Versão Inglês

Ano:  1997  Vol. 63   Ed. 4  - Julho - Agosto - (12º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 390 a 394

 

A PERDA AUDITIVA NA SÍNDROME DA RUBÉOLA CONGÊNITA.

The Hearing Loss in Congenital Rubella Syndrome.

Autor(es): Marcos Rabelo de Freitas*,
José Antonio Apparecido de Oliveira**,
Maria de Lourdes Veronese Rodrigues***.

Palavras-chave: rubéola congênita, perda auditiva

Keywords: congenital rubella, hearing loss

Resumo:
Foi realizado estudo retrospectivo em 48 pacientes com síndrome da rubéola congênita (SRC) do Hospital das Clínicas - USP, atendidos entre janeiro e dezembro de 1984. Os pacientes eram do sexo feminino em 68,75% dos casos. A avaliação auditiva foi realizada em 60,41% dos casos e, destes, 89,66% tinham hipoacusias profundas bilaterais. Dos casos com alterações auditivas, a rubéola ocorreu no primeiro trimestre. Das crianças, 74,19% estavam com diagnóstico de SRC antes de um ano de idade. Destas, 67,74% iniciaram a avaliação auditiva mais tarde. Os autores discutem a necessidade de avaliação auditiva precoce nos casos suspeitos e confirmados de recém-nascidos com SRC.

Abstract:
A retrospective study was carried out on 48 patients with congenital rubella syndrome (CRS), 68,75% of them females, seen at the University Hospital, USP, from January to December 1994. Hearing was evaluated in 60,41% of cases, and 89,66% of them were found to have deep bilateral deafness. Among the cases with hearing alterations, rubella had occurred the first trimester of gestation; 74,19% of the children had a diagnosis of CRS before one year of age and 67,74% of them were submetted to hearing evaluation later. The authors discuss the need for early hearing evaluation in suspected and confirmed cases of newborns with CRS.

INTRODUÇÃO

A rubéola é doença infecto-contagiosa cujo agente etiológico é vírus da família dos togavírus, do gênero Rubivirus. Somente um tipo imunologicamente distinto tem sido descrito e não existe relação sorológica entre rubéola e outras viroses conhecidas1. É patologia de distribuição universal e padrão sazonal de epidemicidade (na primavera), embora a doença na população em geral possa persistir durante o ano inteiro em níveis menores2. O homem é o único hospedeiro conhecido do vírus da rubéola e a transmissão pós-natal ocorre por meio de secreções respiratórias, através de perdigotos ou por contato direto, talvez por fômites recentemente contaminadas com secreções. A transmissão pelo ar também é possível3. A infecção congênita se dá por via transplacentária.

O quadro clínico é normalmente de virose exantemática auto-limitada, com poucas conseqüências para o indivíduo acometido, apesar de poderem ocorrer complicações, tais como miocardite, síndrome de Guillen-Barré, encefalite recidivante, neurite óptica e aplasia de medula óssea1, 4, 5. O problema aumenta quando gestantes contraem a doença, o que pode trazer distúrbios graves para o feto, que variam desde aborto espontâneo ou ocorrência de natimorto, até malformações múltiplas. A tríade clássica da síndrome da rubéola congênita (SRC) caracteriza-se por lesões cardíacas1, catarata e surdez. Outras alterações incluem retardo do crescimento intra e extrauterino, hapatoesplenomegalia, trombocitopenia com púrpura, adenopatia, encefalite ativa, retinopatia, pneumopatia intersticial e radiopacificações ósseas3.

A confirmação diagnóstica se dá através dos testes de hemaglutinação, com a identificação de anticorpos IgM específicos1.

O presente trabalho tem como objetivo verificar o problema da SRC do ponto de vista do comprometimento auditivo, ressaltando-se a importância da avaliação precoce, afim de que a reabilitação auditiva possa ser efetiva.

MATERIAL E MÉTODO

Foi realizada avaliação retrospectiva de 48 casos confirmados ou compatíveis de portadores de rubéola congênita, segundo os critérios do National Congenital Rubella Syndrome Registry (NCRSR) of the Centers for Disease Control (SDC) (Tabela I)6, atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, entre janeiro de 1984 e dezembro de 1994.

A avaliação auditiva havia sido realizada através de screening BERA (Brainstem Evoked Response Audimetry) e/ou audiometria tonal. Estabeleceu-se o seguinte critério de perda auditiva entre os casos encontrados: limiares normais até 30 dB, em média nas freqüências de 250, 500, 1.000, 2.000 e 4.000 Hz e/ou até 50 dB pelo BERA; perda leve maior que 30 dB e menor ou igual a 50 dB peia audiometria tonal e/ou entre 50 a 70 dB; perda moderada de 50 a 80 dB pela audiometria tonal e/ou 70 a 100 dB; BERA; perda profunda maior que 80 dB pela audiometria tonal ou ausência de ondas pelo BERA até 105 dB.

RESULTADOS

Entre os pacientes, 33 (68,75%) eram do sexo feminino e 15 (31,25%) do sexo masculino, havendo predomínio da raça branca, com 87,50% dos casos, seguida de mulatos com 10,42% e negros com 2,08% (Tabela II).

Houve acometimento, na gestação, por rubéola, predominante no primeiro trimestre, com 58,33% dos casos; 14,58% ocorreram no segundo trimestre e 4,17% no terceiro. Houve, ainda, 22,92%o de mães que não sabiam informar em que época da gravidez adquiriram a doença (Gráfico 1).


TABELA I - Critérios para classificação da Síndrome da Rubéola Congênita (SRC).

I - SRC confirmados - um ou mais dos seguintes ítens presentes:
a) Vírus da rubéola isolado.
b) Presença de IgM rubéola específico.
c)Títulos de Inibição de Hemaglutinação (IH) para rubéola ou resultados de testes equivalentes de anticorpos para rubéola no RN, persistindo além do esperado por transferência de anticorpos maternos (isto é, títulos de IH para rubéola no infante que não cai à taxa esperada de uma a duas diluições por mês).

II - SRC compatíveis - dados laboratoriais insuficientes para confirmação de duas complicações listadas em a ou uma em a e outra em b:
a) Catarata ou glaucoma congênito (um ou ambos contando como um), doença cardíaca congênita, perda de audição, retinopatia pigmentar.
b) Púrpura, esplenomegalia, icterícia, microcefalia, retardo mental, meningoencefalite, radiopacificações ósseas.









Do total de pacientes, dois estão em processo de avaliação do ponto de vista auditivo, enquanto que 29 (60,41%) foram avaliados e 17 (35,42%) não sofreram qualquer tipo de avaliação auditiva. Em relação aos não avaliados, quatro não o foram devido a óbito por causas diversas, principalmente patologia cardíaca; nove perderam o seguimento, não retornando para a avaliação auditiva, apesar de esta ter sido solicitada; e os quatro restantes não foram avaliados pelo Serviço de Otorrinolaringologia por não terem sido encaminhados (Gráfico 2).

De acordo, com os critérios utilizados, encontramos, entre os 29 casos que sofreram avaliação auditiva, 22 (75,86%) com perda profunda bilateral; dois (6,90%) com perda moderada bilateral; e, ainda, dois (6,90%) com perda profunda em ouvido direito e moderada em esquerdo; finalmente, em três casos (10,34%), chegou-se a limiares auditivos dentro dos limites da normalidade.

Dos 26 casos com alterações auditivas, em 20 as mães referiam o trimestre gestacional de acometimento, sendo que em 18 (90%) ele se deu no primeiro trimestre. Houve também um caso no segundo trimestre e outro no terceiro. Sobre os normais, houve um caso em cada trimestre de gestação (Tabela III).



Gráfico 1. Idade gestacional de acometimento por rubéola.



Gráfico 2. Relação entre pacientes avaliados, em avaliação e não avaliados.



O diagnóstico de SRC foi estabelecido predominantemente até o primeiro mês de vida (45,16% dos casos) e a grande maioria (74,19%) até um ano de idade. Contrariamente, a avaliação auditiva iniciou-se, em 67,74% dos casos, após um ano de vida (Gráficos 3 e 4).

A diferença entre o início da avaliação auditiva e o diagnóstico de hipo ou normoacusia variou de menos de 1 mês até 4 anos e 7 meses, sendo que, até 6 meses do seu início, 65,52% dos pacientes já tinham o diagnóstico estabelecido (Gráfico 5).

DISCUSSÃO

A síndrome da rubéola congênita continua sendo problema de saúde, pública, principalmente no mundo em desenvolvimento7, 8. Estudo realizado no Brasil, entre 1874 e 1982, mostrou que 91 de 7.000 mulheres grávidas soronegativas adquiriram anticorpos durante a gravidez, evidenciando que a infecção ocorrera9.

No presente trabalho, os casos de SRC predominaram em recém-nascidos do sexo masculino em termos absolutos. Porém, para se obter dados mais fidedignos de predominância de raça e sexo, teria que se levar em consideração a proporção relativa das diversas raças e sexos dentro do total de nascidos vivos no mesmo período, o que fugiria aos nossos objetivos. Em estudo realizado por Kaplan e cols.6, o risco de a criança nascer com SRC foi de 2,5 vezes maior para indivíduos da raça negra, quando comparados com os da raça branca.

Como, citado anteriormente, a SRC pode vir acompanhada de múltiplos defeitos, sendo que a hipoacusia neurossenorial é de longe a mais comum, podendo ocorrer, com freqüência, isoladamente. As alterações da audição aparecem como defeitos periféricos e centrais e são comumente associadas com desenvolvimento prejudicado da linguagem, que pode transmitir a impressão errônea de retardo mental11, 12: daí a necessidade do diagnóstico precoce.

Do total de casos (48), 17 não tiveram avaliação auditiva, sendo que 13 (27,08%), por causas contornáveis: perda de seguimento ou não encaminhamento para o Serviço de Otorrinolaringologia. Essa situação revela a necessidade de maior conscientização dos pais e dos profissionais de outras áreas a respeito da importância da avaliação em todos os casos confirmados e suspeitos de rubéola congênita, o mais precocemente possível.

Em relação aos avaliados, que totalizaram 29 (60,41%), ó predomínio de perdas profundas bilaterais em 75,86% dos casos coincide com os dados de Wild e cols.13 os quais evidenciaram perdas simétricas, com média entre 250 e 4.000 Hz, de 95 dB para o ouvido esquerdo e 92 dB para o direito.



Gráfico 3. Idade de diagnóstico da SRC



Gráfico 4. Idade de início da avaliação auditiva.



Gráfico 5. Tempo entre o início da avaliação auditiva e o diagnóstico de hipo ou normoacusia.



O tempo de 20 semanas representa o período máximo de risco conhecido durante a gestação para resultar em defeitos na criança10, 14. Isto se confirma pelos dados do presente estudo, em que 95% das mães de crianças com deficiência auditiva referiram o acometimento por rubéola, como tendo ocorrido até o segundo trimestre.

A existência de um caso no terceiro trimestre precisa ser analisada com cautela, pois a mãe teve seu pré-natal fora do hospital e não fez sorologia para rubéola durante a época em que se supõe tinha sido acometida.

Talvez o mais importante dado a ser discutido seja a idade de início da avaliação auditiva, em relação à idade de diagnóstico da SRC. Observamos que, apesar de a grande maioria (74,19%) das crianças haver tido o diagnóstico de SRC até um ano de idade, com 45,16% até um mês, 67,74% delas só iniciaram a avaliação auditiva após o primeiro ano de vida, quando os distúrbios de linguagem são mais evidentes. Em outro trabalho, realizado por Wild e cols.15, evidenciou-se que as principais causas de retardo no diagnóstico de hipoacusia neurossensorial em pacientes com SRC foram a falta de encaminhamento ou o encaminhamento demorado para serviços especializados. Em nosso estudo, além dessas duas causas, foi também importante o não retorno dos pais com a criança na época do primeiro encaminhamento.

Por fim, depois que as crianças foram encaminhadas para a avaliação auditiva, até seis meses após seu início, 65,52% delas já tinham o diagnóstico estabelecido. Naquelas em que o diagnóstico se deu após um ano do início da avaliação, a causa deste atraso foi ó não comparecimento do paciente aos retornos subseqüentes.

CONCLUSÃO

Os dados do presente estudo apontam para a necessidade de maior conscientização de profissionais médicos, e da população em geral, sobre os riscos e conseqüências para recém-nascidos da perda auditiva relacionada à síndrome da rubéola congênita. O desenvolvimento inadequado da linguagem e suas repercussões, sobre o equilíbrio psicológico e a adaptação social da criança, impõem o alerta para que a avaliação em pacientes de risco seja feita o mais precocemente possível, em especial em locais que disponham de recursos como o BERA, que possibilita fazer diagnóstico de hipoacusias antes dos seis meses de vida16.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Residente em Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
** Professor Titular de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
*** Professora Doutora de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Trabalho apresentado na 11ª Reunião da Sociedade Brasileira de Otologia - Belo Horizonte - 1995.
Fonte de suporte: CAPES e CNPq.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. José Antonio A. de Oliveira - Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Avenida Bandeirantes, 3900 - Campus Universitário - CEP: 14049-900 - Ribeirão Preto/ SP.

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