Versão Inglês

Ano:  1997  Vol. 63   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 601 a 604

 

HIPERTENSÃO PERILINFÁTICA: RELATO DE CASO E REVISÃO DO ASSUNTO.

Perilymphatic Hypertension: Review and Case Report.

Autor(es): Luiz Rogério P. de Mello*
Yara C. M. de M. Soares**
Oswaldo Muzzi***

Palavras-chave: hipertensão perilinfática, otoliquorréia, otosclerose

Keywords: perilymphatic hypertension, gusher, otosclerosis

Resumo:
Os pacientes com hipertensão têm queixa de surdez progressiva, muitas vezes acompanhada de zumbidos. A doença pode, também, manifestar-se por episódios repetidos de meningite, surdez súbita devido à ocorrência de fístula perilinfática, ou pela saída profusa de liquido cefalorraquidiano, gusher; durante cirurgia, estapedctomia ou estapedotomia4, 11, 12. A paciente, R. V. C., 36 anos, foi submetida a estapedectomia para tratamento de otosclerose e, durante o ato cirúrgico, ocorreu otoliquorréia. A hipertensão perilinfática foi controlada e foi possível a colocação da prótese. O resultado cirúrgico foi satisfatório, houve ganho auditivo no ouvido direito operado (cerca de 30 dB). Foi feito estudo tomográfico que não esclareceu a causa da hipertensão perilinfática. Defeitos no modíolo, no aqueduto coclear ou alargamento do conduto auditivo interno devem ser investigados2, 14.

Abstract:
Patients with perilymphatic hypertension may present progressive hearing loos and tinnitus. It is also possible to occur reccurent meningitis; sudden deafness aftermath a perilymphatic fistula; or gusher during a surgery when the stapes footplate is punctured or removed4, 11, 12. A women, 36 years old, was submitted to a stapedectomy for otosclerosis treatment, when occured gusher (otoliquorrhea). The perilymphatic hypertension was, controladd and it w as possible to implant the prosthesis. The surgery result was good, there was a auditiv increment around 30 d13 in the right ear operated. lt was done a polytomography study but it didn't demonstrat any annormality. Deeects in the modiolus, abnormal cochlear aqueducts or dilatation of the internal auditory meatus shuld be investigated2, 14.

INTRODUÇÃO

A hipertensão perilinfática decorre da passagem do líquido cefalorraquídeo -(LCR) para o espaço periótico, devido a anomalia do ouvido interno. A primeira explicação para este fato foi a existência de aqueduto coclear anormalmente desenvolvido, que foi denominada síndrome do aqueduto vestibular largo (LVAS - Large Vestibular Aqueduct Sindrome)7, 15.

Estudos posteriores verificaram que defeitos no modíolo ou no aqueduto coclear, assim como, o alargamento do conduto auditivo interno (CAI), permitem o acesso do LCR ao espaço perilinfático10, 11.

Há conexão anormal entre os espaços subaracnóideo e o perilinfático, que pode ser direta por um aqueduto coclear patente, ou através das bainhas dos nervos que penetram o conduto auditivo interno alargado10, 11.

As mudanças da pressão liquórica transmitem-se ao fluído do ouvido interno e permanecem em equilíbrio. Funcionam segundo as leis físicas que regem o sistema de vasos comunicantes. Entretanto, a taxa do fluxo de um líquido através de um tubo relaciona-se em função linear com a pressão, viscosidade e comprimento do tubo. O diâmetro é o fator crítico que determina a taxa de fluxo. Pequenas variações do tamanho do aqueduto coclear causam grandes variações no fluxo de líquido no seu interior1.

Salaverru, M. (Comunicação pessoal feita em 18/9/96, na Universidade Federal do Rio de janeiro) não concorda com a denominação de hipertensão perilinfática para os casos de gusher. Se há uma comunicação permanente entre os espaços subaracnóideo e o perilinfático, o professor pensa que se deve estabelecer equilíbrio entre a pressão dos mesmos e somente se houvesse hipertensão intracraniana ela se transmitiria ao espaço perilinfático. Talvez, durante o ato cirúrgico, possa ocorrer aumento da pressão liquórica, mesmo transitória, que seja capaz de provocar o gusher, senão, a abertura da platina do estribo funcionaria simplesmente como fistula liquórica.

A hipertensão perilinfática foi bem estudada em pacientes portadores da doença genética recessiva: a síndrome da surdez mista progressiva ligada ao cromossoma X. Trata-se de displasia Mondini-like, constituída pela presença de CAI alargado, hiperplasia da base da cóclea, deformidade do modíolo, aqueduto vestibular anormal e canal do nervo facial alargado na sua porção labiríntica. Esta síndrome predomina em homens, enquanto que as mulheres são levemente afetadas. A sua caracterização molecular revelou elevação do cromossoma X no locas Xg212, 14.

A hipertensão perilinfática mantém a platina do estribo projetada em direção ao ouvido médio, deste modo aumenta a rigidez da cadeia ossibular e provoca surdez condutiva com gap aéreo-ósseo semelhante ao da otosclerose. Corno a mobilidade do estribo está prejudicada, mas ele não se acha fixo, o reflexo estapédico está presente9, 15.

A surdez condutiva que surge na infância com reflexo-estapédico presente é característica que sugere a síndrome da surdez mista progressiva ligada ao cromossoma X, e estabelece ó diagnóstico diferencial com otosclerose3 ,13.

Pode haver associação entre anomalias estruturais do ouvido interno e otosclerose. Sabe-se que ambas têm origem genética e pode ocorrer combinação de diferentes fatores hereditários2, 8.

Os pacientes com hipertensão perilinfática têm queixa de surdez progressiva, muitas vezes acompanhada de zumbidos, em decorrência do aumento da pressão, especialmente em mulheres que apresentam variações de hormônios sexuais circulantes quando há irregularidades menstruais, gravidez e menopausa13, 12.

Os casos de hipertensão perilinfática podem manifestar-se por episódios repetidos de meningites, surdez súbita devido à ocorrência de fístula perilinfática, ou pela saída profusa de líquido cefalorraquidiano durante a cirurgia, estapedectomia ou estapedotomia5, 11.

As cirurgias realizadas para correção da platina fixa, estapedotomia ou estapedectomia, em pacientes com hipertensão perilinfática resultam em gusher, saída de líquor em jatos ("chuveirinho"). Algumas vezes, trazem prejuízo severo à audição do paciente. A complicação requer o tamponamento da janela oval, que pode ser feito com gelfoan e/ou gordura; e também cala biológica, seguida de curativo compressivo5, 6.

Há autores que recomendam, em caso de gusher, não interromper a cirurgia, nem se preocupar com a saída excessiva de perilinfa. Entretanto, outros aconselham a fazer o tamponamento local e não prosseguir no ato cirúrgico1, 4.

Pode haver persistência de fístula liquórica no período pós-operatório, cujo controle deve ser feito por medidas que diminuam- a pressão liquórica e que propiciem o selamento cicatricial do orifício comunicante. Deve se instituir antibioticoprofilaxia para evitar meningite, e há risco potencial de entrada de ar no espaço intracraniano4, 5.

Há descrição, na literatura, de um caso onde a fístula ocasionou pneumoencéfalo e déficit neurológico transitório, e de outro onde o paciente apresentou episódios repetidos de meningite e que foi necessária revisão cirúrgicas5.

APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

A paciente, R. C. V., 36 anos, do sexo feminino, branca, casada, do lar, natural de Niterói, procurou o Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Antônio Pedro com queixa de surdez. Relatou hipoacusia bilateral progesssiva, de início há vários anos, e piora nos últimos dois anos. Ao exame, ambos os ouvidos apresentavam otoscopia normal e prova de Rinne negativa. O exame audiométrico mostrou respostas semelhantes bilateralmente de hipoacusia condutiva moderadamente severa com gap de cerca de 30 dB, timpanometria do tipo Ar e ausência do reflexo estapédico (Figura 1).

Foi indicada cirurgia para correção de provável otosclerose. Durante o ato cirúrgico, após a estapedectomia, houve saída de grande quantidade de perilinfa em "chuveirinho" (gusher). Foi tentado o tamponamento do orifício com algodão e, a seguir, com gelfoan várias vezes, sem sucesso; e este só foi possível após administração de manitol I.V. Realizou-se, então, platinectomia posterior e colocou-se prótese de teflon (4,5 mm x 0,6 mm) da longa apófise da bigorna à platina aberta. Em torno da prótese, foi feito tamponamento e colocado gelfoan sobre o assoalho da caixa timpânica. O retalho meatal foi reposicionado e fixado por curativo de gelfoan com Fibrase ®.

No período pós-operatório, a paciente foi mantida em repouso no leito, com a cabeceira elevada. Foram realizadas punções lombares diárias, por sete dias, associadas ao uso intravenoso de: manitol, pentoxifilina e clexametasona. Foi feita antibioticoprofilaxia com cefalexina.

Foi solicitado o estudo tomográfico da mastóide, que não revelou anormalidades anatômicas. A qualidade do exame foi discutida e ficaram dúvidas quanto a existência de um CAI alargado. As audiometrias de controle mostraram ganho auditivo de 30 dB no ouvido direito, que se manteve após a cirurgia. O último exame audiométrico foi feito em julho de 1996 (Figura 2).

COMENTÁRIOS

É da maior relevância o conhecimento da clínica e dos achados radiológicos característicos para que seja feito o diagnóstico da hipertensão perilinfática, cuja gênese tem relação com anomalias do ouvido interno. Acredita-se que defeitos no modíolo, no aqueduto coclear e/ou alargamento do conduto auditivo interno estejam implicados no aparecimento de hipertensão perilinfática2, 4, 10.



Figura 1. Exame Audiométrico pré-operatório.



Figura 2. Exame Audiométrico pós-operatório.



A síndrome de surdez mista progressiva ligada ao cromossoma X tem início na infância, geralmente incide em homens e o reflexo estapédico se acha presente3, 13. Ela deve ser diagnosticada prontamente, pois o tratamento da hipertensão perilinfática em pacientes com a síndrome da surdez mista progressiva ligada ao cromossoma X é a abstenção cirúrgica e a prescrição do uso de prótese auditiva9.

Pacientes com suposta doença de Ménière, cujos exames audiométricos mostrem gap aéreo-ósseo em baixas freqüências, podem ser portadores de hipertensão perilinfática9, 12.

A surdez súbita sensorioneural pode ocorrer em conseqüência de hipertensão perilinfática, que é fator predisponente à ocorrência de fístulas perilinfáticas10, 11.

Episódios repetidos de meningite devem levantar suspeitas quanto à existência de anomalias estruturais do ouvido interno e possível hipertensão perilinfática11.

Seria interessante poder avaliar a pressão intracoclear em casos suspeitos de hipertensão perilinfática, assim como, em outros, como doenças neuro-otológicas, como a síndrome de Ménière. Entretanto, ainda não há técnica padronizada capaz de medir de modo seguro e eficaz a pressão intracoelear.

Os casos suspeitos de hipertensão perilinfática devem ser avaliados por tomografia computadorizada em busca de alterações anatômicas do ouvido internos5.

O estudo genético do cromossoma X é importante para a triagem de portadores e para o diagnóstico pré-natal da síndrome de surdez mista progressiva ligada ao cromossoma X2, 14.

A hipertensão perilinfática, muitas vezes, é diagnosticada durante cirurgia para correção da platina fixa, estapedectenlia ou estapedoctomia4, 10.

O caso descrito acima apresentava quadro compatível com otosclerose. Durante a cirurgia, deparou-se com hipertensão perilinfática que foi controlada, o que possibilitou o término da estapedectomia. O ato cirúrgico foi eficaz na retirada do foco esclerótico e a colocação da prótese restaurou o mecanismo de amplificação sonora que cabe aos ossículos do ouvido médio. A estapedectomia trouxe benefício e houve ganho auditivo significativo no ouvido direito operado (cerca de 30 dB).

O estudo tomográfico do ouvido interno, neste caso, não foi capaz de esclarecera causa da hipertensão perilinfática. Permaneceram dúvidas quanto à presença de conduto auditivo interno alargado.

O caso relatado deve ser produto da associação entre hipertensão perilinfática, que foi achado cirúrgico, e otosclerose. Houve controle da hipertensão perilinfática, a resposta ao tratamento instituído foi boa e não houve aparecimento de outras complicações. O resultado cirúrgico da estapedectomia para o tratamento da otosclerose foi satisfatório.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Professor Titular e Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia da Universidade Federal Fluminense.
** Professora Auxiliar da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense.
*** Professor Adjunto da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense.

Instituição: Universidade Federal Fluminense - Hospital Universitário Antônio Pedro - Serviço de Otorrinolaringologia - Rua Marquês cio Paraná, 303 CEP: 24030-210 - Niterói/RJ - Telefone: (021) 620-2828, Ramal 164.

Artigo recebido em 10 de fevereiro de 1997. Artigo aceito em 22 de julho de 1997.

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