Versão Inglês

Ano:  1993  Vol. 59   Ed. 1  - Janeiro - Março - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 12 a 16

 

Estudo clínico da perda auditiva neurossensorial em doentes com otite média crônica.

Clinical study of sensorineural hearing loss in patients with chronic otitis media.

Autor(es): Ricardo Ferreira Bento*,
Signe Schuster Grasel**,
Lilian Konno Ishida***,
Aroldo Miniti****

Palavras-chave: perda auditiva sensorioneural, otite média supurativa

Keywords: hearing loss sensorineural, otitis media, supurative

Resumo:
Observações clinicas e trabalhos publicados principalmente nos Estados Unidos, mostram que doentes com otite media crônica simples ou colesteatomatosa apresentam, por vezes, lesões auditivas neurossensoriais juntamente com a hipoacusia de condução, provocada pela patologia. Com vista quantificar esta impressão clínica, os autores estudaram a perda auditiva neurossensorial em doentes com otite média crônica. Foram examinados 103 doentes, atendidos no ambulatório de otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com diagnóstico de otite média crónica simples ou colesteatomatosa, uni ou bilateral, que resultou na observação de 137 ouvidos. Os doentes foram examinados seqüencial e aleatoriamente, os quais não haviam sido submetidos à cirurgia prévia. Forane submetidos à audiometria tonal limiar e tenra breve padronizada. São correlacionados os dados encontrados quanto à perda auditiva neurossensorial em relação à otite média crônica simples ou colesteatomatosa, à idade e ao tempo de inicio da doença. O estralo mostrou que é significante o encontro de lesões neurossensoriais em uma ou mais freqüências estudadas (500, 1000, 2000, 300011z). Os autores concluem que a otite média crônica pode levar à lesão neurossensorial devendo, portanto, ser tratado o mais rapidamente possível, no intuito de preveni-la.

Abstract:
Clinical observations and studies perfomed mainly in the United States have revealed that chronic otitis media with ar without cholesteatoma can cause sensorineural hearing loss in addition to conductive hearing loss in some patients. In order to quantify the clinical observations, the authors study sensorineural loss in patients with chronic otitis media. In the outpatient departament of the Hospital das Clinicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, were exainined 103 patients with chronic otitis media with or without cholesteatoma presenting with unilateral ar bilateral disease, resulting in a total of 137 ears included in the study. The patients were selecied sequentially excluding those with prior ear surgery. They responded to a bricfstandard questionnaire and underwent pare-tone audiometry. The authors report the incidence of sensorineural hearing loss in this patientgroup, its correlation with chronic otitis media with or without cholesteatoina, with the age and the duration of lhe disease. The study demonstrates significant sensorineural lesions in one or more frequencies in the range from 500 Hz to 3000 Hz. The authors concluee that chronic otitis media may cause sensorineural hearing loss. Therefore, the treatment should begin early in course afilie disease to prevent additional hearing impairment.

INTRODUÇÃO

Observações clínicas e trabalhos científicos publicados principalmente nos Estados Unidos, mostram que doentes com Otite Média Crônica (OMC) simples ou colesteatomatosa, apresentam, por vezes, lesões auditivas neurossensoriais temporárias ou permanentes, juntamente com a hipoacusia de condução provocada pela patologia. A perda temporária seria resultado de labirintite tóxica, já a perda permanente resultaria de uma lesão do órgão de Cort20.

Os primeiros achados clínicos da relação entre OMC e perda neurossensorial foram publicados cm 1941 por HULKA; GARDENGHI detectou perda neurossensorial cm 44% dos casos de OMC. BLUVSHTEINÉ reportou uma incidência de 37,5% de lesão colocar em doentes com OMC.

O primeiro estudo retrospectivo, comparando dados audiométricos cm doentes com OMC, foi realizado cm 1970 por PÀPARELLA e cols. 12, sendo observado perda neurossensorial em todas as faixas etárias, principalmente nas freqüências mais agudas.

Existem várias teorias que procuram explicar o rebaixamento do limiar ósseo em ouvidos com OMC.

O limiar da curva óssea não representa apenas a função do ouvido interno CARHART2, TONNDORF19 e HUIZING9, demonstraram que alterações ao nível do ouvido médio podem modificar o limiar ósseo. Estas alterações geralmente se refletem nas freqüências médias. Segundo HUIZING9, as seqüelas de OMC comprometimento de cadeia ossicular poderiam ter o mesuro efeito ZU. Processos supurativos levam à produção de enzimas protcolídeas, fatores tumores e substanciais tóxicas que podem prejudicar a função colocar quando acometem as estruturas do ouvido interno. Em estudos com ossos temporais humanos, que haviam apresentado OMC supurativa, foi observado aumento da vascularização e da espessura da camada média da membrana da janela redondats, facilitando a penetração de substâncias tóxicas no giro basal da cóclea. GOYOOLEA e col.8, demostraram em estudo experimental com gatos, aumento da pcrncabilidadc da janela redonda para macromoléculas em ouvidos com OMC.

Não existe estudo que comprove a destruição de células ciliadas ou neurônios do ouvido interno, nem o acometimento da estria vascular na OMC.

WALBY e col presumem que o labirinto dispõe de uma barreira eficiente para protegeras estruturas do ouvido interno. Quando esta barreira é superada por urna labirintite purulenta, ocorre invasão da cóclea através das janelas oval e redonda, fístulas, vias linfáticas ou vasculares, com conseqüente perda neurossensorial.

O padrão audiométrico similar cios casos com OMC c alguns casos com Doença de Paget e otosclerose, levou SCHUKNECHT18 a sugerir que a fisiopatologia da perda neurossensorial seria similar: o efeito tóxico local provocado pela patologia respectiva poderia acelerar as alterações atróficas nos tecidos de sustentação do dueto colocar, modificando as características mecânica da membrana basilar.

O objetivo deste estudo foi correlacionar a perda auditiva neurossensorial em ouvidos com OMC simples ou colestcatomatosa, considerando-se a faixa etária, tempo de instalação de patologia, os limiares audiométricos nas freqüências de 500, 1000, 2000 c 4000 Hz, para avaliar a incidência da lesão coclear nesta patologia.

CASUÍSTICA E METODOLOGIA

Foram estudados 103 doentes com o diagnóstico de OMC simples ou colesteatomatosa, uni ou bilateral, atendidos no período de agosto de 1990 a junho de 1991, na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. No estudo foram avaliados 137 ouvidos, sendo 117 com OMC simples e 20 cota OMC colesteomatosa. Os doentes foram examinados seqüencial e aleatoriamente, excluindo-se aqueles que apresentassem outra causa para a disacusia neurossensorial senão a OMC. Os critérios de exclusão se encontram na Tabela 1.

TABELA I

- Critérios de exclusão.
- Doentes com idade maior que 50 anos;
- Doentes com história de surdez familiar;
- Doentes apresentando outras doenças otológicas além de OMC (p. ex. Otosclerose, Doença de Ménièrc, ctc);
- Doentes com cirurgia prévia de ouvido;
- Doentes com história de patologia sistêmica que possa ocasionar perda neurossensorial
(p. ex. diabetes, hipertensão, Lues, etc);
- Doentes submetidos a tratamento sistêmico com drogas ototóxicas;
- Doentes com vertigem sugestiva da labirintopatia; o Doentes cota história de trauma acústico;
- Doentes com perfuração timpânica traumática.

A faixa etária variou de 6 a 50 anos, com média de 20 anos, sendo 45 doentes do sexo feminino c 58 do sexo masculino.

O tempo de patologia variou de 6 meses a 40 anos, cota média de 12 anos.

Todos os doentes foram submetidos à audiometria tonal realizada cm aparelho Audiômetro Interacouticc AC3 - Masden 01370.

Para este estudo foram avaliados as freqüências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz ela via óssea, comparando-se com o padrão de nonnaliclade segundo JERGER, que estabelece como normais os limiares de:

20 dBHL cm 500 Hz 25 d13141, em 1000 Hz 25 dBHL em 2000 Hz 20 dBHL em 4000 Hz

Na anamnese investigou-se o tempo de início da patologia otológica, sintomas associados (zumbido, vertigem c otalgia) considerando-se outros dados que pudessem influir cota o início ou percurso da patologia estudada.

Para o estudo estatístico, utilizou-se o método de análise de variância. Considerou-se um índice de significância de 0,5%.


TABELA II - Faixa etária.



TABELA III - Tempo de patologia.



RESULTADOS

Dos 137 ouvidos estudados, 43 (31%) apresentaram alteração audiométrica cm uma ou mais freqüências, sendo que dos 117 ouvidos com OMC simples, 39 (33 %) apresentaram lesão neurossensorial e dos 20 ouvidos com OMC colesteatomatosa, 4 (20%) apresentaram lesão neurossensorial.


TABELA IV - Sintomas associados.



A distribuição segundo a faixa etária é apresentada na Tabela II. Verifica-se que os doentes com mais de 30 anos apresentam lesão neurossensorial que estatisticamente é mais significante (p > 0,5) em relação aos doentes com menos de 30 imos.

Na Tabela III, verifica-se que os doentes com mais de 20 anos de patologia também apresentam lesão neurossensorial que estatisticamente é mais significante (p > 0,5) em relação aqueles com história de menos de 20 anos de patologia.

Na Tabela IV foram relacionados os sintomas associados com a patologia estudada.

A Tabela V, relaciona o número de ouvidos com o limiar audiométrico alterado cm cada freqüência estudada.

Na Tabela VI, apresentamos a média de alteração, em dBHL, em cada freqüência, verificando-se que os grupos de 500, 1000 e 2000 Hz são estatisticamente similares, mas a alteração em 4000 Hz é significante (p > 0,5).


TABELA V - Número de ouvidos com limiar alterado nas diversas freqüências.



TABELA VI - Média de alteração por freqüência.



DISCUSSÃO

A presença de perda neurossensorial em ouvidos com OMC simples ou colesteatomatosa, detectada por vários autores 1,4,5,6,12,13,14,15,16 foi confirmada nestes estudo. Em 31 % dos ouvidos estudados foi constatada alteração do limiar ósseo em uma ou mais freqüências. Esta incidência é comparável às relatadas na literatura. GARDENGH16 encontrou perda neurossensorial em 22 de 50 pacientes (44%) com OMC supurativa, os quais apresentavam disacusia neurossensorial acompanhada de recrutamento. BLUVSHTEIN1 observou que 37,5% dos pacientes com OMC apresentavam algum grau de perda da função coclear.

Um estudo multicêntrico realizado por PAPARELLA 16 e cot., relatou perda neurossensorial de 15 dBHL ou mais em 43% dos doentes com OMC unilateral e 42% dos ouvidos com OMC bilateral, com perda maior que 30 dBHL em 16% dos doentes com OMC unilateral e 17% dos doentes com OMC bilateral.

Estes estudos, porém, devem ser comparados com cautela, visto que a seleção dos pacientes, a determinação da perda neurossensorial, o padrão de normalidade ou grupo de referência usado e as freqüências pesquisadas seguiram critérios diferentes entre um estado e outro. Considerandose estes fatos, discutimos nossos resultados.

A freqüência de 4000 Hz mostrou a maior depressão do limiar ósseo, na média de 14,28 dBHL abaixo do limiar

considerado como normal, segundo os critérios estabelecidos por JERGER (20 dBHL, na freqüência de 4000 Hz). A maioria dos autores confirma a predominância de perda neurossensorial em freqüências agudas 5,12,15,17,20.

Encontramos uma incidência alta de alterações na freqüência cie 500 Hz. Dos 43 ouvidos com perda neurossensorial em alguma freqüência, 27 (63%) apresentaram rebaixamento do limiar ósseo em 500 Hz, com média de 8,73 dBHL abaixo do limiar ósseo considerado normal por JERGER (20 dBHL). Pode-se pensar que este rebaixamento seria devido a alterações ao nível do ouvido médio e, não propriamente, devido à lesão coclear.

Devido ao pequeno número de ouvidos com OMC colesteatomatosa (total de 20), não podemos afirmar maior comprometimento neurossensorial nestes ouvidos quando comparados aos a cometidos por OMC simples, de acordo com a literatura

Em nosso estudo, não comprovamos a deteriorização progressiva pelo tempo de patologia, exceto em ouvidos acometidos há mais de 20 anos, sendo que 46% destes ouvidos apresentam perda neurossensorial.

A curva audiométrica que ilustra a média de alteração por freqüência dos 43 ouvidos comprometidos é plena, não evidenciando perdas acentuadas nas freqüências agudas corno relata PAPARELLA. Provavelmente, este resultado se deva à seleção dos pacientes e à determinação do padrão de normalidade.



FIGURA 1



CONCLUSÃO

Os autores concluem que:
1 - A OMC leva à lesão neurossensorial em um número significativo de casos, principalmente em indivíduos de faixa etária maior que 30 anos.

2 - Quanto ao tempo de patologia, a lesão é maior nos casos acima de 20 anos de evolução.

3 - Quanto aos limiares audiométricos, a lesão se dá principalmente na faixa de 4000 Hz.

O tratamento da OMC é imperativo, no sentido de prevenir as possíveis lesões neurossensoriais que ocorrem em um número significativo de casos.

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* Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
** Pós-Graduando da Faculdade de Medicina da USP.
*** Residente da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP.
**** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da faculdade de Medicina da USP.

Este trabalho foi realizado na clinica Otorrinolaringológica do hospital das Clínicas e np LIM-32 da Faculdade de Medicina da USP (Serviço do Prof Dr Aroldo Miniti)

Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 6º andar São Paulo - SP - CEP 05403

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