Versão Inglês

Ano:  1976  Vol. 42   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 232 a 235

 

NOSSA EXPERIÊNCIA COM HOMOENXERTOS TIMPANO-OSSICULARES

Autor(es): * Dr. George E. C. Bernarda
**Dpra. Luiza H. Endo

1. História

A cirurgia otológica evoluiu muito no período após-guerra (1945-1950), graças às então recente descoberta dos antibióticos e quimioterápicos no combate às infecções, como também ao aperfeiçoamento do microscópio cirúrgico e das técnicas cirúrgicas visando a cura das afecções otológicas, restituindo ao mesmo tempo a função auditiva.

Estas técnicas foram desenvolvidas na Alemanha pelos professores Zollner, de Freiburg e Wullstein, de Würzburg.

Em 1950, o professor Betow usou pela primeira vez, na H. N. O. Klinik de Berlim, um homoenxerto tímpano-ossicular em bloco, para substituir a totalidade da caixa timpânica destruída por otite média colesteatomatosa. Este enxerto fora obtido de um cadáver-doador - recente e transplantado imediatamente ao receptor. Este método de reconstrução não obteve êxito, pois reações de rejeição foram observadas, apesar do baixo poder imunogênico do tecido colágeno.

Seguiram-se, ainda em Berlim, tentativas de conservação do enxerto pelo frio, de resultados também desalentadores, o que levou a um arrefecimento do entusiasmo pelo homoenxerto. Assim, durante 15 anos um vazio na literatura referente ao assunto, quebrado apenas em 1961 por Chalet, de Detroit.

Em 1965 porém, Marquet, em Antuérpia retomou a técnica, conservando os seus enxertos em Scialite, que é um sal de sódio com componentes mercuriais em solução aquosa de 1:5.000, o que produzia uma boa esterilização do enxerto, destruindo as enzimas e outras proteínas, com bom resultado.

Glasscock e House, de Los Angeles, fizeram tentativa em 1968, conservando os enxertos em álcool a 70%, com piores resultados.

Brando, nos EUA, retomou a conservação em Scialite e, finalmente, Perkins propôs a conservação do enxerto em formaldeido, através de um processo de fixação, esterilização e estocagem usando solução de concentrações e pHs diferentes. Este processo tem a vantagem de assegurar uma esterilização perfeita tanto viral como bacteriana, aumentando ao mesmo tempo a resistência do colágeno da membrana timpânica e dos ligamentos articulares. Tal técnica vem sendo utilizada também por Portmann e Lacher, de Bordeaux, há 3 anos, com excelentes resultados. No Brasil, a par de alguns ensaios isolados, os homoenxertos tímpano-ossiculares vem sendo feitos de uma forma sistemática em alguns serviços de Otorrinolaringologia há cerca de 2 anos.


2. Objetivos

O objetivo do uso de homoenxertos tímpano-ossiculares é propiciar a reconstrução anatômica mais aproximada do normal. As técnicas até hoje existentes visavam remover as alterações patológicas cuidando do importante aspecto funcional, no concernente à membrana timpânica, janela oval e todos os outros fatores que concorrem para uma perfeita audição. Em casos de destruição total da cadeia ossicular entretanto, o aspecto funcional ficava a desejar, apesar de todas as soluções propostas.

Em nosso serviço, os homoenxertos tímpano-ossiculares foram inicialmente conservados em álcool 70%, antes e após a retirada dos mesmos. Num período compreendido entre o mês de março de 1974 a maio de 1975, tivemos dez casos de reconstrução por homoenxertos. Todos os receptores eram portadores de otite média crônica colesteatomatosa, sendo que em apenas um caso, esta cirurgia foi realizada um ano após mastoidectomia radical. Os demais casos receberam o homoenxerto imediatamente após a retirada do colesteatoma, sendo que em três destes casos foi realizada a reconstrução da parede posterior através de cartilagem homóloga.

Três pacientes apresentaram otorréia rebelde a tratamento clínico 2 a 3 meses após a cirurgia, tendo-se verificado a presença de espessamento granuloso da MT. Realizamos cauterizações com ácido crômico a 5%, observando-se regressão em 2 casos. Um destes casos foi submetido à revisão cirúrgica sob narcose por se tratar de uma criança. No ato cirúrgico, retiramos o espessamento granuloso da MT e aproveitamos para verificar a caixa timpânica onde havia uma boa adaptação do homoenxerto tanto no que diz respeito à morfologia como à função. Os demais casos não apresentaram complicações pós-operatórias, mas funcionalmente estavam aquém da ideal. Houve muitas falhas no controle pós-operatório, pois os pacientes, uma vez cessados a otorréia que lhes era o sintoma perturbador, não retornavam para realizar seguimento audiométrico apesar de insistentes apelos.

Em maio de 1975, após o I Simpósio Internacional de Homoenxertos tímpano-ossiculares, realizado em Bordeaux, na França, sentimos a necessidade de aprimorarmos a técnica de conservação do enxerto e também padronizarmos o seguimento pós-operatório. Rodney Perkins observou a ausência de imunorrejeição com os homoenxertos conservados em formaldeído, o que nos levou a adotar o novo esquema de trabalho que descreveremos a seguir.

3. Metodologia

I - Obtenção do homoenxerto

a) Retirada do osso temporal até 48 horas após a morte e fixação em formaldeído a 4%, pH 5,6 durante 3 a 5 dias, quando será retirado o bloco tímpano-ossicular com o auxílio do microscópio e relativa assepsia.

b) Esterilização - 0 enxerto retirado é colocado num vasilhame estéril contendo formaldeído a 4% pH 7,0 durante 7 a 10 dias. A mudança de pH tem a finalidade de prevenir a descalcificação dos ossículos, o que poderá ocorrer num período de 2 a 4 semanas.

c) Estocagem - O homoenxerto é então removido e colocado em formaldeído 0,5% pH 7,0 para estocagem, podendo permanecer até 18 meses, sem que haja evidências de deterioração.

II - Colocação no Receptor - A escolha do receptor no momento atual recai exclusivamente nos portadores de destruição total do conjunto tímpano-ossicular e por conseguinte todos os nossos casos foram e têm sido de portadores de otite média crônica colesteatomatosa. Inicialmente é realizada a mastoidectomia procurando na medida do possível conservar a parede posterior -do conduto. Uma timpanotomia posterior ampla é feita com a finalidade de limpar o recesso do facial e ao mesmo tempo facilitar a introdução do enxerto através da mesma. O conduto é também preparado, fazendo-se uma incisão completa, no limite do terço médio com o interno. Descolamos e retiramos toda a pele do segmento medial e a membrana timpânica remanescente com seu anel timpânico. 0 homoenxerto é introduzido através da timpanotomia posterior. A coaptação do anel timpânico do doador ao anulus timpânico do receptor é feita de tal maneira que quase sempre há um ajuste perfeito entre as duas estruturas. Quanto ao bloco ossicular, existem variações na colocação dependendo do que restou na caixa timpânica do receptor.

Se houver estribo, cortamos os ramos do estribo doador sobrepondo-o sobre a apófise articular do estribo receptor. No caso de não haver, restando apenas a platina receptora, colocamos o estribo doador com sua platina ou parte dela sobre a estrutura remanescente. Na ausência do estribo doador podemos lançar mão de próteses incudo-vestibulares.

III - Controle pós-operatório

Seguimento periódico - com estudo do comportamento radiológico através de tomografia da cadeia ossicular transplantada e seguimento da função auditiva através de testes audiométricos nos primeiros 15, 30, 60, 180 dias e 1 ano.

4. Conclusão

Este relato tem apenas o objetivo de levar ao conhecimento dos colegas otorrinolaringologistas, o que tem sido feito alusivo ao uso de homoenxerto tímpano-ossiculares na F. C. M. da UNICAMP e apresentar uma nova metodologia que foi preconizada a partir das experiências relatadas por grandes entusiastas deste assunto.

5. Sumário

Os autores deste relato fazem um breve histórico sobre os homoenxertos tímpano-ossiculares, relatam experiências com os mesmos e adotam uma nova metodologia a partir das recentes aquisições científicas deste assunto.

Summary

The Authors of this paper make a brief review of contributions on middle ear homografts. They report on their experiences with different methods and adopt a new approach based on recent contributions in this subject.

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ENDERECO DO AUTOR:
Rsa Andrade Neves, 611 13.100 - Campinas/ SP

* Chefe do Serviço de Otolopia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.
** Assistente do Dept.° de Oftalmo-Otorrinolaringologia e Faculdade de Ciências Médicas de Universidade Estadual de Campinas.

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