Versão Inglês

Ano:  1997  Vol. 63   Ed. 4  - Julho - Agosto - (13º)

Seção: Como eu trato

Páginas: 399 a 400

 

Como conciliar (e saber se deve executar ou não), Adenoamigdalectomia em criança com Anemia Falciforme?

Autor(es): 1 - LURA H. ENDO - CAMPINAS
2 - SIMAO LEVIN PILTCHER - PORTO ALEGRE

1 - LURA H. ENDO - CAMPINAS

Como conciliar (e saber se deve executar ou não) Adenoamigdalectomia em criança com Anemia Falciforme (visto que o trauma causará crises de falcização e poderá aumentar as infecções por germes capsulados)?

Na indicação da adenoamigdalectomia em criança com Anemia Falciforme, devemos considerar duas situações:

a) Cirurgia de urgência: em casos de indicação absoluta por obstrução intensa das vias aéreas superiores (Síndrome da apnéia obstrutiva do sono, cor pulmonale). O paciente deverá ser submetido à exsangüíneo-transfusão parcial, previamente ao ato cirúrgico. Os gases anestésicos podem desencadear falcização maciça e a transfusão ameniza esse fenômeno.

b) Se a cirurgia é programada: caso a indicação seja relativa (amigdalites de repetição, obstrução moderada de vias aéreas, abscesso periamigdaliano etc.), podemos programar transfusão pré-operatória com a finalidade de diluir as hemácias do pacientes com as do doador até que seja atingido o nível de 30 a 40% de HbS (detectado por eletroforese de hemoglobina).

Cabe lembrar que, durante o ato anestésico, a hipóxia, a hipoventilação, a desidratação e a acidose devem ser evitadas, pois favorecem a falcização.

Como é do nosso conhecimento, o ato anestésico é o responsável pela falcização - e não o trauma cirúrgico.

Com relação à predisposição do paciente às infecções por germes capsulados, lembramos que este fato ocorre pela autoesplenectomia. Nesta situação, o baço, antes palpável, deixa de sê-lo e, conseqüentemente, há diminuição da função esplênica, aumentando o risco de infecção. Geralmente, isto ocorre em crianças na idade pré-escolar. Existem protocolos de seguimento para crianças com anemia falciforme. Quando detectada a autoesplenectomia, faz-se antibioticoterapia profilática. Em algumas crianças, o baço aumenta progressivamente, e, assim, aumenta o risco do seqüestro maciço de glóbulos vermelhos, levando ao choque anêmico, ao lado da hepatoesplenomegalia.

Atualmente, existem muitos recursos hemoterápicos que permitem aos pacientes portadores de anemia falciforme resistir ao ato cirúrgico quando necessário.

2 - SIMAO LEVIN PILTCHER - PORTO ALEGRE

A avaliação das alterações do Anel Linfático de Waldeyer, especificamente amígdalas faríngea e palatinas, em crianças com Anemia Falciforme (AF), passa necessa-riamente pela compreensão da fisiopatogenia dessa doença.

É considerada a doença hereditária de maior prevalência no Brasil, afetando um em cada 1.000 a 1.500 brasileiros nascidos vivos, principalmente negróides. A expectativa de vida é de 16 anos. Este evento pode ocorrer em pacientes homozigotos (HbSS) e, em menor escala, em pacientes com traço falciforme, isto é heterozigotos (HbSA).

Qualquer fator que favoreça a dissociação de oxigênio da hemoglobina (aumento do pH, aumento de temperatura, aumento dos níveis de pCO2 e diminuição da pO2) favorece a falcização das hemácias e a ocorrência de crises com oclusões vasculares. Os sinais e sintomas são os decorrentes da anemia hemolítica crônica e de eventos vaso-oclusivos na microvasculatura de qualquer região anatômica. Também ocorre diminuição da imunidade contra germes encapsulados pela perda de órgãos reticuloendoteliais e hemossiderose secundária.

Fica evidente que é fundamental, para o manuseio adequado desses pacientes, prevenir quaisquer eventos que levem ao favorecimento da falcização. Em relação ao Anel Linfático de Waldeyer, o aumento de volume de seus constituintes, diminuindo a oxigenação sangüínea em locais de infecções por germes encapsulados, levando ao desequilíbrio da homeostase hemodinâmica, são complicadores no curso da anemia falciforme.

Esses pacientes, independentemente da idade, costumam apresentar hipertrofia do tecido linfóide adenoamigdalino. Tal achado seria explicado como reacional à esplenectomia funcional, a infecções sistêmicas freqüentes por germes encapsulados ou pela necessidade hematopoiética crescente decorrente da anemia hemolítica crônica.

Em relação aos casos de hipertrofia ou hiperplasia adenoamigdalina, com clínica de obstrução respiratória alta e síndrome da apnéia do sono, mesmo sem comprovação por registro polissonográfico, há indicação absoluta para a cirurgia.

Nos casos de infecções repetidas, sugere-se que o otorrinolaringologista as acompanhe e, concordando com tal diagnóstico, no caso de pacientes com AF, também considere a cirurgia como indicação absoluta.

Apesar de comprovadamente atuantes na imunidade dos indivíduos, não há registro de que a remoção de parte do Anel de Waldeyer determine piora na imunidade desses pacientes. Contudo, a cirurgia, isoladamente, é fator de risco nos portadores de AF, podendo, se não gerenciada adequadamente, ser acompanhada de alta morbi-mortalidade. O preparo destes pacientes é fundamental para o sucesso cirúrgico.

O paciente deve ser avaliado por hematologista, o qual incluirá sempre, entre os exames laboratoriais, níveis de hemaglobina total, relação hemaglobina S x hemaglobina A, hematócrito, provas de coagulação e função hepática, além do Rx de tórax. Qualquer alteração, não passível de correção imediata, deve adiar a cirurgia.

Não há necessidade de múltiplas tranfusões sangüíneas nas semanas que antecedem a cirurgia na busca de frações baixas de Hb S, sendo suficiente obter-se o nível mínimo de 10 mg/dl de Hb geral durante a internação, um ou dois dias antes da cirurgia. Esta medida, além de surtir o mesmo efeito sobre a morbidade do procedimento, diminui as possibilidades de o paciente adquirir hepatite ou SIDA, entre outras doenças ocasionadas por múltiplas transfusões. Sempre deve haver sangue â disposição no bloco cirúrgico. Inicia-se com antibióticoprofilaxia nos padrões habituais: penicilina ou cefalosporina de primeira geração, seguindo-se a opção oral, agora com tratamento minímo por sete dias.

O anestesista deve ser experiente, planejando rigorosamente o controle hídrico, desde o período pré-operatório, passando pelo trans-operatório, até a retomada da via oral, no pós-operatório. A manutenção do plano anestésico também será essencial para o sucesso do procedimento. A sala não deve ser refrigerada, sendo de igual importância a manutenção da temperatura sem variações de mais de um grau centígrado. O controle da dor precisa ser rigoroso, evitando-se medicações que atuem sobre o sistema nervoso central e possam deprimir a respiração.

Em alguns casos de avaliação de insuficiência velopalatina, ou por complicações trans-operatórias, devemos lembrar da monoamigdalectomia, nas ocasiões obstrutivas, como opção terapêutica. A técnica cirúrgica deve ser aquela que o cirurgião domina com maior segurança. Classicamente, recomenda-se a dissecção e remoção com alça, além de hemostasia cuidadosa, usando cat-gut 2-0 agulhado e, eventualmente, o cautério bipolar. Técnicas cirúrgicas mais recentes, por exemplo utilizando laser, que apresentam comprovada diminuição da perda sangüínea, sem acarretar maior tempo cirúrgico, podem ser consideradas como opções.

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