Versão Inglês

Ano:  1976  Vol. 42   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 02 a 09

 

CONTRIBUIÇÃO AO TRATAMENTO DE SURDEZ SÚBITA

Autor(es): * Lázaro Gilberto Formigoni
** Aroldo Miniti
*** Marco Antonio Ferreira Leite
**** Antonio Carlos Gomes Caldas
***** Maria Isabel Machado de Campos
****** Letícia de Morais Lessa
****** Maria Lucia da Silva Cleto

INTRODUÇÃO

Este trabalho visa estudar os resultados obtidos da terapêutica por nós empregada nos casos de surdez súbita atendidos na Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Etiologia e Fisiopatologia da Surdez Súbita

Segundo Roy (1974), dois seriam os mecanismos fisiopatológicos mais aceitos na produção da surdez súbita: os distúrbios vasculares e as infecções virais. Simmons (1968) acrescenta outras causas de surdez súbita, tais como: trauma, sífilis, esclerose múltipla, infecção do ouvido médio e neoplasias.

A viscosidade do sangue é um fator fundamental na microcirculação. Fowler (1950) estudando a surdez súbita, concluiu que haveria um empilhamento das hemácias com uma conseqüente diminuição da capacidade de oxigenação das mesmas, por exemplo: um empilhamento de quatro hemácias diminui a capacidade de oxigenação delas em 75%, enquanto que um empilhamento de 10 hemácias provocaria uma diminuição de 90% da sua capacidade de oxigenação. Este trabalho foi realizado através da observação da conjuntiva bulbar sob o microscópio.

Kellerhals (1972) afirma que, se o valor do hematõcrito sobe em progressão aritmética, o valor da viscosidade do sangue sobe em progressão geométrica. Um outro fator local muito importante é a concentração de fibrinogênio, uma vez que o aumento da sua concentração agrava muito a microcirculação. Todos os fatores acima descritos contribuem para a formação de agregados de hemácias. Wells (1965) sugere uma interação entre as macromoléculas protéicas e a superfície das hemácias quando o fluxo sanguíneo se torna mais lento. Ainda segundo Kellerhals (1972), estas alterações ocorreriam também nos traumas mecânicos e processos infecciosos.

Estrutura Química e Ação do Dextram de Baixo Peso Molecular

A molécula do dextram é constituída de várias cadeias formadas pela união de moléculas de glicose, esses ramos quando em solução aquosa formam espiras e se distribuem ao acaso. Segundo Kellerhals (1972), a meia vida do dextram de peso molecular 40.000 é de 3 horas na corrente circulatória, sendo que a excreção renal é a sua principal forma de eliminação. Segundo Ciruber (1988) são contra indicações do seu uso: a insuficiência renal e a anúria. O dextram modifica a hemostasia, especialmente, por um aumento do fluxo capilar, diminuindo a agregação plaquetária e tendo portanto uma ação antitrombótica. Thorsen (1950) fazendo um estudo "in vitro" mostrou que, em soluções coloidais com moléculas de tamanho abaixo do nível crítico ou em concentrações coloidais as células sangalneas se espalham livremente em posições ao acaso, se a concentração coloidal e(ou o peso molecular é aumentado a níveis críticos, começa a formação de agregados. Segundo Kellerhals (1972), a formação de agregados ocorreria na microcirculação coclear, em casos de trauma acústico. Borgstron (1959) afirma que, o dextram de baixo peso molecular tem uma ação inibidora no segundo período de formação do trombo.

- Casuística -

Caso no 1

Data de internação - 2911175 Alta hospitalar-1512175 Paciente-N.R.S. Rg -1024581 Profissão -prendas domésticas Idade - 57 anos Sexofeminino Cor-branca Procedência-S.P. Q.D. -Há dois dias, tonturas, zumbido e hipoacusia no ouvido direito.

Antecedentes Pessoais - Há cinco anos apresentou quadro de surdez súbita no ouvido esquerdo (ver audiometria).

Exame físico geral - dentro dos limites da normalidade. Exame ORL - Dentro dos limites da normalidade. Exames Subsidiários realizados:

Estudo radiológico dos ouvidos - dentro dos limites da normalidade. FTA, abs - negativo
Audiometria tipo Rudmose - ouvido direito - tipo 1
ouvido esquerdo -inconclusiva
Audiometria tonal - vide figura no 1

Caso no

Data de internação -1713175 Alta hospitalar-2413175 Paciente - M.Y. Rg - 1045488 Profissão - odontologista Idade - 24 anos Sexo - masculino Cor - amarela Procedência - P. Epitácio S.P.

Q.D. -Há seis dias quando trabalhava percebeu que estava surdo e com fortes zumbidos no ouvido direito.
Antecedentes pendais - nada digno de nota.

Exame físico geral - dentro dos limites da normalidade. Exame ORL - dentro dos limites da normalidade. Exames subsidiários realizados

Estudo radiológico dos ouvidos - dentro dos limites da normalidade. FTA, abs - negativo.
Estímulo rotatório pendular decrescente - paciente apresentou intenso bloqueio.



Fig n.º 1
Antes da doença __________
Audiometria de admissão .........
10º dia de tratamento ._._._._._



Fig. n.º 2
Audiometria de admissão__________
3.º dia de tratamento .........
60º dia de tratamento ._._._._._



Fig. n.º 3 - Teste de Fowler realizado no 3.º dia de tratamento.




Caso n° 3
Data de internação-2413175 Alta hospitalar - 3113175 Paciente - C.H.D. Rg - 1045682 Profissão - estudante Idade - 22 anos Sexo - feminino Cor-branca Procedência -U.S.A.

Q.D. - Há 39 dias, quando nadava apresentou subitamente surdez no ouvido esquerdo acompanhado de tonturas e náuseas.

Antecedentes pessoais - nada digno de nota.

Exame físico geral - dentro dos limites da normalidade. Exame ORL - dentro dos limites da normalidade. Exames subsidiários realizados -

Estudo radiológico dos ouvidos - dentro dos limites da normalidade. Dosagem de hemoglobina - 12,6g1100 ml

Hematócrito - 39%

Estudo planigráfico do poro acústico interno - dentro dos limites da normalidade. FTA, abs - negativo.

Glicemia de jejum - 65mg %, normal para o método. Intradermo reação de Frei - não reagente.

Reação intradérmica de Ito-Reenstierna - não reagente.

Estudo dos pares cranianos - dentro dos limites da normalidade. Eletronistamografia - normal.

Prova de Fitzgerald-Hallpike - normal. AudiogramatipoRudmose-
- ouvido direito -tipo 1
- ouvido esquerdo - inconclusivo

Audiometria tonal - Vide figura 4 Teste de Fowler - Vide figura 5



Fig. nº 4 - Audiometria de admissão



Fig n.º 5 - Teste de Fowler realizado na admissão



Caso no 4
Data de internação - 31/3/75 Alta hospitalar- 514175 Paciente - A.R.S. Rg - 1045842 Profissão - militar Idade - 37 anos Sexo - masculino Cor - branca Procedência - S. Paulo.

Q.D. - Há quinze dias apresentou surdez e vertigem súbitas, desde a instalação do quadro apresentou forte zumbido no ouvido esquerdo.

Exame físico geral - dentro dos limites da normalidade. Exame ORL - dentro dos limites da normalidade. Exames subsidiários realizados -

FTA, abs - negativo. Eletronistagmografia - normal. Prova de Fitzgerald-Hallpike - normal. Audiometria tonal - Vide figura 6.

Caso 5

Data de internação - 6/6/75 Alta hospitalar -1216175 Paciente - S.C.M. Rg - 1047527 Profissão - estudante Idade - 17 anos Sexo - feminino Cor - branca Procedência - S. Paulo.

Q.D. - Refere a paciente que há 107 dias. Quando estava nadando ficou com o ouvido esquerdo "tapado". Apresentou muitas náuseas e imediatamente percebeu que estava surda do referido ouvido. Não apresentou zumbido.

Exame físico geral - dentro dos limites da normalidade. Exame ORL - dentro dos limites da normalidade. Exames subsidiários realizados -

FTA, abs - negativo

Audiograma tipo Rudmose - ouvido direito - tipo 1
ouvido esquerdo -inconclusivo
Audiometria tonal - Vide figura nº 7



Fig. n.º 6
Audiometria de admissão__________
5.º dia de tratamento .........
50º dia de tratamento ._._._._._



Fig. n.º 7
Audiometria de admissão__________
7.º dia de tratamento .........
14º dia de tratamento ._._._._._



Caso n° 6
Data de internação -3016175 Alta hospitalar -16/7/75 Paciente-R.B.V. Rg - 1048120 Profissão -prendas domésticas Idade - 45 anos Sexofeminino Cor-branca Procedência - S. Paulo.

Q.D. - Hipoacusia e zumbido súbitos no ouvido esquerdo há vinte e dois dias. Nega vertigens. Estava gripada na época do início do quadro clínico.

Antecedentes pessoais - nada digno de nota.

Exame fisico geral - dentro dos limites da normalidade. Exame ORL - dentro dos limites da normalidade. Exames subsidiários realizados -

Glicemia de jejum - 70mg/100m1, normal para o método utilizado. FTA, abs - negativo.

Audiometria tipo Rudmose - ouvido direito - tipo 1 ouvido esquerdo - tipo II

Audiometria tonal - Vide figura no 8

Caso no 7

Data de internação -16/7/75 Alta hospitalar- paciente ainda internado quando da elaboração deste trabalho.

Paciente-M.0. Rg - 69945 Profissão -engenheiro Idade - 24 anos Sexo-masculino Cor - amarela Procedência - S.Paulo.

Q.D. - Há vinte e quatro horas surdez e tonturas no ouvido direitos Antecedentes pessoais - nada digno de nota.

Exame físico geral - dentro dos limites da normalidade. Exame ORL - dentro dos limites da normalidade. Exames subsidiários realizados -

FTA, abs - negativo.

Audiometria tonal - Vide figura no 9



Fig. n.º 8
Audiometria de admissão__________
7.º dia de tratamento .........
30º dia de tratamento ._._._._._



Fig. n.º 6
Audiometria de admissão__________
7.º dia de tratamento .........
14º dia de tratamento ._._._._._




Tratamento -

O esquema de tratamento usado foi o seguinte:

Dextram de peso molecular 40.000 a 10% em solução de cloreto de sódio a 9%, na dose de um litro por via endovenosa nas 24 horas, diariamente.

Acido nicotínicas, as dosagens variaram entre 300 a 400 mg por dia, por via oral, sendo que o critério para a limitação da dose diária foi o rubor apresentado pelo paciente. Dexametasona na dose diária de 3mg por via oral, sendo que após a alta hospitalar as doses foram decrescentes.

O controle audiométrico foi diário, sendo que as audiometrias foram feitas pela mesma fonoaudióloga, no mesmo aparelho e no mesmo período do dia.

Comentários -

Todos os pacientes apresentaram-se para tratamento já tendo feito tratamento prévio com vasodilatadores.

O tempo decorrido entre o início do quadro clínico e o início do tratamento variou de 24 horas a 107 dias. A idade dos pacientes variou de 17 a 57 anos. Todos os nossos pacientes foram atingidos unilateralmente, com exceção do caso n0 1 que 5 anos antes já havia apresentado surdez súbita no ouvido esquerdo, que na época apesar de tratado não apresentou nenhuma melhora da audição.

Dois de nossos pacientes, casos 3 e 5 relacionaram o início de sua sintomatologia com imersão em água fria, tendo os mesmos negados que tivessem mergulhado na ocasião. O paciente n0 2 relata que em seu trabalho diário está exposto a um ruído de alta intensidade e freqüência (turbina de alta rotação), o caso n0 6 a paciente relata que estava resfriada. Em três casos não pudemos relacionar o início da moléstia a nenhum fator causal. Alguns pacientes foram submetidos a prova rotatória pendular decrescente, outros a prova calórica de Fitzgerald-Hallpike, esta foi realizada tardiamente em relação ao início do tratamento, por prudência, tendo em vista o fato de termos em dois dos nossos pacientes o início da surdez súbita coincidindo com banho em água na temperatura ambiente.

Foram realizados testes supralimiares com resultados sugestivos de lesão coclear. Todos os pacientes foram submetidos à prova de FTA, abs, sendo todos os resultados normais. Os resultados dos exames radiológicos foram normais naqueles casos em que foram pedidos.

Conclusões -

Dos 7 casos tratados 6 casos apresentaram ganho audiométricos significativos com o tratamento. O único caso que não apresentou melhora foi o n0 3. Dos pacientes que apresentaram ganhos auditivos se tomarmos como referência a freqüência de 1000Hz vamos observar que os ganhos variaram de 20 dB nos casos 5 e 7 a 85 dB no caso n0 2. As freqüências que apresentaram melhor resposta foram as graves nos casos 1,2,4,5 e 7. O zumbido desapareceu nos casos 1 e 2 diminuiu nos casos 4,6 e 7, era ausente no caso 5 e permaneceu inalterado no caso n0 3.

Tendo em vista os resultados obtidos, julgamos que o tratamento por nós ministrado apresentou resultados que justificam a utilização do dextram de baixo peso molecular no tratamento de surdez súbita de qualquer etiologia, mesmo quando aplicado tardiamente, assim foi de 10 dias no caso n0 1 e 107 dias no caso n0 5, este último com resultados razoáveis. Os sintomas vestibulares desapareceram em curto prazo. O tratamento não apresentou efeitos colaterais.

Resumo -

Os autores apresentam 7 casos de surdez súbita de etiologia variável, onde empregaram como medicação o dextram de baixo peso molecular em solução fisiológica e em concentração de 10%, expondo os resultados obtidos em relação aos ganhos audimétricos. Ressaltam que o tratamento não apresentou efeitos colaterais.

Summary -

Zhe authors presents seven cases of sudden deafness, medically treated with low molecular weight dextran. Clinica! findings confirmed the favorable effect of low molecular weight dextran; in fisiologic soluction, showing the results with audiometrics gains. Undesirables side effects was not observed by the authors.

Referências Bibliográficas

1. Borgstrom, S., "apud" Kellerhals, B.; Acoustic Trauma and Cochlear Microcirculation.
Adv. Oto-Rhino Laryng., Vol 18, 91-168.1972
2. Fowler, E.P., "apud" Kellerhals, B. Acoustic Trauma and Cochlear Microcirculation.
Adv. Oto-Rhino Laryng., Vol 18, 91-168.1972
3. C*ruber, U.F., "apud" Kellerhals, B.; Acoustic Trauma and Cochlear Microcirculation.
Adv. Oto-Rhino Laryng., Vol. 18,91-168,1972
4. Kellerhals, B.; Acoustic Trauma and Cochlear Microcirculation.
Adv. Oto-Rhino Laryng., 18, 91-168.1972
5. Roy, A., Arias, M. V.; Incognitas de Ia Sordera Subita Rev. Brasil. Oto-rino-Laring, 40,307-309.1974
6. Sirnmons, F.B.; Theory of Membrane Breaks in Sudden Hearing Loss.
Arch Otolaryng., 88,41-48.1968
7. Wells, R.E., "apud" Kellerhals, B.; Acoustic Trauma and Cochlear Microcirculation.
Adv. Oto-rhino Laryng., 18, q1-10.1972




Endereço
Dr. Lázaro Formigoni
Baronesa de Itú - 459 Ap. 22
Higienópolis - São Paulo, SP

* Trabalho realizado na Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. - Serviço do PROF.L.J.Paiva
** Assistente-Doutor e chefe do setor de Otoneurologia da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Prof.-Adjunto e Chefe da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Médico Residente de 20 ano da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
***** Médico-Assistente da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
****** Fonoaudiólogas da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

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