Versão Inglês

Ano:  1983  Vol. 49   Ed. 1  - Janeiro - Março - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 34 a 38

 

AMIGDALECTOMIA "A QUENTE" NO TRATAMENTO DO ABSCESSO PERIAMIGDALIANO

Autor(es): OTACILIO LOPES 1
NEY PENTEADO DE CASTRO JR. 2
HELOISA HELENA DE MACEDO 3

INTRODUÇÃO

O abscesso periamigdaliano é um quadro grave, agudo e que se desenvolve como uma complicação de uma amigdalite quando a infecção se propaga aos tecidos periamigdalianos. Não obstante tenha sido reconhecido e tratado há mais de um século, não há unanirnidade sobre a melhor forma de tratá-lo. Para Cantarel (1) o tratamento mais empregado nos EUA para o tratamento desta patologia é a incisão e drenagem, seguida de uma tonsilectomia algumas semanas mais tarde (amigdalectomia "a frio").

Chassaignac (2), em 1859, já propunha a amigdalectomia "a quente", com a drenagem e amigdalectomia feitas em um só tempo cirúrgico. Virtanes (3), em 1949, publica um detalhado estudo, talvez o mais completo já publicado, a respeito de 3.000 casos de amigdalectomia "a quente", sem relatar qualquer complicação.

Recentemente Harma et al. (4) relatam que nos países escandinavos há uma tendência de se proceder à amigdalectomia após sete dias de internação, com a administração de antibióticos (amigdalectomia"a morno"). Estes autores justificam seu procedimento, como conseqüência da estrutura do próprio atendimento médico nos países nórdicos, mas enfatizam que a forma ideal seria a amigdalectomia "a quente". Per Bonding (5) em 269 casos de abscesso periamigdaliano, tratados com cirurgia "a quente" encontrou um predomínio do Haemophilus Influenzae (20%) seguido do S. Beta Haemolitycus (13 %) e o Staphylococcus Aureus (10%).

A localização do abscesso periamigdaliano é variável e Keat Jin Lee et al. (6) chamaram a atenção de que ele nem sempre se situa no pólo superior amigdaliano. Beeden & Evans (7), em um estudo sobre a localização do abscesso, em 68 casos, confirmaram que apenas 42% dos mesmos tinham seu local no pólo superior; o restante (58%) estava distribuído em outras regiões (posterior, ântero-lateral e inferior).

Brandow Jr. (8) em uma série de 156 pacientes com abscesso periamigdaliano tratados cirurgicamente encontrou o abscesso no pólo superior em 70%; da região lateral em 22%; do pólo inferior em 8% e multiloculado (associação da localização superior e lateral) em 2%.

Nos casos estudados por Keat Jin Lee et al. (6), dos 29 pacientes, 97% tinham história anterior de amigdalites de repetição e 14% tinham apresentado quadro de abscesso periamigdaliano prévio.

Nielsen & Greisen (9) fizeram um estudo prospectivo de 45 pacientes com abscesso periamigdaliano tratados apenas com drenagem e aspiração. Dos pacientes com idade inferior a 30 anos, 53% não apresentaram problemas posteriores; 47% apresentaram recorrência do problema amigdaliano e tiveram que se submeter à amigdalectomia.

Dos pacientes com idade superior a 30 anos, 12% foram submetidos à amigdalectomia por recorrência do quadro amigdaliano. Este estudo abrangeu um período de três anos. Baseados nos resultados destas observações, estes autores propõem a amigdalectomia "a quente", como o tratamento ideal, particularmente nos pacientes com menos de 30 anos de idade.







Figura 1

Localizaçães dos abscessos periamigdalianos segundo BRANDO WJr. (8).

Holt & Tinsley (10) efetuaram estudo semelhante em um grupo de pacientes com menos de 12 anos de idade. Destas 41 crianças, 28 foram tratadas com drenagem e antibioticoterapia, cinco com cirurgia "a quente" e seis com cirurgia após alguns dias. A análise da evolução destes pacientes, observados por um período de seis meses a 10 anos, levou os autores a recomendar a amigdalectomia "a quente", na criança, quando existir história anterior de anginas de repetição, ou ainda quando existirem complicações decorrentes das anginas.

Outro estudo interessante foi realizado por Herbild & Bonding (11). Eles observaram pacientes adultos que foram tratados apenas com incisão e drenagem. Eles foram acompanhados por períodos que variavam de três anos e meio a oito anos. Dos pacientes sem queixas amigdalianas anteriores, 56% passaram a ter crises de angina após o abscesso. Suas conclusões coincidem com as dos estudos de outros autores, isto é, o tratamento do abscesso periamigdaliano deve ser a amigdalectomia "a quente" em pacientes jovens e em pacientes com crises anginosas de repetição; nos com idade acima de 40 anos, a amigdalectomia "a quente" não é o tratamento de eleição, pois nesta faixa etária a recorrência de problemas amigdalianas é rara.

A amigdalectomia "a quente" tem sido praticada na Clínica de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo há 10 anos. Com o objetivo de avaliar a eficácia de tal método, foram analisados os pacientes com abscesso periamigdaliano tratados com a amigdalectomia "a quente" no período de 1973 a 1980. Esta afecção aparentemente simples levou, segundo Scheideman-Del (12), o primeiro Presidente dos EUA a uma morte inesperada em 1799, após uma evolução fulminante com apenas 21 horas de duração.

MATERIAL E MÉTODOS

Nosso estudo relata a evolução pré, intra e pós-operatória de pacientes internados na Clínica de Otorrinolaringologia da Santa Casa de S. Paulo com o diagnóstico clínico de abscesso periamigdaliano. Todos os pacientes foram internados e submetidos a um tratamento pré-operatório com 2.000.000 UI de penicilina cristalina IV a cada quatro horas, para adultos, e doses proporcionais para crianças em decorrência de peso e idade.

No dia seguinte ao da internação o paciente foi submetido a amigdalectomia sob anestesia geral com entubação endotraqueal. Este procedimento, em todos os pacientes, foi precedido de alguns exames de laboratório como hemograma e coagulograma. Em todos os pacientes a amigdalectomia foi feita pelo método de dissecção e a hemostasia com catgut. O simples, ou por sutura contínua, na face medial da loja amigdaliana, ou por pontos separados. A antibioticoterapia por via parenteral foi mantida nas 24h após a cirurgia e no terceiro dia aplicou-se penicilina benzatina, após o que o paciente recebeu alta hospitalar.

Dos 306 pacientes pesquisados, foram considerados apenas 33 no presente estudo, uma vez que no prontuário dos restantes havia omissão (involuntária) de dados importantes para a nossa análise. 0 bsenteísmo dos pacientes para a devida evolução pós-operatória foi a causa mais freqüente de exclusão destes pacientes.

A distribuição segundo o grupo etário (em intervalos de 10 anos) e segundo o sexo está na tabela I.

Nestes pacientes, cerca de 80% apresentavam idade inferior a 30 anos, com moda no grupo etário de 21 a 30 anos (55%); a distribuição segundo o sexo foi eqüitativa: 45% para o sexo feminino e 55% para o sexo masculino.

A tabela II demonstra a distribuição percentual dos principais dados da anamnese.


Tabela I: distribuição percentual segundo o grupo etário e o sexo no abscesso periamigdaliano. N: 33
Abscesso periamigdaliano Quadro Clínico N: 33



Tabela II : Distribuição percentual dos dados da anamnese no abscesso periamigdaliano. N: 33



Quando foram consideradas as amigdalites de repetição, observou-se um maior rigor na definição das mesmas, quando comparadas com outros autores, pois com este termo foram definidos os pacientes com mais de quatro crises anginosas anuais, que necessitaram de antibioticoterapia para controlá-las.

A febre foi considerada quando a hipertermia detectada pelo paciente era maior que 38 C, durante qualquer período evolutivo do abscesso.

A odinofagia e a disfagia de intensidade crescente foram os sintomas mais expressivos da anamnese: na maioria dos pacientes estes sintomas foram de tal intensidade que desencadearam a sialorréia e dificuldade alimentar.

A avaliação otorrinolaringológica destes pacientes forneceu-nos os seguintes dados (tabela III):


Tabela III - Distribuição percentual dos dados do exame ORL nos pacientes com abscesso periamigdafano.



A toxemia foi avaliada segundo um conjunto de parâmetros formados pelo grau de palidez, prostração, % desidratação, descoramento das mucosas (anemia) e alterações do sensório. Todos os pacientes no momento do exame apresentaram sinais de toxemia sendo que a maioria (60%) em grau leve.

O trismo, em 70% dos pacientes, dificultou e ocasionalmente impossibilitou um cuidadoso exame da faringe.

Curiosamente, a incidência de abscesso periamigdaliano foi maior à direita; uma minoria de casos teve o abscesso bilateral (6%).

RESULTADOS

Todos os pacientes considerados neste estudo foram submetidos a amigdalectomia "a quente", segundo detalhes previamente citados.

A evolução nos períodos pré-operatório, pós-operatórios imediato e tardios forneceram os seguintes dados que podem ser analisados na tabela IV.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A maioria dos sintomas diminuíram consideravelmente no pós-operatório imediato, com

conseqüente melhoria do estado geral dos pacientes e desaparecimento da toxemia. Apesar de ocorrer um maior número de pacientes no pós-imediato com dificuldade para se alimentar, de uma forma geral este sintoma foi de mínima intensidade e cerca de 75% dos pacientes solicitaram alimentação logo que se recuperaram da anestesia.


TABELA IV - Distribuição percentual nos períodos pré e pós-operatório imediato e tardio, dos principais sintomas e dados clínicos, no abscesso periamigdaliano.



A cirurgia, do lado do abscesso periamigdaliano, foi facilitada pelo deslocamento do tecido areolar proporcionado pelo abscesso e o sangramento na loja operada foi mínimo; o sangramento em todos os casos foi maior no lado da amígdala sem o abscesso. Em 6°% dos pacientes, houve um discreto sangramento no pós-imediato, aproximadamente igual ao que ocorre em amigdalectomia de rotina.

A alta hospitalar foi usualmente dada no pós-operatório imediato, no máximo até 48h após a cirurgia, com acentuada melhoria do paciente, observada no oitavo dia, quando de seu retorno para novo exame e alta definitiva.

CONCLUSÕES

a) A amigdalectomia "a quente" reduz, rapidamente, o curso natural do abscesso periamigdaliano evitando as recidivas freqüentes;

b) A cirurgia é facilitada pelo deslocamento promovido pelo próprio abscesso;

c) O sangramento intra-operatório não foi maior que numa cirurgia de rotina, sendo até menos intenso no lado comprometido;

d) O pós-operatório mostrou um intenso e imediato alívio dos sintomas apresentados;

e) A cirurgia "a quente" evita uma nova intervenção, tornando o tratamento mais barato e compatível com nossa
realidade econômica;

f) Em nenhum dos pacientes operados houve qualquer complicação ou morbidade decorrente da intervenção realizada; por estas razões recomendamos este procedimento como o ideal no tratamento do abscesso periamigdaliano.

REFERÊNCIAS

1. CANTRELL, R.W. - Quinsy tonsillectomy. Laryng. 86: 1714-1717, 1976.
2. CHASSAINGNAC, E. - Traite protique de Ia suppuration et du drainage chisurgicale, apud CANTRELL cit. n.°1.
3. VIRTANEN, V.S. - Tonsillectomy as treatment of acute peritonsilitis, with clinical and statisticai observations. Acta Otolaryng. Suppl. 80: 1-173, 1949.
4. HARMA et al. - Abscess tonsillectomy à tiède. Acta Otolaryng. Supp1. 360: 67-69, 1979.
5. PER BONDING - Tonsillectomy à chaud. J. Laryng. 87: 1171-1182, 1973.
6. KEAT-JIN LEE et al. - Tonsillectomy: treatment of peritonsillar abscess. Tr. Am. Acad. Ophth & Otol. 77: 417-421, 1973.
7. BEEDEN & EVANS - Quinsy tonsillectomy-A further report. Jour. Laryngol. and Otol, 84: 443-448, 1970.
8. BRANDOW Jr. E.- Inunediate tonsillectomy for peritonsillar abscess. Tr. Am. Acad. Ophth & Otol.,77: 442416, 1973.
9. NIELSEN V.M. & GREISEN, O. - Peritonsillar abscess. J. Laryngol. & Otol. 95: 801-807, 1981.
10. HOLT G.R. & TINSLEY P.P. Jr. - Peritonsillar abscesses in children. Laryngoscope 91:1226-1230, 1981.
11. HERBILD, O. & PER BONDING - Peritonsillar abscess. Arcar. Otolaryngol. 107: 540-542,1981.
12. SCHEIDEMANDEL, H.H.E. - Did George Washington die of Quinsy ? Arch. Otolaryngol. 102: 519-521, 1976.




Trabalho da Clínica de Otorrino, da F.C.M. da Santa Casa de S. Paulo.

1 - Professor Titular
2 - Professor Assistente
3 - Residente de terceiro ano

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