Versão Inglês

Ano:  1976  Vol. 42   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 211 a 214

 

A REAÇÃO DE JARISCH-HERXHEIMER NAS DISACUSIAS LUÉTICAS

Autor(es): * Nicanor Letti

Introdução

A infecção luética do osso temporal é considerada incurável embora com tratamento bem conduzido e persistente consegue-se a estabilização do processo patológico e muitas vezes melhora auditiva (1). Este resultado é bastante animador nos casos de estágio terciário e precário na forma congênita. Na Inglaterra a população recenseada em 1961 apresentou a incidência de sífilis congênita em 1 por 700 ou seja de 0.14%.
Nestes pacientes 1 em cada três, segundo Karmody e Schuknecht (2). Desenvolvem manifestações otológicas. A lués desde 1940 vem incidindo de maneira crescente em todo o mundo: em 1971 nos EE.UU. Havia 11.5 casos para cada 100.000 habitantes, 2.5 na Inglaterra e 2.6 no Canadá.

A reação de Jarisch-Herxheimer ocorre no início do tratamento da sífilis, consiste em tremores de frio, febre elevada, indisposição, dor de garganta, mialgia, cefaléia, taquicardia e exacerbação da reação inflamatória nos locais da infecção pelos espiroquetas (3). A reação em portadores de focos luéticos do osso temporal é devastadora e de prognóstico reservado para a audição degenerada pelo processo reativo. Esta comunicação ilustra dois casos significativos de piora auditiva dramática pelo processo descrito por Jarisch-Herxheimer em pacientes com disacusia luética.

Caso n.° 1

D.C.L., 62 anos de idade, masc. branco, advogado e professor secundário em atividade, casado. Relata que sofria de leve disacusia mas que permitia a comunicação sem uso de próteses e considerava-se portador de boa saúde. Na idade de 18 a 25 anos sofreu várias gonococias pós-contato genital, tratou-se com salvarsan e outros medicamentos, inclusive dilatações uretrais e cauterizações (sic). Procurou-nos em Junho de 1971 dizendo que durante uma virose respiratória ocorrida trinta dias antes, foi a uma farmácia onde lhe aplicaram uma injeção de Penicilina (Dibiotyl).

Três horas após começou a sentir-se indisposto, com sudoração profusa, cefaléia, zumbidos intensos, desequilibrio, sentia muito frio e após o início dos calafrios notou que estava completamente ensurdecido. Um médico na urgência do tratamento aplicou-lhe corticoides e analgésicos e diagnosticou uma anfilaxia aguda. No dia seguinte estava recuperado mas a audição não melhorou. Ao exame apresentava membranas timpânicas normais e ausência de audição por via aérea com uso de diapasão. Não tinha problemas de nariz, orofaringe e laringe, nem adenites regionais. No audiograma (Fig. n.° 1) apresentava somente restos audir tivos, sem SRT (Speech Rereption Threshold) e discriminação (PB) ausente. Os exames eram normais a não ser o VDRL (Venereal Desease Research Laboratory) e o FTA-ABS (Fluorescent Treponemal-antibody absorption test) que eram positivos. Era normotenso.
Não conseguiu se adaptar com nenhuma prótese. Foi tratado com doses maciças de corticoiides e penicilina benzatina. Foi revisto seis meses após comunicando-se apenas por leitura labial e o audiograma permanecia igual. Providenciava a aposentadoria, sofria de profunda depressão e abusava do álcool. Foi examinado novamente em 1975 sem melhora do quadro auditivo.





Caso n.° 2

B. O., 44 anos, branco, casado, tipógrafo, com boa saúde geral procurou um ambulatório por sentir zumbidos nos ouvidos. Atribuía o problema ao ruído de seu ambiente de trabalho, mas escutava e se comunicava sem dificuldade. Nada foi encontrado de anormal pelo neurologista que o atendeu a não ser um VDRL e FTAABS positivo. Como tinha passado gonocócico foi-lhe receitado 15 milhões de Penicilina Benzatina em dias alternados. Quatro horas após tomar a primeira dose do medicamento começou a sentir-se mal, com opressão no peito, dificuldade respiratória, suores profusos e foi recolhido pelos familiares a um Serviço de Urgência. Quando chegou verificou que estava ensurdecido não conseguindo entender a conversação com os médicos que o atendiam. Medicado por anafilaxia aguda permaneceu dois dias com rache cutâneo pruriginoso, mialgias, cefaléia que regrediram no 3.° dia. Como a audição não havia melhorado procurou-nos no 4.° dia e após exame otorrinolaringológico que estava normal, foi realizado um audiograma, (fig. n.° 2) que foi comparado com outro realizado alguns anos antes por controle de audição em ambientes ruidosos pelo SESI (Fig. n.° 3). Verificamos que só restavam restos auditivos cinestésicos em graves. Ausência de discriminação. Foi controlado mensalmente e não melhorou a audição. Foi tratado após com doses maciças de corticoides. Permanece em observação.








Discussão

Os dois casos apresentados configuram clínica e laboratorialmente a existência de uma reação tipo Jarisch-Herxheimer, inclusive no segundo conseguimos comparar a audição antes e após o tratamento com penicilina. Podemos excluir o choque anafilático como causa das alterações que os pacientes sofreram pela observação clínica uma vez que não sofreram os graves problemas cardio-respiratórios típicos da anafilaxia. Por outro lado a anafilaxia nunca produz surdez. Complicações agudas e exacerbações das lesões neurológicas por neuro-sífilis já foram descritas após o início do tratamento (3, 4). Ocorrem de seis a oito horas após a primeira aplicação do medicamento e podem surgir tanto com a penicilina como com outros antibióticos apropriados. Acontece em 50% dos pacientes com sífilis primária, em 75% na forma secundária e em 30% com neurolués (3,4). Foram também demonstradas em outras espiroquetoses (5).

A infecção luética do osso temporal é grave, principalmente na forma congênita quando geralmente surge após a quinta década da vida, no momento em que nem o paciente e nem o médico suspeitam que uma perda de audição poder ser de causa luética. A lesão coclear pode aparecer mesmo após tratamento intensivo antisifilítico e com exames serológicos e liquíricos negativos (6). As pesquisas demonstram que o tratamento da lués do osso temporal tem melhores resultados com os corticoides (7) mas atualmente utilizamos estes medicamentos associados a penicilina em doses totais acima de 50 milhões de unidades.

Existe uma série de teorias para explicar a piora dos sintomas e a degeneração coclear logo após o início do tratamento. Herxheimer achava que era uma endotoxina liberada pelo espiroqueta que causava a reação, e Christiansen em 1962 isolou um lipossacarídeo dos treponemas reforçando esta opinião (8). Recentemente Gelfand e col. utilizando o "limulus essays" demonstraram que a reação é uma endotoxemia confirmando as idéias iniciais expressas por Herxheimer. Fica excluida portanto nos casos uma reação tipo anafilático, com complexo antígeno-anticorpo na fisiopatologia da síndrome de Jarisch-Herxheimer. Este aspecto é importante na terapêutica pois a administração de corticoides não é muito efetiva nas endotoxenias deste tipo.

Sumário

Descrevemos dois casos de reação de Jarisch-Herxheimer em pacientes com lués do osso temporal, demonstrando a gravidade do problema e a devastação que a reação provoca na audição destes pacientes. Discutimos a fisiopatologia da reação baseados em pesquisas recentes que demonstram ser uma endotoxemia e não uma reação imunitária tipo antígeno anticorpo.

Summary s

We describe two cases of Jarisch-Herxheimer reaction in patients with syphilis of the temporal bone, demonstrating the seriousness of the problem and the devastation that the reaction causes in the hearing of these patients. We discussed the physiopathology of the reaction based on recent research that demonstrated to .be an endotoxemia and not an imunizing reaction, of the antigen antibody type.

BIBLIOGRAFIA

1. MORRISON, A. W., Management of Sensorineural Deafness, pg. 109-144, Chapter 4. Butterworth Group, London 1975.
2. KARMODY, C. S., e Schuknecht, H. F. Deafness in congenital syphilis. Arch. of Otolaryng. 83: 1827,1966.
3. SHELDON, W. H., e Heyman, A. Morphologic changes in syphilitic lesions during the JarischHerxheimer reaction. Am. J. Syphilis 33: 213-224, 1949.
4. FARMER, T. W., Jarisch-Herxheimer reaction in early syphilis treated with crystalline penicillin G. JAMA 138:480-485,1948.
5. BRYCESON, A. D. M., Cooper, K. E., Warref, D. A. et ali. Studies of the mechanism of the JarischHerxheimer reaction in louse-borne relapsing fever: evidence for the presence of circulating Borrelia endotoxin. Clin. Sci. 43:343-354,1972.

6. MURPHY, E. -A., Hahn, R. D., Haskins, H. L. Nerve deafness associated with congenhal syphilis. DAMA 167:1925-1928,1958.
7. PATTERSON, O. M. E., Congenital luetic impairment. Arch. Otolaryng. 87:70-74,1968.
8. GELFAND, J. A., Elin, R. J., Berry, F. W., Frank, M. M. Endotoxemia associated with Jarisch-Herxheimer reaction. New Engl. J. Med. 295: 211-213, 1976.




ENDEREÇO DO AUTOR: Lopo Gonçalves, 511 90.000 Porto Alegre - Brasil

Professor Adjunto da Disciplina de ORL do Departamento de Oftalmologia e otorrinolaringologia da UFRGS.

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