Versão Inglês

Ano:  1976  Vol. 42   Ed. 1  - Janeiro - Abril - (13º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 60 a 66

 

TERATOMA PENDICULADO DA RINOFARINGE

Autor(es): Antônio José de Moraes Olivetti*
Pedro Luiz Oóser**
Elias Salomão Mansur***

Resumo:
É apresentado um caso de recém-nato de 3 (três) dias de idade, sexo feminino, portador de um teratoma verdadeiro da rinofaringe, cujos sinais e sintomas foram evidenciados por dispnéia, disfagia, crises de sufocação, engasgo e apresentação extra-oral de um tumor duro e pediculado. Espontaneamente, este tumor era aspirado, desaparecendo na hipofaringe e ocasionando forte crise de dispnéia, chegando a cianose.

Introdução

Os tumores de origem embrionária da rinofaringe são divididos em 4 (quatro) grupos de acordo com Arnold (1880):

1) Dermoides - com origem nas camadas dérmica e mesodérmica, contém pele e apêndices (glândulas sebáceas, glândulas sudoríparas e pelos).

2) Terotoides - com origem nas três camadas embrionárias com pouca diferenciação.

3) Teratomas verdadeiros - também com origem nas três camadas, porém com um grau mais alto de diferenciação.

4) Epignatos - é o tipo de maior diferenciação onde podemos encontrar órgãos e mesmo membros fetais. Tem esse nome porque a princípio pensou-se que só ocorreriam nos maxilares.

Os teratomas da rinofaringe são bastante raros, os poucos casos registrados na literatura disponível são assinalados (1,5,6,7,9,10,11,12,13); Erich (3) em sua revisão reuniu 79 casos e Kesgon (7) mais 11 (onze) da literatura. De todos é mais freqüentemente citado o tipo Dermatóide. A localização mais referida é ao nível da linha média da faringe ou em sua porção lateral esquerda, desde o bassiesfenóide até a zona da amídala palatina. Grosseiramente tem aspecto lobulado e superfície lisa, consistência firme, podendo ser senil ou pedicelado. Podem obstruir o palato mole para baixo e para frente, exteriorizar pela boca (9) ou pelo nariz (8) ou situar na região parofaríngica (13). Raramente tem comunicação com a cavidade craniana, através do canal craneafaríngico, constituindo um tumor em forma de ampulheta.

DESENVOLVIMENTO EMBRIOLÓGICO

Sabe-se que (13) durante a primeira semana de vida fetal o ovo fertilizado subdivide-se várias vezes, e a massa de células resultantes é conhecida como blástula. No final desta primeira semana, parte da superfície invagina-se, e a estrutura passa a ser chamada de gastrula. Este é o início da formação endodérmica. Nos mamíferos, esta fase é conhecida como gastrulação primária. Neste estágio, a massa de células internas, é conhecida como disco primitivo compreendendo o núcleo das células da estrutura embrionária, o qual formará o feto.

Médico Residente do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

No final da segunda semana de vida fetal, uma linha escura aparece no disco primitivo, conhecido como "linha primitiva" e é a primeira indicação da polaridade do embrião. É durante os processos de gastrulação primária e formação da linha primitiva que começa a diferenciação e especialização celulares; determinadas células encaminham-se para certas posições para desempenho de futura função no organismo. Lembram Walker e col. (13) trabalhos esperimentais básicos em que células foram removidas de um embrião em fase de gastrulação primária e introduzidas noutro embrião da mesma fase; durante -o desenvolvimento embrionário ficou verificado que estas células mantém suas características, desenvolvendo no segundo a estrutura que teriam produzido no primeiro. A propriedade de organizar as células deste modo, produzindo diferenciação celular, é atribuída à estrutura primordial tordo mesodérmica, que é então chamada "organizadora". A cor do mesodérmica contém uma substância química não identificada o "organizador", responsável pela diferenciação celular. Se durante os estágios de coalescéncia do embrião, na área branquiogênica, ocorrer uma incompleta ou inadequada fusão em qualquer ponto (por exemplo: na bolsa farïngica), então a ação do "organizador" pode determinar uma dierenciação de uma célula ou grupo de células em outra estrutura embrionária, diferente da primitiva.

A desorganização microscópica observada no teratoma indica que as atividades do "organizador" foram inadequadas ou anormais, falhando e ficando aquém de uma organização verdadeira. Teoricamente, a formação destes teratomas pode ocorrer antes da fusão na área branquiogênica, pelo deslocamento de uma célula previamente organizada. Entretanto, o fato de que os teratomas ocorrerem principalmente na área de fusão, indica que eles aparecem primariamente como erros durante a fusão.

DIAGNÓSTICO E DIAGNOSTICO DIFERENCIAL

A sintomatologia varia com o tamanho e localização do tumor, podendo ser observado dispnéia que pode ir até asfixia, disfagia, rinorréia, engasgo ou mais freqüentemente, a combinação destes. Nos tumores pediculados teremos variação dos sintomas com a posição do doente. O diagnóstico diferencial inclui: encéfaloceli, meningocele, gliomas, cistos dermoides, neurofibromas, hemangiomas, imperfuração coanal, linfomas malignos, endotelioma (2). É importante fazer a dosagem de glicose na secreção nasal para pesquisa de liquor.

TRATAMENTO

O tratamento é sempre cirúrgico e de urgência relativa. Às vezes é necessário passar um tubo endo-traqueal para prover uma via aérea, livre nos primeiros momentos pós-parto, salvando a vida do paciente. Para exerese do tumor tem sido empregados diversos métodos desde a extirpação com pinças até o uso da via transpalatina com dissecção cuidadosa, ligadura do pediculo do tumor e a seguir passar uma alça fria distal à ligadura. A maioria das observações cita simples retração do palato com uma boa via de acesso. O sangramento é referido como mínimo. Nos trabalhos levantados, recidivos verdadeiros não foram descritos, apenas casos de retiradas incompletas. Não foi mencionada transformação maligna nesta área, apesar de nas outras do resto do organismo falar-se numa taxa de 30% de malignização.

APRESENTAÇÃO DO CASO

M.D.R., 3 dias de idade, sexo feminino, cor branca, procedente de Eldorado Paulista
(SP).

Refere a acompanhante, que o paciente nasceu de parto normal e que imediatamente após o nascimento apresentou crises de asfixia, disfagia, engasgos provocados pela massa tumoral, que às vezes se exteriorizava pela boca, sendo encaminhada à Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da F.M. da Universidade de São Paulo (Serviço do Professor Lamartine J. Paiva).

O exame clínico revelou tratar-se de recém-nascido de baixo peso. O exame externo de todo o organismo não revelava defeito congênito. Durante as manobras de exame clínico geral, verificou-se que em decúbito dorsal ou sentada com o dorso inclinado para trás ou lateralmente, o recém-nascido apresentava agitação, dificuldade respiratória que mantida por certo tempo produzia cianose.

1) Exame ORL - O exame otorrinolaringológico mostrou, alteração patológica somente ao nível da cavidade bucal. (Figuras 1 e 2). A abertura da cavidade bucal e afastamento dos lábios permite reconhecer tumor de partes moles sobre o dorso da língua e cuja extremidade livre atingia o rebordo alveolar. Massa bocelada de superfície lisa, consistência dura, não sangrante, sem ulceração e cuja extremidade posterior pediculada atravessava o istmo das fauces, dirigindo-se à parede lateral esquerda da rinofaringe. Tracionando-se o tumor, o mesmo aflorava a cavidade bucal numa extensão superior a quatro centímetros. Abandonando e simultaneamente colocando o recém-nascido em decúbito dorsal, a massa retornava ao interior da cavidade faríngica, tamponando a endolaringe, desfechando mais uma vez os sintomas acima descritos.

2) Estudo radiológico. A radiografia de perfil é importante, pois precisa a massa no interior da rinofaringe, sua extensão à hipofaringe e endolaringe. Permite avaliar falhas ósseas da base do crâneo sobretudo nas zonas do basiesfenóide e basiocipital. Permite também reconhecer falhas ósseas ao nível da fossa cerebral anterior, capazes de produzir herniações (meningocele, encefalocele, meningoencefalocele) e gliomas, que da fossa nasal podem ir à rinofaringe.
A radiografia na posição de Hirtz permite reconhecer a massa de partes moles na área de projeção da rinofaringe com limites imprecisos. No presente caso é oportuno lembrar a escassa calcificação das estruturas ósseas, ausência de pneumatização das cavidades paranasais, exceto nos maxilares que são imprecisas e rudimentares.



Fig. 1 - Mostra tumor bocelado sobre o dorso da língua, dirigindo-se à faringe.



Fig. 2 - Extremidade livre do tumor atingia espontaneamente o rebordo alveolar.



3) Exame Histopatológico:

I - Macroscopia - A massa tumoral única, pediculada, apresenta superfície lisa bocelada, sem ulcerações, vegetações ou abaulamentos císticos. Media aproximadamente 6 x 2 x 1 cm. Sua superfície de corte era branco acinzentado, de aspecto fibroso predominante, não revelando áreas císticas, hemorrágicas ou necróticas. Fixadas em formol, a peça media 4 x 1,5 x 1,5 cm e sua superfície externa era esbranquiçada e finamente rugosa. De consistência elástica, seu aspecto predominante era o fasciculado.

II - Microscópica - Revestimento da massa por tecido epitelial plano pluriestratificado, corneificado (Fig. 1,2,3,4). Grande massa de tecido adiposo (Fig. 1,2,3), cartilagem jovem luz vascular arterial (Fig. 5) integrando o conteúdo. No mesmo ainda são reconhecidos folículos pilosos, glândulas sebáceas e sudoríparas, luz vascular venosa (com elementos figurados) e arterial e elementos venosos (Fig. 1,2). A plaslúses vasculares, feixes de fibras conjuntivas e musculares são vistas na fig. 3; o epitélio queratinizado está íntegro e pode ser reconhecido infiltrado linfoplasmocitário discreto e difusa na camada junta-epitelial. Na figura 4 o epitélio pluriestratificado exibe rica camada granulosa e papilas dérmicas com eixo conjuntivo-vascular, luses capilares sub - epiteliais, infiltrado de células redondas além dos já mencionados feixes de fibras conjuntivas e musculares. Na figura 5 há um núcleo central de tecido cartilaginoso circunscrito por ativo pericondrio; contornando-o, na vizinhança inúmeras e amplas luses arteriais; são reconhecidos ainda, alguns elementos venosos.

Fig. 1,2,3,4, e 5 : H.E. . Aumento aproximado - 20 vezes Descrição no texto.

4) Evolução: Tratava-se de recém-nascido de baixo peso, mas não foi possível uma afirmação definitiva de sua prematuridade. A criança de 3 dias não se alimentava e apresentava sintomas severos capazes de produzir a morte por asfixia. A dificuldade respiratória poderia ser contornada provisoriamente pela traqueostomia, enquanto que o problema da alimentação seria também provisoriamente contornado através de sonda naso-gastrica ou alimentação parenteral endovenosa. A estes dois cuidados teria que ser acrescentado um terceiro ligado aos cuidados especiais de um recém-nascido possivelmente prematuro. Esta lembrança é oportuna em virtude da dificuldade de enfermeiras habilitadas nesse campo misto de pediatria e otorrinolaringologia.



Figura 1



Figura 2



Figura 3



Figura 4



Figura 5



Uma dúvida pairou quanto à orientação imediata nesse caso. Seria oportuno operar este recém-nato nas condições apresentadas e desta forma oferecer condições para alimentação adequada e perfeita recuperação ou lançar mãos de recursos que possibilitassem boa alimentação, normalização das condições gerais e aptidão para a cirurgia a ser proposta. Optamos por esta última conduta recorrendo ao seguinte artifício: o tumor foi tracionado para fora da cavidade oral, transfixado com fio de seda e graças ao seu longo pedículo foi fixado fora da cavidade bucal. Esta manobra afastou o risco constante do quadro ameaçador de asfixia e morte, bem como permitiu que a criança fosse alimentada adequadamente pelas vias naturais. Nesse tempo foi colhido material para exame Histopatológico e solicitadas radiografias que estão relatadas nos capítulos correspondentes. A biopsia ocorreu sem hemorragia e para o exame radiográfico o tumor foi transfixado e tracionado, foi reposto em sua primitiva posição. Após trinta dias de preparo pré-operatório a criança estava em condições clínicas e hematológicas para o tratamento cirúrgico proposto.

5) Tratamento Cirúrgico

Foi proposta a exerese do tumor tentando-se inicialmente a via natural até a parede lateral esquerda da rinofaringe. Se a via de acesso mostrasse dificuldade ou impossibilidade, a abordagem transpalatina deveria ser realizada.

Paciente recebeu anestesia geral intubação orotraqueal sem "cuff', tamponando-se a hiofaringe com gaze. Não foi feita preventivamente dissecção de veia para infusão intravenosa, nem tampouco transfundido sangue total desde o início da operação. Pela via natural a implantação do pediculo na parede lateral da rinofaringe foi reconhecida e nas proximidades da fosseta de Rosenmüller. O tumor foi seccionado, o sangramento pequeno foi bloqueado por compressão e o ato cirúrgico demorou cerca de quinze minutos".

O paciente permaneceu interno e em observação por um período de uma semana. O pós-operatório não apresentou qualquer intercorréncia e a criança recebeu alta em ótimo estado geral.

RESUMO

É apresentado um caso de teratoma verdadeiro pediculado da rino faringe, em paciente do sexo feminino. São comentados alguns aspectos clínicos e cirúrgicos.

SUMMARY

A case of True Teratoma of the Nasophryarynx provided with a pedicle in an female newbom is presented. Some clinical and surgical aspects on discussion.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Ddo. da Universidade Federal de Santa Maria-RS - estagiário do H.C.U.S.P.
** Professor Livre Docente (Doutor) do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Disciplina de Otorrinolaringologia (Titular: Prof. Dr. Lamartine J. Paiva).

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