Versão Inglês

Ano:  1959  Vol. 27   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: -

Páginas: 52 a 59

 

NEUROBLASTOMA OLFATIVO

Autor(es): RUDOLF LANG (1)
LUIZ ALBERTO FAGUNDES (2)

(1) Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Porto Alegre, Cátedra do Prof. Moysés Cutin.
(2) Assistente, da Cadeira de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina de Porto Alegre, Cátedra do Prof. Paulo Tibiriçá.

O neuroblastoma olfativo é um tumor extremamente raro, tendo sido relatados apenas 30 casos na literatura médica. O primeiro caso foi descrito por Berger (2) em 1924 sob a denominação de estésioneuroblastoma olfativo. Mendelloff (14) fêz recentemente uma revisão dos casos existentes, incluindo 6 novos de sua observação. Segundo êste autor, 13 casos foram publicados na literatura européia, desde o original de Berger, constando 14 casos na literatura americana. A seguinte é uma relação dos casos citados na literatura que estava ao nosso alcance:

Berger Luc e Richard (2) 1924; Berger (3) 1926; Portmann Bonnard e Moreau (16) 1928; Messier e Dugent (13) 1937, Gricouroff e Dulac (9) 1943, Wild Frühling e Klotz (23) 1941, Martin Dargent e Gignoux (12) 1949; Huet (11) 1950; Rossert e Chessebouef (18) 1950; Stout, Lenz e Seamon (20) citados por êste último, 1951; Terracol Guerrie e BALOU (22) 1951); Bosc e Browaeys (4) 1952, todos com um caso. Além dêstes temos Escat (5) 1937 com 2 casos; Tavares (21) 1941 com 4 casos; Frühling (7) 1954 com 4 casos e Mendeloff (14) 1957 com 6 casos.

OBSERVAÇÃO: Paciente E. C., de 20 anos, preto, mecânico, residente em Pôrto Alegre, que veio ao serviço de O.R.L. da Faculdade de Medicina em 5 de dezembro de 1958, n.r 28.669.

Pelo exame do paciente notamos uma protusão do globo ocular direito, com edema bipalpebral dêste lado, mole e extremamente sensível à pressão. Gânglios sub-maxilares e cervicais anteriores palpáveis no lado direito, regulares em sua superfície, de consistência elástica, insensíveis e não aderidos aos planos profundos. Notamos um discreto abaulamento da região geniana direita, que se estendia pelo canto interno da região orbitária. O paciente era portador de amígdalas sépticas e aumentadas de volume. No rinofaringe encontramos uma secreção mucopurulenta, mais abundante à direita. Pela rinoscopia anterior verificamos uma intensa congestão da mucosa, secreção purulenta na porção anterior do meato médio direito, que se acumulava no assoalho da fossa nasal. Havia um grande abaulamento do corneto médio, o qual tocava intimamente o repto em tôda sua extensão, impossibilitando o exame profundo da cavidade, Com êsses dados impunham-se as seguintes hipóteses diagnósticas: Mesmo após uma retração pela solução de adrenalina. Pela transiluminação constatamos uma opacidade do seio maxilar direito e seio frontal do mesmo lado.

1 - Polisinusite aguda direita.
2 - Mucocele frontal infectada, com destruição do teto da órbita e invasão dos seios vizinhos.

Exames subsidiários

Hemograma:
Hemácias: 4.040.000 p/mm3
Leucócitos. 16.800 p/mm3
Hemoglobina. 78%
Radiografia dos seios da face (6-12-58) Figs. 1, 2 e 3.


Figura 1


Figura 2


Figura 3


Opacificação homogênea dos seios frontal, etmoidal e maxilar direitos. Opacificação homogênea do seio frontal esquerdo. Não há evidências inequívocas de destruição das estruturas ósseas. Nas fossas nasais encontramos uma opacificação provavelmente devido a um aumento de volume dos cornetos. (Dr. D. Ilha).

14-12-1958 - Operamos o paciente sob anestesia local, através de sinusotomia maxilar direita (Caldwell-Luc), etmoidal-transmaxilar e frontal direita, em colaboração com o Dr. A. Mascarenhas. Constatamos que havia uma destruição da parede ante-inferior do seio frontal no lado direito, comunicando-se com a cavidade orbitária. O seio frontal, porção retro-ocular da cavidade orbitária, seio maxilar direito e células etmoidais do mesmo lado estavam repletas de uma coleção purulenta, espêssa e fétida. Note-se que as células etmoidaxs foram curetadas, e pela inspeção não percebemos sinais de comprometimento neoplásico. Após a realização de uma ampla contra-abertura nasal, deixamos uma gase com óleo gomenolado no seio maxilar e dreno no seio frontal.

No post-operatório o paciente recebeu medicação antibiótica, complexo B, descongestionante nasal e sedativos. Após 48 horas retiramos a gase e o dreno, e durante 13 dias fizemos 8 lavagens com sóro fisiológico morno.


Figura 4


23-12-1958 - A protusão do globo ocular havia regredido sensivelmente, e o paciente apresentava melhora, tanto objetiva como subjetiva. Ao examinarmosa fossa nasal direita, notamos que o corneto médio continuava abaulado, tendo desapazecido o corrimento purulento.

24-12-1958 - O paciente teve alta temporária, a fim de passar o natal em sua residência.

31-1-1959: - Voltou á consulta, apresentando então vómitos freqüentes após as refeições, anorexia e constipação intestinal. No que diz respeito a sintomas locais, queixava-se de cefaléia difusa, obstrução nasal direita e diminuição do paladar (Hipogeusia). Em relação ao exame rinológico, persistia o mesmo quadro anteriormente descrito, e a protusão do globo ocular começava novamente a se acentuar. Constatamos aí que o paciente havia perdido completamente a visão daquele ôlho, que já estava atrofiado.

13-2-1959 - Foi solicitada nova radiografia dos seios da face, (Fig. 4) que revelou: Opacificações dos seios frontais, etmoidais e maxilares. A opacificação é mais acentuada à direita. Há evidências de destruição das estruturas ósseas do septo nasal (Dr. D. Ilha).

17-2-1959 - Fizemos uma biópsia por via endonasal, retirando um fragmento de tumor etmoidal posterior, cujo exame anátomo-patológico revelou: "Coágulo sanguíneo em organização". (Prof. Dr. P. Tibiriçá).
Nêste ínterim a fossa nasal direita foi tomada por massas tumorais lisas, acinzentadas, depressíveis e facilmente sangrentas ao toque. Com todos êstes dados estávamos convencidos tratar-se de um tumor maligno.

13-3-1959 - Praticamos nova biópsia em locais distintos: uma retirada de material através de incisão praticada no canto interno da região orbitária direita, e outra na massa tumoral, que se exteriorizava através da narina. O exame anátomo-patológico revelou: "Fibroma naso-faríngeo". (Dr. L. A. Fagundes). Durante êstes 3 meses que decorriam desde a primeira consulta até esta data, o paciente perdeu aproximadamente 15 Kg.

30-3-1959 - Como não havíamos chegado a um diagnóstico positivo que estivesse em acôrdo com os dados clínicos, após medicação pré-operatória foi o paciente submetido a uma intervenção cirúrgica, sob anestesia geral, pelos Drs. A. Mascarenhas e R. Lang. Usamos uma rinotomia externa que se seguiu de enucleação do ôlho direito e ressecção total do maxilar superior. Constatamos então que o seio maxilar direito estava completamente invadido por uma massa tumoral. Feito o esvaziamento dos seios maxilar, etmoidais, frontal e esfenoidal, verificamos que a lâmina cribosa estava totalmente destruída. Como havia comprometimento do septo nasal, fizemos sua ressecção, constatando que o seio maxilar esquerdo e células etmoidais do mesmo lado também estavam invadidos.

Fato digno de nota é que ao retirarmos a massa tumoral dos seios esfenoidal e maxilar esquerdos, isto se fazia com grande facilidade, tendo-se a impressão de retirar um ôvo cozido de sua casca; a superfície óssea que restava era regular e esbranquiçada, sem sinais aparentes de comprometimento neoplásico. O tumor tinha um aspecto esponjoso, e sua consistência era elástica e frágil.
Seis horas após a intervenção o paciente faleceu devido ao choque operatório.

O material foi enviado ao exame anátomo-patológico que revelou:
Exame macroscópico: Vários fragmentos irregulares de tecido firme e cinzento escuro com porções de tecido ósseo, o maior medindo cérca de 6.5 x 2.5cm. A superfície de corte tem côr cinzenta ou parda clara brilhante, com focos de hemorragia e áreas amarelas esparsas.


Figura 5


Figura 6


Exame microscópico: O espécime é constituído por ilhotas e amontoados de células pequenas, ovais ou arredondadas, hipercromáticas, por vozes dispostas em grupos de variados tamanhos, circunscritos por septos conjuntivos de espessuras variadas.

Em meio às trabéculas, há vasos sanguíneos dilatados e congestos. Notam-se escassas estruturas organóides com aspecto de pseudo-rosetas e raras rosetas verdadeiras constituídas por células cilíndricas. O tecido neoplásico descrito invade porções de tecido ósseo. São vistas áreas extensas de necrose e hemorragia.

COMENTÁRIOS

O caso relatado é o de um homem preto de 20 anos de idade, com um neuroblastoma da cavidade nasal direita, de crescimento rápido, com invasão dos seios maxilares, frontais, esfenoidal e células etmoidais de ambos os lados, com destruição do septo e invasão dos tecidos moles intraorbitários. O paciente faleceu 6 horas após a intervenção para extirpação do tumor. Três meses antes de ser estabelecido o diagnóstico, a curetagem com esvaziamento das células etmoidais e a abertura dos seios maxilar e frontal direitos não evidenciou a presença de tumor nesta região. Todavia, a placa olfativa não foi vista durante a curetagem, sendo possível a existência de um tumor em progressão nêste local.

Os sintomas iniciais, por ocasião da primeira admissão do paciente, obstrução nasal direita, cefaléia e anosmia, eram compatíveis com o diagnóstico clínico de polisinusite, o que foi comprovado pelos achados cirúrgicos. O exame radiológico, nessa ocasião não revelou evidências inequívocas de destruição das estruturas óssea ou presenças de tumor. O paciente não referiu epistaxe, que, segundo Mendeloff (14) constitui, ao lado da obstrução nasal unilateral, um dos sintomas mais freqüentes do neuroblastoma olfativo.

O aparente desenvolvimento de um tumor da fossa nasal direita, protruindo através da narina, no período de três meses, foi um achado surpreendente, considerando que o neuroblastoma olfativo é em regra um tumor de crescimento lento, segundo a observação da maioria dos AA. Clinicamente, os achados foram semelhantes ao do segundo caso de Berger (2), excepto pela presença de polisinusite inicial.

O neuroblastoma olfativo apresenta tendência a recidivar e invadir as estruturas adjacentes, em particular os seios acessórios, ocasionalmente o pálato, órbita e mesmo o cérebro (14, 19), com metástases referidas em 5 casos até 1937 (19). No presente, infelizmente não foi possível verificar a presença de metástases, uma vez que a necrópsia não foi realizada. O caráter invasor local todavia, é perfeitamente concordante com os referidos na literatura (13, 19, 1, 8).

Segundo Berger (2), Ash (1), Mendeloff (14), Russel (19) e Huet (10), o tumor origina-se provavelmente das células neuroepiteliais da mucosa olfativa, embora outras origens tenham sido também sugeridas. Conforme Ash (1), os têrmos neuroblastoma e neuroepitelioma devem ser usados em lugar de estésioneuroblastoma olfativo de Berger, uma vez que é impossível determinar a origem exata de um determinado tumor. O têrmo estésioneuroblastoma olfativo é um nome complicado, nem sempre acurado e que, segundo Ash (1), tem valor apenas histórico.

O fato profundamente desagradável relacionado com êste caso, foi o estabelecimento tardio do diagnóstico correto, após a morte do paciente, uma vez que éstes tumores são marcadamente radiosensíveis e com um prognóstico consideravelmente mais favorável que os neuroblastomas de outras localizações (1, 3, 14, 17, 19).

O diagnóstico histológico de neuroblastoma foi baseado no achado de amontoados de células pequenas, ovais ou arredondadas. hipercromáticas, dispostas em grupos circunscritos por septos conjuntivos. A maioria dos elementos organóides foram identificados como pseudo-rosetas, sendo vistas raras rosetas verdadeiras.

Ao revisar as lâminas do presente caso, Ash (1) salientou que o aspecto histológico é semelhante ao descrito na maioria dêstes tumores. Segundo o mesmo autor, ainda não se encontram um número suficiente de casos para determinarmos se a citologia e arquitetura dêstes tumores tem significação prognóstica.

SUMÁRIO

Foi relatado o cosa de um neuroblastoma olfativo, de crescimento rápido, em um paciente preto de 20 anos de idade. Seu aparecimento junto com uma polisinusite dificultou o diagnóstico. O paciente faleceu 6 horas após a extirpação cirúrgica do tumor. Como o diagnóstico histológico só foi estabelecido após a intervenção, não foi administrada radioterapia.

SUMMARY

A case of olfactory neroblastoma with rapid growth in a 20 year old colored man was presented. Coincidentally, there was a polisinusitis which delayed the establishment of the right diagnosis. The patient died 6 hours after a radical surgery. As the histologic diagnosis was performed only after the operation, no radiotherapy was administered.

BIBLIOGRAFIAS

1 - ASH, J E. - Comunicação pessoal.
2 - BERGER, L., LUC e RICHARD - L'Esthésioneuroépithéliome olfactif. Bull, Ass. Fran. pour l'etude du cancer. 13:410, 1924.
3 - BERGER, L. - L'Esthésioneuroctome olfactif. Bull. Ass. Fran. du cancer. 15:404-414, 1926.
4 - BOSC. P. e BROWAEYS - Tumeur nerveuse des fosse snasales. Ann. otolaryng. 69:246-248, 1952.
5 - ESCAT - Le sympthome sphéno-etmoidal n'aurait-il pas son point de dipart dans le ganglion sphéno-palatin? Origine suggérée par 2 observations. Ann. otolaryn 54:828, 1937 (cit. por Frühling, 7).
6 - FISHER, E. - Neuroblastomas of the nasal fossa. A.M.A. Arch. Path. 60:435-439, 1955 (cit.).
7 - FRÜHLING, L. e WILD; C. - Olfactory esthesioneuroepitheliomas of Louis Berger. A.M.A. Arch. of otolaryn, 60:37-48, 1954.
8 - GIGNOUX, M - Les tumeurs nerveuses des fosses nasales. Actu. O.R.L. 141-150. 1956.
9 - GRICOUROFF, G. e DULAC, C. - Neuroblastome des fosses nasales. Ann. otolaryn. 60:77, 1943.
10 - HUET, P., LABAYLE, J. e NATALI, R. - Les tumeurs nerveuses des fosses nasales. Ann. otolaryn. 75:663-666, 1958,
11 - HUET, M. - In discussion on Rossert and Chessebouef: Tumeur nerveuse des fosses nasales. Ann. otolaryn. 67:707, 1950 (cit. 7).
12 - MARTIN, J., DARGENT, M. e GIGNOUX, M. - Les tumeurs nerveuses des fosses nasales (à propo de 2 observations personelles). Ann. otolaryn. 66:253, 1949 (cit. 7).
13 - MESSIER, A. e DUGEUT, J. - Considérations sur un cas de neuroépithéliome des fosses nasales: Esthésioneuroépithéliome olfactif. Ann. otolaryn. 54:829, 1937 (cit. 7) .
14 - MENDELOFF, J. - The olfactory neuroepithelial tumors. Cancer. 10: 944-956, 1957.
15 - McCÖRMACK, L. e HARRIS, H, - Neurogenic tumors of the nasal fossa. Jour. of Am. Medical Ass. 157:312-322, 1955 (cit. refer.).
16 - PORTMANN, G., BONNARD e MOREAU - Sur un cas de tumeur nerveuse des fosses nasales (esthésioneuroblastome). Acta otolaryn. 13,: 52, 1928.
17 - RIEMENSCHNEIDER, P. e PRIOR, J. - Neuroblastoma originating from olfactory epithelium (esthesioneuroblastoma). Am. Jour. of Roentgo. 80:759-765, 1958.
18 - ROSSERT e CHESSEBOUEF - Tumeur nerveuse des fosses nasales, read before the societé de laryngologie des Hospiteaux de Paris, May 15, 1950. Ann. otolaryn. 67:707, 1950 (cit. 7).
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20 - SEAMAN, W. - Olfactory esthesioneuroepitheliomas. Radiology 57:541, 1952 (cit. 7).
21 - TAVARES, A. - Tumores nervosos das fossas nasais. Portugal med. 25 :305, 1941 (cit. 7) .
22 - TERRACOL, J., GUERRIER, Y. e BARJOU, P. - Un cas de tumeur nerveuse rare des fosses nasales: sympathome sympathogonique. Rev. laryn. 72:603 1951 (cit. 7) .
23 - WILD, C., FRVHLING, L. e KLOTZ - A propos d'un cas de tumeur nerveuse rare des fosses nasales: I'esthésio-neuro-épithéliame olfactif. Rev. laryng. 66: 137, 1949 (cit. 7).

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