Versão Inglês

Ano:  1976  Vol. 42   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 09 a 15

 

CORDOMA CRANIO - FARINGEAL RELATO DE UM CASO*

Autor(es): * Paulo Roberto Pialarissi
** Lídio Granato

Introdução

Os cordomas são tumores disontogenéticos que surgem de remanescentes vestigiais da notocorda.

Baseado na sua predileção anatomica podemos classificar os cordomas em três grandes grupos:

CRANIAL ou ESFENO-OCCIPTAL, CERVICAL e SACRO COCCIGEO.

Esta classificação foi feita por Coenen (1) (1925) de acordo com sua provável origem. Um quarto subgrupo, de ocorrência rara, incluem cordoma maxilar e mandibular. Mais de um terço dos cordomas ocorrem na base do crânio e a maior parte surgindo do clivus na região da sincondrose esfeno-occiptal (2), (3). Somente pequena proporção destes tumores nos mostram sintomatologia de rinofaringe. Comparando-se dados obtidos na literatura relativos a complicações dos cordomas na região sacro-coccigea e na cranial observamos que raramente o otorrinolarinvologista aparece desempenhando papel importante para determinar o diagnóstico.

O caso que vamos relatar é um cordoma cranial com projeção para o nasofaringe e será mostrado sob o ponto de vista clínico, radiologico e histopatológico.

Apresentação do caso

A.C.S., de 48 anos, masculino, cor parda. pedreiro. procedente de Pernambuco. Paciente atendido no dia 25 de março de 1975 no Serviço de Neurologia, com queixas de cefaléia, desde há 2 meses e meio, localizada no vértice e irradiando-se para as regiões frontais, e hemiface esquerda.

Após 15 dias do início, acordou não conseguindo abrir o olho esquerdo. Depois de 1 semana deste episódio notou fraqueza na perna e dormência na hemiface esquerda, além de dificuldade para mastigar. Desde há 10 dias, notou borramento da visão esquerda não conseguindo mover este olho. Concomitantemente a este quadro, teve obstrução nasal bilateral, com diminuição do olfato e mudança da voz. que se tornou anasalada. Neste dia, o paciente estava em regular estado geral eupneico e acianótico. com pressão arterial de 150/110 mmHg. Ao exame neurológico, apresentava-se consciente. com rinolalia fechada. marcha escarvante e deficit motor para anteflexão do pé à esquerda, além do comprometimento dos seguintes pares cranianos: 10 (anosmia bilateral): 110 (ambliopia acentuada e palidez de papila à esquerda); 1110, IV0 e VI0 (oftalmoplegia completa intrinseca e extrinseca, ptose palpebral, pupila mídriática e não reagente à luz) e V0 (hipoestesia do 110 e 1110 ramos do trigêmio esquerdo e a atrofia do músculo masseter homolateral).

Feito estudo radiográfico do crânio onde se notou massa tumoral de densidade de partes moles em topografia da rinofaringe. velando também o seio esfenoidal e células etmoidais, com destruição das apófises clinóides posteriores, da região do clivus, e do septo inter-esfenoidal (Figs. 1, 2 e 3). Havia ainda imagens sugestivas de liseóssea na área de projeção petrosa e estruturas ósseas adjacentes da base do crânio à direita. Não havia sinais de hipertensão endocraneana.

Com estes dados, o paciente foi encaminhado ao Serviço de O.R.L., onde foi visualizado grande abaulamento do palato mole e à rinoscopia posterior, havia grande massa tumoral ocupando toda a rinofaringe, sendo maior a esquerda, não sendo possível determinar-se os seus limites superior, lateral e posterior. O limite antero-inferior era liso, brilhante, sem pontos de ulceração, e ao toque, endurecida em toda sua extensão, com exceção de sua porção inferior direita. Nas fossas nasais havia secreção amarelada abundante, depositada em seus assoalhos, e obstrução nasal completa bilateralmente.

Apesar do paciente negar qualquer queda de audição foi constatado, através do audiograma tonal, hipoacusia condutiva no lado esquerdo com perda Media de 50 dB e hipoacusia neurossensorial no lado direito, com o mesmo nível de perda auditiva, tendo discriminação normal. As curvas obtidas através da impedanciometria foram características de Otite Média Serosa à esquerda com reflexo presente, e disfunção tubária à direita, com ausência de reflexo estapediano.

Neste intervalo, houve uma progressão rápida da moléstia e o quadro neurológico se acentuou. O paciente passou a apresentar agora amaurose e ptose palpebral completa à esquerda, além de diminuição da acuidade visual à direita e disfagia. No dia 15 de abril, foi realizada biópsia da massa tumoral. No exame microscópico observou-se tratar-se de neoplasia imatura caracterizada por crescimento desordenado de células, em geral arredondadas, com citoplasma transparente, preenchido por vacuolos de tamanhos variáveis e núcleo denso, polimorfo e hipercromático. Estas células dispunham-se em cordões ou blocos, às vezes condensados em torno de vasos e apresentando um arranjo que imita o esboço da corda dorsal, a notocorda. O diagnóstico então feito foi de CORDOMA (Figs. 4 e 5)



Fig. 1: Grande massa tumoral ocupando quase toda a rinofaringe, velando o seio esfenpidal e as células etmoidais posteriores. Há destruição do septo inter-esfenoidal.



Fig. 2: Corte planigráfico mostrando a extensão do tumor na rinofaringe.



Fig. 3: Vista lateral mostrando lesões ósseas da sela túrcica, com destruição parcial das apófises clinóides posteriores e da região do clivus.



Como o paciente referia melhora após a biópsia, e como nós acreditamos que isto tenha ocorrido pelo esvaziamento parcial da tumoração, resolvemos encaminhá-lo para cirurgia. A cirurgia, realizada no dia 12 de maio, tinha a finalidade principal de reduzir o volume da massa tumoral, para posterior encaminhamento para tratamento radioterápico. Na cirurgia, após a abertura do palato, visualizou-se grande massa tumoral, encapsulada, extendendo-se em todas as direções principalmente para a esquerda e para cima. Aberta a capsula tumoral, o conteúdo era sólido, de consistência bastante firme. O tumor invadia o seio etmoidal e superiormente, foi palpada a base do crânio, com consistência diminuida. A dissecção foi difícil a a massa possível de ser ressecada foi retirada e mandada para exame anátomo-patológico, que confirmou o diagnóstico anteriormente feito de CORDOMA.




Fig. 4 H.E. 40x



Fig. 5 H.E. 120x



Comentários

O cordoma é um dos poucos tumores malignos que surgem de tecido vestigial embrionário e mantém o aspecto histológico-primitivo. Eles crescem lentamente e são localmente invasivos e com muita tendência a recidiva. Ele se origina da notocorda e foi descoberto por Luschka (4) em 1857. Este autor descreveu uma protusão de pequena geléia da região do clivus de Blumenbach. Virchow (5) neste mesmo ano descreveu esta massa a qual denominou de "Ecchondrosis physaliphora". Ele achava que ela surgia da sincondrose esfeno-0cciptal e era devida a degeneração vacuolar desta cartilagem, determinando um quadro celular bem típico. Müller (6) em 1858 estudando a notocorda de feto e restos de notocorda no homem e animais, foi o primeiro a achar que estas excrescências eram derivadas da notocorda. Em seguida Ribbert (7) (1895) usou pela primeira vez o termo "cordoma".

Linck (8) em 1909 publicou o primeiro cordoma nasofaringeal e Klebs em 1864 tinha apresentado um caso de cordoma de região cervical. Stewart (9) (1922) publicou na Inglaterra o primeiro caso de crescimento sacro-coccigeo. Nesta época tinham sido publicados apenas 26 casos de cordoma. A partir desta data muitos autores começaram a coletar casos sendo que em 1955 Utne e Pugh (10) apresentaram uma estatística de 505 pacientes.

Com relação à sua origem, focalizando os cordomas craniais temos que lembrar, que a corda dorsal, eixo cartilaginoso em torno do qual se constituem os corpos e discos intervertebrais, dispõe-se em sua extremidade cefálica do seguinte modo: atravessando longitudinalmente a apófise odontóide do axis, penetra no crânio, caminha sobre a face endocraneana da apófise basilar do esfenoide, perfura-a em sua parte média, atravessa-a obliquamente para atingir o plano sub-mucoso do epifaringe. Caminhando por esse plano até alcançar a parte média da superficie faringea do esfenoide, penetra-o e vem terminar em pleno corpo esfenoidal, junto ao dorso da sela.

Deste seu ponto de penetração na superfície endocraneana do esfenoide, onde como reliquat se encontra por vezes no adulto (0,5 a 2% das autópsias) (5) uma pequena tuberosidade "eccondrosis physaliphora", até seu ponto terminal junto ao dorso da sela, restos cordais eventualmente persistentes, podem dar origem aos cordomas que sendo tumores invasivos proliferam quer para o interior do crânio fazendo saliência na cisterna peduncular, quer para o naso-faringe, simulando tumores primitivos do cavum, quer ainda simultaneamente para ambos os lados.

Os sintomas clínicos desses tumores são dados principalmente pela paralisia de vários pares cranianos o que facilmente se explica pelas suas relações com os centros nervosos. Os diferentes pares cranianos podem ser comprometidos nas mais diversas combinações, como ocorreu com nosso paciente. Nas fases mais avançadas do desenvolvimento tumoral declaram-se os sintomas piramidais e cerebelares. A saliência tumoral do cavum é frequentemente causa de erros de diagnóstico e confusões com os tumores próprios da nasofaringe. O diagnóstico diferencial sob o ponto de vista clínico é, muitas vezes difícil e com freqüência só fumado pela biopsia. Com relação a idade, todos os grupos etários tem sido atingidos. A quarta década foi a mais visada. Parece que os cordomas localizados nas partes mais altas aparecem mais cedo, 38 anos, em relação aos da região sacro-coccigea 53 anos (Dahlin and MacCarty 1952) (11).

Não parece haver predominância com relação ao sexo e quanto a distribuição anatômica, baseando-nos nos trabalhos de Utne e Pugh (10) que estudou 505 casos, constatamos a seguinte proporção:

cranial 197 - 39%
vertebral 81
- 37 cervical - 8%
- 12 torácica - 2%
- 32 lombar - 6%
sacro-coccigea 227 - 45%

O estudo radiológico do cordoma crânio - faringiano que cresce para o interior e para o exterior do crânio, traduzem evidentemente por sinais intra e extra-cranianos além dos sintomas de passagem do tumor de uma para outra dessas localizações, passagem essa que faz através de erosões da base (12). O sinal mais evidente e mais constante é a destruição do andar médio em sua porção central. Os contornos selares em parte ou totalmente são destruídos por compressões e infiltrações neoplásica. O dorso é erosado, o assoalho abaixa-se e abre, permitindo a invasão do seio esfenoidal que se torna opaco. O contorno anterior e o tubérculo da sela desaparecem. Muitas vezes a destruição é tão brutal que dificulta a descrição sistemática das lesões (12).

Quando o tumor se origina da rinofaringe, utilizando-se a posição de Hirtz, pode-se verificar que as lesões ósseas da base do crânio são bem menos pronunciadas. Os brotos neoplasicos alcançam primeiro as cavidades pneumáticas e as tornam opacas (12). O aspecto histológico dos cordomas pode mostrar grandes variações. As células podem estar agregadas em grupos sólidos e irregulares separadas por uma matriz mucinosa. Estes grupos se dispõe em cordões imitando as características da notocorda.

As células apresentam-se com tamanhos variados e nas partes mais antigas são grandes e com seu citoplasma vacuolizado. Observa-se ainda vacuolização intercelular. Estas células perdem gradualmente seu contorno celular constituindo às vezes um sincicio vacuolizado é inclusive tem sido descrito vacúolos no núcleo. No nosso paciente o exame histológico mostrou-se bastante típico.

As metasteses dos cordomas tramais, segundo a literatura, muito raramente acontecem, isto talvez devido a evolução rápida destes tumores levando o paciente à morte precoce. O tratamento desta patologia tumoral em sua localização crânio faringeal é basicamente cirúrgico completado por radioterapia. A abordagem cirúrgica neste caso mais indicada seria através de uma incisão transpalatina. A remoção total do tumor é praticamente impossível devido a sua extensão craniana o que provoca alta incidência de recidivas post-cirurgicas. O tratamento radioterápico é complementar embora esta neoplasia seja pouco radiosensível. Em crianças parece que estes tumores respondem melhor á radioterapia que nos adultos (Crikelair e McDonald 1955) (13). Pode-se depreender então que o prognóstico destes pacientes é pobre, sendo a média de sobrevida desde o início dos sintomas dos cordomas craniais de aproximadamente 3 anos (Stewart and Morin 1926) (14). Contudo este tempo pode ser prolongado com tratamento cirúrgico e radioterápico repetido.

Resumo

Os autores apresentam um caso de cordoma crânio - occiptal com sintomatologia neurológica e otorrinolaringológica. Foram discutidos os aspectos etiopatogenico, radiológico, histopatologico e terapeutico desta patologia.

Summary

The autoors reported a case of craneal chordoma with neurological and otoloryngological symptons. Clinical radiological and histological aspects were presented. The etiopathogenesis and therapy were mentioned.

BIBLIOGRAFIA

1. Coenen, H. (1925) Bruns. Beitr. Klin. Chir. 133,1.
2. Hass, C.M.: Chordomas of the cranium and Cervical portion of the spine: Review of the Literature with report of a case, Arch. Neurol. Psychiat. 32: 300-327 (Aug) 1934.
3. Nabrey, R.E.: Chordoma: a study of 150 cases, Amer. J. Cancer 25: 501-517 (Nov) 1935.
4. Luschka, H. (1857) Virchows Arch. path. Anat. 11,8.
5. Virchow, R. (1857) Untersuchunger úber die entwickelung des schãdelgrundes, Berlin.
6. Múller, H. (1858) Z. ration Med. 2,202.
7. Ribbert, H. (1895) Zbl. allg. Path. path. Anat. 6,268.
8. Linck, A. (1909) Beitr. path. Anat. 46, 573.
9. Stewart, M.J. (1922) J. Path. Bact. 25,40.
10. Utne, J.R. and Pugh, D.,G. (1955) Amer. J. Roentgenol, 74, 593.
11. Dahlin and MacCarty (1952) Cancer (Philad) 5,1170.
12. Toledo, PA. e Gama, C. - Estudo clínico radiológico dos tumores da região cranio-far(ngea. Rev. O.R.L. de São Paulo. VI: 183-210 (Jan-Fev) 1938.
13. Crikelair, G.F., and Mc Donald, J.J. (1955) Plast. Reconstr. Surg.: 16,138.
14. Stewart and Morin J.E. (1926) J. Path. Bact. 29,41.




End. do Autor
Dr. Lidio Granato res. Rua Tabapuã, 1341 - apto. 92 fone: 210-2253
con. Rua Tamandaré, 699 - conj. 35 fone: 278-4094

* Trabalho realizado no Departamento de O. R. L. da Fac. de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
(*) Residente (RI) do Departamento
(**) Professor Assistente do Departamento

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