Versão Inglês

Ano:  1976  Vol. 42   Ed. 2  - Maio - Agosto - (12º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 155 a 163

 

TRES CASOS DE INTERRUPÇÃO DE CADEIA OSSICULAR. DIAGNÓSTICO IMPEDANCIOMÉTRICO E COMPROVAÇÃO CIRÚRGICA

Autor(es): * Décio Renato Campana
* Marco Antonio Gazel
** Edinete Lúcia Viviani

INTRODUÇÃO

Os autores apresentam e discutem três casos de interrupção de cadeia ossicular, estudados com audiometria e impedancíometria. Em seguida completam os achados cirúrgicos dos mesmos.

A interrupção da continuidade ossicular do ouvido médio é devida a fatores congênitos ou adquiridos.

As interrupções de causa congênita são as malformações ossiculares que podem ser isoladas ou acompanhadas de outras anomalias.

As adquiridas são as traumáticas (acidentais ou iatrogênicas) e as seqüelas das otites médias que podem levar a destruição parcial ou total dos ossículos. O processo destrutivo mais freqüente nas otites ocorre ao nível do ramo longo da bigorna.

CASUISTICA

CASO I

R. F. P. 31 anos, feminina, branca, solteira, queixa-se de hipoacusia no ouvido esquerdo há anos, sem caráter progressivo e sem zumbida. Nega antecedente otítico ou traumático. Nega qualquer parente com hipoacusia.

Exame otorrinolaririgológico normal. Membranas timpânicas normais e trompas abertas.

As provas com diapasão: Rinne negativo no ouvido esquerdo até 1024 c/s. Weber lateralizado para o ouvido esquerdo.

A análise da audiometria e impedanciometria (fig. 1 e fig. 2) nos fornecem: hipoacusia do tipo condutivo no ouvido esquerdo com gap de cerca de 60 dB.



Figura 1



Figura 2



A observação do teste impedanciométrico nos mostra pressão normal dentro do ouvido médio, complacência estática com valores dentro da normalidade (0,48), curvas de timpanometria altas mas também normais.

A ausência de reflexo estapediano em ambos ouvidos pode ser explicado no ouvido direito por falta de limiar aéreo do ouvido esquerdo. No 'ouvido esquerdo, a ausência é devida ao processo patológico do ouvido médio (fixação ou interrupção de cadeia).

A abertura da caixa na timpanometria exploradora deparamos com mal formação ossicular; com ausência de bigorna e do arco do estribo. Restava apenas martelo e platina do estribos móveis.

Na reconstrução da cadeia ossicular optamos pela interposição de fragmento de cartilagem septal homóloga entre o colo do martelo e a platina móvel. O resultado pós-operatório aparece na figura 3.



Figura 3



Comentários - se compararmos os dados fornecidos pela impedânciometria e nosso achado cirúrgico, vamos ver que esse exame realmente não nos forneceu elementos capazes para um diagnóstico diferencial entre uma síndrome de fixação ou de interrupção de cadeia ossicular (complacência estática com valor médio, curvo timpanométrica alta, mas fechada e sem característica de curva de disjunção, nem com características de curva tipo otosclerose).

As malformações ossiculares do ouvido médio podem ser isoladas ou acompanhadas de outras anomalias quer do próprio ouvido, quer de outros órgãos.

No caso em apreço apareceu com um fenômeno isolado e como tal essa má formação é de etiologia desconhecida. (Em alguns casos são descritos fatores hereditários do tipo autossômico dominante (Sando, 1 - 1971)').

A. B. F. 37 anos, masculino, branco, casado. Hipoacusia em ambos ouvidos há um ano, progressiva, nega zumbido, passado otístico e de trauma craniano.

No exame geral do paciente deparamos com escleróticas azuladas e deformidades ósseas nos membros superiores e inferiores. Refere ter tido seis fraturas dos membros a pequenos traumas.

É casado, tem cinco filhos homens e uma mulher. Dos homens, um tem esclerótica fortemente azulada e outro sofreu fratura do braço. Nega hipoacúsicos na família.

O exame otorrinolaringológico foi normal, membramas timpânicas normais e trompas abertas.

Os exames de audiometria e impedanciometria nos mostram (Fig. 4 e Fig. 5) disacusia mista em ambos os ouvidos, mais acentuada no ouvido esquerdo, onde o gap também é maior.



Figura 4



Figura 5



O teste de impedância acústica nos mostra complacência estática ligeiramente elevada no ouvido esquerdo. Curva timpanométrica aberta no ouvido esquerdo, tipo curva de disjunção ossicular. Reflexo estapediano ausente no ouvido direito e presente no ouvido esquerdo.

Diante desse caso e frente a nossa experiência anterior (Campana, D. R. e COL)2 de um quadro de osteogenesis imperfecta (o.l.) com fratura espontânea do estribo, nos veio à mente.

Paciente submetido a timpanotomia exploradora. Após descolamento tímpano-meatal e abertura da caixa, deparamos com aspecto idêntico ao do caso por nós já citado e publicado anteriormente, isto é, martelo extremamente móvel, bigorna e arco do estribo solidário ao mesmo.

Com maior aumentos notam que as crura do estribo estavam móveis e a platina estava fixada no rebordo da janela. Isto é, havia uma fratura do arco do estribo. A partir desse ponto passamos a efetuar uma estapedectomia clássica, com colocação de prótese de 4,5 mm, calçada com gelfoam. O resultado pós-operatório está na figura 6.



Figura 6



Comentários - Trata-se de um caso de osteogenesis imperfecta, que se enquadra dentro da Síndrome de Van Der Hoeve e De Kelyn (citado por Patterson, C. N.)3 que em 1918 descreveu a síndrome da esclerótica azul, fragilidade óssea e perda condutiva de audição.

A presença do reflexo estapediano ocorre porque a disjunção da cadeia ossicular ocorreu abaixo da inserção do músculo estapédio na cabeça do estribo (Lopes F. Q. C.)'.

Naturalmente essa fratura do arco do estribo ocorreu pela ação do músculo estapédico sobre uma estrutura óssea frágil e fixada em sua base, no rebordo da janela vestibular (pelo foco otosclerótico).

A fratura isolada do estribo é rara, pois se trata do menor osso do corpo humano e situa-se muito bem protegido, no fundo da cavidade timpênica. Yanagisawa e col. (1973)5 citam o caso de fratura isolada do estribo por trauma externo com perfuração da membrana timpânica.

Elbrond e col. (1973)8 em 50 casos de lesão de cadeia ossicular, cita 11 casos de fratura isolada do estribo. Dois desses casos são por traumas acidentais e o restante por trauma craniano.

Campana e col. (1975)2 citam caso idêntico ao aqui apresentado, em que havia fratura isolada do estribo por fragilidade óssea associada à força da tração do músculo estapédio.

CASO III

A. D. 57 anos, masculino, branco, casado. Hipoacusia ouvido esquerdo há anos, sem caráter progressivo, sem zumbido, tontura ou passado Otílio.

Com 5 anos de idade foi atropelado por uma carroça, não sabendo detalhes sobre o acidente.
Exame otorrinolaringológico normal, membranas timpânicas normais e trompas abertas.

A audiometria e impedância acústica (Fig. 7 e Fig. 8) nos mostram disacusia de tipo misto no ouvido esquerdo, predominando o fator condução, com gap aproximado de 60 dB.



Figura 7



Figura 8



A pressão é normal em ambos os ouvidos. Complacência estática (0,90) aumentada no ouvido esquerdo. Curva timpanométrica aberta tipo disjunção de cadeia ossicular. Reflexo estapediano presente no ouvido esquerdo.

Os achados de impedanciometria com curva timpanométrica aberta e reflexo estapediano presente nos sugeria, como no caso anterior interrupção de cadeia ossicular por possível fratura das cura do estribo.

Paciente submetido à cirurgia otológica em 13-10-75, aberta a caixa tim,pânica, para nossa surpresa deparamos com a bigorna luxada, ramo longo afastado cerca de 2 mm da cabeça do estribo, que estava móvel. O martelo e a bigorna permaneciam articulados.

Havia uma brida muito fina de tecido conjuntivo bastante elástico entre a cabeça do estribo e a ponta da bigorna luxada.

Esse fato justificava a presença do reflexo estapediano mesmo frente a interrupção de cadeia ossicular supra estapediana.

No presente caso, utilizamos a própria bigorna e interpusemos entre o martelo e estribo móveis.
O resultado pós-operatório pode ser visto na figura 9, que mostra recuperação parcial da audição que satisfez plenamente ao paciente.



Figura 9



Comentários - De acordo com Hough (1959)', a injúria ossicular mais comum é a separação da articulação incudo estapediana, seguida pelo deslocamento da bigorna, fratura do arco estapediano e finalmente fratura do martelo.

Lidén e col. (1974)8 citam dois casos com achados impedanciométricos e cirúrgicos idênticos a esse por nós estudado.

COMENTÁRIOS FINAIS

1. Nos três casos estudados, de interrupção de cadeia ossicular, como era de se esperar, a pressão do ouvido médio foi normal em todos.

2. A complacência estática estava elevada de maneira mais evidente apenas no caso número III (0,90).

3. As curvas timpanométricas foram do tipo aberta (tipo Ad de Jerger) nos casos II e III.

4. Dos três casos estudados, apenas no caso I havia ausência de reflexo estapediano. No caso III havia reflexo, com interrupção supra estapediana da cadeia.

Portanto, achamos que a presença ou ausência do reflexo estapediano não invalida o diagnóstico de interrupção de cadeia ossicular. Como também não é dado absoluto no diagnóstico topográfico do nível da interrupção ossicular.

SUMMARY

The authors presents and discuss three cases of ossicular disruption, studied with audiometry and acoustic impedance measurement. After complete with the surgery discovery.

BIBLIOGRAFIA

1. Sendo, I; Wood li, R. P.: Congenital midle ear anomalles. Otol. Clin. N. Amer., 2: 291-318.
2. Campana, D. R.; Ibrahim, S.; Viviani, E. L.: Osteogenesis Imperfecta - Fratura espontânea do estribo. Rev. Bras. Q.R.L. 41: 187-193, 1975.
3. Patterson, C. N.; Stone, H. B.: Stapedectomy in Van der Hoeve's Syndrome. Laryngoscope 80: 544-58, Apr. 70.
4. Lopes F. O. C.: Estudo clínico da atividade dos músculos do ouvido médio, pelo método da impedância acústica. Rev. Brasil. O.R.L. 41: 111140, 1975.
5. Yanagisawa, E.; Tadashi, S.; Hughes, M.: Fracture of the.stapes. Report of a case. Connecticutmedicine: 565-567, Nov-1975.
6. Elbrond, O.; Aastrup, 1. E.: Isoleted fractures of the stapedial arch. Ach. Otol. 75: 357-358, 1973.
7. Hough, 1. V. D.: Incudostapedial joint separation - Etiology, treatment and significance. Laryngoscope 69: 644-664, 1959.
8. Lidén, G.; Harford, E.; Hallén, O.: Tympanometry for the diagnosis of ossicular disruption. Arch. Otol. 99: 23-29, 1974.




ENDEREÇO DO AUTOR:
Rua Marcelina, 241 - Vila Romana São Paulo - Capital

* Médicos Assistentes da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
** Fonodióloga da Clínica Otorrinolaringológica do.Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.

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