Versão Inglês

Ano:  1976  Vol. 42   Ed. 1  - Janeiro - Abril - (12º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 55 a 59

 

TRATAMENTO DAS ESTENOSES SUBGLÓTICAS E DAS PARALISIAS DOS ABDUTORES DAS CORDAS VOCAIS PELO MÉTODO DE RETHI*

Autor(es): Plínio de Mattos Barretto
Robert Thomé

Resumo:
Os autores mostram sua experiência com o método de Rethi, que empregaram para o tratamento de 5 casos de estenoses, 3 com estenose cicatricial e 2 com paralisia bilateral das cordas vocais, sendo que em todos eles, métodos mais conservadores já haviam falhado. Os resultados foram bons em todos os casos, tanto sob o ponto de vista respiratório, quanto fonatório. Pequenas variantes técnicas foram aplicadas de acordo com a necessidade de cada caso.

INTRODUÇÃO

Tantos são os métodos descritos e recomendados para as estenoses cicatriciais e das paralisias dos abdutores da laringe, que é difícil estabelecer dentre eles qual deva ser o escolhido para o tratamento de cada caso, sendo que esta escolha depende da justa avaliação de cada caso em particular. Métodos mais conservadores podem solucionar bom número de casos mas com freqüência verificam-se recidivas e por isso a tendência atual é o emprego de métodos mais agressivos que diminuem a possibilidade destas recidivas, encurtam o tempo de tratamento e ainda, conseguem bons resultados funcionais.

Já publicamos nossa experiência com a exegese do segmento laringotraqueal e anastomose término-terminal para o tratamento de graves estenoses desta região (THOMÉ, 1972; THOMÉ E BARRETTO, 1972). E agora mostramos como resolvemos 5 casos nos quais empregamos o método de RETHI (1955) porque intervenções mais conservadoras haviam anteriormente falhado para solucionar estes casos.

TÉCNICAS CIRÚRGICAS

RETHI (1955) idealizou método que consiste em ampliara região glótica e subglótica estenosada seccionando verticalmente o arco e a lâmina da cartilagem cricóide, e, mantendo afastadas as duas metades da lâmina por meio de dilatador especial, conservado durante certo tempo para garantir este afastamento. Com o intuito de diminuir o tempo de permanência do dilatador e mesmo para procurar evitar o seu emprego, outros autores europeus introduziram várias modificações técnicas e todos se referem a bons resultados ainda mesmo quando a intervenção teve que ser repetida.

No método "princeps" de RETHI, era feita uma laringofissura mediana abrindo-se o angulo anterior da cartilagem tireóide e seccionando-se na linha mediana a membrana cônica e o arco da cartilagem cricóide. Aberta a laringe, uma incisão vertical era feita na parede posterior da laringe e nos primeiros anéis traqueais. Esta incisão interessava a mucosa da laringe e traquéia e o pericondrio interno da lâmina da cartilagem cricóide. A seguir, era feita a secção vertical da lâmina da cartilagem cricóide e de seu pericondrio externo, e, removido o músculo interaritenoideo. Usando afastadores especiais RETHI conseguia fazer o descolamento da musculatura da hipofaringe e do esôfago até conseguir que elas herniassem entre as metades da lâmina da cricóide. A secção da mucosa dos primeiros anéis traqueais era feita com o intuito de evitar dilaceração da parte membranácea da traquéia nas manobras de afastamento das lâminas da cartilagem cricóide. A seguir, era aplicada uma cânula traqueal especial sobre a qual apoiava um dilatador metálico destinado a manter o afastamento das lâminas da cricóide até que se processasse a repitelização ao nível da parede posterior da laringe.

Esta intervenção deu excelentes resultados para o tratamento das estenoses da laringe não só quando praticada pelo seu idealizador mas também por vários laringologistas principalmente europeus. Logo surgiram modificações técnicas visando corrigir possíveis inconvenientes desta intervenção mais radical. Assim foi que AUBRY e col. (1957) demonstraram a possibilidade de realizar a intervenção sem uma tireotomia completa. Preconizavam a abertura da laringe removendo a parte inferior do ângulo anterior das asas da tireóide sem atingir a altura da comissura anterior das cordas vocais. Este detalhe técnico permitia evitar a formação de tecido cicatricial ao nível da comissura anterior.

Para conseguir o conveniente afastamento das duas metades da lâmina da cartilagem cricóide AUBRY e col. (1957) e JOST (1961) consideravam desnecessária a exérese do músculo interaritenoídeo mas aconselhavam a interposição entre as duas metades da lâmina, seja de uma peça de duralio, seja de fragmentos da cartilagem tireóide. Estes autores aplicavam enxertos dermo-cutâneos para cobrir a superfície cruenta da parede posterior da laringe e acreditavam que melhores resultados fonéticos eram obtidos quando não era feita a exérese do músculo interaritenoídeo.

Mais tarde ABOULKER e col. (1966); ABOULKER e DEMALDENT (1969) e BOUCHE e col. (1970) se manifestaram contrários ao emprego da peça de duralio ou mesmo de fragmentos de cartilagem, a não ser em casos nos quais houve necessidade de reintervenção, sendo que os últimos autores citados usaram, com sucesso, um fragmento do corpo do osso hioide que foi depois recoberto por retalho de mucosa da hipofaringe.

Nós utilizamos destes subsídios do método original de RETHI usando transplante cartilaginoso oriundos seja da parte inferior do ângulo anterior da cartilagem tireóide, da borda superior de uma das asas da cartilagem tireóide e, ainda, de um fragmento suficientemente largo do arco da cartilagem cricóide. Estes fragmentos de cartilagem foram. removidos conservando-se seu pericóndrio interno e externo, o que facilitou a sua fixação com pontos de categute cromado às bordas das duas metades da lâmina da cricóide. Os transplantes cartilaginosos e toda a área cruenta da parede posterior da laringe foi recoberta por enxerto livre da mucosa jugal. Nós sempre fizemos a exérese de parte do interaritenoídeo com o intuito de facilitar o afastamento das metades da lâmina da cartilagem cricóide. Além disso, aplicamos na laringe moldes maciços de silicone por nós mesmos especialmente moldados para cada caso e fixados a um suporte especial também por nós idealizado e que fica apoiado sobre a cânula traqueal que o doente continuará a usar no pós-operatório, no mínimo durante 1 mes. A grande vantagem deste tipo de molde é a perfeita adaptação a cada caso em particular o que talvez tenha sido um dos principais fatores de sucesso das nossas intervenções. Só no nosso primeiro caso fizemos tirotomia completa porque tratava-se de uma paciente com cartilagem tireóide muito pequena e frágil. Cuidado especial na reconstituição da comissura anterior evitou a formação de tecido cicatricial a este nível. Cremos serem extremamente úteis os afastadores de RETHI para conseguir o descolamento da musculatura da hipofaringe e do esôfago quando se procura afastar as duas metades da lâmina da cartilagem cricóide seccionada na sua parte mediana. Este descolamento, nós o fazemos com o auxílio dos mencionados afastadores e de um descolador especial.

CASUÍSTICA E RESULTADOS

Em julho de 1972, operamos nosso primeiro caso, uma paciente psicótica que 10 anos antes havia sido submetida a tireoidectomia subtotal. Em maio de 1954 nós praticamos aritenoidectomia pela técnica de Woodman. Depois de 17 anos numa crise mais grave da psicose, ao ser submetida à sonoterapia, houve necessidade de traqueotomia de urgência. Em 1972 voltou ao nosso Serviço e nós, procurando usar método mais conservador, convidamos para operá-la distinto e pranteado colega nosso, na época muito interessado na exérese exclusiva do interaritenoídeo para o tratamento das paralisias bilaterais de abdução. 6 meses depois, como ainda não conseguíssemos retirar a cânula traqueal da paciente e os psiquiatras achavam que esta situação estava agravando a psicose da doente, nós a submetemos à operação de RETHI. Foi a paciente que usou molde de silicone durante tempo mais prolongado porque ela só voltou ao nosso Serviço 5 meses depois quando já não havia qualquer reação inflamatória da laringe. Retirado o molde, nos foi possível fechar imediatamente o traqueostoma. Esta paciente vista alguns meses depois apresentava excelente voz e não tinha qualquer perturbação na deglutição.

O segundo caso refere-se a uma moça de 28 anos que sofreu, em novembro de 1970, ferimento torácico por projétil de arma de fogo, tendo permanecido intubada com sonda traqueal para ventilação assistida durante 8 dias. 3 meses depois, voltou ao Hospital onde fora atendida e teve que ser submetida a traqueotomia devido à grave estenose da região subglótica. 1 ano depois foi submetida à laringofissura para exérese de tecido cicatricial e aplicação de um tudo dilatador de plástico. Este dilatador teve que ser retirado 2 meses depois porque a intervenção resultou em grave processo supurativo da laringe. 6 meses depois a doente nos foi enviada com a laringe muito deformada ao nível do seu vestíbulo e com uma estenose ao nível da glote e subglote que reduzia o diâmetro da coluna aérea a menos de 0,5 cm no seu maior eixo. Nós a submetemos a operação de RETHI e a deixamos com um molde maciço de silicone durante 3 meses. Retirado este molde a doente que ainda mantinha alguma mobilidade da hemilaringe esquerda ficou com a fenda glótica muito ampla e praticamente afônica. Contudo, com tratamento foniátrico bem conduzido, por uma especialista nossa colaboradora, conseguiu voz muito satisfatória e vive atualmente em excelentes condições.

O terceiro caso tratava-se de um moço de 17 anos que operamos em março de 1973 depois que ele havia desde a idade de 2 anos usado cânula traqueal. O seu sofrimento começou após um surto agudo de laringite subglótica que o levou a uma traqueotomia. Um prolongado tratamento de dilatações com sondas metálicas de nada valeu e 5 meses depois foi colocado um dilatador de acrílico o qual foi mal tolerado e teve que ser retirado e provocou agravamento da estenose. Nossas tentativas de dilatações fracassaram e 1 ano depois era constatada atresia ao nível da região subglótica. Esta criança que desde o início tinha sido por nós observada, só 15 anos depois voltou a nos procurar. Foi feita a operação de RETHI e o molde maciço de silicone permaneceu 3 meses. A cânula traqueal pode ser, retirada e a mesma fonoaudióloga conseguiu rápida melhora da voz do paciente que continua com sucesso os seus estudos e atualmente dedica-se a prática do futebol.

O quarto caso tratava-se de um rapaz de 16 anos, que em outubro de 1973 sofreu grave acidente com uma motocicleta tendo permanecido inconsciente, intubado por via oral e assistência ventilatória. Quando deixou o Pronto-Socorro onde foi atendido apresentava grave disfonias, mas aos poucos a voz foi melhorando, surgindo progressiva dispnéia, principalmente inspiratória. Teve que voltar ao Hospital onde foi submetido a uma craniotomia para remoção de hematoma cerebral. 2 meses depois, quando já havia obtido alta hospitalar teve processo gripal que agravou sobremaneira a dificuldade respiratória que já vinha apresentando e que o obrigou a uma traqueotomia. Em março de 1974 nos procurou pela primeira vez e nós constatamos que as cordas vocais permaneciam na linha mediana porque havia processo cicatricial fixando as duas aritenóides. Realizamos, nesta ocasião, a secção endoscópica desta brida cicatricial e conseguimos afastamento que nos pareceu satisfatório das duas aritenóides. Molde de silicone foi deixado na laringe mas foi expulso 14 dias depois. Não o recolocamos imediatamente porque acreditamos que a fenda glótica obtida já era suficiente. De fato, conseguimos retirar a cânula traqueal, mas algum tempo depois, após processo gripai o paciente voltou a ter dificuldade respiratória e foi submetido a outra traqueotomia. Em agosto de 1974 nós nos decidimos a opera-lo pelo método de RETHI. O molde foi deixado durante 5 semanas e atualmente este rapaz, com voz muito satisfatória, voltou a prática de seus esportes prediletos, inclusive o halterofilismo.

O quinto caso refere-se a uma senhora de 64 anos submetida a tireoidectomia em 1942 em outro Serviço, e em 1962 foi por nós traqueotomizada porque apresentava grande dificuldade respiratória conseqüente a paralisia das cordas vocais na posição mediana e evidentes sinais de hipotireoidismo. 2 meses depois, melhoradas as suas condições, foi feita uma aritenoidectomia por via endoscópica mas só conseguimos remover a cânula traqueal em janeiro de 1963. Em julho de 1973 a doente volta novamente descondensada e com edema das cordas vocais. Em novembro de 1973 tentamos a secção endoscópica do músculo interaritenoídeo e decorticação das cordas vocais. Estas intervenções mais conservadoras foram insuficientes para conseguir a remoção da cânula traqueal. Em janeiro de 1975 nós a operamos pelo método de RETHI e a paciente 2 meses depois submeteu-se a plástica para fechamento do traqueostomo e continua respirando bem e com voz excelente.

CONCLUSÃO

Temos a impressão de que o método de RETHI é aquele que com mais segurança resolve os casos mais complexos de paralisia bilateral dos abdutores das cordas vocais e pode também resolver alguns casos de estenose grave da laringe, sem necessidade de ressecção anular do segmento laringotraqueal estenosado e anastomose término-terminal.

AGRADECIMENTO

Ao terminar desejamos externar nosso agradecimento a Sylvia Rodrigues Teixeira que tão preciosa colaboração nos tem prestado na recuperação das funções fonatórias de nossos pacientes.

SUMMARY

The authors refer to their experience with Rethi's method for the treatment of laryngeal stonosis, they have used in 5 cases, already submitted to other more conservative methods. Results were uniformely satisfactory considering the respiratory

and phonatory functions. Small technical variations of the original method have been used according to the pecularities of each case.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço do Autor: Cons. Torres Homem, 371 São Paulo - SP.

* Trabalho realizado no Instituto de Laringologia e Bronco-esofagologia de São Paulo.

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