Versão Inglês

Ano:  1987  Vol. 53   Ed. 1  - Janeiro - Março - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 07 a 10

 

ADAPTAÇÃO DE PRÓTESES AUDITIVAS

Autor(es): IÊDA CHAVES PACHECO RUSSO *

Introdução

Sendo através da audição que uma criança pode desenvolver a comunicação, quanto mais cedo uma deficiência auditiva for diagnosticada, mais chances a criança terá de desenvolver a linguagem falada dentro do período de prontidão esperado, pois através da audição ela pode imitar os padrões de fala do mundo que a cerca. Ora, se a criança ouvinte normal leva, aproximadamente, dois anos para adquirir a linguagem falada, imagine-se uma deficiente auditiva que durante esta fase permaneceu em um mundo silencioso! Se, quando ela ainda se encontra nesta fase de aprendizagem, for indicado um aparelho de amplificação sonora individual adequado as suas necessidades, suas chances de desenvolver a linguagem falada poderão estar mais próximas dos padrões normais de aquisição.

Sem dúvida, a invenção do aparelho auditivo é o mais importante avanço da tecnologia em benefício do deficiente auditivo, sua educação e habilidade de adquirir a linguagem. Contudo, a seleção do aparelho requer profissionais com experiência, que atuem em equipe multidisciplinar, principalmente em se tratando de crianças, tais como: audiologistas, médicos otorrinolaringologistas e pediatras, fonoaudiólogos, pedagogos, assistentes sociais e audioprotesistas. Esta equipe deverá atuar em conjunto, coordenando esforços para assegurar que o deficiente auditivo obtenha o máximo benefício da amplificação. O audiologista é aquele que estará em contato mais assíduo com a criança, a fim de selecionar vários modelos de aparelhos, testa-los em várias situações, julgar a adequação e repetição dos moldes e, finalmente, adaptar o aparelho no deficiente auditivo.

Contudo, não basta a adaptação do aparelho auditivo para a criança adquirir a linguagem falada; é preciso que o processo de habilitação ou reabilitação auditiva tenha início, simultaneamente, garantindo a tarefa de ensinar a criança a ouvir. Segundo Lenneberg, "ouvir a linguagem por um período de tempo é essencial para ultimar o seu uso". Posteriormente, deverá ser orientada a educação formal desta criança, sendo prioritária a escola normal, no caso do diagnóstico precoce, antes dos dois anos de idade. Outra importante etapa deste processa refere-se à orientação aos pais, tanto para permitir a aceitação da deficiência auditiva quanto para entenderem e manipularem o aparelho. Esta tarefa vem sendo facilitada pelo avanço da tecnologia, que permite o uso de aparelhos mais leves e estéticos. Entretanto, há quatro décadas esta tarefa era muito difícil, devido ao tamanho dos aparelhos, como veremos a seguir.

Histórico

A necessidade de se amplificar o som para deficientes auditivos é remota. A palma da mão em concha, cornetas, tubos, placas dentárias e leques foram alguns dos objetos utilizados pelo homem por muitos séculos, com este objetivo. Com o passar do tempo esses dispositivos foram sendo ultrapassados, uma vez que forneciam uma amplificação pequena (em torno de 15 dB) e não se adaptavam à necessidade do homem de esconder sua deficiência - este preferia permanecer "surdo" a usar um desses incômodos e deselegantes objetos.

Com o aparecimento da energia elétrica, foi produzido em Viena, por Alt, no início deste século, o primeiro aparelho auditivo elétrico, chamado de microtelefone, constituído de um amplificador e um microfone de carvão. Embora fosse útil, suas dimensões um tanto exageradas tornavam seu uso impraticável, por razões estéticas. Diminuiu-se um pouco o tamanho do aparelho, utilizando-se o amplificador a válvula. Por volta de 1930 houve a miniaturização das válvulas, possibilitando a produção de aparelhos menores. Finalmente, com a invenção do transistor, em 1951, foram solucionados tanto o problema de amplificação quanto o estético, com a confecção de aparelhos menores, mais leves, e que necessitavam de pouca energia para o seu funcionamento.

Definição

Qualquer instrumento que leve o som mais efetivamente para o ouvido do ouvinte. Pode simplesmente coletar maior quantidade de energia sonora do ar, impedir a dispersão do som durante a transmissão ou adicionar energia em geral, através da bateria de um amplificador (3). O principal objetivo de um aparelho auditivo é o de tornar a recepção de fala inteligível para o deficiente auditivo.

Componentes.

1. Microfone - Transdutor que converte energia acústica em energia elétrica, situado no corpo do aparelho.

2. Amplíficador - Constitui a parte mais complexa do aparelho, pois seu circuito eletrônico determina as características eletroacústicas deste. A fonte de energia são as baterias ou pilhas, que variam de forma e tamanho de acordo com o tipo de aparelho.

3. Receptor - Transdutor das ondas elétricas já amplificadas em ondas sonoras. É, portanto, um microfone invertido.

4. Moldes - Ajustam o aparelho ao ouvido do deficiente auditivo. São individuais, anatõmicos, assimétricos e intransferíveis e suas principais funções são: conduzir o som amplificado para o ouvido, evitar a retroalimentação e modificar as características eletroacústicas do aparelho.

5. Fios - Usados no aparelho de bolso ou caixinha, unem o microfone e o amplificador ao receptor do aparelho. São usados os fios I, Y e V. No fio I, a impedância do receptor deve ser igual à impedância do amplificador; no fio Y, cada receptor deve ter a metade da impedância do amplificador e no fio V, cada receptor deve ter o dobro da impedância do amplificador, para permitirem maior eficácia na transmissão do som.

Tipos de aparelho

1. Aparelhos de bolso (de caixa ou convencional) - São usados em contato com o corpo do indivíduo. Apenas o receptor é colocado no ouvido, ligado ao aparelho, através de fios.

2. Aparelhos retroauriculares - Colocados atrás do pavilhão auricular, têm a vantagem de permanecerem praticamente invisíveis, atendendo às exigências estéticas de modo satisfatório.

3. Aparelhos embutidos em hastes de óculos - Indicados para indivíduos que façam uso contínuo de óculos.

4. Aparelhos intra-auriculares - São dispositivos usados ao nível do conduto auditivo externo, cujos componentes são colocados no interior do molde do paciente. Indicados para adultos com perdas não muito severas.

5. Aparelhos intracanal - De tamanho diminuto, são introduzidos no conduto auditivo externo, sendo personalizados. Indicados principalmente para adultos que perderam a audição por presbiacusia ou trauma acústico.

Características eletroacústicas

1. Ganho - Quantidade em dB que o aparelho é capaz de adicionar ao sinal de entrada. Ganho máximo - Ganho do aparelho com o controle de volume no máximo.

2. Resposta em freqüência - Representa o campo tonal utilizável. É a medida do ganho acústico de um aparelho em função da freqüência.

3. Saída ou nível de pressão sonora máximo ou de saturação - É o limite máximo de amplificação, isto é, o ponto além do qual não haverá mais amplificação.

Princípios de indicação de aparelhos em crianças:

1. Ser audiologista com experiência em crianças.

2. Ter prática em indicação de aparelhos em adultos.

3. A perda auditiva - A partir de 30 dB é obrigatório o uso do aparelho dos seis meses aos seis anos, mesmo em perdas flutuantes.

4. O tipo de aparelho - O retroauricular é o preferido pelos pais, por razões estéticas. No caso de perda bilateral, o ideal é sempre indicarem-se dois aparelhos. Contudo, razões de ordem financeira obrigam a aquisição de um aparelho de bolso com adaptação pseudobinaural, através de dois receptores.

5. Características eletroacústicas - O ganho do aparelho deve levar a audição tonal para 20dB NA e 40dB NA para a fala. Devem-se enfatizar freqüências altas em perdas auditivas horizontalizadas e freqüências baixas em perdas profundas com restos auditivos em graves. A saída do aparelho não deve ultrapassar o limiar de desconforto da criança.

Orientação ao usuário

Tão importante quanto adaptar o aparelho em uma criança, é orientar seus pais quanto ao uso gradual do mesmo. A adaptação deve ser feita em várias etapas, observando-se as reações da criança em diversas situações sonoras, com pelo menos três modelos de aparelho. Após o audiologista fazer a indicação do modelo que melhor se adequar às
necessidades da criança, as seguintes orientações devem ser dadas aos pais:

1. Primeira semana - O aparelho deverá ser usado num período de 10 a 30 minutos, em local silencioso (casa com três pessoas, no máximo), em volume mínimo, em refeições; e deverá ser desligado e removido antes que a criança se canse. Deverão ser desenvolvidas atividades lúdicas.

2. Segunda semana - O aparelho poderá ser usado em dois ou três períodos de.uma hora de duração, adequando-se o controle de volume de acordo com a ocasião, adicionando-se TV, rádio, discos ou fitas, telefone e aparelhos eletrodomésticos como fontes sonoras. A criança nesta fase poderá fazer passeios para identificação de sons com as respectivas fontes sonoras em parques, sossegados.

3. Terceira semana - E a etapa do encorajamento: O aparelho deverá ser usado de duas a três horas por período. Nesta semana, a ida ao cinema, ao zoológico e às festas já é permitida, desde que o controle de volume seja adequado, segundo a ocasião.

Obs.: Os moldes do aparelho deverão ser refeitos a cada três a seis meses em crianças de zero a cinco anos. Acima desta idade, basta uma vez ao ano, ou conforme o crescimento.

Cuidados especiais com o aparelho

Sendo o aparelho auditivo um equipamento caro e sua manutenção às vezes demorada, trazendo conseqüências desfavoráveis para a criança - que deixa de usá-lo durante este período -, alguns cuidados deverão ser tomados a fim de garantir o seu perfeito funcionamento:

1. Introduzir o molde adequadamente.

2. Ligá-lo na posição M e aumentar o controle de volume.

3. Para retirar o aparelho, desligá-lo antes.

4. Pilhas - Devem ser trocadas a cada semana, no caso de uso pleno, e retiradas do aparelho quando este não estiver em uso.

5. A limpeza dos moldes deve ser feita periodicamente, bem como a inspeção do conduto auditivo externo da criança, para verificação de presença de rolha de cerume. A lavagem de. ouvido só deve ser realizada por médico especialista em Otorrinolaringologia.

6. Evitar umidade e calor excessivos.

7. Respeitar o período de habituação ao aparelho.

8. Assistência técnica adequada para reposição de peças e perfeito funcionamento do aparelho são indispensáveis.

Conclusão

Não existem razões para não se adaptar um aparelho de amplificação sonora individual numa criança, tão logo o seu diagnóstico tenha sido concluído. Tendo em vista que a audição é um importante sentido e através dela desenvolvemos um sistema simbólico estruturado e único da espécie humana; ou seja, a linguagem falada, além de possibilitar os mecanismos de alerta e defesa contra o perigo, é imprescindível que se garanta ao deficiente auditivo o benefício da amplificação.

Referências

1. CASTRO JR., N.P.; FIGUEIREDO, M.S. et al. - Aparelho de amplificação sonora individual (1 parte). Rev. Bras. ORL, 43(3):200-204, 1977.

2. CASTRO JR., N.P.; FIGUÉIREDO, M.S. et al. - Aparelho de amplificação sonora individual (II parte). Rev. Bras. ORL, 44(1):1-5, 1978.

3. DAVIS, H. & SILVERMANN, R. - Hearing and deafness. New York, Holt. Rinehart and Winston, 1960.

4. DOWNS, M.P. & NORTHERN, J. - Hearing in children. Baltimore, The Williams & Wilkins Co., 1978.

5. GERBER, S.E. & MENCHER, G.T. (eds.) - Early diagnoses of Harng loss. New York, Grune & Stratton, 1978.

6. HODGSON, W.R. & SKINNER, P.H. (eds.) - Hearing-aid assessment and use in audiologic habilitation. Baltimore, The Williams & Wilkins Co., 1977.

7. KATZ, J. - Handbook of clinical audiology. Baltimore, The Williams & Wilkins Co., 1972.

8. LENNEBERG, E.H. - Biological foundations of language. New York, John Wiley & Sons, 1977.

9. RUBIN, M. (ed.) - Hearing-aids - current developments and concepts. Baltimore, University Park Press, 1976.

10. RUSSO, I.C.P. & SANTOS, T.M.M. - Audiologia infantil. São Paulo, Cortez Editora, 1984.




Conferência proferida pela Professora Iêda Chaves Pacheco Russo (PUC-SP)durante a II Jornada Nordestina de Fonoaudiologia e I Simpósio Cearense de Fonoaudiologia - Fortaleza, 10/09/85.

* Fonoaudióloga formada pela PUC-SP em 1971. Pós-graduada em Audiologia pela PUC-SP e em Distúrbios de Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina. Professora de Física Acústica e Audiologiq do curso de Fonoaudiologia da PUC-SP.

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