas - SP - Brasil - CEP 13013-161 - Telefones (0192) 3 1.1799 e 31.1094.

Artigo recebido em 01 de outubro de 1994.
Artigo aceito em 19 de janeiro de 1995.

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