Versão Inglês

Ano:  1997  Vol. 63   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 319 a 326

 

ALGUNS ASPECTOS DA VOZ E DA MORFOFISIOLOGIA LARÍNGEA EM DEFICIENTES AUDITIVOS SEVEROS E PROFUNDOS.

Some Characteristics of Voice and Laryngeal Morphophysiology in Severely Hearing - Handicapped Patients.

Autor(es): Alfredo Tabith Júnior*.

Palavras-chave: voz, morfologia laríngea, fisiologia laríngea, deficiência auditiva sensórioneural profunda

Keywords: voice, laryngeal morphology, laryngeal physiology, deep sensoryneural hearing impairments

Resumo:
Estudo das características vocais, relativas a pitch, loudness e nasalidade, da presença de esforço vocal e das alterações alérgicas de vias respiratórias foi realizado através de questionário aplicado a professores e pais de um grupo de 89 indivíduos portadores de deficiência auditiva sensorioneural pré-lingual severa e profunda. Os mesmos foram também submetidos à avaliação morfofuncional da laringe, através de laringoscopia indireta. Os resultados mostram alterações aparentemente significativas, relativas às características vocais e presença de esforço fonatório. Estes achados e as condições morfofuncionais da laringe foram comparados com os dados da literatura.

Abstract:
A study about voice characteristics (pitch, loudness and nasality), presence of vocal effort, and upper airway allergy was conducted through the use of questionnaires distributed to teachers and parents of 89 subjects with severe and profound hearing impairments. Morphologic and functional evaluations of larynx was also carried out through indirect laringoscopy. The results have shown important alterations in all aspects evaluated and the data obtained were compared with the ones in the literature.

INTRODUÇÃO E LITERATURA

O mecanismo periférico de produção da fala é formado por um conjunto de válvulas ajustáveis que controlam e direcionam o ar expiratório durante a emissão da voz. A válvula laríngea, uma das mais importantes e que oferece resistência mecânica relativamente elevada ao fluxo aéreo expiratório, é responsável pela sonorização deste fluxo e, junto com ação respiratória controlada e resistência das vias aéreas superiores, determina as mudanças volumétricas pulmonares durante a fala conectada.

A válvula velofaríngea, com movimentos sincronizados à articulação, direciona o ar sonorizado para a cavidade oral ou para a cavidade nasal, proporcionando, neste caso, a ocorrência do traço de nasalidade dos fonemas.

A válvula articulatória, através de movimentos refinados, específicos e seqüencializados responde pela perfeita realização dos diferentes fonemas da língua.

A eficiência deste complexo mecanismo depende, entre outros fatores, de refinado controle neuromuscular e do monitoramento auditivo da fala.

Ling (1976) considera que o feedback auditivo é o elemento mais importante e eficiente para o processo de aquisição das habilidades de comunicação oral. Conseqüentemente, a fala de deficientes auditivos severos e profundos mostra alterações em todos os níveis, inclusive quanto à qualidade da voz (Calvert e Silverman, 1975).

Boothroyd, Archambault, Adams & Storm (1975) e Nicherson, Kalikow & Stevens (1976) descrevem várias alterações fonatórias encontradas em deficientes auditivos severos e profundos: dificuldades para controle da função respiratória, dificuldades para controle global do pitch e loudness e padrões prosódicos alterados.

Estudos da freqüência fundamental da voz (fo) mostram que os surdos tendem a usar médias de fo mais altas e com menor variabilidade do que os ouvintes (Boothroyd & Decker, 1972; Martony, 1968). Horii (1982) mostrou que maiores médias de fo e menores desvios padrão são observados em deficientes auditivos, quando comparados com ouvintes na leitura e na fala espontânea.

Esforço vocal é percebido em julgamentos perceptuais da voz de deficientes auditivos severos e profundos, bem como através de sinais físicos de tensão muscular e posturas corporais tensas que incluem: elevação de ombros e tórax, padrões respiratórios exagerados, mímica facial acentuada, exagero dos movimentos de abertura e fechamento da boca e tensão dos músculos cervicais (Thomas-Kersting & Casteel, 1989). Spector, Subtelny, Whitehead & Wirz (1979) consideram que as tensões nos processos respiratório, fonatório e articulatório são fundamentais na determinação dos problemas vocais em falantes surdos e sugerem programa de treinamento pára obtenção de emissão mais natural e relaxada.

Dificuldades para controlar o fluxo aéreo expiratório durante a emissão são característica freqüentemente encontrada nos portadores de deficiência auditiva. Estudos aerodinâmicos mostram níveis de fluxo aéreo extremamente aumentados durante a produção de certos segmentos consonantais (Gilbert, 1974; Whitehead & Barefoot, 1983) e vocálicos (Itoh, Horii, Daniloff & Binnie, 1982).

Deficientes auditivos podem apresentar alterações de ressonância por inadequação da função velofaríngea ou por modificações no posicionamento dos elementos que constituem o sistema periférico da fala.

Estudos radiológicos de mulheres surdas mostraram configurações aberrantes do trato vocal na emissão de vogais produzidas com excessiva ressonância faríngea, caracterizadas por: neutralização da posição da língua, elevação do hióide e retração da língua, associada à deflexão da epiglote, na parte laríngea da faringe (Subtelny, 1992).

Utilizando protocolo constituído por avaliação da fala, audiometria comportamental, videonasofaringoscopia, videofluoroscopia e eletromiografia, Isunza & Vasquez (1993) afirmam que os deficientes auditivos podem apresentar distúrbio funcional do esfíncter velofaríngeo decorrente da ausência de controle acústico da fonação. Lapine, Stewart & Tatchell (1991) encontraram, em um grupo de crianças com deficiência auditiva, níveis de nasalância indicativos de hipernasalidade.

Alterações laríngeas podem ser encontradas em indivíduos que apresentam uso inadequado da voz. Fendas glóticas, de diferentes tipos e graus, são encontradas em disfônicos e em indivíduos sem problemas vocais. Sederholm, Mc Allister, Dalkvist & Sundberg (1995) examinaram um grupo de escolares, com idades em torno de 10 anos, através de microlaringo-estroboscopia indireta. Das 47 crianças examinadas, quatro apresentavam nódulos de pregas vocais, das quais três tinham fenda em ampulheta; e 14 crianças, com voz normal, não classificadas como roucas, apresentavam fechamento glótico incompleto de vários tipos. Pruszewicz, Demenko & Wika (1993) utilizaram exame estroboscópico e encontraram diminuição da amplitude vibratória e fechamento incompleto da porção posterior da glote em muitos indivíduos com deficiência auditiva. Pinho (1992) descreve diferentes tipos de fendas glóticas e suas causas, com o objetivo de organizar procedimentos terapêuticos adequados.

Patologias respiratórias têm sido consideradas como fator predisponente para o desenvolvimento de distúrbios da voz. Todavia, no estudo de Kay (1992), em 42 crianças com nódulos vocais e idades acima de 10 anos, alergias e infecções de vias aéreas superiores raramente foram encontradas. Sederholm, Mc Allister, Dalkvist & Sundberg (1995) não encontraram nenhuma relação entre alterações da voz, alergias e infecções de vias aéreas.

MATERIAL E MÉTODO

A amostra foi constituída por 89 indivíduos portadores de deficiência auditiva sensorioneural pré-lingual, severa e profunda, que freqüentavam escola especial. As idades variaram de nove anos e nove meses a 21 anos e dois meses, com média de 14 anos e cinco meses.

Todos os indivíduos foram submetidos a exame laringoscópico indireto, com espelho de laringe números 4 e 5, espelho frontal e fonte luminosa de 100 watts. Anestesia com Xylocaína spray a 10% foi utilizada, quando necessária. Um profissional fonoaudiólogo com experiência no trabalho com deficientes auditivos, e no uso de comunicação gestual, participou do exame no sentido de facilitar a comunicação com os mesmos.

Um questionário sobre características da voz (pitch, loudness e nasalidade) e esforço vocal perceptível foi respondido pelos professores dos indivíduos estudados (Anexo 1).

Outro questionário que investigava as características da voz, esforço vocal perceptível e presença de sintomas de alergias das vias respiratórias foi respondido pelos pais (Anexo 2), na presença e com ajuda do investigador, com o objetivo de se obter maior precisão nas respostas. Responderam a este questionário, por diferentes razões, somente os pais de 76 dos indivíduos da amostra.

RESULTADOS

A Tabela I mostra os resultados obtidos a partir do questionário com os professores, em relação aos aspectos da voz, em termos de pitch e loudness.

A Tabela II mostra os resultados obtidos a partir do questionário com os pais no que diz respeito a alterações das características da voz

A Tabela III mostra os resultados obtidos a partir do questionário com os professores em relação à presença de esforço fonatório fisicamente perceptível. O Gráfico 1 mostra como se manifesta este esforço.

Manifestações Perceptíveis

A Tabela IV mostra os resultados obtidos a partir do questionário aplicado aos pais em relação à presença de esforço fonatório fisicamente perceptível.















Gráfico 1 - Manifestações físicas de esforço vocal ns repostas dos professores.



Gráfico 2 - Distribuição das manifestações físicas através das quais se manifesta o esforço vocal.



O Gráfico 2 mostra a distribuição dos sinais, através dos quais se manifesta o esforço.

Manifestações Físicas

A Tabela V mostra os resultados obtidos quanto à presença de nasalidade vocal, a partir dos questionários dos professores e dos pais.

Na Tabela VI estão os resultados obtidos na laringoscopia indireta quanto à estrutura e função das falsas pregas vocais.

Na Tabela VII estão os resultados obtidos no exame laringoscópico, quanto ao estado morfológico das pregas vocais, e a Tabela VIII mostra os fenômenos que impediram a visualização das pregas vocais.

A Tabela IX mostra os resultados obtidos na laringoscopia indireta com relação ao fechamento glótico.

A Tabela X mostra os resultados obtidos a partir do questionário com os pais; quanto à presença de sinais de alergia das vias respiratórias, e quantos destes indivíduos apresentavam alterações das características vocais.




















DISCUSSÃO

Os dados obtidos sobre a análise perceptual auditiva da voz dos indivíduos, a partir do questionário dos professores, revelam número significativo de alterações vocais quanto ao pitch (42 em 89) e quanto ao loudness (44 em 89). Número significativo de indivíduos mostrou alterações descritas pelos professores, como variações entre grave e agudo, e podem, eventualmente, representar, período de muda vocal (30 em 89). Na análise dos pais há número ainda maior de alterações da voz (46 em 76), porém número significativo destas são descritas como uso de voz intensa (23 em 46), que pode decorrer fundamentalmente da falta de monitoramento auditivo. Estes dados estão de acordo com os achados de alterações vocais em deficientes auditivos encontrados na literatura (Boothroyd, Archambault, Adams & Storm,1975; Nickerson, Kalikow & Stevens, 1976, Martony, 1968; Boothroyd & Decker, 1972; Horii, 1982).

Esforço fonatório durante a emissão é percebido fisicamente pelos professores, em 46 dos 89 indivíduos, principalmente através de prejuízo de inteligibilidade (30 indivíduos), tensão cervical (22 indivíduos), articulação tensa (21 indivíduos) e mímica facial exagerada (21 indivíduos). Menor número de pais percebem a ocorrência de esforço (23 em 76), principalmente por aumento da intensidade da voz, (17 indivíduos), tensão cervical (13 indivíduos) e turgescência venosa cervical (nove indivíduos). Esforço fonatório, percebido através de características da voz e sinais físicos de tensão muscular, é descrito por Thomas-Kersting & Casteel, 1989. Por outro lado, são demonstrados níveis de fluxo aéreo aumentados na emissão de consoantes e vogais em surdos (Gilbert, 1974; Whitehead & Barefoot, 1983, Itoh, 1982). Considerando a importância da tensão e do esforço fonatório, Spector, Subtelny, Whitehead & Wirz (1979) sugerem que os deficientes auditivos devem submeter-se a programa de treinamento específico para a obtenção de emissão natural e relaxada.

Alteração da ressonância vocal caracterizada pela presença de nasalidade é percebida por número razoavelmente significativo de professores (37 em 89) é por número menor de pais (oito em 76). Esta diferença pode estar relacionada à maior atenção dos professores às características da comunicação de seus alunos e também ao treinamento que eles recebem durante a formação profissional. Distúrbios ressonanciais por alterações posicionais do trato vocal são encontrados em deficientes auditivos (Subtelny, 1992). Isunza & Vasquez (1993) e Lapine, Stewart & Tatchell (1991) relatam hipernasalidade, por disfunção do esfíncter velofaríngeo, associada à deficiência auditiva.

A laringoscopia indireta não foi possível em sete indivíduos, por diversas condições, descritas na Tabela VI, as quais podem também ocorrer em ouvintes. Alterações funcionais das falsas pregas vocais foram encontradas em oito indivíduos, entre os quais a medialização com vibração consistente impossibilitou a visualização das pregas vocais em um deles. Assim, foram examinadas as pregas vocais de 81 indivíduos.

Edema e hiperemia das pregas vocais estavam presentes em três casos. Foi observado fechamento glótico incompleto, de vários tipos e graus, em 18 dos 81 indivíduos. Nossos achados mostram número pouco menor de fendas glóticas do que o encontrado por Sederholm, Mc Allister, Dalkvist & Sundberg (1995), em população diferente, pois relatam presença de fendas glóticas em 14 indivíduos de uma população de 47 crianças, com idade em torno de 10 anos e com audição normal. Pruszewicz, Demenko & Wika (1993), com exame estroboscópico, encontraram fendas glóticas posteriores em muitos deficientes auditivos, porém não relatam o número exato de indivíduos.

História de alergia das vias respiratórias, a partir do questionário dos pais, apareceu em 33 indivíduos, dos quais 10 mostravam alterações da voz. Nos estudos de Kay (1982) e Sederholm, Mc Allister, Dalkvist & Sundberg (1995) não foram encontradas relações entre problemas vocais e quadros infecto-alérgicos de vias respiratórias.


Anexo 1

Nome do Aluno:____________________________________________________________
Série:________________________________________________Data:_____/_____/_____

Estamos fazendo um estudo sobre características da voz das crianças surdas e precisamos da sua colaboração. Responda às questões sobre o aluno acima mencionado, com base nas observações feitas em classe e em outras atividades.

1. Alguma característica na comunicação chama sua atenção?
SIM ( ) NÃO ( )

E na voz?
SIM ( ) NÃO ( )

Pode escrever? _____________________________________________________________
_________________________________________________________________________

2. Do ponto de vista da "altura" (grave/agudo), a voz é:
Muito aguda ( ) Muito Grave ( )
Normal ( ) Varia entre grave e aguda ( )

3. Do ponto de vista da intensidade (forte/fraca), a voz é:
Muito forte ( ) Muito fraca ( )
Normal ( ) Variações forte/fraca ( )

4. Percebe alterações de ressonância (voz nasal, fanhosidade)?
NÃO ( )
SIM ( ) SEMPRE ( )
ÀS VEZES ( )

5. Faz esforço para falar?
SIM ( ) NÃO ( )

6. Se a resposta anterior foi sim, como você percebe o esforço?
Tensão no pescoço ( ) Veias saltadas no pescoço ( )
Esforço (mímica) facial ( ) Prejuízo da inteligibilidade ( )
Voz forte ( ) Articulação tensa ( )

Outros:____________________________________________________________________________________________________________________________________________


Anexo 2

Nome: ___________________________________________________________________
D/N:_____/_____/______ Data:_____/_____/____
Entrevistado: ______________________________________________________________
Entrevistador:______________________________________________________________

1. Percebe alguma alteração na voz? SIM ( ) NÃO ( )
Descreva:__________________________________________________________________________________________________________________________________________

2. Tem crises de rouquidão? SIM ( ) NÃO ( )
Associadas a: Processos gripais ( ) Mudanças de temperatura ( )
Uso vocal excessivo ( ) Gritos ( ) Gelados( )
Outro ( ) _________________________________________________________________
_________________________________________________________________________

3. Voz é nasalizada?
NÃO ( )
SIM ( ) SEMPRE( ) ÀS VEZES ( )

4. Faz esforço para falar? SIM ( ) NÃO ( )
Como se manifesta? Tensão Cervical ( ) Turgescência Venosa Cervical ( )
Mímica facial ( ) Prejuízo de inteligibilidade ( ) Voz forte ( )

Outros ___________________________________________________________________

5. Sinais de afecções das vias respiratórias
Obstrução nasal ( ) Corisa aquosa ( ) Corisa espessa ( )
Esternutos em salva ( ) Prurido nasal ( ) Prurido ocular ( )
Intolerância a pó ( ) Intolerância a odores ( )

6. Infecções freqüentes de garganta? SIM ( ) NÃO ( )

7. Broncoespasmo SIM ( ) NÃO ( )
INFÂNCIA ( ) ATUAIS ( )


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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3. CALVERT, D. & SILVERMAN, S. - Speech and deafness. Washington, D. C: A. G. Bell Association for the Deaf, 1975.
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* Médico Foniatra e Diretor Geral da DERDIC-PUCSP. Professor Assitente do Curso de Fonoaudiologia da PUCSP.

Endereço para correspondência: Rua Dra. Neyde Apparecida Sollitto, 435 - CEP: 04022-040 - São Paulo/ SP.
Artigo recebido em 13 de agosto de 1996. Artigo aceito em 17 de outubro de 1996.

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