Versão Inglês

Ano:  1959  Vol. 27   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 67 a 90

 

NEURILEMMOMMA DA FARINGE (1) (Interessando o XIº Par Craniano)

Autor(es): DR. A. MÉDICIS DA SILVEIRA, F.I.C.S. (2)
DR. J. P. ACHÉ DE FREITAS (3)

APRESENTAÇÃO DE UM CASO

(1) Trabalho inscrito para apresentação na VIII Reunião da Federação Brasileira das Sociedades de Oto-Rino-Laringologia e Bronco-esofagologia a ser realizada em Porto Alegre (4 a 7 de setembro/1959).
(2) Assistente voluntário da Clínica de O.R.L. da Santa Casa de São Paulo (Serviço do Dr. J. E. de Rezende Barbosa). Otorrinolaringologista do Hospital Municipal de São Paulo. Membro correspondente da Sociedade Francesa de O.R.L. Membro correspondente da Sociedade Italiana de O.R.L.
(3) Assistente da cadeira de Anatomia Patológica da Escola Paulista de Medicina (Serviço do Professor Moacyr F. Amorim). Patologista titular do Instituto Central A. C. Camargo - S. Paulo. Patologista do Hospital Municipal de S. Paulo.

ÍTENS
I) Generalidades
II) Histórico
III) Freqüência
IV) Aspecto macroscópico e clinico
V) Sintomatologia
VI) Aspecto Anátomo-patológico
VII) Dificuldades diagnósticas e diagnóstico diferencial
VIII) Tratamento
IX) Conclusões

I) GENERALIDADES

A apresentação dêste nosso trabalho a esta VIII Reunião Brasileira das Sociedades de O . R. L. e Broncoesofagologia, prende-se a algumas razões principais que nos pareceram justificar a sua divulgação. Assim, a localização do tumor, a escassez de casos publicados; o fato de tratar-se de tumor primitivo e solitário e ainda, a evolução de aproximadamente quinze anos e sua resolução cirúrgica.

Os Neurilemmonas são também conhecidos por uma vastíssima sinonímia, Schwannomas, Neurinomas plexiformes, gliomas periféricos, lemmomas, mioschwannomas etc., o que bem evidencia a confusão que sempre existiu a respeito da classificação dos tumores nervosos periféricos.

Deveremos distingui-los perfeitamente dos chamados "Neuromas de amputação" ou "Neuromas cirúrgicos" e dos neurofibromas, pequenos tumores múltiplos dos nervos, que caracterizam a doença de Recklinghausen.

A diferença fundamental entre uns e outros é que os Schwannomas derivam exclusivamente da bainha de Schwann, ao passo que aquêles se originam das bainhas epi, peri e endoneurais e, também das células de Schwann.

No campo de nossa especialidade os Neurilemmomas são mais freqüentemente encontrados em sua localização no VIII° Par craniano.

Entretanto, quer na literatura americana quer na européia, êste tipo de Neoplasia vem sendo relatado menos excepcionalmente nos últimos vinte anos, com sede extracrânica (IX, X, XI e XIIº Pares).

Pietrantoni e Leonardelli em estudo minucioso, chegaram à evidência que os Schwannomas da faringe são as neoplasias de origem nervosa que menos excepcionalmente aparecem na cabeça e pescoço. Apresentam um gráfico representativo das indicações da literatura nos últimos vinte e cinco anos, no qual a faringe aparece em 40% dos casos de Neurilemmonas extracranianos com sede cefálica, a língua em 25%, as fossas nasais e cavidades accessórias em 17% e, assim por diante, em incidência decrescente, as glândulas salivares e o pescoço.

Embora os Schwannomas da faringe, não possam pois, ser considerados como o que se chamaria de "raridade médica", não aparecem senão excepcionalmente. Assim é que não encontramos na literatura indígena caso semelhante.

Os autores italianos, acima citados, em um estude magnífico sôbre o assunto, reunindo tada a casuística do último quarto de século, para a qual contribuem com o número bastante apreciável de 16 casos, não identificaram um só caso de sede faringéa. Quer no trabalho surgido nos "Annales D'Oto-laryngologie" número de junho de 1958, quer no número de Janeiro e Fevereiro de 1958 da Revista "TUMORI" Pietrantoni e Leonardelli, apresentam um grande número de considerações pessoais, baseadas na experiência de seus casos tanto do ponto de vista teórico, como prático. Para maior facilidade de estudo, propuzeram que se estabelecesse uma nítida distinção dos Schwannomas, do ponto de vista meramente prático, em Schwannomas endocranianos e extracranianos.

No que concerne ao primeiro grupo, o considerável número de Schwannomas do VIIIº Par já divulgado, confirma a supremacia dêstes sôbre aquêles, e, que se estão no domínio semiótico e clínico da Otologia, do ponto de vista do seu tratamento cirúrgico, filiam-se à Neuro-Cirurgía.

A nós, otorrinolaringologistas, caberá ocupar-nos dos extracranianos, ou melhor, dentre êstes, dos que se localizam na cabeça e pescoço. Duas estatísticas feitas de Schwannomas extracranianos apresentam uma divergência notória de números, a de Nielsen com um total de 130 observações e a de Stout, com 50, referindo ambos que a incidência é muito mais significativa nos membros do que na sede cefálica. Heinatz, citado por Pietrantoni, num total de 111 casos de localização extracrânica, somente encontrou 27 com sede cefálica, não referindo número relacionado à faringe.

Numa publicação recentíssima de Winbomrn, Martinez e outros, surgida no número de Maio de 1959 do "Archives of Otolaryngology", há uma referência vaga ao número de aproximadamente 50 casos, sem que fique evidenciado se êste número refere-se a Schwannomas extracranianos ou propriamente de sede cefálica ou mesmo faríngea. Numa estatística do Memorial Hospital de Nova York, referente ao período de 1936-1942, existem 10 casos de Neurilemmoma extracraniano, localização cefálica, também não especificando regiões atingidas.

Pietrantoni e Leonardelli apresentam 16 casos num período de 10 anos, durante o qual mais de 30.000 afecções neoplásicas foram diagnosticadas na clínica de O.R.L. da Universidade de Milão e no Instituto Nacional de Tumores da Itália, com sede naquela cidade. Houve casos que já haviam sido diagnosticados como Schwannomas, que posteriormente os cientistas peninsulares foram obrigados a colocá-los à margem, desde que os classificaram de falsos Schwannomas, com documentação anátomo-patológica insatisfatória, tendo sido então classificados como Neuromas, Neurofibromas ou Neuroblastomas.

Os Neurilemmomas solitários da faringe, como já vimos, são aquêles de localização cefálica que menos raramente têm sido constatados e Pietrantoni conseguiu reunir um total de aproximadamente 44 casos na literatura universal. Dêstes, somente em um terço estava diretamente interessada a região "Velo-Amigdaliana".

O caso que vos apresentaremos é de tumor primitivo, solitário, localizado na região "Velo-Amigdaliana" direita.

Ennuyer e Bataini em sua obra "Les Tumeurs de L'Amygdale", consideram que os Neurilemmomas são verdadeiramente excepcionais ao nível da amígdala palatina.

Reed Crammer, Winborn e colaboradores, e grande número de autores, consideram como certa a primitiva origem nos espaços para-faríngeus para os Neurilemmomas da faringe.

Originando-se nos espaços retro-estiloideus, estas neoplasias atravessam a fascia buco-faríngea, fazendo saliência para dentro da faringe, ocupando por completo a loja amigdaliana, crescendo na cavidade oral ou, propagando-se um tanto mais externamente e, projetando-se, sobretudo, na região cervical.

Os Neurilemmomas solitários da faringe, no que concerne à sua embriogênese, podem ter como sede qualquer tronco nervoso, quer sensitivo ou motor. E, quanto a isto, embora não venha sendo possível, senão raramente, uma precisa identificação do nervo em foco, a localização faríngea nos inclina obrigatóriamente a pensar numa relação com os quatro últimos pares craneanos e, simpático cervical (plexo cervical). Permanecendo o tumor quase invariavelmente ligado exclusivamente às bainhas nervas, externo pois, ao tronco-sede, as fibras nervosas não costumam atravessar a massa neoplásiaa (Cranmer).

Não tem sido fácil, pois, identificar-se específicamente o tronco comprometido, havendo alguns autores conseguido reunir elementos para admiti-los como originados do Hipoglosso (até o momento, sômente 3 casos perfeitamente enquadrados). Um dêstes refere-se ao trabalho recentíssimo, já citado, de Winborn e outros. Nêste caso, após o ato cirúrgico ficou bem evidenciado o comprometimento do hipoglosso.

Quanto a outro ponto pelo qual nos animamos a vos apresentar esta contribuição, evolução de cêrca de 15 anos, vêm perfeitamente ao encontro da benignidade histo-patológica da quase totalidade dêstes tumores, mas também concordando plenamente com a possibilidade existente duma malignidade clínica, embora só mui tardiamente constatada. Esta última eventualidade parece só existir, nos casos de Tumores gigantes, de sede faríngea, condicionando Sintomatologia de dificuldade respiratória (franca dispnéa obstrutiva) e perturbações disfágicas, podendo as primeiras chegarem a forçar uma traqueostomia de urgência. Dores na região cervical do lado interessado, por compressões de ramos sensitivos de importância, podem também surgir.

No caso em estudo, as características clínicas de malignidade já estavam se fazendo sentir bem nitidamente e, acreditamos que se o tumor continuasse "in situ" não demoraria muito para que, por fenômenos obstrutivos de ordem mecânica, uma traqueostomia de urgência, se impuzesse.

Como vimos pela vasta sinonímia, a controvérsia sôbre a origem dêstes tumores é evidente.

Boyd foi um dos autores que mais procurou simplificar a explicação da formação dos Neurilemmomas, classificando-os como neoplasías oriundas da célula de Schwann do neurilemma ectodérmico. Acrescenta Boyd que provavelmente elementos do perineurium e do endoneurium poderiam também participar de sua formação.

Na literatura brasileira, Maffei em sua tese de docência livre à cadeira de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, sôbre "Tumores dos Nervos periféricos", estabelece uma diferença bem marcante entre Neuromas propriamente ditos (constituídos por bainha de Schwann) e os gliomas periféricos ou Schwannomas formados exclusivamente por células de Schwann. Exprime-se Maffei sôbre a incidência dos Schwannomas "o Neurinoma ou fibroblastoma perineural, embora seja mais freqüente no nervo acústico, pode desenvolver-se também em outros nervos cranianos, mas, estes casos constituem raridades (o grifo é nosso). Assim, conhecem-se observações de Neurinomas em outros nervos cranianos, como a de Altmann referente ao trigêmeo e mais recentemente Friedman e Eisenberg sôbre o nervo hipoglosso, que segundo os autores constitui o primeiro caso da literatura médica, Geschikter encontrou um no Xº Par e também um no XIIº Par e outro de Cohen e Glaser no Vº Par. No material que disponho não há nehum caso em que tenha sido comprometido outro nervo craniano".
II) HISTÓRICO

As primeiras citações de tumores derivados de troncos nervosos periféricos, são encontradas nos trabalhos de Cheselden (1746) e de Odier (1803), porém somente em 1873 é que Wirchow estabeleceu a verdadeira origem destas neoplasias, dividindo êstes tumores em "Neuromas verdadeiros", quando derivados dos elementos nervosos, "Neuromas falsos", quando derivados dos elementos conectivos dos troncos nervosos periféricos, descrevendo também um chamado "Neuroma mixto", quando participavam em sua formação tanto elementos de origem nervosa como elementos conectivos.

Em 1882, Recklinghausen descreveu, sob o ponto de vista clínico, certa moléstia na qual apareciam numerosos fibromas cutâneos ao longo de troncos nervosos e baseando-se em achados de concomitância de tumores múltiplos dos nervos com fibromas cutâneos, procurava estabelecer uma única origem conectival para estas proliferações teciduais, o que levou Tripier (1890) e cols. a suspeitarem de que a célula de Schwann era a provável originária desta neoplasia, fato êste perfeitamente estabelecido somente em 1908 por Verocay, o qual propunha a designação de Schwannomas para estas neoplasias derivadas das bainhas nervosas.

No entanto ainda hoje permanece aberta a questão quanto à origem da célula de Schwann, pois, alguns autores a consideram como de origem neuropitelial (ectodérmica), e outros, como de origem conectival (mesenquimal).

O primeiro caso de que se tem notícia de Neurilemmoma da faringe, foi descrito por Figi, em 1933, no "Archives of Oto-laryngology".

III) FREQUÊNCIA

Se bem que sendo das neoplasias do sistema nervoso periférico mais encontradiças, o Neurilemmoma não é, dentro das neoplasias em geral, um tumor de aparecimento freqüente.

No Instituto Central, Hospital A. C. Camargo de São Paulo, no período de 1953-1959, passaram pelo Departamento de Anatomia-Patológica cêrca de 29.000 casos, entre biópisas e peças cirúrgicas. No entanto, apenas 23 são os casos de Neurilemmoma, encontrando-se ainda mais 5 casos de Schwannoma Maligno, dos quais dois foram submetidos à autópsia.

Dêstes 23 casos pertenciam ao segmento cervico-cefálico, 10 (dez) casos, dos quais dois eram provenientes do VIIIº e Xº Pares cranianos, e os restantes com as localizações abaixo:
Região cervical: 3 casos.
Lábio inferior: 1 caso.
Região cervico-torácica: 1 caso.
Região pré-auricular: 1 caso.
Glândula parótida: 1 caso.
Região velo-amígdaliana: 1 caso.
(Este último refere-se ao objeto desta nossa comunicação).

Como nas generalidades, cuidamos da incidência dos Neurilemmomas extra-crânicos, quizemos aqui somente reproduzir a casuística do nosso maior centro de tumores. Para comparação com os dados do Hospital A. C. Camargo, citaremos somente a assertiva de Pietrantoni e Leornadelli que, em 60.000 biópsias executadas, somente em 16 foi feito diagnóstico de Neurilemmoma de sede cefálica.

Na literatura nacional; de acordo com a pesquisa bibliográfica feita, não existe descrito caso de Schwannoma extracrânico com localização na faringe.

IV) ASPECTO MACROSCÓPICO E CLÍNICO

O Neurilemmoma apresenta-se macroscópicamente, quase sempre, como uma massa bem circunscrita, redondo-ovalar, podendo em alguns casos assumir características alongadas e fusiformes, de volume extravagantemente variável.

"Por vêzes, quase microscópico, atinge as dimensões de uma amendoa, de uma noz, de uma bola de tênis" (Pietrantoni e Leonardelli), ou do volume duma laranja (Ramadier) situado na loja amigdaliana. Mais habitualmente esta massa neoplásica aparece revestida por uma cápsula bem definida, de contôrnos nítidos, existindo também a eventualidade de, nos casos de atividade expansiva mais alargada, assumindo características infiltrantes, apresentar-se descontínua. No que se refere à consistência do tumor, o aspecto não foge aos outros predicados plurivalentes desta neoplasia: uniformemente dura e fibrosa nos de pequenas dimensões ou então, mole e elástica, gelatinosa e, às vêzes, mesmo cística, nos casos de volume agigantado.

O poder de crescimento destas neoplasias é sempre ou quase sempre bastante lento, havendo, como dizem Pietrantoni e Leonardelli a possibilidade de paradas expontâneas se bem que transitórias, enquanto a sua sede permanece constantemente externa ao tronco nervoso.

No caso do qual ora nos ocupamos, é possível que esta eventualidade tenha se processado, desde que a história da paciente data de aproximadamente quinze (15) anos. A não ser nos Schwannomas de pequeno volume, não é possível divisar-se uma sede própriamente na contextura da fibra nervosa. Seccionando-se a massa tumoral, nota-se um colorido cinzento ou cinza-amarelado, notando os autores, em alguns casos zonas de embebição edematosa e de formação pseudo-cística.

O caso que vos apresentaremos era um tumor de forma francamente redondo-ovalar, de volume bastante apreciável, comparável a um ôvo de galinha (dos maiores) com uma cápsula bastante definida, não muito vascularizada (como a descrevem a maioria dos autores), mostrando-se nitidamente descontínua, o que dificultou sobremodo a abordagem duma boa clivagem trans-oral para e exerese do tumor. A consistência da massa tumoral vem perfeitamente ao encontro da descrições dos diferentes autores, assumindo aquela modalidade elástica, gelatinosa, molácea, tornando impossível a sua extirpação num bloco único, desde que fraccionava-se à medida que o debridamento era feito das paredes faríngeas e palatina, às quais a neoplasia achava-se grandemente aderida.

Do ponto de vista meramente clínico, referem todos os autores que a sua característica de benigdade é quase regra, havendo no entanto casos excepcionais nos quais verifica-se uma nítida malignidade clínica, quer pelo seu volume gigante, quer pela sua localização especial. A idade mais atingida é entre a 4.º e 5.º década de vida sendo o sexo feminino o mais freqüentemente atingido (10 vêzes em 16, nos casos da escola de Milão).

Está aceito pela maioria, que das regiões extracrânicas do extremo cefálico são mais atingidas a oral e a nasal, seguindo-se a frontal, latero-cervical, parotidiana etc..

À margem destas e mesmo incluídas nas primeiras, Pietrantoni considera localizações de verdadeira exceção, o lábio, a região velo-palatina, o pavimento oral, a região molar e a latero-cervical.

Eggston e Wolf no seu livro de Histo-Patologia em O. R. L. , dizem que os Neurilemmomas como uma parte da Neurofibromatose generalizada ou doença de Von Recklinghausen não são pouco freqüentes na faringe. Mas, nestes casos o diagnóstico se impõe pelo cortejo sintomático da doença, com alterações sangüíneas do tipo discrásico, com manifestações cutâneas e perturbações da pigmentação condicionando as manchas conhecidas como de "café com leite".

Ward e Hendrick em seu livro "Tumores da cabeça e pescoço", consideram como rara a localização na faringe dos Schawannomas primitivos, solitários, e, confessam não terem experiência com o diagnóstico ou tratamento do Neurilemmoma da faringe.

Slaughter no volume terceiro da obra "Tratamento do câncer e doenças afins", em seu capítulo XXV, refere-se que por causa de suas relações anatómicas com a carótida interna, o Neurilemmoma da faringe pode deslocá-la medianamente, para dentro da faringe e que êste vaso, pulsátil, pode criar embaraços ao diagnóstico, podendo eventualmente ser considerado como um aneurisma ou fístula artério-venosa. Ainda êste autor diz que nos casos por êle encontrados o comprometimento nervoso mais constante era uma paralisia da corda vocal do lado em que o Xº Par craniano estava envolvido.

No entanto, de acôrdo com a maioria dos estudiosos nêste assunto parece paradoxal que mesmo nos casos de grandes tumores a ausência de manifestações de tipo nervoso seja quase sitemática.

O nosso caso não foge a estas características clínicas, surgindo em paciente do sexo feminino, na 4.º década de vida, e também a nós, não foi possível concluir préviamente como na maioria dos casos, a sede específica do tumor desde que uma nítida manifestação nervosa não se fazia presente.

A paciente na história, referia disfagia e dificuldade respiratória, que, diante do volume do tumor foram consideradas como alterações mecânicas e além disso, dores cervico-occipitais (ramos-sensitivos) e, discreto abaixamento do ombro do lado do tumor (provavelmente na dependência do XIº Par), sintomas êstes surgidos apenas poucos meses antes da intervenção.

V) SINTOMATOLOGIA

O Neurilemmomma extracraniano é, como já vimos, uma neoplasia de evolução bastante tórpida com uma possibilidade de crescimento muito vagarosa, caracterizando-se porque sístematicamente ou quase, não condiciona sintomas nervosos e, pela freqüente ausência de fenômenos metastáticos, sendo pois de sintomatologia francamente inespecífica.

Cuidaremos tão somente do cortejo sintomático da localização faríngea.

O aparecimento dos sintomas está diretamente relacionado ao tamanho sede e compressão sôbre estruturas adjacentes.

Tem sido relatada esta sintomatologia em cinco ítens:
a) Perturbações da deglutição sobretudo, disfagia. Esta disfagia pode ocorrer simplesmente como obstrução mecânica ou então causada por lesão do nervo vago;
b) Distúrbios decorrentes do comprometimento do simpático cervical, como o aparecimento do Síndrome de Horner;
c) Perturbações da fonação - conseqüentes ao interessamento ainda do vago com paresias ou mesmo paralisias de cordas vocais ou parecias da musclatura do palato e da faringe;
d) Perturbações motoras com atrofia dos músculos esterno-cleido-mastóideo e trapézio (comprometimento do XIº Par), com deslocamento do omoplata e rebaixamento do ombro;
e) Em último lugar e, tardiamente - perturbações respiratórias por obstrução mecânica, as quais podem chegar até a exigir uma traqueostomia de urgência.

A massa tumoral apresenta-se comumente, implantada de modo muito firme aos planos adjacentes, mas, à palpação, não se mostra muito dura. No caso em estudo, todos êstes itens, a exceção do segundo, estavam presentes, uns em maior evidência do que outros.

No que concerne à deglutição, a disfagia era notória e, nos últimos meses de evolução a nossa paciente só conseguia alimentar-se de líquidos ou pastas, isto porque o tumor havia atingido um
volume realmente gigante. Assim é que o istmo da faringe estava praticamente reduzido a uma pequena fenda, ainda prejudicada pela presença da úvula jogada horizontal e contro-lateralmente.

A movimentação do veu palatino do lado em foco mostrava-se diminuída, mas, como não dispunhamos de outro qualquer dado, seja pré ou post-operatório para classificá-lo de neurológico, acreditamo-la devida à grande extensão do tumor para fora e para a linha mediana, deixando aquela musculatura constantemente sob tensão. A perturbação da voz era evidente, mas os elementos vocais propriamente ditos todos sem apresentar anomalia, de modo que somente pelo excessivo volume da massa, ocupando anterior e posteriormente a oro-faringe, e, comprimindo para trás o palato mole em mais de 2/3 de sua extensão, condicionava uma apreciável diminuição do espaço naso-faringêu, da caixa de ressonância vocal, fazendo aparecer aquela voz "voilé" ou "amigdaliana", de outros, dos flegmões amigdalianos ou das grandes hipertrofias de amígdalas e vegetações adenóides da infância. O ítem quarto apenas começava a fazer-se sentir.

NEURILEMMOMA DA FARINGE

(Esquema sucinto da Sintomatologia)

1) Espaços para-faringêus - (interessando os quatro últimos pares cranianos)



Quanto às perturbações respiratórias, na nossa paciente, eram as mais exuberantes - respirava mal pelo nariz, pior pela boca, dizendo-nos que há cêrca de seis (6) meses mal conseguia dormir mesmo em posição semi-sentada, com a cabeça o mais alto possível, e condicionando um "ronco" bastante alto.

VI) ASPECTO ANATOMO-PATOLÓGICO

É um dos mais comuns tumores benignos dos nervos periféricos, e a degeneração maligna só excepcionalmente ocorre. Aparece em qualquer local onde haja filetes nervosos tendo sido encontrado em várias localizações como na pele, no mediastino, na parede da faringe, no cordão espermático, no avário, na mama e mesmo no osso. Geralmente é solitário, podendo no entanto ser múltiplo, fazendo parte da chamada moléstia de Recklinghausen.

Deixamos de tecer aqui comentários sôbre o aspecto macroscópico, porque já foi anteriomente descrito.

Microscópicamente o aspecto do tumor é característico. Podemos observar duas partes estruturalmente diferentes, uma delas designada como Antoni A, constituída por células de Schwann, as quais arranjam-se em feixes sinuosos e entrelaçados, acompanhados por delicada trama conectiva. Os núcleos destas células apresentam tendência a disporem-se numa mesma altura, relativa a várias fibras, separados por espaços sem núcleos, o que nos dá o aspecto da chamada "paliçada nuclear". Este fenômeno no entanto não é particular desta neoplasia, muitas vêzes sendo encontrada em tumores de origem muscular. Entre estas zonas chamadas de Antoni A, sólidas, encontramos outras, designadas Antoni B, constituídas também por células de Schwann, porém dispostas mais frouxamente no meio de uma trama delicada de reticulina com substância fundamental de aspecto seroso. Podemos também observar a presença de vasos, em tôrno dos quais há uma delicada trama de tecido colágeno e pequeno espaços císticos. Células grandes cujo citoplasma apresenta-se cheio de vacúolos de gordura são algumas vêzes encontradas, principalmente naqueles Neurilemmomas situados profundamente, como por exemplo, no mediastino.

VII) DIFICULDADES DIAGNÓSTICAS E DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Macroscópicamente, o Neurilemmoma não tem um aspecto particular, não diferindo de um simples fibroma, ou mesmo de um leiomioma. Porém, ao exame microscópico o diagnóstico se impõe, em virtude do seu quadro histológico característico, como já foi relatado. No entanto, muitas vêzes um fibroma pode simular o quadro do Neurilemmoma, pois suas células são também fusiformes, dispondo-se em feixes e os núcleos das células podem também apresentar um arranjo em paliçada. O mesmo acontece com os leiomiomas encontrados no útero, nos quais pode existir uma degeneração mixoide do estroma conjuntivo, as fibras musculares lisas dispondo-se mais frouxamente, simulando aquêle aspecto do Neurilemmoma designado como Antoni B. Para um diagnóstico diferencial, lançamos mão de técnicas histológicas mais delicadas, as quais nos permitem estabelecer com segurança a natureza das células blastomatosas. Numa coloração de Van. Gieson ou num tri-crômio de Masson podemos verificar a não participação de fibras musculares lisas no Neurilemmoma. Com qualquer das técnicas de impregnação argêntica, surpreendemos a trama reticulínica das áreas Antoni B do tumor, bem como o aspecto fibrilar das zonas não nucleadas que contribuem para o aspecto em paliçada das áreas Antoni A. Podemos ainda, para melhor completar o diagnóstico diferencial, lançar mão de técnicas para a evidenciação da mielina, a qual é muitas vêzes encontrada nas regiões mais periféricas do tumor.

O diagnóstico pré-operatório de Neurilemmoma nem sempre é possível de ser feito e isto, por razões ligadas não somente ao exame clínico como também à própria biópsia.

A biópsia por nós realizada no pré-operatório, praticada no bordo livre da massa neoplásica, não nos orientou no sentido de pensar em origem nervosa.

Acreditamos que a biópsia foi falseada pelo fato de não havermos praticado uma tomada mais profunda. Também poderíamos ter utilizado a biópsia por agulha (aspiração) ou, então a medida que permitiria dados mais conclusivos, qual seja a biópsia direta por pegada profunda a céu aberto.

Há autores que não a recomendam de nenhum modo pelo perigo de infecção especialmente quando se pensa em utilizar uma via de acesso extra-oral.

No caso especial do Tumor de localização faringéa, "vélo-amigdaliana" como o presente, deve-se tentar estabelecer "ab-initium" se o tumor é amigdaliano ou para-amigdaliano e este elemento nos levará a pensar mais acertadamente na sua embriogênese e facultará que se medite acuradamente a respeito de sua abordagem. Com relação ao diagnóstico clínico diferencial já foi exposto o relativo à doença de Recklinghausen, que, além daquelas características nunca condiciona-o aparecimento de um tumor solitário.

Um tumor faringeu com o aspecto do que vos apresentamos no momento, deve ser distinguido daquelas outras neoplasias que menos raramente aparecem com a mesma localização: cordomas,
linfoblastomas, tumores mixtos das glândulas salivares etc., mas, no grande número dos casos, só mesmo o exame histo-patológico nos leva ao diagnóstico de precisão.

VIII) TRATAMENTO

O tratamento de eleição é de alçada exclusivamente cirúrgica, segundo a absoluta maioria dos autores. A cirurgia deverá ser instituída o mais precocemente possível após o aparecimento do tumor a fim de que a exerese não se torne difícil ou isenta de maiores sequelas.

É bem conhecida a radio-resistência dos Schwannomas, o que decorre duma diferenciação celular muito encontradiça e frisante. Para as localizações faríngeas, duas são as vias que têm sido utilizadas pelos diversos cirurgiões: a via externa cervical por faringotomia lateral e a via trans-oral.

A escola italiana, através de estudos de Bocca utiliza quase sistematicamente a faringotomia, mas, vários casos descritos foram também inteiramente erradicados pela abordagem trans-oral.

O importante é que a via utilizada permita uma boa visualização dos limites de extensão da neoplasia para que se possa chegar a uma enucleação radical. Em alguns casos, foi feita uma traqueostomia prévia no intuito de abrigar-se de uma complicação neurológica decorrente de secção nervosa no ato cirúrgico (vago e ramos laríngeus). Mas, esta medida depende de cada caso individualmente, e, nem sempre o cirurgião parte conhecendo o tipo ou a origem da neoplasia. Winborn e outros julgam que a via trans-oral deveria ser reservada aos tumores de pequena dimensão e que tivessem limites bem precisados. Referem êstes autores que, pela via bucal a visualização e conseqüente preservação de grandes vasos e nervos nem sempre é satisfatória e, sem uma exposição adequada, uma maior hemorragia poderia transformar-se numa barreira ao prosseguimento da intervenção.

No entanto, exprimem-se julgando a via trans-oral como vantajosa no ponto de não deixar ferida externa.

A radioterapia não tem sido utilizada, nem mesmo para aquêles casos nos quais a exerese total deixou de ser conseguida, julgando os autores que também nestas condições ela é de absoluta ineficácia.

No caso atual, apesar de se tratar duma massa neoplásica de dimensões bastante consideráveis, a via de acesso foi a trans-oral e, embora tendo havido dificuldades de ordem técnica, conseguimos uma enucleação radical do tumor e o sangramento nunca esteve a ameaçar uma parada da intervenção.

Pela experiência do nosso caso, acreditamos que nos Neurilemmomas da faringe, de volume apreciável, poderíamos emitir uma opinião de ecletismo, considerando que a abordagem cirúrgica deverá ser feita por uma técnica mixta que utilize ao mesmo tempo as vias externa e trans-oral.

Quanto às recidivas, não parecem freqüentes e Stout refere que mesmo nos casos em que a cápsula foi deixada para trás, o perigo de remissão é pequeno.

IX) CONCLUSÕES

1) Pelos métodos especiais de coloração utilizados, o. aspecto em "paliçada" dos núcleos e o aspecto "fibrilar", das zonas anucleadas firmam o diagnóstico de Neurilemmoma (predominância das áreas de Antoni A.).
2) Apesar de histopatológicamente benigno, por sua localização ou volume, pode condicionar uma Malignidade clínica.
3) Tumor pouco freqüente, o número dos faringianos não atinge uma cinqüentena.
4) Difícil a determinação específica da sede nervosa. No caso em apreço só tardiamente concluímos de modo definitivo pelo comprometimento do XIº Par craniano (ramo externo).

NOTA: (Os autores julgam tratar-se do primeiro caso de Neurilemmoma da faringe da literatura nacional).

OBSERVAÇÃO CLÍNICA

T. F. Sexo F. - 46 anos, branca, casada, brasileira, residente em Bebedouro, no Estado de São Paulo, procurou-nos em nosso consultório particular no dia 12 de janeiro de 1959.

Antecedentes Pessoais: Refere sempre haver gozado boa saúde. Não fuma e não bebe.

Antecedentes Familiares: Nada de interesse.

Queixa: Garganta inchada. Falta de ar. Dificuldade para engulir. Voz fanhosa.

H. P. M. A.: Conta-nos a paciente que há aproximadamente quinze (15) anos sofre muito da garganta. No começo tinha inflamações periódicas e, após, vem notando que a "glândula" do lado Direito está crescendo aos poucos, e, cada vez mais, dando-lhe a impressão da garganta estar fechando (Sic.).

De um ano para cá, percebeu que a "glândula" pelo volume alcançado, começava a atrapalha-la na alimentação e na respiração. A voz estava ficando cada dia mais "fanhosa" (Sic.). Nos últimos seis (6) meses, a piora foi muito acentuada, sente muita falta de ar, só conseguindo dormir quase sentada e roncando muito alto. Para alimentar-se a dificuldade também aumentou: só consegue ingerir líquidos ou alimentos pastosos. Acha que a garganta está fechada. Não sente dores no local e só ultimamente surgiram-lhe algias occipitais e cervicais, notando um rebaixamento do ombro direito. Deseja operar logo o "Tumor" porque não consegue mais viver déste modo.

Paciente aparentando bom estado geral, embora um tanto emagrecida: panículo escasso. Discreta queda do Ombro Direito. Instabilidade neuro-vegetativa, bem evidente. Voz anasalada.

EXAME ESPECIALIZADO

A inspeção, nota-se um abaulamento localizado na região alta do pescoço do lado Direito, circunscrito, duro, mas não lenhoso, móvel por baixo da pele, indo dum ponto pouco abaixo da apófise mastoide à altura do ioide, não se mostrando doloroso à palpação.

ORO-FARINGOSCOPIA

Prótese dentária superior. Alguns dentes inferiores, conservadas.


Fig. 1 - Desenho reproduzindo a neoplasia (in situo).


Chama atenção à primeira vista, a presença de massa tumoral bastante volumosa, ocupando inteiramente a fossa amigdaliana Direita, projetando-se para cima, para fora e para a linha mediana, condicionando um abaulamento apreciável do pilar amigdaliano anterior e do palato mole para fora e para cima. Para a linha mediana o "tumor" ocupa mais de 2/3 do ístmo da faringe, reduzindo-o a uma fenda e impulsionando a úvula contro lateralmente, deixando-a em posição de quase horizontalidade. Para trás, estendendo-se ao cavum, obliterando-o em quase 50%. Para baixo, não ultrapassa os limites do leito da amígdala palatina. A coloração não se afasta da normalmente encontrada nesta região, o volume da massa neoplasica permitindo bem uma comparação ao de um ôvo de galinha (dos maiores). Já que até a sua forma era redondo-ovalar, ligeiramente fusiforme (fig. 1). O aspecto da superfície de revestimento, de normal para excessivamente liso e brilhante, e pela palpação, a massa não se mostra muito endurecida condicionando-se ao tocá-la propagação dos movimentos ao abaulamento cervical, evidenciando que se tratava dum só tumor. O palato mole, à Direita, movimentava-se menos ativamente, mas, a forte tensão que lhe imprimia a neoplasia de dimensões tão apreciáveis, justificava plenamente o nosso achado. A língua, não apresentava qualquer anormalidade em sua movimentação nem sinais de atrofia e o sentido da gustação estava mantido.

RINOSCOPIA ANTERIOR

Nada de importante a assinalar.

RINOSCOPIA POSTERIOR

Impossível de realização pela presença do tumor obstruindo o acesso à naso-farínge.

LARINGOSCOPIA INDIRETA

Apesar das dificuldades decorrentes das condições anatómicas anormais, visualizamos a laringe: nada a assinalar.

OTOSCOPIA: NIHIL
BIOPSIA

No mesmo dia do exame, foi feita uma biópsia, ao nível da face faringea do tumor, mucosa de aspecto normal ou como falamos "lisa" em excesso e muito brilhante. A biópsia foi realizada na superfície.

Embora a paciente não apresentasse manchas de hiperpigmentação ou nódulos no corpo, pedimos um Exame Hematológico, fornecendo elementos ao Hematologista da suspeita clínica de Neoplasia.

15-1-1959 - Diagnóstico anátomo-patológico. Hipertrofia do tecido linfoadenoide.

Nota: Não há elementos para um diagnóstico de linfoblastoma folicular gigante.
a) Dr. Affonso Krug Filho.

15-1-1959 - Exame hematológico.
Série vermelha: Glóbulos vermelhos: 4.600.000/mmc; Hemoglobina: 13,5 gr. % - 93%; Hematocrito: 42%; Indice colorimétrico : 0,97; Volume corpuscular médio: 91 µs.

Observações: discreta anisocitose.
Série branca: Leucócitos: 4.600/mmc; Neutrófilos: - Mielocitos 0 - Metamielocitos 0 - Bastonetes 4% - Segmentados 60%; Eosinófilos : 4%; Basófilos: 0; Linfócitos: 29%; Monócitos 3%.

Observações: Granulações tóxicas finas em muito raros neutrófilos. Plaquetas normais.

Tempo de sangramento: 2 minutos. Tempo de coagulação: 4 minutos.

Relatório: Leucopenia. Neutrofilia relativa. Processo de evolução crônica.

Conhecendo a história e exames clínicos, não há indícios no hematológico que permitam suspeitar de tumor maligno. É mesmo pouco provável que seja um tumor tipo linfosarcoma ou Hodgkin.

a) Dr. Luís Gonsaga Murat
A 21 de janeiro de 1959, foi a paciente internada na Casa de Saúde Santa Rita.
P. A.: 120 x 75 - na manhã da operação. 22 de Janeiro de 1959

Pré medicação: Dolatina (1 ampola) + Fenergan (1 ampola) + Gardenal ( 1 ampola) + Atropina (1 ampola) 45 minutos antes da intervenção, por via intramuscular.

Intervenção sob anestesia loco-regional por Xìlocaina a 0,5% com solução de adrenalina a 1.100% Abordagem trans-oral do tumor. Incisão como se fora para uma amigdalectomia por dissecção: pilar anterior até o polo superior, descendo pelo pilar posterior. De início, tivemos a impressão dum plano de clivagem aceitável, no entanto, fomos verificando que a massa neoplásica estava fortemente aderida às suas inserções, às paredes faringeas, e, o descolamento surgia com grandes dificuldades. Tentamos aumentar a brecha cirúrgica e o nosso dedo indicador foi de uma valia considerável e, embora mui lenta e trabalhosamente, iamos conseguindo afastar o tumor de suas aderências às estrututuras adjacentes, mas, à proporção que se liberava uma certa parte, a massa ia como que fraccionando-se, denotando uma consistência francamente molacea, gelatinosa, parecendo mesmo desagregar-se. E, dêste modo prosseguiu o ato cirúrgico, explicando-se por esta razão, os diversos fragmentos extirpados do bloco único inicial, até que se atingisse à exerese total (figs. 2 e 3).


Fig. 2 - Múltiplas porções da massa tumoral extirpada, podendo-se perceber nitidamente o apreciável volume de cada uma. A 1.º diz respeito à cápsula com os únicos fragmentos de tecido amigdaliano encontrados.



Fig. 3 - Reunidas as diversas fracções do tumor com o intuito de dar-se uma idéia aproximada do seu volume gigante. A imagem à esquerda, representa cápsula e tecido amigdaliano.


A cápsula, bem nítida, em certos pontos do debridamento parecia permitir uma exerese intra-capsular noutros, no contrário, de modo que ao fim da intervenção, retiramos grande porção da mesma que mostrava-se não muito vascularizada, bastante espessa e brilhante.

Após a extirpação total da cápsula, ficou bem à vista, a musculatura da faringe, percebendo-se que a fossa amigdaliana estava inteiramente vazia. Quanto à hemostasia, acreditamos tenha sido facilitada pela própria contextura e pouca vascularização da referida cápsula, pois, um sangramento mais importante nunca esteve a ameaçar o bom andamento da cirurgia. Foram ligados três (3) pontos: polo superior (2) e região mediana da loja tonsilar.


Fig. 4 - Corte da neoplasia, mostrando as zonas Antoni A, francamente predominantes. Observe-se a disposição em paliçada das células de Schwann. Coloração Hematoxilina e Eosina; Ocular 2,5; Objetivo 10; Panphoto.



Fig. 5 - Maior aumento, observando-se disposição em paliçada dos núcleos e aspecto fibrilar citoplasmático. Coloração Hematoxilina e Eosina; Ocular 2,5; Objetiva 20; Panphoto.


A ferida operatória foi deixada aberta, sem drenos de qualquer espécie. A paciente suportou muito bem a intervenção e não houve qualquer acidente. - rede de alcance mundial

Tempo de duração do ato cirúrgico: uma hora e dez minutos.

Reunindo o material extirpado foi o mesmo enviado ao Patologista com as seguintes indagações: Linfoma? Cilindroma?
Schwannoma? (esta última; diante do aspecto da massa tumoral lembrando francamente tecido nervoso).

POST-OPERATÓRIO

A paciente deixou a sala cirúrgica com a região operada perfeitamente ex-sangue. Não surgiu qualquer sangramento quer imediato ou tardio.


Fig. 6 - Fotografia apresentando a região operada (Velo-Amigdaliana Direita) sete (7) meses após a intervenção.


A temperatura elevou-se a 38º2 à tarde da intervenção e no 2º dia, temperatura máxima de 39º, para um máximo de 37º4 no 3.º dia, entrando em declínio, a partir do 4º dia, quando já não existiu hipertermia.

A paciente recebeu alta do Hospital no 6.º dia do post, sem haver surgido qualquer sequela sistêmica ou neurológica.
Operador - Dr. Médicis da Silveira.
Auxiliar - Dr. Fumagalli.

2 de fevereiro de 1959 - Diagnóstico anátomo-patológico.

REGIAO AMIGDALIANA DIREITA "SCHWANNOMA".
Exame macroscópico: O material recebido para exame consta de fragmentos vários de tecido, de formas irregulares, alguns dêles, friáveis, dos quais o maior mede 4,5 x 4,5 x 3 cm e outro de aspecto membranoso, moles. O material examinado, em sua totalidade, pesa 46,6 gramas. Ao corte notamos que os fragmentos mais representativos, de aspecto tumoral possuem consistência esbranquiçada, finamente granulosa. Porções representativas foram enviadas à exame histológico.

Exame microscópico: Os cortes nos mostram formação tumoral de aspecto sui generis. Apresentando áreas de estrutura reticular, frouxa, com formações celulares, porém predominando áreas de estrutura fasciculada, ricas em células e fibras, chamando a atenção a disposição em "paliçada" dos núcleos celulares. Numerosos vasos de paredes hialinizadas são encontrados na intimidade do tumor, bem como várias zonas de hemorragia interstical.

Diagnóstico: Região amigdaliana direita - SCHWANNOMA (figs. 4 e 5).
a) Dr. João Paulo Aché de Freitas.

Chamamos a atenção, especialmente, para o pêso da massa extirpada: 46,6 gramas.

A epitelização da ferida operatória processou-se normalmente, facultando à paciente voltar à sua cidade no dia 5 de fevereiro de 1959 ou seja no 12.º dia do post-operatório.

Temos revisto a paciente com absoluta freqüência. Nos primeiros três meses, uma vez por mês e nos restantes quatro, cada dois meses. Ainda há poucos dias, precisamente sete (7) meses após a intervenção foi reexaminada em nosso consultório, e, como das outras vêzes, apresentava-se em perfeitas condições de saúde e, localmente não existia qualquer elemento de anormalidade, musculatura velo-faringea, língua e laringe, com movimentação absolutamente normal (Fig. 6). A paciente havia engordado 3 1/2 quilos.

No entanto, havia um dado que se acentuou nítidamente, qual sejam uma franca queda do ombro pomo-lateral ao tumor, notando-se indícios de atrofias musculares (esterno-cleido e trapezio), o que nos induz a incriminar o XIº Par craniano, em seu ramo externo (figs 7 e 8).

  

Fig. 7 - Paciente sete (7) meses após o ato cirúrgico, permitindo bem claramente que se constate a atrofia do esterno-cleido-mastóideo do lado direito e a queda do ombro homolateral. A modificação do contôrno exterior do pescoço é pois bem visível.


Fig. 8 - Paciente de costas, 7 (sete) meses após a operação, para que se possa verificar o deslocamento do omoplata, do lado atingido (direito), rebaixamento do ombro e modificações na musculatura (Trapezio e esterno-cleido).


SUMMARY

A case of primitive, isolated, "Neurilemmoma of the pharyx", located in the right "palate-tonsillar" region is presented by writers. The patient, a 46 year-old, female, noticed the swelling approximately fiften years before admission.

The tumor grew remarkably slowly to the point observed at the operation. It was resected through a "trans-oral" approach. It was only at a later date that it was possible to ascertain the precise localization of the tumor, related to the XI cranial pair, lateral branch (innervation of the trapezius and sternocleidomastoid muscles).

A general review of the extra-cranial "Neurilemmoma" is presented, a subject which was particularly studied by Pietrantoni and cols., of Milan (Italy) .

The case presented is probably the first in the Brazilian medical litterature.

RESUMÉ

Les auteurs présentent un cas illustratif et en même temps, instructif, d'un "Neurilemmome du pharynx", primitif, solitaire, siégeant plus precisément à la région "vélo-amygdalienne" droite. Le malade, du sexe féminin, à la cinquiène décade de vie, s'était aperçu de la tumeur depuis presque quinze ans, mais, la croissance de la néo-formation a été três lente, jusqu'à l'état exigeant l'intervention. Celle-ci a été faite par la voie trans-orale. Tardivement il a été possible la localization précise de la tumeur, qui, intéréssait le Xlème pair cranien, branche externe (innervation des muscles trapèze et externo-cleido-mastoidien), Ils font une révision générale de la question des "Neurilemmomes extra-craniens", sujet qui a. été magnifique et profondement étudié par Pietrantoni et ses colaborateurs de l'école de Milan (Italie),

A la fin du travail, manifestent les auteurs leur présompion comme qual ce cas constituera le prémier de la litterature médicale du Brésil.

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