Versão Inglês

Ano:  1976  Vol. 42   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 26 a 29

 

PARALISIA FACIAL TOPODIAGNÓSTICO, ORIENTAÇÃO CLINICA E TRATAMENTO.

Autor(es): * Dr. SILVIO JOSÉ CASOTTI VIDAURRE
** Dr. HUGO BORGES DE CARVALHO
*** Dr. HENRIQUE LIBERATO SALVADOR

Introdução

A paralisia facial periférica tem merecido em nosso serviço, um interesse sempre crescente no sentido de curá-la o mais eficientemente possível, evitando as seqüelas. Na Clinica Prof José Kós, os portadores de paralisia facial periférica, são explorados segundo uma programação esquemática pré-estabelecida. No ano passado, em um único dia no mês de maio, tivemos em nosso ambulatório, a procura de 5 doentes portadores de paralisia facial. Aprendemos que maio e junho são os meses de maior incidência (pelas mudanças de temperatura) pelo aparecimento de vírus próprio da estação? Não sabemos!)

Topodiagnóstico

Valemo-nos dos conhecimentos e das características anatomo-fisiológicas da Unidade Facial Intermediário para um provável topodiagnóstico. Sabemos que do facial, nervo misto por excelência, além das fibras motoras, que saindo do buraco estilomastóideo tem-se ramos temporo e serviço facial, responsáveis pela movimentação da face, temos ainda:

1. Fibras sensoriais que conduzem a sensação gustativa nos 213 anteriores da língua. Através da corda do tímpano alcançam o tronco facial na mastóide e tem o seu corpo celular no gânglio geniculado.

2. Fibras parassimpáticas que vêm do núcleo salivatório superior, acompanham o tronco e a corda do tímpano, alcançam o gânglio submandibular e vão liberar a secreção salivar da submaxilar e sub-lingual.

3. Fibras parassimpáticas que vêm do núcleo lacrimo-muconasal, alcançam o gânglio geniculado e acompanham o Nervo grande Petreo superficial chegando ao gânglio Esfenopalatino, de onde saem fibras pós ganglionares que vão secretar a lágrima, e outras que vão secretar o muco nasal além de ativar os movimentos ciliares das células da pituitária.

Esta neurofisiologia nos permite concluir que:

1. Paciente com paralisia facial em que o lacrimejamento e o paladar estejam normais, a lesão deve estar abaixo da saída da corda do tímpano.

2. Paciente com lacrimejamento normal e o paladar reduzido nos 213 anteriores da língua, a lesão deve estar entre o gânglio geniculado e a saída da corda do tímpano. 3. Paciente com lacrimejamento e paladares alterados, provavelmente a lesão estará ao nível ou atrás do gânglio geniculado.

Para chegarmos a essas conclusões, dispomos de alguns testes e exames: 1. Teste de Schirmer ou prova do lacrimejamento; - 2. Teste do paladar dos 213 anteriores da língua; - 3. Pesquisa da secreção salivar da submaxilar e sublingual. 1. Teste de Schirmer - consiste na colocação de uma fita de papel filtro no saco conjuntival de ambos os olhos e após 5 minutos aproximadamente, fazemos a leitura de comparação entre as linhas de impregnação da lágrima de uma fita em relação à outra. Poderá até mesmo haver ausência da impregnação no lado paralisado.

2. Teste do paladar nos 213 anteriores da língua - avaliamos a comparação que nos informa o próprio paciente à sensibilidade de alguns sabores que lhe são oferecidos nesta região (doce, salgado, azedo e amargo), notadamente salgado e doce.

3. Pesquisa da secreção salivar da submaxilar e sublingual - completa o teste do paladar. Fazemos uma comparação visual ao nível dos orifícios dos canais de Whorton, que são previamente estimulados com uma pequena mecha de algodão embebida em éter sulfúrica. É possível encontrarmos ausência do fluxo salivar, no lado comprometido, o que traduziria grande comprometimento na Unidade Facial Intermediário.

Testes Funcionais

Feito o topodiagnóstico, nossa atenção vira-se para a paralisia em si. Partiremos para o exame da face e em particular para os testes funcionais. Assim obteremos informações precisas e importantes no reconhecimento dos estágios da paralisia e seu prognóstico. Pedindo ao paciente que faça alguns movimentos faciais e com a palpação, verificamos a musculatura da mímica, o tono e a função muscular. A simples inspeção verificamos a assimetria facial com o desaparecimento do sulco naso geniano, olho permanentemente aberto e canto da boca caído.

Como testes funcionais utilizamos o Teste de Hilger e a Eletromiografia. No Teste de Hilger, fazemos uma estimulação farádica percutânea. Este teste nos dá informações precisas após o terceiro dia, pois sabemos que um nervo lesado ou até mesmo seccionado continua capaz de conduzir estímulos por mais ou menos 72 horas. Através da estimulação ao nível do buraco estilo-mastoideo e na região pré-tragal, observamos a contratura muscular e obtemos um limiar de excitabilidade que é medido em miliamperes. Através da comparação entre o limiar do lado são e do lado paralisado poderemos concluir sobre uma provável degeneração Walleriana, e suas fases:

Neuropraxia - há bloqueio fisiológico e a diferença não atinge a 3,5 mA. Ainda não há degeneração. Axonotimese-bloqueio parcial com diferença igual ou maior que 3,5 mA. Há degeneração parcial. Neurotïmese - bloqueio total. Geralmente não se consegue encontrar o limiar. Degeneração total.

Aqui está a importância no acompanhamento quase que diário do paciente, uma vez que às vezes o processo de degeneração Walleriana não se acentua completamente e só depois começa a haver regeneração. Tivemos um caso, no qual, o paciente estava sendo programado para cirurgia, quando subitamente apresentou rápida melhora e veio a se recuperar sem sequelas. Outras vezes, entretanto, a recuperação clínica mantem-se estacionária por algum tempo, agravando-se a diferença bruscamente entre o limiar do lado são e do doente. Neste caso, indicamos imediatamente a cirurgia descompressiva. Quanto a Eletromiografia, tem mais utilidade nas paralisias antigas, já que a fibrilação muscular, costuma surgir após o 140 dia. Daí não darmos muita importância a este teste, já que o nosso interesse é acompanhar as paralisias de instalação recente, o que tem nos proporcionado grande satisfação pelos êxitos alcançados. Nas paralisias que vem se recuperar tardiamente, ficamos em dúvida se a recuperação foi acelerada pela descompressão ou foi apenas pelo mecanismo natural de regeneração Walleriaria.

Digno de referência também é o caso de uma senhora diabética que nos procurou com paralisia facial e em fase de Neuropraxia. O Clínico fez o controle para que usássemos corticoides no tratamento. Sob controle rigoroso, ela recuperou-se da paralisia e a comparação dos limiares antes e depois do tratamento, mostrou que houve melhora, inclusive do lado são. Isto é mais um ponto a considerar sobre a paralisia facial como sendo um dos casos de Neuronopatia Diabética.

Aqui podemos tecer algumas considerações sobre o efeito da corticoterapia. Temos usado doses relativamente elevadas de corticoides, pois a experiência mostrou que as habituais são insuficientes para o efeito terapêutico por nós esperado. Alguns pacientes tem "pago alto" pelos efeitos colaterais desta medicação. Quando isto ocorre, entregamos o paciente a colega endocrinologista que em aproximadamente 60 dias têm corrigido esses efeitos colaterais.

EXAMES COMPLEMENTARES

Paralelamente a estes testes e exames é sempre prudente fazermos outros exames complementares como:

1. Exame otoneurológico completo; 2. Pesquisa dos pares craneanos de vizinhança, principalmente V e VII; 3. Provas térmicas com Eletronistagmografia; 4. Audiometria tonal e supraliminar; 5. Exame Neurooftamológico; 6. RX dos rochedos e 7. Dosagem de glicose e curva glicémica, tendo em vista afastar outras causas de paralisia facial (colesteatoma congénito, Glómus, Neurinoma do acústico, etc.).

ETIOPATOGENIA

Nas paralisias por traumatismo, infecciosa ou blastomatosa, temos conhecimento concreto da sua etiologia. Aqui vai nos interessar as paralisias de caráter idiopático ou como é mais conhecida, a Paralisia de Bell. Existem várias teorias que sugerem alguma etiologia a este tipo de paralisia facial.

Jongkees dá grande valor à causa psicossomática. Segundo alguns autores haveria tendências familiares e individuais que favoreceriam à instalação de uma paralisia facial. Outros acreditam mesmo na possibilidade de haver uma estenose congênita do conduto de Falópio; e que qualquer anormalidade favorecendo uma alteração ou edema na bainha, levaria a conseqüente compressão nervosa e o aparecimento da paralisia. Aqui poderíamos catalogar os indivíduos que apresentam verdadeiras "crises de paralisia facial"; ora de um lado, ora de outro, ou mesmo bilateral; e que normalmente há regeneração total. Não esquecendo também as paralisias intercorrentes com a gravidez. Atualmente estamos estudando a possibilidade de detectar comprometimento viral, a partir dos casos de paralisia por Herpes, o que comprovado estará desvendando a causa de muitas paralisias faciais.

CLÍNICA

Na Clinica Prof. José Kós, nos portadores de paralisia facial, o primeiro fato que nos importa é sabermos há quanto tempo está instalada a paralisia, e como iniciou. São fatores que nos dão importantes informações para a desenvoltura da nossa conduta. Levamos também em consideração, a história evolutiva. Temos experiência de que uma paralisia facial completa, com flacidez facial, dor no fundo do ouvido ou retrosuricular e de instalação súbita, sugere de imediato a indicação da cirurgia descompressiva. O paciente informa-nos se houve:

1. Dor retroauricular ou no fundo do ouvido; 2. Supuração auricular; 3. Aparecimento de vesículas na concha e meato acústico externo; 4. Hipoacusia e zumbidos; 5. Tonteiras ou desequilíbrio; 6. Ou sem outros sintomas.

TRATAMENTO

Com esses dados, após fazer um topodiagnóstico e conhecermos a condutividade nervosa, estabelecemos uma programação terapêutica. O tratamento clínico que instituímos compreende no que chamamos informalmente de "coquetel".

Utilizamos:

1. Acetato de Dexametazona (Deronil 0,75 mg) na dosagem inicial de 6 mg ao dia, fracionada em 4 doses. Fazemos um esquema regressivo por períodos de 4 dias. 2. Beta-Piridil-Carbinol (Ronicol Timespan), utilizando a dose constante de 1200 mg ao dia fracionada em 4 doses. 3. Diazepan (Kiatrium 10 mg), utilizamos durante todo o tratamento a dosagem de 20 mg ao dia, fracionada em 2 doses. 4. Periatin 4 mg, usamos 8 mg ao dia, fracionada em 2 doses.

Essa medicação é usada habitualmente de 2 a 3 semanas; quando a observação do paciente e o eletrodiagnóstico já nos orientarão sobre a continuação do tratamento clínico ou a opção cirúrgica.

Aprendemos que o portador de paralisia facial é um estressado e a nossa psicoterapia tem sido fundamental no sentido de que ele aceite a paralisia com a maior naturalidade possível. Verificamos que há um extraordinário agravamento quando não controlamos o Stress. Fazemos, também, antes ou até o 20 dia de tratamento, uma determinação da glicemia, que deverá ser repetida no 10° ou 120 dia. Se houver um considerável aumento da dosagem glicêmica, isto nos sugere haver condições pré-diabéticas nos pacientes. Nos casos de acentuada redução do lacrimejamento, impõe-se alguma proteção ao olho como o uso de óculos, bandagem transitória ou uso de colírio que imita a lágrima, isto, porque alguns pacientes fazem úlceras de córnea devido à ausência lacrimal e não raro é necessário a colaboração do oftalmologista para uma blefarorrafia temporária. Alguns pacientes toleram mal todo esse "coquetel" terapêutico, apresentando gastralgias, piroses ou outros sintomas gástricos. Nestes casos usamos associar medicação antiácida.

Dieta - discretamente hipossódica e rica em potássio. Recomendamos reduzir os hidratos de carbono e massas, para prevenir o excesso de peso. O tratamento cirúrgico começa a ser considerado a partir da 2a semana, quando não verificamos melhora evidente da paralisia; o que costuma ocorrer em sentido descendente do ramo frontal até o mentoniano e platisma. Adotamos empiricamente, para nosso controle, a divisão em ramos: frontal, orbicular, nasal, bucinador, mentoniano e platisma. Somos totalmente contrário a qualquer tipo de estimulação, banhos de luz, ou massagem elétrica; por acharmos que isto estimula a contratura. Recomendamos apenas a massagem digital circular em sentido oposto ao lado são. Quando a recuperação fica estacionária e a diferença dos limiares entre o lado são e o paralisado começa a se acentuar; começamos a pedir exames pré-operatórios ao paciente. Na véspera da cirurgia marcada, reavaliamos o doente. Em nossa opinião, a cirurgia descompressiva do nervo Facial, oferece ao paciente vantagens evidentes, quando oportunamente indicada. Ela evitaria em muitos casos o agravamento da degeneração Walleriana do seguimento distal e mesmo quando esta degeneração é acentuada ela favoreceria ao mecanismo de regeneração por conta do seguimento proximal, evitando a maior incidência das sincinesias.

CONCLUSÃO

A indicação do tratamento cirúrgico da paralisia facial periférica está na dependência direta da evolução clínica e do eletrodiagnóstico.

BIBLIOGRAFIA

1. Ballenger, J., Jacob.: Enfermedades de Ia nariz, garganta y oido, Editorial Jins, Barcelona, 1972.
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3. Hungria, H.: Manual de Otorrinolaringologia, Editora Guanabara Koogan S.A., Rio de Janeiro, 1972.
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6. Jongkees, L.B., W.: Bell's Paliy: a surgical emergency. Arch. Otolary. 81: 497-501, 1965.
7. Paparella and Shumrick: Otolaryngology, W.B.Sauders Company, Philadelphía, 1973, vo1.2.
8. Rocha, R., M.: Indicação cirúrgica na paralisia facial de Bell, Arq C E Clin. Prof. José Kós 4: 27, 1972.




End. dos Autores:
Clinica Prof. J. Kós.
Rua: Moncorvo Filho, 104
Rio de Janeiro-RJ.

* Trabalho realizado na Clínica Prof. José Kós.
** Chefe do Serviço de Otoneurologia da Clínica Prof José Kós.
*** Médico residente da Clínica Prof José Kós.

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