Versão Inglês

Ano:  1976  Vol. 42   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - (10º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 243 a 253

 

O OSSO TEMPORAL NORMAL E ANORMAL ESTUDO NO MICROSCõPIO ELETRõNIC0 DE SUPERFICIE (SEM)*

Autor(es): Arnaldo Linden**

Introdução

Numerosos estudos feitos através do microscópio ótico, têm mostrado as alterações histológicas e histopatológicas do osso temporal. Estas investigações foram de indiscutível valor no atual conhecimento do osso temporal normal e naquele acometido por doenças. A maioria das observações foram feitas em cortes histológicos nos quais os métodos usuais de fixação, de calcificação, inclusão e coloração foram usados. Embora a patologia das lesões ficasse bem estabelecida, a etiologia das doenças permanece obscura.

O desenvolvimento da microscopia eletrônica de superfície (Scanning Electron Microscopy - SEMI tem permitido o estudo de sistemas biológicos em três dimensões. Isto tem estimulado a investigação de detalhes ultraestruturais de tecidos humanos.

Esta comunicação é um trabalho preliminar usando investigação microscópica eletrônica de superfície no osso temporal normal e naquele acometido de otosclerose, doença de Paget e osteogênese imperfeita. Um estudo correlato é feito com o microscópio ótico usando secções histológicas do mesmo osso temporal.

Material e Métodos

Em nosso estudo foram usadas lâminas de ossos temporais preparados no Eccles Temporal Bone Laboratory do Ear Research Institute. Após fixação, os ossos temporais foram decalcificados, incluídos em celoidina montados e seccionados numa espessura média de 25 microns. Em cada 10 cortes, o material foi corado com hematoxilina eosina e montado em lâmina. As lâminas foram tiradas com aumento de 500x. Para o estudo na microscopia eletrônica de superfície (SEM), cortes histológicos selecionados foram tomados do mesmo decalcificado osso estocado no Eccles Temporal Bone Laboratory. A celoidina desses cortes histológicos foi removida pelo uso da acetona. O tecido foi então secado, em ponto ótimo, montado em suportes de alumínio, revestido em pó de ouro de aproximadamente 150 A de espessura e colocado num evaporador a vácuo com movimentos de rotação. Espécimes foram então estudadas com o Microscópio Eletrônico de Superfície Kent Cambridge 54-10, numa voltagem de aceleração de 20 kv. As microfotografias foram tiradas em filme tipo Polaroid 55 P/ N.

Observações

A - O osso temporal normal

Semelhante a qualquer outro tecido de sustentação, o osso é formado de células, fibras e substância fundamentem. Um aspecto de distinção é a presença, na substância fundamental, de sais inorgânicos. As células ósseas são os osteocitos, osteoblastos e osteoclastos. Os dois últimos tipos são as células de desenvolvimento ósseo. A matriz óssea está disposta em camadas (lamelas) de 3 a 7 m de espessura (Fig. 1). As lamelas contêm elementos orgânicos e inorgânicos. 0 principal componente orgânico são as fibras colágenos unidas por uma substância muco-albuminoide, o cimento. O depósito inorgânico é formado por fosfato de cálcio (85%), carbonato de cálcio e outros sais minerais.

B - O osso temporal anormal
1 - Otosclerose: o processo otosclerótico pode tornar-se inativo ou ser reativado em qualquer tempo. Não é incomum existir regiões inativas e ativas no mesmo foco otosclerótico. A porção otospongiótica ou lesão ativa possui os espaços medulares alargados com a presença de osteoblastos e multinucleados osteoclastos. 0 foco ativo contém áreas fibrosas com numerosos vasos e células sanguíneas (Fig. 2). 0 foco otosclerótico, considerado como lesão inativa, na maioria das vezes consiste de osso denso com espaços medulares mais estreitos e poucos vasos sanguíneos (Fig. 3).

2 - Doença de Paget: a doença de Paget ou osteite deformante é uma doença óssea de etiologia desconhecida. Quando o osso temporal está acometido pela doença, surdez e zumbido são queixas comuns. Alguns pacientes também se queixam de vertigem. As alterações patológicas no osso temporal acometido, podem ocorrer no ouvido externo, médio ou interno, por deformidades na estrutura normal. Microscopicamente, a característica patológica mais importante é o aspecto de mosaico da estrutura lamelar, ocasionado por um aumento da atividade dos osteoblastos na formação óssea, superpondo novas camadas ósseas com as já formadas. (Fig. 4).

3 - Osteogenese imperfeita: osteogenese imperfeita também chamado síndrome de Van der Hoeve-de Kleyn é uma doença hereditária, muitas vezes congênita e familiar. Looser (1906) propôs os termos osteogênese imperfeita congênita e tardia. A forma congênita acomete o feto ou recém nascido, sendo muitas vezes fatal. A forma tardia inicia na infância, com efeitos menos nocivos do que a forma congênita. A síndrome de Van der Hoeve-de Kleyn tem a tríade de esclera azul, fragilidade óssea e hipoacusia. A matriz óssea tem aspecto imaturo com fibras colágenas dentro de espaços porosos (Fig. 5).



Fig. 1 - "Scanning" microfotografia de um corte de osso temporal normal. Observa-se um arranjo regular de lamelas e algumas lacunas dispostas ordenadamente. A seta mostra um osteocito típico dentro da lacuna. A x 500, B x 1.000.



Fig. 2 - Otospongiose ou lesão ativa de otosclerose. Alargados espaços medulares com abundantes células sanguíneas. "Scanning" microfotografia x 1.500.



Fig. 3 - Otosclerose ou lesão inativa. É uma lesão madura com espaços medulares mais estreitos (setas). Microfotografia na microscopia eletrônica de superfície. A x 500, B x 1.000.



Fig. 4 - Osso com a Doença de Paget e junção com o canal do nervo facial (setas). "Scanning" microfotografias mostrando uma ondulada superfície formada por osso neoformedo e já existente. A x 500, B x 1.000



Fip. 5 - Osteoçenese imperfeita, centro da platina. 0 aspecto é de osso vascular e osteoporótico com fibras colépenas dentro de espaços porosos (PS). SEM A x 500, B x 1.000



Discussão

Ao estudar cortes histológicos usando estas técnicas, precisamos ter certeza antes de tudo, que as alterações não sejam artefatos devidos principalmente ao processo de decalcificação e remoção da celoidina com acetona. A possibilidade de exame pela microscopia eletrônica de superfície (SEM) em ossos temporais estocados, usando estas técnicas, significa, sem dúvida alguma, uma grande vantagem. A visão tridimensional através da microscopia eletrônica de superfície permite um melhor reconhecimento de muitas estruturas ósseas, em comparação com a microscopia ótica, quando usamos os mesmos aumentos em ambos microscópios. Assim por exemplo, a disposição lamelar da matriz óssea adulta, das células sanguíneas, a superfície ondulada do osso na doença de Paget, a área fibrosa na otospongiose, e as fibras colágenos anormais na osteogenese imperfeita, são nitidamente visualizadas na microscopia eletrônica de superfície. Na microscopia ótica, o aspecto destas estruturas é achatada e, conseqüentemente, mais difícil de ser reconhecida. 0 mais importante, entretanto, é a possibilidade de investigar detalhes ultraestruturais do osso temporal através da microscopia eletrônica de superfície (SEM). Enquanto a microscopia ótica permite um aumento máximo de 1.000 vezes, a SEM possibilita aumentos que vão de 20 a 20.000 vezes. Este fato poderá ser um importante acesso, no futuro, no esclarecimento da etiologia das doenças. As microfotografias das figuras 6 e 7 mostram um aspecto comparativo ultraestrutural duma lesão otospongiótica e Doença de Paget.

A microscopia ótica, até o momento, não trouxe solução para a etiologia da otosclerose ou outras doenças do osso temporal. Este importante fato está reservado à microscopia eletrônica, bioquímica e histoquímica.

Resumo

Osso temporal normal e temporais com otosclerose, doença de Paget e osteogenese imperfeita foram examinados usando microscopia ótica e microscopia eletrônica de superfície (SEM).

A visão tridimensional permite melhor reconhecimento de muitas estruturas, em "scanning" do que em microscopia ótica, lacunas, vasos, disposição lamelar e superfície porosa; áreas fibrosas, células sanguíneas e espaços medulares na otospongiose; superfície óssea encurvada e ondulada na doença de Paget; fibras colágenos anormais na osteogênese imperfeita.

Com um aumento de até 20.000 vezes, o qual permite uma investigação de detalhes ultraestruturais do osso temporal, a microscopia eletrônica de superfície poderá ser um importante acesso, no futuro, ao esclarecimento das doenças em questão.

Summary

Normal temporal bone and those with otosclerosis, Paget's disease and osteogenesis imperfecta, were examined using light microscopy and scanning electron microscopy.

Osteocytes, osteoblasts, osteoclasts and "blue mantles" are easier to identify with light microscopy than with scanning microscopy. Three dimensional view allows better recognition of many structures in scanning than in light microscopy: lacunae, vessels, lamellar arrangement and porous surface; fibrous areas, blood cells and marrow spaceson otospongiosis; curved cement lines and wavy surface on pagetic bone; abnormal collagen fibers on osteogenesis imperfecta.

At magnification to 20.000 times, which allows the investigation of the ultrastructural details of temporal bone, scanning electron microscopy may be an important approach in the future, to clarify the etiology of the diseases in question.



Fig. 6 - Detalhes estruturais da vascularizaçâo na otospongiose. SEM x 5.000



Fig. 7 - Detalhes ultraestruturais da doença de Paget. SEM x 5.000



Acknowledgments

Profound and sincere appreciation is expressed to Dr. Jack L. Pulec, Dr. Malcolm D. Graham, Dr. Fred H. Linthicum, Jr., Dr. George Kelemen and Mr. Lawrence E. Irwin for their kindness in providing guidance, counsel and technical assistance, as well as for help in the analysis of the data obtained from this study.

Special appreciation and gratitude to my wife Shirley, for her comprehension and'Invaluable help in preparation of the manuscript.

BIBLIOGRAFIA

1. ALBERNAZ, P.L.M. & CovelI, W.P. 1961 - Otosclerosis of the stapes. A study of lhe lesion by hístochemical procedures and fluorescente microscopy. Laryngoscope 71, 1333.
2. ALTMANN, F.& Kornfeld, M. 1967. - Osteogenesis imperfecta and otosclerosis: new investigation. Ann. Otol. 76, 89.
3. AREY, L.B. & Rea, R.L. 1974. - Human Histologv, 77. W. R. Saunders, Philadelphia.
4. BRETLAU, P., Jorgensen, M. & Johansen, H. 1970. - Osteogenesis imperfecta: light and electron microscopic studies of the stapes. Acta - Oto-Laryng. 69, 172.
5. FRIEDMANN, I. 1974. - Pathology of the Ear, p. 245. Blackwell Scientific Publications, Oxford.
6. GARFIELD Davies, D. 1968. - Paget's disease of the temporal bone: a clinical and histopathological survev. Acta Oto-Laryng. suppl. 242.
7. GRANAM, M.D. & House, H.P. 1975. - Human stapes crura: normal ultrastructure. Scanning Electron Microscopic Findings. In Press.
8. HOEVE, J. van der, de Klevn, A. 1918. - Blaue sclera Knochenbruchigkeit und Schwerhorigkeit. Arch. Ophtal. (Berfn) 95, 81.
9. KELEMEN, G. & Linthicum, F.H.Jr. 1969. - Labyrinthine otosclerosis. Acta oto-Laryng. (Stockholm) Suppl. 253, 1.
10. LIM, D.J. 1970. A scanning electron microscopic investigation on otosclerotic stapes. Ann. Otol. Thinol. Laryng. 79, 780.
11. LINTHICUM, F.H. Jr. 1972. - Diagnosis of cochlear otosclerosis. Arch. Otolaryng. 95, 564.
12. LINTHICUM, F.H.Jr. & Schwartzman, J.A. 1974. - An Atlas of Micropathology of Temporal Bone, 48. W. B. Saunders Co., Philadelphia.
13. PAGET, J. 1876. - On a form of chronic inflamation of. bones (osteitis deformans). Medico-Chirurgical Trens. 60, 37.
14. SCHUKNECHT, H.F. 1974. - Pathology of the Ear, p. 351. Harward University Press, Cambridge, Mass.
15. SCHUKNECHT, H.F. & Kirchner, J. 1974. - Cochlear otosclerosis: fact of fantasy. Laryngoscope, in press.
16. Shambaugh, G.E. Jr. 1969. - Sodium fluoride for inactivation of the otosclerotic lesion. Arch. Otolaryng. 89, 381.
17. WARD, A.C. 1970. - Processing Human Temporal Bones for Histologic Studies, p. 3, Ear Research Institute.
18. WULLSTEIN, H. Ogilvie, R. & Hall, I. 1960. - Van der Hoeve's syndrome in mother and daughters. J. Laryng. 74, 67.




ENDEREÇO DO AUTOR:
General Vitorino, 53 P.ALEGRE-RS.

* Resumo da tese realizada no Ear Research Institute, Los Angeles e apresentada à Faculty of the Graduate School, University of Southern California, como requisito para o grau de Master of Scíence in Otology.
** Ex research fellow do Ear Research Institute, Los Angeles, California de 1.° de iulho de 1974 8 30 de Junho de 1975. Professor assistente da disciplina de otorrinolaringologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial