Versão Inglês

Ano:  1952  Vol. 20   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 01 a 16

 

CEFALÉAS MIOGENICAS

Autor(es): Jorge Fairbanks Barbosa
Fabio Barreto Matheus
Mario Correa da Fonseca

Nem todas as estruturas da extremidade cefálica se apresentam sensiveis á dôr. Das estruturas intracraneanas são dotadas de tal sensibilidade, segundo H. Wolff, as seguintes:

1) Os grandes seios venosos e suas tributarias da superfície do craneo.
2) Parte da dura da base.
3) As arterias da base do cerebro.

O parenquima cerebral propriamente dito e grande maioria do seu envoltório se apresentam destituídos de sensibilidade dolorosa. As estruturas extra cranianas, isto é, os varios tecidos que recobrem o craneo, são praticamente todas sensiveis á dor, principalmente as arterias que elas encerram. Isto porque nestes varios tecidos se encontram disseminadas terminações de nervos que conduzem influxos dolorosos. Para uns, das estruturas extra cranianas, as arterias seriam os elementos mais sensiveis; enquanto que para outros seriam os musculos. Peritz é deste parecer. Para ele, a quasi totalidade das cefaléas de origem extra craneana seria de causa muscular.

Hinsey notou fibras nervosas na adventícia dos vasos sanguíneos, pequenas arterias, arteriolas, veias è vênulas dos musculos esqueléticos. Os ramos destas fibras penetram nos tecidos adiposo e conjuntivo que circundam os vasos dentro do musculo. Na sua opinião seriam estas as fibras que coletariam os influxos dolorosos originados dentro da musculatura. Parece pois que as arterias e os musculos são as formações extra-craneanas de maior sensibilidade dolorosa.

Esta breve exposição nos permitirá admitir uma grande divisão das cefaléas:

1) As de causa intracraneana.
2) As de causa extracraneana.

Seis mecanismos diversos são capazes de despertar uma dor de origem endocraniano.

a) Tração das veias que passam da superfície do cerebro para os grandes seios venosos ou deslocamentos destes ultimos.
b) Tração da arteria meningéa media.
c) Tração das grandes arterias do cerebro e de seus principais ramos.
d) Distensão ou dilatação das arterias intracraneanas.
e) Inflamação das, ou ao redor das estruturas endocraneanas sensíveis á dor.
f) Pressão direta por tumores ou tecidos adjacentes sobre nervos contendo algumas fibras aferentes da dor (H. Wolff).

Na maioria das vezes ha uma alteração organica responsavel pela dor de origem endocraniano. Este contingente nos parece menor do que o outro, em que a dor toma origem nas estruturas intracraneanas; quasi sempre consequente à uma simples alteração funcional, reversível, e de melhor prognostico que no caso anterior. Não quer isto dizer que seja menos incomodativa ou intensa; pois há cefaléas funcionaes lancinantes, como as há também orgânicas.

Feitas estas considerações preliminares, poderemos entrar na materia referente ao nosso trabalho. Pretendemos estudar as cefaléas funcionaes de causa muscular. Falando cefaléas excluímos nevralgias, e não nos sobra pouco. Ficamos com a grande maioria das dores de cabeça; as cefaléas miogênicas.

Para maior clareza de exposição adotaremos o seguinte esquema:

1) Como nasce o influxo doloroso na massa muscular.
2) Como o influxo se irradia.
3) Quais as perturbações outras que acompanham ou podem acompanhar estas dores.
4) Semiologia das cefaléas miogênicas.
5) Qual o tratamento.

1 - COMO NASCE O INFLUXO DOLOROSO

Experiencias bem conduzidas provam que a dor localisada em um ponto da cabeça, pode, reflexamente, determinar uma reação muscular no mesmo ou em outro ponto, caracterisada essencialmente por um aumento do tonus da musculatura. Esta reação muscular, se de curta duração, não se traduzirá por nenhum sintoma subjetivo; se prolongada, porem, atua ela propria como fonte de estimulo doloroso. É facil de se compreender que a dor, determinando contração muscular espástica, e esta por sua vez, determinando dor, cria um circulo vicioso que faz com que a sintomatologia se agrave.

A relação entre dor e contração muscular fica bem demonstrada nas experiencias citadas por Wolff. Vamos resumi-las:

Como estimulo doloroso o autor utilisava agentes de várias naturezas, e, para registro do tonus muscular empregava eletrodos aplicados sobre a região que desejava observar. O potencial registrado por estes aparelhos é proporcional ao gráu de contração do musculo.

Inicialmente empregou como fonte de estimulo doloroso uma injeção de histamina na veia. Desperta-se, assim, cefaléa de curta duração. Os eletrodos registram, concomitantemente, aumento de tonus de musculos da cabeça e do pescoço, tambem de curta duração.

O paciente não acusava desconforto nestas zonas de contratura. Vemos pois, que as contraturas de pouca duração não atuam como fontes de dor. O mesmo resultado foi observado na cefaléa induzida por punção lombar: intensa contração muscular nas área frontal e parietal logo após o inicio da cefaléa frontal.

Nesta experiencia de curta duração, não ocorreu tambem dor secundaria á contração muscular. Aqui a contração é que foi secundaria á dor.

Em outra serie de experiencias foi induzida cefaléa de duração prolongada, por meio de repetidas injeções salinas (solução a 6%) no musculo temporal. Esta continua dor de cabeça causava acentuada e prolongada contração da musculatura da nuca e do pescoço e dor secundaria localisada nestes pontos. Provou-se tambem que perturbações oculares, por irritações conjuntivas, defeitos de acomodação ou outros, podiam produzir contração reflexa e prolongada dos musculos da nuca e do pescoço, e consequentemente, dor localisada nestas regiões. Do mesmo modo podem agir os estímulos infecciosos de uma sinusite ou as disfunções da enxaqueca.

Em resumo, os eletrodos provavam que as dores localisadas nas regiões occipital, cervical, temporal, frontal, etc. estavam sempre associadas com um estado de aumento prolongado do tonus da musculatura da região comprometida. Provavam mais que esta contiatura precedia o aparecimento da dor, que exigia sempre um certo tempo para se manifestar, aumentava quando a dor aumentava, diminuía e desaparecia com ela.

Fica, pois, provado que um estado de hipertonus prolongado da musculatura pode agir como fonte de estimulo doloroso. Veremos logo mais que estes estados são encontradiços no pescoço e na cabeça.

A contração muscular, estirando as terminações nervosas que transitam pelo interior do musculo ou de seus vasos, ou dos tendões e aponevroses que eles tracionam, dá origem ao estimulo centrípeto responsavel pela dor.

São varios os fatores capazes de provocar uma contratura dos musculos da região frontal, temporal ou occipital; mas para que esta contratura aja como estimulo doloroso ela deve ser prolongada. Isto ocorre com mais frequencia, quando determinados fatores se juntam, predispondo a massa muscular a se manter em estado de contratura. Para melhor compreendermos quais os fatores predisponentes deste estado anormal de hipertonus prolongado, teremos que entrar um pouco na fisiología da contração muscular.

FISIOLOGIA DA CONTRAÇÃO MUSCULAR

No ciclo de uma contração muscular poderemos considerar duas fases distintas:

a) aquela em que as fibras se contraem.
b) aquela em que elas se relaxam, voltando às condições anteriores.

Prova-se experimentalmente que o musculo só consome oxigênio na segunda fase. Em outras palavras, no ciclo de uma contração muscular poderemos distinguir uma fase anaeróbia (anoxidativa) e uma fase aeróbia ou de recuperação. Nesta segunda o musculo necessita de oxigênio para se libertar do acido lático acumulado na primeira. Na falta dele o acido se acumula e o musculo entra em rigidez; fica fatigado e contraído.

O organismo vae buscar no glicogênio a energia para a contração. O glicogênio, sob a ação de enzimas, se desintegra libertando o acido lático. Se, concomitantemente, o musculo não se libertar deste acido, a acidez motivada por sua presença provavelmente inibe a ação dos enzimas responsaveis pela desintegração dos glicideos. É o que se deduz da observação de que o inicio da fadiga ocorre muitas vezes bem antes de desaparecerem as reservas de glicideo, porque o musculo se encontrou impossibilitado de queimar o acido resultante do seu metabolismo. O oxigênio fornecido na fase ele recuperação é utilisado para a oxidação do acido latico. A quinta parte deste acido é oxidada para fornecer a energia necessaria á ressíntese do glicogênio á custa dos 4/5 restantes.

Eis, resumidas, as noções fundamentaes de que necessitamos. A dedução é clara: se privarmos um musculo do oxigenio de que ele necessita, o ciclo da contração não se completa; fica na primeira fase de contração. Como o oxigeno é fornecido através do sangue circulante, todos os fatores capazes de diminuir a vascularisação de um musculo são capazes de predispô-lo a um estado de contratura. O aumento do tonus ocorre quando o musculo, por excesso de atividade, necessita mais oxigenio do que recebe, ou quando o afluxo sanguineo normal que o supre fica diminuido em consequencia de condições anormaes.

Alem destas, varias outras circunstancias contribuem para a anoxemia dos musculos, e podem ser tidas como fatores predisponentes das cefaléas que estamos estudando.

Vejamos as principais.

a) Estados constitucionais ditos simpaticotonicos: As arteriolas têm uma parede muscular constituída de fibras lisas circulares ás quais vêm ter terminações nervosas de dois tipos: vasosconstritoras e vaso dilatadoras. As primeiras fazem com que as arterias se contraiam e as segundas com que elas se dilatem.

Glasscheib, discutindo as varias teorias que procuram explicar a cefaléa de causa muscular, expõe seu parecer que é francamente favoravel a que a dor seja consequencia do déficit de circulação do musculo em trabalho. Diz ele que os musculos em função apresentam uma hiperemia ativa, o que quer dizer que os vasodilatadores predominam sobre os vasoconstritores. Si, porem, por qualquer motivo, o processo se inverter e aparecer uma vaso constrição e consequente anemia, então o musculo entra em espasmo e aparece uma dor aguda na musculatura. Esta vaso constrição pode aparecer por tres motivos:

1) Por inversão dos reflexos vasculares. Os vasoconstritores predominariam quando atuam estímulos que em pessôas normais ocasionam vasodilatação.
2) Por um mecanismo de irradiação. São vasoconstrições sintomáticas, secundarias a certas lesões orgânicas. Correspondem a uma especie de zona de Head. Voltaremos mais adiante á este assunto, quando tratarmos do mecanismo da irradiação das cefaléas.
3) Por influencia toxica ou infecciosa, nos processos supurativos agudos ou cronicos, bem como nas intoxicações pelo fumo, chumbo e outras.

Terminando suas considerações, Glasscheib cita alguns exemplos para mostrar que a dor acomete um musculo quando ele funciona em isquemia. Por serem muito interessantes, achamos conveniente resumi-los: Passamos a faixa de Esmarch na perna de um paciente de modo a expulsar o sangue. Em seguida removemos a faixa conservando a coxa estrangulada por um garrote. Si o paciente executar movimentos com esta perna acusará dor violenta. O mesmo ocorre na angina pectoris por angioespasmo coronario eu por trombose desses vasos, na claudicação intermitente, etc.

As fibras vaso constritoras pertencem ao sistema nervoso simpatico. Nos simpaticotonicos nota-se uma tendencia ao vaso espasmo, em face dos estímulos desencadeantes de uma contração muscular. São então mais expostos á anosmia muscular. Neles se observa a inversão dos reflexos apontados por Glasscheib.

b) Hipersensibilidade ao frio: A aplicação de frio na superficie do corpo, determina, por um reflexo axonico, a vaso constrição periférica do setor correspondente. Normalmente, conforme diz Seydell, esta vaso constrição periférica causa aumento da pressão sanguinea e do metabolismo corpóreo. O centro termo regulador é excitado; a temperatura corpórea aumenta e os vasos cutâneos se relaxam, surgindo a vasodilatação periférica. Este ciclo não se completa nas pessôas predispostas ao frio. A primeira fase é muito mais intensa que nas pessoas normais, em consequencia do baixo limiar do simpatico.

c) Focos de infecção: É conhecida de todos a palidez que acompanha os estados toxi infecciosos. Decorre da ação das toxinas sobre os capilares que se contraem. Os pacientes ficam pálidos, em vasoespasmo periférico. Caímos assim nas condições anteriores. Há vários toxicos que agem do mesmo modo. Como exemplo a nicotina.

d) Nos vários estados de anemia, bem como naqueles de deficiencia circulatoria. Embora as vias de irrigação da musculatura permaneçam normais, a massa circulante não transporta o volume total de oxigênio que ela exige.

e) Nos desnutridos - por alteração metabólica.

f) No diabete - por acidose.

g) Estados de tensão nervosa ou emotividade. Eles com frequencia se acompanham de cefaléa do tipo que iremos descrever. De um lado estes estados são habitualmente acompanhados de contratura da musculatura do pescoço e de toda a extremidade cefálica, inclusive da mímica; de outro, a palidez emocional, ou seja a vasoconstrição que o acompanha, compromete a nutrição da musculatura. Assim pois, os musculos trabalham mais e se nutrem menos. Juntam-se os dois elementos necessarios para que se instale o hipertonus.
Peritz chama nossa atenção para um outro fator em jogo neste ultimo caso. Nosso sistema nervoso tem, tambem, uma função de resistencia interposta entre os meios condutores da excitação e os respectivos centros receptores. Se esta resistencia fôr grande ela só será vencida por estimulos intensos. Se, ao contrario, for pequena, mesmo os menores estímulos serão capazes de transpô-las e serem sentidos. Há certas condições em que esta resistencia está diminuida e nos encontramos em um estado de hiperexcitabilidade. É o que ocorre, por exemplo, nos estados de "concentração" com relação ao estimulo que, desejamos perceber. Nos estados emocionais estas resistências se reduzem ao minimo. A receptividade do paciente é grande. Um limiar de contratura que numa pessôa normal passaria desapercebido, nele já é suficiente para despertar dor. E o estabelecimento do ciclo vicioso, pelo qual a dor aumenta a contratura, é tambem aqui, mais facil.

h) Fadiga e profissão. Esta ultima quando obriga a uma posição forçada por tempo prolongado, pode despertar um hipertonus em consequencia do acumulo de produtos metabolicos dentro da massa muscular.

Ficam apenas estes, para citar os fatores mais frequentes que interferem com a nutrição do musculo.

QUAIS OS MÚSCULOS MAIS PREDISPOSTOS?

Este estado de hipertonus é mais frequente nos musculos posturais; como por exemplo os cervicaes, principalmente os posteriores. Estes musculos têm metabolismo baixo: apenas 25% acima do dos musculos em completa paralisia. Consequentemente são menos vascularizados que os outros musculos que executam movimentos. Além disso são submetidos a esforços constantes e permanecem por muito tempo na mesma posição, o que, evidentemente, os obriga a maior consumo de energia. São também mais expostos ao frio.

Em resumo: De acordo com as idéias mais correntes, pode-se admitir que o aumento do tonus muscular, mais ou menos intenso e duradouros que estamos considerando, e que é capaz de agir como estimulo doloroso, resulta de uma deficiencia de nutrição do musculo funcionante, que faz com que seu metabolismo se altere, principalmente por acumulo de acido lático em seu interior.

Glasscheib cita varias outras opiniões sobre a índole das cefaléas miogênicas. Pessoalmente ele é pela hipotese de Peritz que expusemos acima.

Adolf Schmidt a atribue a uma causa infecciosa; seria uma nevralgia dos nervos musculares sensiveis.

Schabe a atribue ao resfriamento da massa muscular, o que modificaria seus colóides no sentido de aproxima-los do estado de gel. Com isto pretende explicar o endurecimento do musculo e sua reversibilidade.

Profanter acha que a dor é o agente primario que causa a contratura reflexa do musculo. Os pontos duros seriam motivados por contraturas locais ao redor dos pontos dolorosos.

2 - MECANISMO DA IRRADIAÇÃO DA DOR

Denominamos "zonas de Head" à segmentos cutâneos onde se projetam as sensibilidades vicerais.

Quando urna vicera adoece sentimos dor projetada na superficie do corpo, geralmente nos tegumentos que recobrem esta vicera. Mas, há numerosos casos em que a sensibilidade dolorosa se exterioriza em pontos distantes do orgão afetado. É, por exemplo, o que ocorre na dor do ombro D em consequencia das cólicas hepáticas; na dor intensa, aguda e passageira da região occipital, consequente ao resfriamento do orofaringe pela ingestão de uma substância gelada.

A explicação do fenômeno é simples: cada segmento raquidiano recebe fibras nervosas autônomas de uma determinada área visceral, e fibras nervosas somáticas de outra determinada área cutânea. As duas áreas consideradas (visceral e cutânea) muitas vezes se sobrepõem, mas, outras se distanciam. Diz Mackenzie que os estímulos provenientes de um orgão afetado, embora incapazes, por si mesmos, de acarretar qualquer sensação, determinam, ao penetrar na medula, o apacimento de um "foco irritável", por excitar as celulas coletoras da área somática correspondente.

Os estímulos originados nestas celulas vão aos centros perceptores superiores que os interpretam como sensação dolorosa na área somática correspondente.


Fig. 1 - Teoria da dor projetada de Mackenzie. A, representando em condições normais um reflexo visceral, B, ilustra um reflexo viscero-motor e ,um reflexo viscero-sensitivo. Julga-se que os impulsos de uma víscera produzem um foco de irritação na medula que, através do envolvimento dos neurônios circunvizinhos, aumenta o tonus dos músculos inervados pelo mesmo segmento, e causa uma descarga de impulsos sôbre a via da dor. A sensação se projeta então inconscientemente para a periferia, como é indicado pela linha pontilhada.


Assim se explicam os reflexos que Mackenzie denominou de "vicerosensitivos". Compreendemos agora porque as zonas de Head nem sempre se projetam sobre o orgão adoecido; porque a dor motivada por um musculo em contratura pode se projetar em uma área cutânea distante deste musculo. Em suma: o mecanismo da irradiação da dor.

3 - QUAIS AS PERTURBAÇÕES DE OUTRA NATUREZA QUE ACOMPANHAM OU PODEM ACOMPANHAR ESTAS DORES?

As cefaléas que estamos estudando podem ser acompanhadas, com frequencia, por perturbações decorrentes da excitação do vago ou do simpático. Estas perturbações trazem ao quadro doloroso elementos de dificil interpretação, se não pensarmos na possibilidade de tais ocorrências, e que tornam suas caracteristicas idênticas às de uma enxaqueca, de uma cefaléa de Horton, de Sluder, etc.

Peritz acha que as perturbações vagais (para o lado do aparelho circulatório, digestivo, etc.) seriam desencadeadas por um mecanismo semelhante ao do "reflexo de Aschner". O reflexo de Aschner é despertado pela compressão digital do globo ocular e traz como resposta bradicardia e extrasistoles. Admite-se que a compressão do globo produz uma excitação periférica do trigêmio que vai se refletir sobre o vago, graças á um reflexo central. trigêmino-mesencéfalo-vagal. Ora, o estiramento da gálea pelos musculos em hipertonus, deve, com maior razão, ser capaz de causar uma excitação do trigêmio, pelo mesmo mecanismo, e despertar um reflexo identico. Assim Peritz procura explicar as perturbações cardíacas e gástricas que podem acompanhar as cefaléas miogênicas.


Fig. 2


Há ainda um outro lugar onde troncos nervosos podem ser estimulados:

O vago e o ganglio cervical superior do simpático correm entre o esterno-cleido-mastoideo e o escaleno anterior. Estes musculos, quando entram em hipertonus, podem comprimir as formações nervosas acima mencionadas. A estimulação do gânglio cervical acarreta sintomas simpáticos tais como: sensação de calor na cabeça, dilatação das pupilas, vermelhidão da metade correspondente da cabeça, etc.

4 - SEMIOLOGIA:

Os elementos mais preciosos para o diagnostico são obtidos pela inspecção e pela palpação dos musculos suspeitos. Pode-se notar, por exemplo, a predominância do relevo do esternocleidomastoidêo, mais acentuada em um lado do pescoço quando ele se acha estirado deste lado. Do mesmo modo a borda superior do trapézio do lado doente pode estar mais retilínea e elevada que do lado oposto.

Porém, é a palpação da musculatura que traz informes de maior importância. Esta palpação será feita tomando-se a massa muscular entre o polegar, de um lado, o indicador e o médio, do outro lado. Ela será comprimida e, ao mesmo tempo, submetida a um movimento de rotação entre os dedos. É a manobra que os franceses denominam "petrissage". Cada musculo suspeito deverá ser palpado de um a outro extremo. A sensibilidade tactil do examinador ficará bastante melhorada se ele tiver cuidado de pulverizar a pele do paciente com talco ou, o que é melhor ainda, untá-la com uma substância oleosa. Não se deve usar força excessiva na compressão da musculatura porque a dor acarretada será grande.

A palpação de um musculo chato, que não pode ser apanhado entre os dedos, mas que sempre repousa sobre um plano ósseo, será feita comprimindo-se este musculo sobre o plano esquelético com as pontas dos dedos, ao mesmo tempo em que estas descrevem pequenos movimentos de circunvolução.

Sempre que possivel a palpação deverá ser simétrica, isto é, palpa-se o musculo de um lado e logo em seguida o mesmo musculo do lado oposto. Assim se torna mais facil ajuizar do estado do tonus da musculatura pela comparação dos dados obtidos dos dois lados.

O paciente deve ser colocado em uma posição que facilite o relaxamento dos musculos inspecionados. Para examinar os musculos da nuca poderemos deitar o paciente em decúbito ventral, com a cabeça apoiada sobre o mento; ou deixá-lo sentado, com a cabeça em ligeira extensão e apoiada entre as mãos. O decubito ventral, com a cabeça em ligeira flexão, apoiada sobre um coxim, facilita o relaxamento dos musculos anteriores do pescoço.

Costumamos iniciar nossa inspecção pela palpação dos esternocleido-mastoideos. Depois vamos aos trapézios ao longo de sua borda superior. Até aqui empregamos a manobra da petrissage. Depois vamos aos musculos da região da nuca, descemos para a região interescapular e finalmente palpamos os musculos laterais do pescoço ao longo das fossas supraclaviculares. Estes ultimos serão palpados pela compressão de suas massas de encontro aos planos esqueléticos. Do mesmo modo palpamos os musculos temporais, os musculos mastigadores e outros suspeitos.

As alterações que temos notado se localisam, com mais frequência, no terço superior do esternocleidomastoidêo, na inserção dos musculos da nuca sobre a linha occipital e na borda superior do trapézio. Estas alterações se nos tem apresentado como zonas de empastamento endurecido da massa muscular, mais ou menos extensas, e que parecem se desfazer sob a ação da massagem, voltando a musculatura a adquirir sua elasticidade normal. Varios autores têm-nas descrito sob a forma de grânulos ou de nódulos que se palpam no interior da musculatura. Nunca conseguimos palpai estes grânulos. Cremos que a maioria dos autores que tem se dedicado ao estudo destas afecções tem, igualmente, encontrado, como nós, que as zonas de contratura muscular são mais extensas, formando placas, e não tão limitadas a ponto de dar, ao músculo um aspecto granular. Muitas vezes a palpação nos permite notar apenas que 1 determinado musculo se encontra mais tenso que devêra.

Apalpação da região contraída habitualmente é dolorosa. E, o que nos parece de suma importância para o diagnóstico e que temos tido ocasião de observar várias vezes na prática: a palpação da zona contraída desperta dor irradiada, à distância, idêntica ou semelhante àquela que predomina na queixa do paciente. Exemplifiquemos: estamos examinando um doente para, esclarecer a causa de uma cefaléa frontal à D que se tem mostrado rebelde a uma série de tratamentos. A palpação revela uma zona de endurecimento muscular no 1/3 superior do esternocleidomastoidêo deste lado. Quando palpamos esta-região o paciente leva imediatamente a mão à testa e se queixa, com espanto e surpresa, do aparecimento de uma dor aí, sempre que palpamos o musculo doente. É praticamente certo que estaremos diante de mais um caso de cefaléa miogênicas.

As cefaléas miogênicas são extraordinariamente polimorfas. Já vimos que elas podem simular uma enxaqueca, uma cefaléa histamínica de Horton, uma hemicranea baixa de Sluder. O aumento do tonus dos musculos retroauriculares (e talvez dos proprios musculos intratimpânicos) poderia acarretar, por tracção sobre o conduto e, secundariamente sobre a membrana timpanica, alterações funcionais do ouvido com zumbidos e vertigens rotatórias. Assim se explicam casos descritos na literatura alemã de sindromes de Méniere que cederam com um simples tratamento feito por meio de massagens. Na pratica temos experimentado varias vezes, na luta titânica que temos travado contra certos zumbidos, a injeção de Sinalgan na região retro-auricular do lado acometido. Embora quasi sempre os resultados sejam nulos, a verdade é que em um ou outro caso temos tido uma resposta favoravel com acentuada diminuição do zumbido. Era uma pratica empírica que vínhamos fazendo e que nos tinha sido sugerida por um colega. Se pudermos evocar para a etiologia de tais zumbidos a contratura dos musculos retroauriculares, o fato passa a ter explicação aceitável, porquanto o sinalgan, como todo o anestésico por infiltração, trazendo congestão e relaxamento do musculo, atua do mesmo modo que uma massagem.

A contratura do musculo frontal de um lado pode determinar uma cefaléa localisada aí. É uma cefaléa que simula a dor de uma sinusite frontal. Lembramo-nos perfeitamente de um caso. O paciente se queixava de uma intensa cefaléia frontal à D, com o ritmo e as características comuns às das sinusopatias. Tinha sido submetido, há alguns meses, a uma operação de E. Lima bilateral. As fossas nasais se mostravam livres de secreção e o lavado das cavidades operatórias era límpido. O oculista nada tinha encontrado que justificasse tais dores. Tambem o neurologista e o clínico. A radiografia nos deu a impressão de existir leve velamento do seio frontal do lado comprometido mas os seus contornos se mostravam nítidos. Tentamos a fisioterapia, vit. B1, antibióticos, instilação medicamentosa nos seios pela manobra do deslocamento e varios outros tratamentos, tudo sem resultado. Como o paciente continuasse a sofrer muito, resolvemos submetê-lo a sinusotomia frontal por via externa à D. Com surpresa nada encontramos. A mucosa estava com aspecto normal. Não havia exsudatos patológicos. O osteo nasofrontal era visível, amplo e permeável. Em vista disto nada mais fizemos. Não removemos mucosa e suturamos a incisão operatórea. A dor desapareceu desde então.

Revendo a literatura sobre o assunto, tivemos ocasião de encontrar nos autores alemães citações de casos idênticos e a explicação era dada do seguinte modo. A dor era motivada pela contratura do musculo frontal. A incisão operatória, descolamento e levantamento do periosteo tinha posto o musculo em liberdade e, com isto feito, desapareceu a dôr. É possível que mais tarde ela reapareça, após a cicatrisação do periosteo permitir apoio para novas contraturas. Estas intervenções poderiam ter sido evitadas si se lembrasse da possibilidade de uma causa muscular para tais dôres. A simples massagem do musculo frontal seria suficiente para fazêlas desaparecer.

Tivemos casos em que a contratura dos musculos do faringe simulavam uma angina. São casos em que os pacientes se queixam de dor intensa à deglutição e nos quais a inspecção mostra mucosa de coloração e aspecto normais. A massagem dos musculos da região profunda do pescoço e do faringe, comprimindo-os de encontro ao plano vertebral, faz desaparecer de pronto estas dores.

Os exemplos citados mostram a multiplicidade de aspecto assumido pelas cefaléas miogênicas. Porém, em um bom numero de casos, ela se apresenta com uma fisionomia mais ou menos característica, de tal modo que a simples anamnese nos leva a pensar na sua possibilidade, com grande probabilidade de acerto. Passaremos a descrever a forma mais frequente:

Surge como uma dor incomodativa e persistente, águda às vezes, na zona correspondente à inserção dos musculos da nuca sobre o osso occipital. Daí desce para os ombros ou pelos flancos do pescoço, dando ao paciente a impressão de que nas zonas de sua propagação os musculos estão tensos. Pode descer mais, pelos braços, antebraços e até mãos. Esta irradiação pela região escapular e pelos membros costuma ser unilateral. Ao mesmo tempo a dor se propaga para a região frontal, ao longo das regiões parietais e, nesta sua propagação anterior, lembra a sensação causada por um capacete que comprimisse a cabeça.

Os pacientes costumam assumir uma atitude de imobilidade da cabeça, como ocorre no torcicolo, porque notam que a movimentação intensifica a dor. Eles costumam notar que certas atitudes que facilitem o relaxamento muscular contribuem para aliviar as dores. Informam, por exemplo, que quando a dor ocorre durante a noite, quando deitados, o que aliás é frequente, ela se alivia quando se sentam no leito e apóiam a cabeça entre as mãos.

A dor perdura por toda o dia. Pode durar dias. Há períodos de recrudescimento e de acalmia. Pode surgir sob a forma de crises periódicas.

Nossas observações nos dão a impressão de que são mais frequentes entre os jovens. Em maior numero de vezes nós as temos encontrado nas mulheres.

5 - TRATAMENTO

Deve ser local, para fazer desaparecer a dor, e geral para evitar que ela recidive.

O tratamento geral visa afastar os diversos fatores que favoreceram a instalação do hipertonus muscular. Procuraremos eliminar os focos de infecção, os tóxicos, proteger as zonas sensíveis contra a ação do frio (agazalhos), corrigir os estados anémicos, compensar as desnutrições, evitar atitudes que forcem a ação dos musculos posturais. etc.

Há os que admitem uma etiologia reumática para estas dores e, para estes, os salicilato teriam indicação nestes casos.

A desensibilisação ao frio e à histamina foi tentada por varios autores, sem resultados.

O tratamento local tem por fim vencer a hipertonia muscular e aumentar a circulação. Isto se consegue por meio de massagens e aplicações de calor sob as mais variadas formas.

A arma mais poderosa para o combate à estas cefaléas é a massagem. Ela deve ser feita conforme a técnica que descrevemos na inspecção da musculatura. A massagem sob a forma de percussão da musculatura ou sob a forma de fricções, não fornece os mesmos resultados que a obtida pela compressão dos musculos sob os dedos. É esta que deveremos adotar sempre. As primeiras massagens devem ser feitas com suavidade e, á medida que a tolerância do paciente permita, vamos empregando maior esforço nas compressões.

A primeira massagem deve se estender sistematicamente, a todos os musculos do pescoço e da cabeça. As demais postem ser limitadas às zonas de anormalidade reveladas pela massagem anterior. Após a massagem, logo após mesmo, é comum desaparecer por completo a dôr de que o paciente se queixava. Ela adquire uma sensação de alivio e bem estar. Mas no dia seguinte desperta com uma dor de outra natureza, suave e persistente, resultante do traumatismo que a musculatura sofreu durante a massagem. Por isto, as primeiras massagens deverão ser espaçadas de dois a três dias. Geralmente umas três ou quatro massagens são suficientes para resolver um caso. A's vezes basta uma.

Como já ficou dito, deve-se pulverizar ou, o que é preferível, untar a pele na ocasião em que vamos fazer as massagens. Esta pratica torna nosso tacto mais apurado e facilita as manobras sobre a musculatura.

Logo depois da massagem convem fazer aplicação de calor sobre às zonas adoecidas: saco de areia aquecida, bolsa de agua gente, diatermia, infravermelhos, etc.

Outra medida aconselhada com grande sucesso no tratamento destas dores é a infiltração do tecido subcutâneo que recobre os nodulos musculares, ou a infiltração destes proprios nodulos, com uma solução anestesica, como a de novocaina a 2%. O anestesico relaxa o musculo contraído e provoca vasodilatação regional, fazendo desaparecer as causas que mantinham a contratura. Faz os efeitos da massagem e do calor. Em alguns de nossos casos vimos a dor desaparecer imediata e definitivamente, após uma simples infiltração desta natureza.

Nossa conduta, diante dos casos de cefaléa miogênicas, pode ser mais ou menos standartisada da seguinte maneira:

1 Massagem da musculatura do pescoço e da cabeça.
2 infiltração dos nodulos mais doloridos com uma solução de novocaina a 2%.
3 Aplicações de calor, sob as mais variadas formas, na musculatura do pescoço, à noite, quando o paciente fôr se deitar.
4 Ginastica procurando pôr em movimento toda a musculatura cervical, pelas manhãs, ao se levantar.
5 Eliminar as causas gerais.

Tivemos ocasião de tratar algumas dezenas de pacientes portadores de cefalés miogênicas. Os resultados obtidos é que nos animaram à trazer estas divulgações aos conhecimentos dos colegas.

RESUMO

Primeiramente passam em revista as estruturas intra e extra cranianas sensiveis à dor.

As cefaléas de causa extra craneana, segundo Peritiz, são de causa muscular. Quasi sempre devido à uma causa funcional reversivel. Tem origem em uma massa muscular em estado de hipertonus.

A dor em um ponto da cabeça pode determinar reflexamente uma reação muscular no mesmo ou em outro ponto. Se a reação fôr prolongada atua como fonte de estimulo doloroso. Assim a dor provoca contratura e esta provoca dor.

Glasscheib acha que a dor é motivada pelo deficit circulatorio. Pode .este deficit ter como causa:

Estados constitucionaes simpaticotonicos.
Hipersensibilidade ao frio.
Focos de infecção.
Anemias.
Desnutrição.
Diabete.
Estados de tensão nervosa e emotividade.

Os musculos mais predispostos são os posturaes. A irradiação dá dor se processa obedecendo ao chamado reflexo vicero sensitivo de Mackenzie.

Diagnostico: Como base apalpação que encontrará os musculos tesos e algumas vezes com nodulos. Podem simular todos os tipos de cefaléa. As perturbações cardiacas e gastricas que acompanham, são explicadas pelo reflexo de Aschner.

Tratamento: Massagens, calor e eliminar a causa.

BIBLIOGRAFIA
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