Versão Inglês

Ano:  1987  Vol. 53   Ed. 2  - Abril - Junho - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 46 a 49

 

Terapêutica das doenças otorrinolaringológicas da gestante

Autor(es): José Antonio Pinto*
Glaura M. Pimentel Ferreira*
Mauro Knoll*

Resumo:
Os autores realizaram revisão bibliográfica dos últimos 10 anos relacionando temas sobre a ação de drogas usadas em ORL e o seu efeito na gestante e no concepto, onde foram enfocados os analgésicos e antipiréticos, anti-histamínicos, descongestionantes nasais, antibióticos, antiinflamatórios, antivertiginosos e antitussígenos. Em virtude da grande controvérsia existente neste campo, muito pouco se obteve de concreto em relação aos efeitos nocivos sobre a mãe e o feto, pelas dificuldades inerentes a esse estudo na espécie humana. O otorrinolaringologista e o obstetra devem unir esforços no sentido de dar alívio à sua paciente, através do diagnóstico preciso e do tratamento efetivo da doença, sem esquecer dos possíveis efeitos nocivos que estas drogas podem originar.

Introdução

O uso de drogas durante a gestação pode induzir defeitos congênitos dou morte fetal (¹). Partindo deste princípio, as investigações neste plano são vitais, porém esbarram em problemas técnicos e legais, incluindo a própria ética médica(²). Os dados Iaratoriais obtidos a partir de estudos com animais de experimentação, na maioria das vezes, sugerem, porém não podem predizer a teratogenicidade na espécie humana, já que um medicamento pode produzir efeitos adversos numa espécie e não produzi-los em outra e vice-versa(¹). Temos ainda que considerar a própria patologia que induziu o uso de medicamento como causadora de malformações, que são indistinguíveis daquelas causadas pelas drogas (¹,³). As pesquisas muitas vezes não condizem com a realidade, gerando tão-somente confusão( ¹ ). Somando-se todos esses fatores, entende-se o sentido real da frase "Os efeitos não foram estabelecidos na espécie humana durante a gestação", encontrada na maioria dos bulários(4).

Diante de todas essas dificuldades fica clara a responsabilidade do médico na precisão diagnóstica e conseqüente tratamento adequado das patologias da gestante, prevenindo o dano fetal, na certeza de ter dado um benefício à doente.

Esta revisão tem por fim relacionar as drogas que podem ser usadas em doenças otorrinolaringológicas da gestante, com um menor risco, baseada em trabalhos dos últimos 10 anos. Ressaltamos ainda o intercâmbio que deve haver entre o otorrinolaringologista e o obstetra, para que conforto e segurança maiores possam ser dados à doente.

Princípios gerais de administração dê drogas à gestante (2, 5,6,7,8)

Existem alguns princípios que devem ser seguidos à risca, para evitar as conseqüências médicas e legais que possam surgir, quando se prescreve um medicamento à gestante:

1. Qualquer droga deve ser evitada durante a gestação. Os riscos de dano fetal e à gestação em si devem ser bem estudados antes da administração do medicamento.

2. Nunca usar drogas nos primeiros três meses, a não ser que sejam imprescindíveis. Considerar sempre a idade gestacional.

3. Nunca usar associações medicamentosas.

4. As doses e o tempo de administração devem ser os mínimos possíveis para o tratamento efetivo da doença.

5. Trabalhar sempre junto com o obstetra que assiste à gestante. Discutiremos os grupos de medicamentos mais utilizados pelo otorrinolaringologista.

Analgésicos e antipiréticos

Depois das vitaminas, este é o grupo de drogas mais ingeridos pelas gestantes sem receita médica. O mais usado é o ácido acetilsalicílico, seguido pelo acetaminofen(³). No Brasil, devemos considerar a dipirona, que é vendida sob dezenas de nomes comerciais e em associações diversas. Tanto a Organização Mundial da Saúde como a Associação Médica Americana alertam sobre o risco do emprego deste fármaco, que pode causar graves efeitos colaterais (discrasias sangüíneas), tendo seu uso restrito em vários países.

Ácido acetilsalicílico

Em vários estudos, foram apresentados os riscos da administração do ácido acetilsalicílico às gestantes. Houve associação com baixo peso fetal, prolongamento da gestação e do parto, tendência a sangramento no parto e hipertensão pulmonar feta (10,11). A aspirina deve ser evitada durante a gestação.

Acetaminofen

Não foram encontrados efeitos adversos nos neonatos de mães que ingeriram o acetaminofen. Na literatura, há relato de casos que relacionaram doença renal com esta droga (10,15). Os seus efeitos ainda não foram exaustivamente estudados (10). Apesar disso é a droga analgésica de escolha na gestação.

Antiinflamatórios

Não esteróides

Neste grupo, os mais usados em ORL, de uma maneira geral, são o ácido acetilsalicílico, a fenilbutazona e os derivados do ácido propiônico.

Deve-se observar que as drogas tiinflamat6rias em ORL são usadas por tempo bem mais curto do que quele usado em outros grupos de doenças (artrites, tromboflebites), o que diminui a chance de efeitos adversos.

O ácido acetilsalicílico tem ótima atividade antiinflamatória(9) e seus feitos colaterais foram discutidos no item analgésicos.

A oxifenilbutazona tem efeito antiiflamatório igual ao do ácido acetilsalicílico, apresentando os mesmos efeitos colaterais(9). É contra-indicada em pacientes com edemas, úlceras, discrasias sangüíneas, hipertensão ou comprometimento dos sistemas renal e hepático.

Os derivados do ácido propiônico (ibuprofeno, naproxeno) têm baixa incidência de efeitos colaterais em relação a outras drogas antiinflamatórias.





O piroxicam não teve ainda seus efeitos sobre a gestação e o concepto suficientemente avaliados. Em estudos com animais de experimentação não se observaram efeitos teratogênicos(¹²).

Corticosteróides

Muitos otorrinolaringologistas ficam hesitantes no uso de corticóides nas gestantes, apesar das numerosas indicações (paralisia de Bell, edema laríngeo) na especialidade. Lembramos o tratamento da obstrução nasal severa com edema de mucosa refratário da rinite da gravidez, rinite medicamentosa ou, mais freqüentemente, a associação das duas(¹³). Os corticosteróides são considerados prováveis agentes teratogênicos(¹).

O uso sistêmico de corticosteróides foi bastante analisado em gestantes asmáticas. Num estudo de 36 gestantes, no qual algumas pacientes chegaram a utilizar 60mg/dia de prednisona, não houve evidência de efeitos adversos(8).

Se o uso por via sistêmica é bem tolerado em gestantes asmáticas, que exigem tratamento mais prolongado, o uso em ORL é menos problemático, já que, em geral, o tempo de duração do tratamento é bem mais curto. O uso de doses maiores ou por tempo prolongado deve ser discutido e avaliado junto com o obstetra, especialmente pela possibilidade de o recém-nato apresentar hipoadrenalismo por supressão.

O corticóide nasal tópico parece ser a opção mais razoável, já que a absorção é menor(4). A dexametasona em forma de aerosol dá absorção significativa, devendo ser evitada. A beclometasona em doses de 84ug, três e quatro vezes ao dia, dá alívio para sintomas nasais, sem riscos maiores.

A injeção turbinal de corticosteróides mostra uma absorção sistêmica desprezível. Mesmo assim não é recomendada antes do primeiro trimestre da gestação, limitando-se a três aplicações durante a mesma (13,15).

Descongestionantes

A maioria das gestantes acaba por usar um descongestionante sistêmico ou tópico associado ou não a um anti-histamínico, na vigência de infecção de vias aéreas superiores. Em geral, estes compostos são usados no início da gestação, já que a obstrução nasal é sintoma precoce de gravidez(³).

Num estudo de 3.082 pacientes que usaram descongestionantes sistêmicos ou tópicos, o índice malformação fetal/droga foi baixo(4).

Em geral, não se prescrevem pela possibilidade de essas substâncias,em teoria, causarem vasoconstrição em nível de circulação fetal e placentária(¹³). Não há trabalhos que confirmem este efeito (15), devendo ser evitados em pacientes com suspeita de insuficiência placentária (15). A pseudoefedrina é a droga mais indicada (15).

O uso de descongestionantes tópicos deve ser feito com muita cautela, pela rápida absorção e o risco de superdosagem, levando à hipertensão seguida de hipotensão e choque. Devem ter seu uso controlado em doentes com hipertensão (15). Sua utilização deve ser limitada a cinco dias ou menos(¹³)

Anti-histamínicos

Existem estudos que tentam relacionar o uso de anti-histamínicos com malformações. Apesar disso, são usados regularmente sem maiores, conseqüências (¹³). A clorfeniramina tem seu uso consagrado.

A terfenadina não mostrou evidência de malformações em animais e experimentação (¹²), porém precisa ser melhor estudada.

Há alguma restrição no uso destas rogas no terceiro trimestre de gestação, pelo risco, pequeno, de o recém-nato desenvolver crise convulva pelo efeito anticolinérgico das mesmas(15).

Antivertiginosos

Em estudos de 6..376 gestações(14), correlação entre estes medicamentose malformações foi negativa para antivertiginosos usados classicarnte (dimenidrato e meclizina). Estes medicamentos já foram exaustivamente estudados, tendo seu uso consagrado na êmese gravídica.

Em casos mais rebeldes, a clorpromazina pode ser usada diluída em soro e aplicada endovenosamente, por período curto, até que a doente saia da crise.

Inibidores da tosse

Os antitussígenos são drogas bastante utilizadas pelas gestantes sem prescrição médica. Devem ser usados com cautela, já que muitos deles possuem veículo alcoólico.

A codeína pode causar dependência física no recém-nato de mães que a igerem freqüentemente(³)

O dextrometorfano é o mais recomendado, devendo ser usado por um período mínimo, por ser inibidor central do reflexo da tosse.

Antimicrobianos (1, 6, 9)

O uso de antimicrobianos em ORL tem indicações precisas.

A penicilina e seus derivados são totalmente inócuos para a mãe e o feto. A dose de penicilina deve ser dobrada pela hidremia gravídica, que diminui a concentração plasmática da droga, sendo a escolha para a gestante.

Quando a paciente for alérgica à penicilina, poderá ser usada a eritromicina base, que não possui efeitos adversos, enquanto que o estolato pode causar hepatotoxicidade. As cefalosporinas, apesar de derivadas da penicilina, podem ser usadas em caso de alergia a esta, sem qualquer prejuízo para mãe e feto.

Os aminoglicosídeos são recomendados para infecções por Gramnegativos e associados a penicilina no combate aos enterococos. Em ORL o mais usado é a gentamicina, que tem nefrotoxicidade comprovada, com menor ação ototóxica.

As sulfas devem ser evitadas na fase embrionária, por terem ação teratogênica. São antagonistas dos folatos.
O metronidazol também apresentação teratogênica na fase embrionaria, devendo ser evitado.

A tetraciclina é contra-indicado pelas alterações que causa em nível de formação de ossos.

O cloranfenicol é contra-indicado por causar síndrome cinzenta, con mortalidade de 40%.

Conclusão

Por princípio deve-se evitar qualquer droga durante a gestação, em especial nos três primeiros meses.

Quando o uso de medicamentos for absolutamente necessário, deve-se usar o mais "seguro" e nunca usar associações medicamentosas.

A interação otorrinolaringologistalobstetra deve ser absoluta, para se ter um diagnóstico preciso e uma terapêutica adequada, sem esquecer os possíveis efeitos nocivos que os medicamentos podem originar.

Summary

The authors made a bibliographic revision in the last 10 years concerning the use of ENT drugs in the course of pregnancy.

They eniphasize that:

1. The otolaryngologist must avoid the use of drugs during pregnancy mainly in the first three months.

2. The use of ntedications must be absolutely necessáry and "safe" . They summarize and discuss the most comnion groups of ENT drugs used in pregnancy, like: analgesics and antipyretics, steroids, decongestants, antihistamines, antivertiginous, cough suppressant and antibiotics.

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Endereço para correspondência
DR. JOSÉ ANTONIO PINTO
Núcleo de Otorrinolaringologia de São Paulo
Av. Indian6polis, 2.320 04062 - São Paulo-SP.

Trabalho apresentado no XXVII Congresso Brasileiro de ORL. Rio de, janeiro, 1 a S de outubro de 1984.
Médicos do Núcleo de ORL de São Paulo e dos serviços de ORL dos hospitais Nossa Senhora de urdes e Santa Catarina -São Paulo-SP.

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