Ano: 1983 Vol. 49 Ed. 1 - Janeiro - Março - (2º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 13 a 16
OSTEOMAS DO CONDUTO AUDITIVO EXTERNO
Autor(es):
NELSON ALVARES CRUZ FILHO 1
JOSÉ EVANDRO PRUDENTE DE AQUINO 2
Resumo:
Os autores apresentam dois casos de osteoma do conduto auditivo externo. Discutem as indicações e técnicas cirúrgicas, chamando a atenção para a possibilidade de acidentes operatórios que devem ser bem conhecidos pelo cirurgião no tratamento desses tumores.
INTRODUÇÃO
Os osteomas do conduto auditivo externo são tumores ósseos muito raros. Crescem lenta e progressivamente e localizam-se preferencialmente na sutura timpanoescamosa. Esses tumores que são comumente únicos podem estar unidos à parede do conduto por base ampla ou serem pedunculados. Quando formados por osso poroso são denominados esponjosos, que são os mais raros e quando constituídos de osso compacto, ebúrneos, os mais comuns.
Os sintomas apresentados por esses tumores dependem sobretudo de seu tamanho e são mais pronunciados quando sua extensão ultrapassa os limites do conduto e invade o ouvido médio. A hipoacusia condutiva normalmente ocorre por obstrução do conduto auditivo externo pela massa tumoral só e(ou) cerume e restos de pele descamada, cuja remoção é muitas vezes difícil. Alguns pacientes são assintomáticos sendo o osteoma achado de exame. Para melhor avaliação clínica do caso, dois exames devem ser feitos: audiometria e exame radiológico.
A audiometria tonal poderá revelar uma hipoacusia de condução ou mesmo audição normal se o tumor for pequeno.
O exame radiológico tem como objetivo principal determinar a extensão do tumor em relação ao ouvido médio e ao aqueduto de Falópio no maciço do facial.
A politomografia em incidéncias frontal e sagital costuma dar a informação desejada.
O que despertou o interesse para o estudo desses tumores foi fundamentalmente o problema cirúrgico que representam e os riscos de acidentes cirúrgicos (paralisia facial e traumatismo de cadeia ossicular) que devem ser bem conhecidos pelo cirurgião.
RESUMO DOS CASOS
Caso 1: M.E.S., 31 anos, fem., branca.
Hipoacusia progressiva e zumbidos de pequena intensidade e passageiros à esquerda há dois anos.
Exame ORL. Otoscopia Esquerda - Tumor de consistência óssea com base na parede póstero-inferior, terça médio do conduto e ocluindo quase totalmente sua luz. A direita normal.
O restante do exame ORL era normal.
Audiometria tonal - Air-borre-gap de 20 dB à esquerda com via óssea normal; à direita audição normal.
Politomografia - Mostrou tumor de consistência óssea, esponjoso, estendendo-se até a proximidade da membrana timpânica e ocluindo quase totalmente o C.A.E. esquerdo (Figs. 1 e 2).
Figura 1 - Politomografia em perfil mostrando o osteoma, ocupando grande porção do conduto e a 3ª porção do nervo facial a 5 mm da parede posterior do CAE.
Figura 2 - Politomografla em Guilien mostrando o osteoma ocluindo quase totalmente o CAE e próximo à membrana timpânica.
Cirurgia realizada por via de acesso retreauricular pela técnica de Shambaugh com broqueamento da porção externa e medial do tumor, após deslocamento da pele que o recobria, restando lâmina óssea no seu topo e na porção interna.
Ao fraturá-la, o restante do tumor se desprendeu e foi extraído, ficando toda a luz do conduto livre. Broqueamento de sua base póstero-inferior com broca de diamante. A pele foi assentada no conduto que teve a luz preenchida por gelfoam e algodões ancorados.
Exame Anatomopatológico - Osteoma com diâmetro de 0,7cm.
Audiometria Tonal de Avalaçáo - Fechamento do air-bonegap.
Caso 2: C.M., 34 anos, masc, branco.
Hipoacusia progressiva esquerda e dificuldade para remoção de cerume desse ouvido há um ano.
Exame ORL. Otoscopia Esquerda - Tumor ósseo no terço médio do conduto, ocupando sua por ao inferior e impedindo a observação da membrana timpânica. A direita normal. Restante do exame ORL normal.
Audiometria Tonal - air-bone-gap de 25 dB à esquerda com via óssea normal; à direita audição normal.
Cirurgia realizada por via de acesso retroauricular. Após deslocamento da pele que recobria o tumor, broqueou-se sua porção medial com fratura de sua porção superior. Em seguida, com broca de diamante alisou-se o local de implantação do osteoma. Rebatida a pele para sua posição original, que foi comprimida por gelfoam e algodões ancorados.
Exame Anatomopatológico - Osteoma com 0,4 em de diâmetro cujo corte histológico é mostrado na fig. 3. Audiometria de avaliação - Fechamento do air-bone-gap do ouvido esquerdo; à direita audição normal.
Discussão
É interessante ressaltar as diferenças entre os osteomas e as oxostoses do conduto auditivo externo.
Figura 3 - Corte histológico com aumento de 80 vezes, mostrando tecido ósseo esponjoso revestido por epitélio pavimentoso esUatificado não queratinizado.
Quanto ao aspecto clínico os osteomas são unilaterais e quase sempre únicos, enquanto as exostoses são bilaterais, simétricas e múltiplas. No concernente à etiopatogenia as exostoses são relacionadas freqüentemente com a prática da natação em água fria, o que não acontece com os osteomas. Essa relação foi descrita pela primeira vez por Van Gilse(r) e teve sua comprovação experimental nos trabalhos de Fowler e Osmum(2 ) que irrigando ouvidos de cobaias com água fria conseguiram reproduzir exostoses.
Sheehy(3) propôs que nos baseássemos apenas no aspecto clínico no diagnóstico diferencial entre as duas afecções.
Muitos autores, baseados na anatomia patológica, não fazem diferença entre osteomas e exostoses pelo fato de não terem encontrado diferenças histológicas entre ambos, Para Graham(4 ), que fez estudo dessas lesões com microscopia comum e microscopia eletrônica, tratam-se de entidades diferentes. As diferenças histológicas que assinala são mostradas no quadro I.Quadro I
Essas diferenças, se de fato notadas, poderiam ser detectadas simplesmente pela microscopia comum, segundo patologistas especializados em osso.
Outro aspecto a ser discutido é o da indicação cirúrgica dos osteomas do conduto auditivo externo.
Shambaugh(5), Kline e Pearce(6) consideram que os osteomas devem ser operados somente quando dão sintomas que incomodem o paciente.
Sheehy(3) é de opinião contrária achando que o osteoma deve ser sempre removido, mesmo que não cause sintomas porque seu crescimento pode resultar em complicações. Na vigência dessas torna-se necessário, muitas vezes, fazer-se uma cirurgia menos conservadora como é o caso da mastoidectomia radical para retirada do tumor.
Quando existe suspeita de otite média e o osteoma dificulta a drenagem de secreção pelo conduto, a cirurgia está indicada.
Quanto à técnica cirúrgica a via de acesso ao tumor pode ser retroauricular ou endaural com incisão de Shambaugh cujo prolongamento inter-trago-helicina faculta melhor exposição do conduto. A escolha da via depende do costume do cirurgião.
Fundamentalmente esses tumores podem ser retirados por broqueamento ou com goiva e martelo.
Shambaugh(5 ), que adota o broqueamento, após descolar a pele do conduto que recobre o tumor inicia o broqueamento pela porção medial (central) do osteoma até que reste uma fina lâmina óssea no seu topo que é fraturada sucessivamente. Prossegue o broqueamento esvaziando o osteoma e restituindo a luz do conduto.
Labayle et al. C) preferem fazer um abaixamento progressivo do tumor com goiva e martelo e em cinco de seus seis casos abriram a caixa do tímpano pelo fato de o tumor avizinhar-se da membrana timpânica. Em dois dos pacientes notaram a associação com otosclerose e aproveitaram o mesmo tempo cirúrgico para realização de estapedectomia. Não parece aconselhável esse procedimento.
Os mesmos autores sugerem técnica combinada esvaziando-se o osteoma superiormente com broca e abaixamento progressivo da porção profunda com goiva e martelo.
Qualquer que seja a técnica empregada deve-se tomar muito cuidado com manobras mais bruscas para respeitar o nervo facial, caso a base do osteoma esteja na parede póstero-inferior do conduto pois o nervo facial está a poucos milímetros dessa parede.
Nossa preferência é pelo trabalho com brocas, evitando-se goiva e martelo pelo risco de fratura óssea e repercussão sobre estruturas nobres (nervo facial, membrana timpãnica e cadeia ossicular).
Appaix et al. (8) em seu livro sobre acidentes iatrogênicos em terapêutica otorrinolaringológica, em que estudam casos de acidentes cirúrgicos de responsabilidade profissional, relatam quatro casos de paralisia facial, dois que tiveram cofose e um que se complicou com meningite e abscesso de cerebelo, após cirurgia para exérese de osteoma do C.A.E. Frisam que essa intervenção não merece a reputação de fácil, sobretudo em casos de osteomas obstrutivos.
CONCLUSÕES
1 - Os osteomas devem ser bem estudados em radiotomografia para correto planejamento cirúrgico.
2 - Os osteomas sintomáticos devem ser sempre operados.
3 - O cirurgião deve conhecer a possibilidade de acidentes cirúrgicos e redobrar os cuidados nos casos de maior porte e na dependência de sua localização.
RÉSUMÉ
Les auteurs présentent deux cas d'ostéome du conduit auditif externe. fls discutent les indications et les techniques chirurgicales, attirant 1 attention sur Ia possibilité d'accidents opératoires qui doivent être bien connus par le chirurgien dans le traitement de ces tumeurs.
BIBLIOGRAFIA
1. VAN GILSE, P.H.G. - Des observations ulterieures sur Ia genese des exostoses du conduit externe par firritation d'eau froid. Acta Otolaryngol. 26: 343-352, 1938.
2. FOWLER, E.P. Jr., OSMUN, P.M. - Bone Growth due to cold water in the ears. Arch. Otolaryngol. 36: 455-466, 1942.
3. SHEEHY, J.L. - Osteoma of the External Auditory Canal. Laryngoscope 68: 1667 - 1673, 1958.
1 - Médico residente de ORL do Hospital das Clínicas da FMUSP.
2 - Assistente de Otologia (Prof. Nelson A. Cruz).