Versão Inglês

Ano:  1976  Vol. 42   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 235 a 243

 

SOBRE O TRAUMA SONORO ENTRE O PESSOAL DE TERRA DA VARIG: UMA REAVALIAÇÃO DOZE ANOS DEPOIS*

Autor(es): R. M. Neves Pinto**
F. C.Z. e Mala***

O presente trabalho deve ser encarado como complemento de uma série de observações sobre o Trauma Sonoro (TS), na aviação civil e militar brasileiras, adrede divulgados nos país e/ou no estrangeiro (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10).

Seus objetivos primários foram: (a) verificar a incidência atual de casos compatíveis com TS, entre o pessoal de terra da VARIG-RIO; (b) comparar os percentuais obtidos, nesta data, com aqueles obtidos num estudo semelhante, cerca de doze anos antes (6); (c) identificar quais os setores onde esses percentuais são mais elevados, exigindo, portanto, atenção especial. Acessoriamente, esperamos que os dados colhidos neste estudo possam ser úteis ao projeto e instalação dos novos prédios da VARIG, no Aeroporto Supersônico do Galeão, em construção na cidade do Rio de Janeiro.

Material e método

Foi estudada, durante o ano de 1974, uma amostragem aleatória de 441 funcionários de terra da VARIG-RIO, do sexo masculino, pertencentes a sete setores de trabalho, dos quais seis sediados no Aeroporto Internacional do Galeão (GIG) e um único sediado no Aeroporto Santos Dumont (SDU). Infelizmente, o audiograma de referência para o ingresso do pessoal de terra na Empresa, até muito recentemente, com exceção daqueles admitidos através do Serviço Médico VARIG-P. ALEGRE, era feito apenas pelo Ministério da Aeronáutica, quando parte do controle inicial exigido pelos acordos internacionais regulados pelo ICAO (International Civil Aviation Organization).

Os exames foram conduzidos dentro da mesma orientação já descrita nos trabalhos precedentes, onde considerações sobre o diagnóstico do TS podem ser encontradas (por exemplo: 7, 9, 10). Em resumo: rotulamos como casos compatíveis com lesão auditiva induzida pelo ruído, ou Trauma Sonoro (TS), aqueles portadores de deficiência auditiva neurosensorial, com queda abrupta em torno dos 4.000 cps, boa conservação das freqüências abaixo dos 2.000 cps (inclusive) e ausência de outras afecções capazes de justificar tais hipoacusias. As perdas auditivas encontradas foram distribuídas sob quatro rubricas: (a) TS bilateral simétrico; (b) TS bilateral assimétrico; (c) TS unilateral e (d) outras perdas não atribuídas ao TS. Consideramos ainda perdas auditivas discretas (25-40 dB), moderadas (40-60 dB) e acentuadas (mais de 60 dB). Chamamos de perdas assimétricas as que apresentavam, em mais de uma freqüência (na zona da lesão), ao compararmos as curvas dos ouvidos direito e esquerdo, uma diferença maior do que 20 db.

Resultados e comentários

Os resultados obtidos estão sumarizados nas figuras 1 e 2. A localização de cada setor de trabalho, no Aeroporto Internacional do Galeão (GIG), pode ser identificada na figura 3. Quanto às atribuições de cada setor, podemos dizer que:

I - A COMISSARIA (GIG) prepara e acondiciona o lanche que será servido à bordo;

II - A DIVISÃO DE ELETRÕNICA DE BORDO (GIG) tem como tarefa a assistência e manutenção da aparelhagem eletrônica dos aviões, no hangar e ou na pista;

III - 0 SUB-DEPARTAMENTO DO MATERIAL (ALMOXARIFADO E RECEX) (GIG) lida apenas com o estoque de material;

IV - 0 DEPARTAMENTO DE HANGAR E OFICINA (GIG) é responsável pela manutenção das aeronaves da Empresa, no hangar e/ou na pista;

V - 0 SUB-DEPARTAMENTO DE INSPEÇÕES (GIG), integrado pelos funcionários mais antigos e experimentados do setor precedente, fiscaliza o trabalho de manutenção supracitado;

VI - 0 SUB-DEPARTAMENTO DE OFICINAS AUXILIARES (GIG) é responsável pela manutenção das viaturas (caminhões, tratores, ônibus, etc.) e do material de apoio de terra da empresa (escadas, esteiras rolantes, geradores, etc).

Vil - A MANUTENÇÃO DE PISTA (SDU), o único setor estudado que está sediado no Aeroporto Santos Dumont, hoje de expressão reduzida, é responsável pela manutenção de pista e hangar dos aviões Eletra da Empresa engajados na ponte Rio-São Paulo.

Em todos estes setores o regime de trabalho é o de quarenta horas semanais, com exceção dos funcionários que trabalham na pista, os quais cumprem apenas trinta e seis horas. O ruído nocivo, que atinge os setores estudados, é produzido principalmente pelos motores dos aviões em manutenção, os quais são postos a funcionar no pátio de estacionamento. Acessoriamente existe também o ruído gerado pelo tráfego aéreo do Aeroporto do Galeão, onde predominaram, no período 1962-1974, os BOEING-707, e o ruído dos marteletes pneumáticos (126 dBA) do setor de chapeamento. (fig. 3).

Até 1974, data na qual foram realizados os controles audiométricos utilizados neste estudo, eram assistidos nas oficinas do Galeão, os Boeing 707, 727, 737 e os DC-10 (então recém-chegados). Na figura 3, o ponto "A", colocado à frente do hangar n.° 3, representa a turbina de um Boeing 707, com a exaustão voltada para o pátio de estacionamento, posição em que são geralmente acionadas. Os dois círculos que envolvem o ponto "A" correspondem aos níveis de intensidade sonora produzida por uma e quatro dessas turbinas respectivamente, aos 30 e 60 metros de distância da(s) mesma(s), na potência de decolagem. O deslocamento do ponto "A", no pátio, mostrará como o ruído aí originado poderá atingir setores cuja atividade não gera ruído nocivo algum (Comissaria, Almoxarifado, Recex). Lembramos que 92-97 dBA seria o nível de ruído tolerável, para 40 horas de trabalho semanais (11, 10). Para maior detalhe, poder-se-á utilizar ainda uma carta para combinação de ruídos e as curvas isossônicas dos diversos tipos de turbina (10).

No Aeroporto Santos Dumont, atualmente, só pousam de rotina os Eletra da ponte Rio-São Paulo e aeronaves de turismo ou táxi-aéreo. Estas últimas produzem apenas moderados níveis de ruído.



Fig. 1 - Tabela com os percentuais de TS nos diversos setores examinados.



Fig. 2 - Tipos de Deficiência aditava encontrados nos diversos setores examinados



Fig. 3 - Localização dos sator-as úmiminados, no Aeroporto internacional do Galego, e sua relaggo com o ruído produzido por uma e quatro turbinas do Boeinp 707, colocada(s) no pátio de estacionamento.



Fazendo uma comparação entre a incidência de casos do TS, na observação atual e naquela realizada doze anos atrás, é óbvio o aumento verificado (fig. 1 e 4). No estudo realizado em 1962 e publicado em 1965 (6), entre 342 funcionários de terra da VARIG-RIO, a maior incidência de TS foi entre o pessoal de manutenção SDU o qual apresentou uma taxa de apenas 9,9%. Outras comparações poderão ser feitas entre as cifras atuais e as obtidas, em estudos anteriores, entre o pessoal de vôo da VARIG (1, 2, 3, 4, 5, 7, 8) ou oficiais aviadores da FAB (9) (fig. 4). Certa equivalência poderá ser observada entre as incidências de TS nos setores IV, V e VII e os radioperadores de vôo (ROV); no setor II e os comissários de bordo (sexo masculino), comandantes, co-pilotos (VARIG) ou oficiais aviadores da FAB. Admitindo, conforme estudo já clássico de GLORIG e NIXON (12), a possibilidade de 19% das lesões rotuláveis como TS serem compatíveis com perdas produzidas pelos ruídos usuais da vida civilizada (socioacusia), os setores I, 111 e, praticamente, ainda o setor VI, seriam excluídos da nossa lista de áreas críticas. Todavia, o aumento flagrante, sem excessões, de casos rotuláveis como TS e intensidade da exposição sonora falam 'a favor de uma relação de causa e efeito entre o ruído e as perdas auditivas apresentadas. Inclusive naqueles setores dentro dos limites das cifras ditas compatíveis com socioacusia. Parece-nos sumamente sugestivo o fato de que, na época na qual todos aqueles estudos foram realizados (exclusive o da área militar), a nossa aviação comercial era praticamente constituída por aviões a pistão enquanto que, em 1974, data em que se realizou o presente estudo, a nossa frota comercial passara a se constituir, quase que exclusivamente, por aviões a jato ou turbo-hélice (fig. 5). 0 problema do ruído transferira-se do interior para o exterior dos aviões. Se, nos aviões a pistão, os tripulantes eram as grandes vítimas do ruído, nos aviões a jato ou turbo-hélice o pessoal de pista é que passou a assumir tal ônus. Hoje, graças a um melhor tratamento acústico da cabine, o nível de ruído no interior das aeronaves é bem menor, quanto que no exterior, devido à potência cada vez maior dos motores, sucede o contrário.

Outro fato importante é o aumento substancial do tráfego aéreo, no Aeroporto Internacional do Galeão, o que motivou inclusive a transferência de quase todo o pessoal de oficina VARIG para lá. Como podemos verificar na figura 6, de 13.108 pousos e decolagens, em 1962, saltamos para 65.443, em 1971

Do exposto, como conseqüência imediata, achamos que se deva fiscalizar a execução do Programa para Conservação da Audição (PCA) atualmente em vigor (10). Exigir o uso dos protetores auriculares adequados, fazer o controle áudio métrico periódico e doutrinar o pessoal são medidas imprescindíveis (10). Por outro lado, as situações propiciadoras de exposição desnecessária ao ruído devem ser a todo custo evitadas, pelo menos nas futuras instalações da VARIG, no Aeroporto Supersônico do Galeão.

Sumário e conclusões

Os AA estudaram 441 funcionários de terra, do sexo masculino, da VARIGRIO, pertencentes aos seguintes setores: (I) COMISSARIA (GIG), (11) DIVISÃO DE ELETRÕNICA DE BORDO (GIG), (111) SUB-DEPARTAMENTO DO MATERIAL (GIG), (IV) DEPARTAMENTO DE HANGAR E OFICINA (GIG), (V) SUB-DEPARTAMENTO DE INSPEÇÕES (GIG), (VI) SUB-DEPARTAMENTO DE OFICINAS AUXILIARES (GIG) e (VII) MANUTENÇÃO DE PISTA (SDU).

A incidência de casos compatíveis com Trauma Sonoro (TS) foi de: 15,5% no Setor 1, 24,2% no Setor II, 16,6% no Setor 111, 36,9% no Setor IV, 37,5% no Setor V, 20,8% no Setor VI e 32% no Setor VII (fig. 1 e 2).

Merecem atenção especial, pela alta incidência de TS, os setores IV, V, VII e li. A relação entre incidência de TS e exposição ao ruído são concordantes e sugere fortemente uma relação de causa e efeito existente.



Fig. 4 - Tabela com os percentuais de TS encontrados em estudos anteriores



Fig. 5 - Evolução de frota comercial brasileira



O aumento de casos de TS foi substancial, após 12 anos (1962-1974): a maior incidência de TS, no estudo realizado em 1962 (6), foi de apenas 9,9%, no Setor de Manutenção de Pista, no Aeroporto Santo Dumont (SDU) (Fig. 4).

Parece-nos basicamente responsável por tal aumento, nos setores examinados, a evolução da frota comercial brasileira, que trocou os aviões a pistão pelos jatos e turbo-hélices (fig. 5), e, acessoriamente, o grande aumento do tráfego, no Aeroporto internacional do Galeão (GIG), que saltou de 13.108 pousos e decolagens, em 1962, para 65.443, em 1974.

Uma imediata fiscalização da execução do Programa de Conservação da Audição (PCA) vigente deve ser feita, em especial nos setores IV, V, VII e li. Exigira utilização dos protetores auriculares adequados, o controle audiométrico periódico, promover a doutrinação do pessoal e evitar as exposições desnecessárias ao ruído, são medidas indispensáveis.




Fig. 6 - Pousos e decolagens, no Aeroporto Internacional do Galeão, de 1962 a 1974




Summary and conclusions

On the Acoustic Trauma Among the VARIG's Ground Personnel: a reappraisal twelve years after

We studied 441 VARIG's ground employees, male sex, from the following sectors: (1) COMISSARY DEPARTMENT, (11) AIRCRAFT ELECTRONICS DIVISION, (111) FACILITIES SUBDEPARTMENT, (IV) GROUND AIRCRAFT MAINTENANCE DEPARTMENT GIG, (V) GROUND AIRCRAFT MAINTENENCE INSPECTIONS SUBDEPARTMENT, (VI) AUXILIARY WORKSHOPS SUBDEPARTMENT and (VII) GROUND AIRCRAFT MAINTENANCE SDU. The six first sectors are placed at the "Aeroporto Internacional do Galeão" (GIG) and the last one at the "Aeroporto Santo Dumont" (SDU) both in Rio de Janeiro.

The incidente of cases compatíble with acoustic trauma (AT) was: 15,5% in the sector I, 24,2% int the sector li, 16,6% in the sector III, 36,9% in the sector IV, 37,5% in the sector V, 20,8% in the sector VI and 32% in the sector VII (fig. 1 and 2).

We must give special attention by its AT high incidente the sectors IV, V, VII and II. There is a close connection between noise exposure and AT incidente suggesting a close cause and effect relation.

AT cases have increased too much in the twelve years period (1962-1974) elapsed as we can see: 9,9% was the highest AT incidente we found in the 1962 study on the subject (Ground aircraft maintenance SDU).

We think that main cause of this raise in the examined sectors were: (A) the substitution of the convencional planes that brazilian commercial fleet had in use by the modern jets and turbo-propellers and (B) the great trafic increse in the "Aeroporto Internacional do Galeão" that jumped from 13.108 landings/take-offs in 1962 to 65.443 in.1974.

We strongly advise that an immediate fiscalization of the in use Hearing Conservation Program should be made, specially in sectors IV, V, VI and li.

Are essential measures: (A) the use of the ear-noise protectors, (B) periodic audiometric control, (C) indoutrination of the personnel and (D) avoidance of desnecessary noise-exposure situations.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS Pág 243

1. NEVES PINTO, R. M.: Trauma sonoro entre o pessoal de vôo da VARIG. Rev. Bras. Med. (Rio de Janeiro), 19: 140, 1962
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11. BOTSFORD J.: apud WARDH em The identification and treatment of noise-induced hearing loss. Otolaryng. CI. N. Amer. W. B. Saunders Company, Philadelphia, 2:89, 1969
12. GLORIG, A. and NIXON, J. C.: Hearing loss as a function of age. Larvngoscope (EUA), 72: 196, 1962




R. M. Neves Pinto
Serviço Médico VARIG Aeroporto Santos Dumont 20.000- Rio de Janeiro, RJ BRASIL

* Trabalho entregue para publicação em agosto de 1976
** Maj. Méd. Aer. Assistente da CI. O. R. L. do H. C. Aer. (Rio de Janeiro) Livre-docente de CI. 0. R. L. de F. M. P. A. (U. F. R. G. S.)
*** 1.° Ten. Med. Aer. Chefe da CI. O. R. L. do H. Aer. Canoas (R. G. S.)

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