Versão Inglês

Ano:  1983  Vol. 49   Ed. 3  - Julho - Setembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 18 a 21

 

ADESIVO DE FIBRINA-CONCEITOS E APLICAÇÕES EM SEPTOPLASTIAS

Autor(es): EDMIR AMÉRICO LOURENÇO 1
SIDNEY ANTONIO FINATTI PACHECO 2
CLEMENTE ISNARD RIBEIRO DE ALMEIDA 3
MÁRCIO COSSI 4

Resumo:
As septoplastias constituem procedimento rotineiro em Otorrinolaringologia. Decidimos testar a cola biológica de fibrina em seis pacientes adultos, portadores de desvios acentuados do septo nasal.

HISTÓRICO

A preocupação em se utilizar um adesivo biológico; que cola tecidos sem a utilização e o inconveniente da sutura convencional, é antiga, tendo surgido a partir de Bergel (1909), que utilizou fibrina em pó para tamponamento de pequenos vasas. A partir daí Grey e Harvey (1915) passaram a utilizar fibrina em camadas no tratamento de lacerações de órgãos parenquimatosos. Em 1942 Seddòn Medawar utilizou o fibrinogênio em neuroanastomoses, técnica essa que foi aperfeiçoada em 1950 por Tarlov e Benjamin. Em cirurgia plástica, a fixação de enxertos cutâneos com mistura de fibrinogênio e trombina foi realizada pela primeira vez em 1944, por Cronkite. A partir daí o uso do adesivo começou a ser abandonado em decorrência da impossibilidade, na época, em se obter concentrados de fibrinogênio de alto teor. Em 1972, H. Matras iniciou trabalhos com uso de adesivo, dessa vez usando crio precipitados de até 90 a 125% de fibrinogênio.

Outros trabalhos seguiram-se a esse, mostrando resultados cada vez mais animadores.


MECANISMO BIOQUÍMICO DE AÇÃO DO ADESIVO E SEUS CONSTITUINTES

T: Trombina (endopeptidase)
Fo: Fibrinogênio
MFa: Monômeros de fibrina (união por pontes H+, instáveis)
Fa: Fibrina (união dos monômeros por pontes covalentes, estáveis)
XIIIi: Fator estabilizante da fibrina forma inativa - FSFi.
XIIIa: Fator estabilizante da fibrina forma ativa - FSFa.



O FSF, descoberto em 1961 por Beck e colaboradores, é uma (i2 globulina, encontrado no plasma sob forma inativa. Na presença de trombina e íons cálcio, transforma-se em sua forma ativa.

Ainda na presença de trombina e íons cálcio, moléculas de fibrinogênio unem-se por pontes hidrogênio, formando um retículo de fibrina frouxo e instável. Na presença do FXIIIa, esse retículo torna-se estável e resistente, uma vez que as pontes H+, por reações de transamidação, são substituídas por ligações covalentes. Mesmo assim, esse coágulo pode ser lisado por proteases tais como calireína, tripsina, quimotripsina e plasmina. Essa lise do coágulo de fibrina pode ser retardada por dois fatores: concentração de XIIIa e presença de inibidores de proteases (aprotinina,
ácido epsilon aminocapróico - E ACA). Os inibidores de proteases unem-se de forma reversível às mesmas, bloqueando sua ação.

Os constituites do adesivo são o crioprecipitado de fibrinogênio humano, a trombina bovina, o fator estabilizante da fibrina (FSF), os íons cálcio e os fatores inibidores de proteases. Esses fatores são encontrados sob a forma liofilizada, com exceção das soluções de cloreto de cálcio e aprotinina. 0 manuseio desses componentes deve ser feito observando-se sempre os princípios de assepsia e sempre a temperatura de 37°C. Fora dessa temperatura poderá ocorrer precipitações e entupimentos das agulhas.

Inicialmente deve-se diluir o liofilizado de fibrinogênio (FXII - imuno - Inc, Viena, Áustria - 90 - 110 mg%) com solução de aprotinina ("Trasylol" - Bayer - 14 mg/ 10 ml = 100.000 U.I.C. Unidades Inibidoras de Calicreína) mantendo-se essa solução a 37°C.; prepara-se a segunda solução com trombina (FII - "Topostasine" - Roche - 10 mg = 3.000 NIH), fator estabilizante da fibrina (F)UII - Behringweke - Marburg) e cloreto de cálcio à concentração de 5,46 mmol/l. Prontas, as duas soluções devem ser mantidas em banho-maria a 37°C, até o momento de utilização.

Quando as duas soluções entram em contato, forma-se em quatro a seis segundos um gel pegajoso e incolor que em tornó de três minutos solidifica-se, formando um coágulo elástico e leitoso de fibrina.

VANTAGENS

O adesivo de fibrina apresenta inúmeras vantagens sobre a sutura convencional ou adesivos sintéticos como o Cyanoacrilato. Sendo biológico, não se comporta como corpo estranho ou agente irritante local; sua absorção é completa, não provocando reações tipo granuloma de corpo estranho ou fístulas por rejeição do material.

A união das superfícies se faz em toda a extensão das mesmas e não somente em determinados pontos, levando a uma coaptação interrompida das partes. Por ser elástico, pode ser empregado em áreas de movimentação como é o caso das dobras.

Pela sua própria natureza, imitando o final do processo coagulacional, promove hemostasia de pequenos e médios vasos na área utilizada, evitando a formação de hematomas e conseqüentes complicações. É de grande utilidade no tratamento de feridas em órgãos parenquimatosos, onde outros métodos terapêuticos apresentam dificuldades técnicas. Seu uso é fácil em locais de difícil acesso (ex.: lacerações da duramáter) onde outros métodos apresentam limitações.

APLICAÇÕES DO ADESIVO EM CIRURGIAS

Cirurgia plástica: Enxertos livres e pediculados (elasticidade); Traumatologia: Lesões tangenciais, escoriações e lacerações de tecidos; Cirurgia reparadora: Nas grandes perdas tãcíduais (ex.: pós-ressecção de neoplasias); Neuroanastomoses: Pela diminuição no tempo, traumatismo, além da ausência de toxicidade; Cirurgias de vias digestivas e respiratórias altas: Pela diminuição de estenose cicatricial; Cirurgia ORL.: Roturas traumáticas de MT; Amigdalectomia; Adenoidectomia; Septoplastia; Rinoplastia; Cirurgia otológica; Miringoplastía, Timpanoplastia, Mastoidectomia e Neuroanastomose VII. Tratamento cirúrgico da Doença de Osler (cirurgia de Saunders).

METODOLOGIA

Técnica cirúrgica:

Em três pacientes operados utilizamos técnica cirúrgica sem ressecção da cartilagem quadrangular e nos outros três pacientes realizamos ressecção com reposição da cartilagem. Em todos os casos ressecamos os excessos cartilaginosos e eventuais desvios ósseos posteriores.

Utilização da cola:

Inicialmente colocamos todos os frascos e ampolas em banho-maria a 37° C.

Adicionando aos dois frascos de crioprecipitado (com fibrinogênio em alta concentração) 1 ml de água destilada, temos a solução 1.

Adicionando ao topostasine (Roche) 4 ml de Ringer lactado e 1 ml de cloreto de cálcio, temos a solução 2.

Depois de corrigirmos o septo, de acordo com as necessidades de cada caso, colocamos, ao longo dos túneis, 1 ml de solução 1 com auxilio de seringa e uma agulha de raquianestesia (100 x 10). A seguir, com outra seringa e agulha, adicionamos nos mesmos locais 1 ml da solução 2. O total da cola utilizada foi 2 ml em todos os casos. Após a colocação das duas soluções, procedemos à compressão septal com o próprio espéculo nasal longo (90 mm), para que houvesse colabamento máximo dos túneis. Assim mantivemos durante 10 minutos.

A consistência do conjunto muco-septal após este período de tempo é elástica. Em alguns pacientes procedemos à aproximação das bordas da incisão com um ou dois pontos de catgut simples, com finalidade comparativa.





CONCLUSÕES E COMENTÁRIOS

A cola biológica de fibrina quando utilizada em condições ideais, que analisaremos a seguir, apresenta as seguintes vantagens nas septoplastias:

1 - Dispensa tamponamento nasal.

2 - Facilita a reparação de esgarçamentos da mucosa sem necessidade de sutura.

3 - Pode dispensar ponto de fixação da cartilagem. 4 - Dispensa sutura da incisão.

5 - Reduz consideravelmente o tempo cirúrgico.

6 - Condiciona extrema comodidade ao binômio médico-paciente.

Na análise crítica de nossos resultados, concluímos que:

1.° - A cirurgia deve ser o menos traumatizante possível, pois o traumatismo excessivo leva a aumento da fibrinólise e destruição da cola.

2.º - Após introdução das duas soluções e formação da cola, melhor que comprimirmos o conjunto muco-septal com o espéculo longo seria tamponarmos ambas as narinas por 10 minutos, retirando os tampões a seguir, ou mesmo utilizarmos peça metálica para esse efeito.

3.º - A utilização de quantidades de cola maiores que 2 ml certamente melhorará os resultados.

4.° - A utilização de hemostáticos conhecidos comercialmente como Trasylol (aprotinina - Bayer) ou Ipsilon (EACA - Nikko) para lavagem dos túneis antes da utilização da cola diminui a fibrinólise, aumentando seu poder de ação, segundo a literatura internacional, o que não realizamos nos casos citados.

5.º - Embora a cola de fibrina seja hemostática e biológica, o sangramento deve ser mínimo no momento de sua utilização, uma vez que com pouco sangramento a própria cola faz a hemostasia dos pequenos e médios vasos. Além disso, o sangramento excessivo remove a cola. Para obtermos condições ideais de sangramento, deveremos utilizar infiltração com vasoconstritores, hipotensão controlada e os hemostáticos pré-citados para lavar os túneis antes da introdução da cola.

6.° - No caso de má aderência da mucosa pela cola, a decisão de tamponarmos as narinas deve ser tomada no Centro Cirúrgico.

7.° - A cola de fibrina já foi utilizada na Áustria em Ortopedia, para enxertos ósseos, reposição de ossos ou cartilagens, com vantagens sobre outros adesivos ou suturas. Na reposição da cartilagem ou osso em septo e rinoplastias pode substituir com vantagens outros adesivos, como o cianoacrilato, que agem como corpos estranhos.

8.° A cola de fibrina utilizada no passado tinha uma concentração diminuta de fibrinogênio e por este motivo os resultados não eram bons.

9.° Os resultados são encorajadores. Mesmo nos três casos que deixaram o Centro Cirúrgico tamponados houve uma aderência parcial dos túneis no pós-operatório imediato, apesar dos fatores adversos já analisados.
empregar métodos mais tradicionais e lá consagrados.

SUMÁRIO

Sempre que se propõe algo de novo em terapêutica, quer clínica ou cirúrgica, encontra-se certo ceticismo por
parte da classe médica, muitas vezes acostumada a empregar métodos mais tradicionais e lá consagrados.

O advento do adesivo de fibrina e sua utilização em Cirurgia deverd reduzir muito o trabalho do cirurgião e equipe, oferecer maior rapidez no ato cirúrgico, maior eficiência nos resultados e menor número de complicações, beneficiando sobremaneira médico e paciente.

O presente trabalho, com utilização da cola em septoplastias, mostrou resultados animadores, livres de complicações, provando que a mesma é segura desde que empregada dentro da metodologia preconizada.

SUMMARY

This work presents six cases of nasal surgery in which fibrine adhesive was used with no complications.

BIBLIOGRAFIA

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1 - Professor Assistente nível I e Chefe da Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina de Jundiaí,SP.
2 - Professor Assistente-voluntário da Disciplina de ORL da Faculdade de Medicina de Jundiaf-SP.
3 - Titular da Disciplina de ORL da Faculdade de Medicina de JundiaÍ - SP.
4 - Médico Colaborador da Disciplina de ORL da Faculdade de Medicina de Jundiaí--SP.

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