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Ano:  1983  Vol. 49   Ed. 4  - Outubro - Dezembro - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 20 a 29

 

SURDEZ NEURO-SENSORIAL ASSOCIADA A OTITE MÉDIA SEROSA

Autor(es): CARLOS A. OLIVEIRA 1
FRANCISCO A. S. BANDEIRA 2

Resumo:
Nos últimos quatro anos os autores trataram quatro casos de disfunção tubária, dois deles com efusão serosa no ouvido médio e todos com disacusia neuro-sensorial. Alguns pacientes se queixavam também de tinnitus e de sintomas vestibulares. Nesta comunicação os AA. relatam estes casos em detalhe e fazem comentários sobre possíveis relações etiopatogênicas entre disfunção tubária e otite média serosa e surdez neuro-sensorial e sintomas vestibulares. Em 1975, Armstrong relatou brevemente dois casos de otite média serosa apresentando-se com disacusia neuro-sensorial, tinnitus e crise vertiginosa. Ele não comentou as possíveis conexões etiológicas existentes entre otite média serosa e surdez neuro-sensorial mas adiantou que os sintomas relacionados ao ouvido interno foram resolvidos com o tratamento da otite média serosa (miringotomia e inserção de tubos de drenagem) (1). Desde então não há nenhuma outra referência na literatura à associação de otite média serosa e disfunção tubária com surdez neuro-sensorial e sintomas vestibulares. Nos últimos quatro anos nós tratamos quatro pacientes com disfunção tubária, dois deles com efusão serosa na caixa do tímpano e todos com surdez neuro-sensorial de início recente. Alguns apresentavam também sintomas vestibulares. Nesta comunicação nós relatamos em detalhe as histórias clínicas e os resultados do tratamento nestes pacientes e comentamos as possíveis relações existentes entre otite média serosa e disfunção tubária de um lado e surdez neuro-sensorial e alterações vestibulares de outro.

RELATO DOS CASOS

Caso 1 - Paciente de sexo masculino, 60 anos de idade, atendido por um internista no dia 11 de novembro de 1978. Queixava-se de pressão no ouvido esquerdo e acentuada diminuição da audição no mesmo ouvido. Estes sintomas tinham começado há duas semanas, durante um episódio de resfriado comum. Também relatava desequilíbrio constante, sem que houvesse sensação vertiginosa desde o início da doença. A história otológïca pregressa era negativa. Otoscopia feita durante a visita ao internista foi positiva para otite média serosa no ouvido esquerdo. Foi então tratado com medicação anti-histamíruca e descongestionante. No dia 19 de novembro de 1978 foi visto pelos autores com a mesma problemática clínica. A otoscopia neste dia mostrava retração da membrana do tímpano no ouvido esquerdo mas não havia sinais de fluido no ouvido médio. O audiograma feito no mesmo dia é apresentado na figura 1. O paciente foi mantido com a mesma medicação e colocado em repouso em casa por uma semana. No dia 27 de novembro de 1978 foi visto novamente. Estava subjetivamente bem, a otoscopia do ouvido esquerdo era normal e um novo audiograma feito nesta data é apresentado na figura 2.



Figura 1 - Caso 1 - Audiograma no dia 19 de novembro de 1978. Surdez neuro-sensorial moderada no ouvido esquerdo. Configuração plana da curva audiométrica.



Figura 2 - Caso 1 - Audiograma no dia 27 de novembro de 1978. A audição no ouvido esquerdo voltou ao normal.



Caso 2 - Paciente do sexo feminino, 51 anos de idade, vista pela primeira vez pelos autores no dia 26 de abril de 1979: Queixava-se de tinnitus e surdez no ouvido direito. Três semanas antes tivera um forte resfriado e desde então abusava sensação de entupimento no ouvido direito. Quando seus sintomas começaram, há três semanas, foi vista por um otorrinolaringologista em sua cidade de origem e ele constatou disfunção tubária com retração da membrana timpânica bem como surdez neuro-sensorial moderada a severa no ouvido direito, A paciente foi então aconselhada a procurar os autores. Na primeira visita encontramos, à otoscopia, retração da membrana do tímpano no ouvido direito. Otoscopia pneumática mostrava acentuada diminuição da mobilidade da membrana do tímpano do mesmo lado. O audiograma feito durante esta visita é apresentado na figura 3. Foi prescrita medicação descongestionante e anti-histamínica e recomendado repouso no leito, em casa. No dia 4 de maio de 1979 os sintomas tinham desaparecido e a audição tinha voltado ao normal (Figura 4). Otoscopia nessa data mostrava membrana do tímpano normal e normalmente móvel no ouvido direito.



Figura 3 - Caso 2 - Audiograma no dia 26 de abril de 1979. Surdez neuro-sensorial moderada a severa no ouvido esquerdo. Configuração plana da curva audiométrica.



Figura 4 - Caso 2 - Audiograma no dia 4 de maio de 1979. Audição no ouvido direito voltou ao normal.



Caso 3- Paciente do sexo feminino, 32 anos de idade, foi vista pelos autores no dia 8 de agosto de 1980. Queixava-se de pressão no ouvido esquerdo, tinnitus, diminuição da audição no mesmo ouvido e sensação vertiginosa intensa. Uma semana antes tivera dor no mesmo ouvido e fora tratada com antibióticos. A história otológica pregressa era negativa. A otoscopia, a membrana tímpânica esquerda apresentava-se opaca e não se movia bem quando examinada com o otoscópio pneumático. Não havia sinais de infecção e a impressão era de otite média serosa no ouvido esquerdo. O audiograma feito na primeira visita é apresentado na figura 5 e o resultado da timpanometria na figura 6. No dia 6 de agosto ela foi vista novamente porque as crises vertiginosas haviam piorado. Miringotomia e inserção de tubo de drenagem foram efetuados no mesmo dia, com anestesia local. Abundante secreção serosa foi aspirada do ouvido médio do lado esquerdo. Audiograma imediatamente depois da inserção do tubo de drenagem é apresentado na figura 7. Um dia mais tarde as crises vertiginosas tinham desaparecido completamente mas continuava o tinnitus no ouvido esquerdo. Este último sintoma foi desaparecendo gradualmente e no dia 15 de outubro de 1980 tinha desaparecido por completo. Audiograma desta data é apresentado na figura 8.



Figura 5 - Caso 3 - Audiograma no dia 8 de agosto de 1980. Surdez neuro-sensorial moderada no ouvido esquerdo. Curva audiométrica descendente.



Figura 6 - Caso 3 - Resultado de timpanometria no dia 8 de agosto de 1980, O ouvido esquerdo é representado pelo traçado interrompido, que é compatível com otite média serosa. O ouvido direito tem uma curva timpanométrica normal.



Figura 7 - Caso 3 - Audiograma no dia 9 de agosto de 1980. Audição no ouvido esquerdo voltou ao normal.



Figura 8 - Caso 3 - Audiograma no dia 15 de outubro de 1980. Não há melhora adicional no ouvido esquerdo em relação ao dia 9 de agosto do mesmo ano. Não há melhora adicional no ouvido esquerdo em relação ao dia 9 de agosto do mesmo ano.



Figura 9 - Caso 4 - Audiograma no dia 12 de agosto de 1980. Surdez neuro-sensorial moderada com curva audiométrica ascendente no ouvido esquerdo.



Figura 10 - Caso 4 - Audiograma no dia 21 de agosto de 1981. Audição no divido esquerdo não mudou em relação ao dia 12 de agosto.



Caso 4- Paciente do sexo masculino, 28 anos de idade, atendido no dia 12 de agosto de 1981 com queixas de pressão, tinnitus e surdez no ouvido esquerdo. Estes sintomas tinham começado dois dias antes. A história otológica pregressa era negativa. Otoscopia mostrava uma membrana do tímpano retraída e imóvel no ouvido esquerdo. O paciente não conseguia ventilar o ouvido médio esquerdo com a manobra de Valsalva mas experimentava sensação vertiginosa sempre que tentava esta manobra. Audiograma feito durante a primeira visita é apresentado na figura 9. Recomendamos repouso absoluto em casa e prescrevemos medicação descongestionante e anti-histamínica. No dia 21 de agosto do mesmo ano o paciente desobedeceu as instruções e realizou esforço físico. Seu tinnitus piorou imediatamente. Audiograma deste dia é apresentado na figura 10. Foi-lhe recomendado novamente repouso absoluto e a mesma medicação. A otoscopia nesta data era igual à anterior. No dia 25 de agosto de 1981 seus sintomas haviam desaparecido, a otoscopia era normal e o audiograma desta data é apresentado na figura 11.



Figura 11 - Caso 4 - Audiograma no dia 25 de agosto de 1981. Audição no ouvido esquerdo voltou ao normal.



COMENTÁRIOS

Desde o trabalho original de Carhart sobre alterações na condução óssea em doentes operados de otosclerose (2) é sabido que alterações patológicas do ouvido médio podem mudar os limiares de condução óssea. Poder-se-ia argumentar portanto que as alterações verificadas na condução óssea nestes casos são apenas conseqüências da afecção do ouvido médio, não havendo envolvimento real do ouvido interno. Sem dúvida uma melhor documentação audiométrica destes casos seria desejável para afastar definitivamente esta hipótese. Entretanto se tomarmos em consideração o quadro clínico nestes pacientes em combinação com os resultados audiométricos o envolvimento do ouvido interno torna-se claro em todos eles. Todos os quatro pacientes se apresentaram com tinnitus, dois com sintomas vestibulares evidentes e um com vertigem incapacitante (Caso 3).

Durante um episódio de disfunção tubária existe usualmente pressão negativa no ouvido médio. Poder-se-ia tentar explicar os sintomas relacionados com o ouvido interno nestes casos através da transmissão de pressão negativa do ouvido médio para o interno através das janelas oval e redonda. Esta diferencial de pressão poderia romper membranas intralabirínticas como propuseram Simmons (3) e Goodhíll (4). Esta explicação porém é inaceitável porque a magnitude das pressões envolvidas não seria suficiente para causar rotina de membranas labirínticas.

Labirintite virótica aguda é uma das causas aceitas para surdez súbita (5, 6). É perfeitamente possível que uma infecção virótica possa causar uma tubo-timpanite com otite média serosa e ao mesmo tempo afetar o ouvido interno, provocando surdez neuro-sensorial. Neste caso a otite média serosa e os sintomas relacionados com o ouvido interno teriam uma causa comum, mas não haveria relação direta entre eles. Os casos 1, 2 e 4 poderiam facilmente ser explicados deste modo se considerarmos que o tratamento da otite média serosa não teve influência na evolução dos sintomas de envolvimento do ouvido interno, que melhoraram espontaneamente. Entretanto seria difícil explicar a melhora dramática da sensação vertiginosa e da perda auditiva neuro-sensorial no caso 3 imediatamente depois de drenarmos o ouvido médio: a vertigem, que era incapacitante, desapareceu no mesmo dia e a perda neuro-sensorial desapareceu em 24 horas. Somente o tinnitus auris permaneceu por cerca de um mês.

Existem várias substâncias tóxicas em secreções contidas no ouvido médio em casos de otite média serosa (7). Sabemos também que a membrana da janela redonda é permeável a estas substâncias (8, 9). Com base nestes fatos podemos tentar explicar a associação de sintomas, que discutimos da seguinte maneira: uma tubo-timpanite virótica levaria a bloqueio da trompa de Eustáquio e otite média serosa. Substâncias tóxicas contidas na efusão serosa do ouvido médio entrariam para ó espaço perilinfático através da membrana da janela redonda. Uma labirintite tóxica seria a causa dos sintomas relacionados com o ouvido interno. Uma objeção válida a esta explicação é o período de tempo relativamente curto para o contato entre a efusão serosa do ouvido médio e a membrana da janela redonda. Esta objeção só poderia ser respondida através de estudos mais precisos de permeabilidade desta membrana em que cronometragem do tempo de transporte de macromoléculas através dela fosse realizada.

No momento, achamos que as seguintes conclusões são adequadas:

a) a associação de surdez neuró-sensorial, tinnitus e vertigem com episódios de disfunção tubária e otite média serosa é rara mas definitivamente ocorre. O otologista deve estar atento para esta possibilidade;

b) não é possível afirmar que o tratamento da afecção do ouvido médio tem influência na evolução dos sintomas relacionados com o ouvido interno em todos os casos. Entretanto, miringotomia e drenagem do ouvido médio podem ter efeitos dramáticos sobre. os sintomas relacionados com o ouvido interno (Caso 3);

c) nós aventamos algumas hipóteses para explicar esta intrigante combinação de sintomas mas a resposta final com respeito à etiopatogenia desta síndrome depende de mais experiência clínica e pesquisas básicas.

SUMMARY

During the last four years the authors have treated four cases of Eustachian tube dysfunction, two of them with serous effusion in the middle ear and all of them presenting with sensori-neural hearing loss. Some of them had tinnitus and vestibular symptoms as well. We report these cases in detail and we make comments on the possible etiologic connections between Eustachian tube dysfunction and serous otitis media and sensori-neural hearing loss with vestibular symptoms.

This work was dope at the Division of Otolaringology and Head and Neck Surgery of the Faculdade de Ciências da Saúde of the Universidade de Brasília and at the Otolaryngology Clinic of the Hospital das Forças Armadas, Brasília, D.F.

AGRADECIMENTOS:

Gostaríamos de agradecer ao Sr. João Brasil, que fez o trabalho de fotografia para esta comunicação.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 - ARMSTRONG, B.W. - Serous effusion of the middle ear. Laryngoscope, 8s: 129-131, 1975.
2 - CARHART, R. - Effects of stapes fixation on bone conduction response. In Schuknecht, H. (Editor): Otosclerosis Chapter_14, p. 175. Little, Brown and Company, Boston, 1962.
3 - SIMMONS, F.B. - Theory of membrane breaks in sudden hearing loss. Arch. Otolaryng, 88: 67-74, 1968.
4 - GOODHILL, V. - Sudden deafness and round window rupture. Laryngoscope, 81: 1462-1474, 1971.
5 - SCHUKNECHT, H.F.; BENITEZ, J.; BEEKHUIS, J.; IGARASHI, M.; SINGLETON, G. & RUEDI, L. - The pathology of sudden deafness. Laryngoscope, 72: 1142-1157, 1962.
6 -- BEAL, D.D.; HEMENWAY, W.G.; LINDASAY, J.R. - Inner ear pathology of sudden deafness. Arch. Otolaryng., 85: 591-598, 1967.
7 - JUNH, S.K.; PAPARELLA, M.M.; KIM, C.S.; GOYCOOLEA, M.V. & GIEBINK, S. - Pathogenesis of otitis media. Ann. Otol. Rhinol. & Laryngol., 86: 481-492, 1977.
8 - PAPARELLA, M.M.; ODA, M.; HIRAIDE, F. & BRADY, D. - Pathology of sensorineural hearing loss in otitis media. Ann. Otol. Rhinol. & Laryngol., 81: 632-647, 1972.
9 - BRADY, D.R.; PEARSE, J.P. & JUNH, S.K. - Permeability of round window membrane to Na ² ² or RISA. Arch. OtoMinolaryngol., 214: 183-184, 1976.




Trabalho realizado na Divisão de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília e na Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Forças Armadas, Brasília, DF.

1 - Professor Colaborador Nível IV do Departamento de Medicina Especializada da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília. Coordenador da Disciplina de Otorrinolaringologia e Broncoesofagologia.
2 - Chefe da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Forças Armadas, Brasília, DF.

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